quarta-feira, 31 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11892: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (2): Mobilização

1. Segundo episódio das "Memórias da Guiné" do nosso camarada Fernando Valente (Magro) (ex-Cap Mil Art.ª do BENG 447, Bissau, 1970/72), que foram publicadas em livro no ano de 2005:


MEMÓRIAS DA GUINÉ

2 - A Mobilização

Em Setembro de 1969 sou mobilizado, sendo integrado num Batalhão que estava a ser formado em Chaves com destino à Guiné.
O Comandante de uma das Companhias, Capitão Pardal (do quadro permanente) baixou ao Hospital Militar e eu fui designado para o substituir. Munido das análises e do relatório médico dirigi-me a Chaves, onde cheguei ao fim de um determinado dia.

Na manhã seguinte apresentei-me ao Comandante de Batalhão e referi-lhe o que tinha acontecido comigo, relatando-lhe a cólica renal de que teria sido acometido e mostrando-lhe os documentos que me acompanhavam.

- Já tomou o pequeno almoço? - perguntou-me o Comandante.
- Não, ainda não, respondi-lhe.
- Então venha daí comigo e enquanto o tomamos juntos vamos conversando.

Nessa conversa que tivemos fiz-lhe ver que para o Batalhão que comandava não era aconselhável ter um Comandante de Companhia (um capitão) fisicamente diminuído e que me parecia dever procurar-se, em primeiro lugar, o meu restabelecimento completo antes de iniciar funções.
Concordou comigo e mandou chamar o médico para me observar. Dessa inspecção médica resultou que, nesse mesmo dia, fui mandado para o Hospital Militar do Porto.

Aí apresentei as minhas queixas no que respeitava à parte renal mas também fiz questão em referir que fazia a digestão dos alimentos com dificuldade e tinha permanentemente azia.
Fui por isso sujeito a diversas análises à urina e ao sangue.

Quando os resultados foram conhecidos pelo médico este chamou-me ao seu consultório e fez-me algumas perguntas:
- O Senhor Capitão consome bebidas alcoólicas com frequência?
- Não. Raramente bebo vinho e quando o faço é com muita moderação. Quando muito bebo um copo a certas refeições.
- Nunca teve hepatite?
- Não, que eu saiba não.
- Olhe Senhor Capitão, para África o Senhor não vai, concerteza. Há aqui uma análise que nos dá valores muito altos: quatro cruzes.
- Quatro cruzes? Mas isso é um cemitério. Doutor, o que se passa? Estou a ficar intranquilo.

O médico acabou por me aconselhar calma e decidiu que, durante quinze dias, passaria a fazer uma rigorosa dieta e que, no final dessas duas semanas, voltaria a fazer novas análises.
Com este contratempo, em Chaves não puderam esperar mais por mim e fui substituído no Batalhão que estava para partir para a Guiné.

As novas análises apresentaram somente duas cruzes, o que já não foi considerado grave. Quanto às minhas queixas na região lombar verificou-se que, além de pedras nos rins, eu tinha uma deficiência congénita: uma das vértebras finais da minha coluna vertebral não tinha ossificado completamente, pelo que, possivelmente, era essa anomalia a causadora da incomodidade que sentia quando estava algum tempo na posição de pé. Defeito de fabrico. Nada que fizesse parte da lista de doenças que impedissem o cumprimento do serviço militar. Tive, por isso, alta do Hospital, e apresentei-me na minha unidade de origem: o Grupo de Artilharia Contra Aeronaves nº 3, em Paramos, Espinho. Unidade essa que, no caso de Portugal ser atacado, fazia parte da defesa antiaérea da cidade do Porto.

Parada actual do ex-GACA 3 de Espinho

Nunca percebi porque pertencendo eu a uma arma de artilharia antiaéria teria de integrar uma Companhia de Infantaria.
Como já havia sido mobilizado para a Guiné, fiquei, por isso, hipotecado a essa província ultramarina, como acontecia então.

Passei a fazer parte de uma lista de rendição individual. Quando chegasse a minha vez renderia na Guiné um Capitão que, porventura, viesse a ser evacuado por doença ou ferimento. Nessa situação e com base numa disposição vigente na altura, ofereci-me para efectuar uma comissão civil no território da Guiné, solicitando, por isso, que a minha futura mobilização fosse suspensa.

O resultado dessa minha iniciativa foi o seguinte:
"Por despacho de S.Exª o Secretário de Estado do Exército foi indeferido o requerimento em que o Cap. Milº de Artª Fernando de Pinho Valente do G.A.C.A. 3 requer suspensão da mobilização para o C.T.I. (Comando Territorial Independente) da Guiné, até ser despachado o seu oferecimento para o mesmo C.T.I. em cumprimento de comissão civil.
Nos termos do mesmo despacho deverá ser o oficial informado que a sua passagem à comissão civil está a ser considerada."

Perante isto resolvi escrever uma carta pessoal ao General Spínola, Governador e Comandante-Chefe da Guiné.
Nessa carta referia que, não sendo militar profissional, tinha dúvidas acerca da minha futura actuação como Comandante de uma Companhia Operacional. Não estava em causa a minha colaboração no esforço que estava sendo levado a efeito na Guiné, mas pela formação que tinha e pelas boas provas que já havia prestado como técnico de engenharia, julgava eu que poderia dar muito melhor rendimento no desenvolvimento sócio-económico que sabia estar a verificar-se na Província do que propriamente no campo militar.

Uns dias antes de me chegar a mobilização para substituir o Capitão Milº Quintela que havia sido alvejado com um tiro num braço na região de Serpa Pinto, recebi uma carta do Secretário do General Spínola onde me era dito que o Senhor Governador e Comandante-Chefe tinha tomado em muito boa conta as palavras da minha carta e que, quando chegasse à Província, lhe pedisse audiência que ele me receberia.

Na altura fiquei optimista e lembro-me de dizer à Lena:
- Olha, suponho que a guerra da Guiné está ganha.

Ela queria que eu pedisse uma nova Junta Médica, mas resolvi esperar pela nova mobilização. Mobilização que passados dias chegou.

Procurei lugar num dos táxis da praça de Viseu, que se dirigiam a Lisboa regularmente nessa altura. Acabei por arranjar lugar num deles.
Os meus companheiros de viagem deram-me o lugar da frente.

Despedi-me da Lena e do miúdo que ficaram lavados em lágrimas.
Pus uns óculos escuros e durante alguns quilómetros não falei. As lágrimas rolaram-me ininterruptamente pela cara.

Às 2 horas da manhã desse dia voava na TAP para a Guiné.

(Continua)


in "Memórias da Guiné" de Fernando Magro - Edições Polvo, Ldª - 2005
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 24 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11865: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (1): A incorporação na vida militar

Guiné 63/74 - P11891: De regresso, com o fotojornalista Daniel Rodrigues... As fotos que eu gostaria de poder voltar a tirar (1): Os putos de Candamã, regulado do Corubal (Torcato Mendonça, Fundão, ex-alf mil, Cart 2339, Mansambo, 1968/69)










Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor de Mansambo >  Camdamã > 1969 > Fotos Falantes III > Aspectos da tabanca em autodefesa de Candamã. O 2º Gr Comb, comandado pelo alf mil Torcato Mendonça, vindo de Mansambo, foi destacado em Julho/Agosto de 1969, para o reforço do subsector de Galomaro, incluindo as tabancas em autodefesa de Cansamba e Candamã. O Gr Comb do Torcato Mendonça voltaria a Candamã, já no final da Comissão, em Outubro de 1969, no mês em que se realizaram as eleições para a Assembleia Nacional... 

Fotos:  © Torcato Mendonça (2012). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Comentário de Torcato Mendonça ao poste P11888 (*)

Olá,  Luís Graça,

Ainda não estou ON...estou a sair do OFF. Foi quase um mês fora do "circuito". Ontem já falei com o Carlos Vinhal e tento arrumar, além dos obrigatórios, os "postes" do Blogue, comentários e e-mails. Os do Blogue são uma resma e os restantes estão seleccionados...por alto. Vai com calma e não esqueci a tal Lança Afiada.

Quanto *a foto do Daniel Rodrigues,  já falei nela com o Luìs Dias, se me não engano, ou com outro "Dulombi". Além disso tenho o Blogue do Daniel na minha "Pasta Fotografia". Acho a ideia gira, como giro seria fotografar os meninos de Candamâ e outros das Fotos Falantes e outras que nem sei aonde estão (disco externo? Talvez.), São do Blogue,  claro,  e tiradas por mim.

Escrevi porque estas fotos do Dolombi me impressionaram e trouxeram-me, com emoção, outras aqui saídas e a questão é: quantos meninos a que demos aulas, alguma comida, ensinamentos etc., estarão vivos ? Agora vou fechar isto e tentarei ver da varanda as estrelas...Abraço,  Camarada T. .....Ainda doi, não é?...Vidas!!!

2. Nós da memória > Os putos de Candamã (**)
por Torcato Mendonça 

Parecem bandos de pardais os Putos… os Putos…Não, estes não eram esses putos. Estes viviam nas Tabancas de Candamã e Afiá, como em muitas outras por essa Guiné fora. Alegres, brincalhões, bem dispostos, sorrisos francos e abertos os destes putos. Felizes? Penso que sim, dentro das limitações impostas.

Tinham pouco, tão pouco e, mesmo assim, nada pediam talvez pela sua timidez e educação. Os olhos,  esses,  tudo diziam, olhares iguais a de outros miúdos, aos dos putos do fado ou dos putos de nossas vilas e aldeias que nesse tempo, a maioria, pouco mais tinham que esses putos de Candamã ou das Tabancas.

Aos poucos fomos conquistando a sua confiança. Dava-se algo, tratava-se de uma ferida infectada, pedia-se para executarem uma simples tarefa. A sua curiosidade, a alegria espontânea,  levava-os a de pronto ajudar. Para eles éramos pessoas diferentes, não só na cor, mas no vestir, nos hábitos, na comida. As armas eram o poder da força que parecíamos ter.

Andavam à nossa volta timidamente e sem incomodar, aproximando-se mais na hora das refeições mas sem nada pedir. Fomos nós a oferecer do pouco que tínhamos. Talvez pareça estranho mas não abundava a nossa comida e, de quando em vez, havia “rotura de stock”.

Acabamos, não recordo de quem foi a ideia, por fazer uma Escola para os putos. Não privilegiámos o ensino do 1, 2, 3…ou do a, e, i, o, u. Procurámos, dentro das nossas possibilidades, transmitir conhecimentos diversos como regras de higiene, tratar dos pequenos problemas de saúde e outros, onde também se inseriam o ensino das letras e números e, talvez mais importante, fazendo deles os elos de ligação entre nós e a comunidade onde nos inseríamos. Seria fundamental esta interligação entre as duas culturas. Já tínhamos algum tempo de Guiné e sabíamos quanto isso era importante. A Escola foi o local onde eles iam aprendendo e apreendendo muito bem tudo o que lhes ensinado e, ao mesmo tempo, o local de integração mutuo.

Eram outros saberes e procurávamos nunca violentar os deles antes apreende-los e assim melhor entender como ali se devia viver. Desse modo creio, mesmo hoje, que todos beneficiaram. Pouco podíamos fazer pela melhoria da saúde ou higiene deles. Os nossos recursos e conhecimentos eram muito limitados. Pedíamos à sede da Companhia e geralmente apareciam. A sarna era debelada com Thiosan, a pele era melhorada com sabonetes Lifeboy (seriam estes os nomes?) e as pomadas e líquidos LM . [, Laboratório Militar,] para tudo davam.

Depois das “aulas”, pouco tempo sentados para não aborrecer, tínhamos a ginástica, o jogo com a bola de trapos e outros jogos simples. Tudo a passar-se no largo das moranças do Régulo e com a bandeira de Portugal no mastro. Era diariamente hasteada e arreada pelos homens das Tabancas. Muitas vezes assistíamos. Afazeres diversos, que se prendiam com a nossa vida militar, não permitiam a assiduidade que devíamos ter. Era uma vida em que as horas, e muito mais, eram limitativas dessa e de outras disponibilidades. Eram sempre os homens da tabanca a tratar daquela sua bandeira. O Régulo, quando estava, assistia sempre. Um homem extraordinário o António Bonco Baldé.

Voltando aos putos, depois das aulas e dos jogos vinha o banho, os saltos para a água, a lavagem com o sabão e sabonete.  Ressalvo um ponto: nas Tabancas era praticada a higiene. As famílias tinham instalações próprias. Não falamos dela pois sairíamos do tema: - os putos.

Os risos deles, a alegria eram contagiantes para nós, talvez, porque não, sentíssemos, nesses curtos momentos, estar num mundo diferente. Depois cada um ia à sua vida. À hora do almoço, muitos deles apareciam e da parte da tarde iam para a bolanha tentar apanhar uns pequenos peixes que nós comíamos depois de fritos e polvilhados com piri-piri. Esta troca, - este “partir” – estes peixes minúsculos por comida e outros géneros, eram o gesto da troca, da não dádiva, da dignidade da permuta. Dou e recebo.

Eram felizes os putos? Eram!

Além disso faziam de nós mais humanos, mais despreocupados e a guerra naqueles momentos devia parar. Os putos parecíamos nós. Por pouco tempo,  é certo. Não eram permitidos descuidos ou desatenções, imperdoáveis quaisquer desatenções.

Desdramatizemos e pensemos antes que todos, nós e os putos eram, naqueles momentos, bandos de pardais à solta… como os do fado…  A guerra, essa besta, estava logo ali. Mesmo hoje, ao escrever isto, sinto-a ao alcance da mão.

Esqueçamo-la e desaparece.

O que será feito dos putos? Cinquentões hoje ou a caminho disso.

Sinto saudades daquela gente. Das gentes das Tabancas, dos que comigo andavam no mato, dos que connosco combatiam ou, como dizia alguém, talvez tenha também saudades da juventude que passou…
De tudo e tanto há para recordar.

Dou-vos as fotos. Elas dizem mais do que as palavras de um velho e ex-soldado. Recordem. Vidas… lá ou cá… Adeus!
Torcato Mendonça



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor de Mansambo > Mansambo (sede da CART 2339, 1968/69) e Candamã, tabanca fula em autodefesa do regulado do Corubal > Carta do Xime (1961) > Escala 1/50 mil. Pormenor > A distância em linha reta entre Mansambo e Candamã era de 10 km... pela picada seria 15 km.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013)

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Notas do editor:

(*) vd. poste de 30 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11888: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (13): Fotojornalista famoso, Daniel Rodrigues, prémio 'World Press Photo 2013', quer fotografar alguns de nós, antigos combatentes, nos sítios originais onde tirámos as nossas melhores fotos no tempo da guerra

Guiné 63/74 – P11890: Visita à Guiné e Briefing ao General Chefe do Estado Maior do Exército, general Paiva Brandão -Bissau, 26 de Janeiro de 1974 -, (CONTINUAÇÃO – Parte III) (Luís Gonçalves Vaz)



1. O nosso amigo Luís Gonçalves Vaz, membro da Tabanca Grande e filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG - 1973/74), enviou a terceira parte sobre esta matéria, iniciada nas mensagens postadas em P11871 e P11878.

Comando Territorial Independente da Guiné

QUARTEL GENERAL 


Visita á Guiné e Briefing ao Senhor General Chefe do Estado Maior do Exército, general Paiva Brandão 


(Bissau, 26 de Janeiro de 1974)
(CONTINUAÇÃO – Parte III) 
General João Paiva Leite Brandão (CEME 1972 - 1974) e Chefe do Estado Maior do QG / CTIG, coronel Henrique Gonçalves Vaz (CEM/CTIG 1973 – 1974). 



 GUINÉ – 7 de Abril de 1974 – “Mapa de Situação”

GUINÉ - 1973 – O Comandante Chefe, general Bettencourt Rodrigues, visita uma unidade no T.O. da Guiné, acompanhado pelo “seu” CEM do QG/CTIG, coronel Henrique Gonçalves Vaz. 



Comando Territorial Independente da guiné

QUARTEL GENERAL



Briefing a sua Excelência o Senhor General Chefe do Estado Maior do Exército



(exposição do Chefe de Estado Maior do CTIG, coronel do CEM Henrique Vaz)

Continuação….


3. CONDICIONAMENTOS GERAIS DO T.O.

“… a – Muitos dos condicionamentos, ficaram expressos nas considerações anteriores, no entanto parece-me pertinente seriar alguns deles:

b – Afastamento da Metrópole;

É de facto um condicionamento, a distância a que a Guiné se encontra de Lisboa. Pelo menos este condicionamento, ainda não foi superado, pois os transportes de pessoal e de todo o material, sofrem as dificuldades da “falta de maior frequência e capacidade” dos navios que demandam a este T.O. . O mesmo se aplica aos meios aéreos.

c- Outro condicionamento é a grande dificuldade no recrutamento de pessoal qualificado, quer para o desempenho de funções que exijam um mínimo de habilitações dentro do Exército , quer mesmo para a execução de tarefas burocráticas, por civis, contratados de apoio às actividades administrativas do Exército.

d- Também é um condicionamento, a enorme dificuldade na obtenção de recursos locais para o Exército que atrás já referi.

e- Outros condicionamentos são os derivados da “configuração geográfica” e do aspecto climático do T.O. com reflexos graves no aproveitamento dos diversos meios de transporte e na conveniente manutenção e conservação dos diversos materiais, em especial, viaturas, armamento, munições e víveres, todos conducentes a desgastar e deteriorar muito rapidamente aqueles materiais e víveres.


GUINÉ - 1973 – O Comandante Chefe, general Bettencourt Rodrigues, visita uma unidade no T.O. da Guiné, acompanhado pelo comandante do CTIG, brigadeiro Banazol e pelo CEM do QG/CTIG, coronel Henrique Gonçalves Vaz. 

4. MEIOS AO DISPOR DO Q. G./ C.T.I.G.


“ … O quadro orgânico deste Quartel General é o que Vª. Exª. Pode ver em frente … (placard na sala de operações do Q.G./CTIG). Nele estão indicados os efectivos orgânicos em Oficiais, Sargentos e Praças das diversas Repartições e Serviços.


Ao lado desses números, estão indicados a vermelho os efectivos reais que foi preciso obter para que “a máquina” possa funcionar sem grandes dificuldades e sem afectar muito, o indispensável apoio às tropas do T.O. 


A comparação daqueles efectivos “diz-nos logo” da grande falta de actualidade dos Q. O. Em vigor.


Dimensionados estes Q. O. (quadros orgânicos), para apoiar efectivos globais substancialmente inferiores aos actuais, estão hoje amplamente desajustados ás necessidades.


O pessoal de recurso não é o mais apropriado, e quem sofre são as unidades “onde temos de o ir retirar”.


Este facto acarreta uma “sobrecarga excessiva” para o pessoal e é evidente, pois afeta o apoio ás tropas e todas as restantes actividades do Q.G. , apesar do desejo de todos aqueles que aqui trabalham com a maior dedicação e elevado espírito de missão.


É bastante urgente meu General que as nossas propostas de alteração aos Q.O. sejam urgentemente aprovadas, e o mais importante, que os Serviços de Pessoal do Ministério do Exército satisfaçam completamente o seu preenchimento e em tempo oportuno . 

Este é o nosso maior problema que considero “grave”, prioritário em ser resolvido, mesmo em relação ás outras dificuldades a que já aludi durante esta minha exposição.


5. Agora meu General, os Chefes das respectivas Repartições, irão efectuar as suas exposições, começando pela 1ª Repartição… “ (passou a palavra ao tenente-coronel do CEM, Cunha Ventura)...

Coronel do CEM Henrique Gonçalves Vaz in: Exposição do Chefe de Estado Maior do CTIG, no Briefing a sua Excelência o Senhor General Chefe do Estado Maior do Exército.

Nota do autor: O Coronel do CEM HENRIQUE MANUEL GONÇALVES VAZ, substituiu o Coronel do CEM JOSÉ GONÇALVES DE MATOS DUQUE, nas Funções de Chefe do Estado-Maior do CTIG, a partir de 11 de Julho de 1973. Desde 17 de Agosto de 1974, o coronel Henrique Gonçalves Vaz, foi nomeado Chefe do Estado Maior do QG unificado para o Comando Chefe e CTIG. Publicado na altura em Ordem de Serviço do Comando Chefe. 


Braga, 30 de Julho de 2013

Luís Gonçalves Vaz 
(filho do Coronel Henrique Gonçalves Vaz, então Chefe do Estado-Maior do CTIG)

Fotos (e legendas): © Luís Vaz Gonçalves (2013). Todos os direitos reservados.
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Nota de MR:

Ver a primeira parte desta matéria em:


Ver a segunda parte desta matéria em:

28 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 – P11878: Visita à Guiné e Briefing ao General Chefe do Estado Maior do Exército, general Paiva Brandão -Bissau, 26 de Janeiro de 1974 -, (CONTINUAÇÃO – Parte II) (Luís Gonçalves Vaz)


Guiné 63/74 - P11889: Parabéns a você (605): Manuel Reis, ex-Alf Mil Cav da CCAV 8350 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 30 de Julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11884: Parabéns a você (604): Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico do BCAÇ 2930 (Guiné, 1970/72); Júlio Costa Abreu, ex-1.º Cabo Comando do Gr Comandos Centuriões (Guiné, 1964/66) e Victor Tavares, ex-1.º Cabo Paraquedista da CCP 121 (Guiné, 1972/74)

terça-feira, 30 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11888: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (13): Fotojornalista famoso, Daniel Rodrigues, prémio 'World Press Photo 2013', quer fotografar alguns de nós, antigos combatentes, nos sítios originais onde tirámos as nossas melhores fotos no tempo da guerra


Foto mundialmente famosa, tirada em Dulombi, Guiné-Bissau, em 2012, pelo Daniel Rodrigues, fotojornalista, "freelancer", natural de  Vila Nova de Famalicão, que  ganhou o "óscar" da fotografia, na categoria "Daily Life" [, Vida quotidiania], no âmbito do concurso de 2013 da World Press Photo.

Foto: © Daniel Rdorigues (2013). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem de Daniel Rodrigues, fotojornalista, com data de 26/ do corrente:

Boa tarde,  Luís Graça,

O meu nome é Daniel Rodrigues. Sou aquele jovem que ganhou o World Press Photo com uma fotografia tirada na Guiné Bissau.

Estou a preparar um projeto com ex-combatentes da Guiné Bissau. Gostaria de saber se era possível falar consigo para explicar melhor o projeto e se podia me arranjar contatos de ex-combatentes.

Cumprimentos,


2. Resposta de L.G., na mesma data:
Daniel: 

Muito obrigado pelo seu contacto. É uma honra poder acolhê-lho na nossa Tabanca Grande. Terei muito gosto em apresentá-lo. E se aceitar o convite,  isso facilita contactos e abre portas. Você já é "um dos nossos", ou seja, um amigo da Guiné. Fique com os meus contactos e telefone-me (...)


3. Mensagem do Daniel Rodrigues, com data de hoje:

Olá Luís,

No seguimento da nossa conversa ao telemóvel,  envio a fotografia [, premiada,] e o texto para você publicar no blogue  e assim conseguir o máximo de ex-combatentes para o projeto.

Eu escrevo um texto pequeno e depois assim os interessados podem me pedir directamente as informações.

Apresentação do autor e do projeto:

O meu nome é Daniel Rodrigues. Sou aquele jovem que ganhou no início do ano o mais prestigiado concurso de fotografia do mundo, World Press Photo, na categoria vida quotidiana com uma fotografia que tirei durante uma missão humanitária, Missão Dulombi, no ano 2012 na Guiné Bissau mais concretamente em Dulombi
.
Desde do ano passado que fiquei com o "bichinho" da Guiné e quero lá voltar. Principalmente agora depois do prémio. É por isso que o meu próximo projeto vai ser na Guiné. E vou precisar da vossa ajuda. 

A ideia é reunir o máximo de ex-combatentes, que tenham tirado lá uma foto e voltar à Guiné para voltar a tirar exactamente a mesma foto passados esses anos todos. 

É um projeto pessoal que depois daria numa exposição e,  quem sabe,, um livro. O projeto é para ser realizado em Outubro e/ou Dezembro. 

Os interessados em participar neste projeto podem entrar em contacto comigo através do meu email: 

mail.danielrodrigues@gmail.com 

ou através do meu telemóvel:  913057599.

Muito obrigado. Cumprimentos, Daniel Rodrigues

Contactos:

www.danielrodriguesphoto.com

https://www.facebook.com/danielrodriguesphoto

mail.danielrodrigues@gmail.com

telemóvel: +351 913057599


4. Comentário de L.G.:

O nosso blogue é hoje uma importante fonte de informação e de conhecimento para todos nós, portugueses, guineenses, caboverdianos e outros, lusófonos e não lusófonos,  combatentes e não combatentes, familiares, estudiosos, investigadores, público em geral... 

É já um repositório, valioso, talvez único (pela quantidade e qualidade da documentação publicada, desde testemunhos pessoais a vídeos, de histórias de vida a fotografias, sobre a guerra colonial na Guiné e a Guiné do tempo colonial, abarcando grosso modo o período de 1961 a 1974, mas também sobre a Guiné-Bissau de hoje, país lusófono que acarinhamos e cujo povo procuramos ajudar, fraterna e solidariamente, na medida das nossas possibilidades).

A proposta do Daniel Rodrigues parece-me magnífica, original e entusiasmante: (i)  selecionar fotos do nosso passado de combatentes;  (ii)  voltar lá, ao antigo TO da Guiné, 40, 50 anos depois;  e (iii) fotografar os mesmos protagonistas nos mesmos lugares...

Ele falou-me, ao telefone, com o entusiasmo próprio do jovem e talentoso fotojornalista para quem se começam a abrir portas, depois do prémio da World Press Photo 2013. Não discuti com ele pormenores de lana caprina. Mas alguns têm de ser esclarecidos: por ex.,  não sei quais são os critérios de seleção das fotos antigas que ele vai usar (se é que já os definiu); há muitos sítios e instalações que não já existem (por ex., Gandembel) ou foram transformados (por ex., Guileje)...

Acabei agora mesmo de esclarecer, ao telefone,  mais alguns pontos: (i) os interessados serão voluntários que irão integrados na próxima Missão Dulombi, deslocando-se uns de jipe, e outros de avião (TAP);  (ii) todos os pormemnores (deslocação, estadia, etc.) serão discutidos, caso a caso, por telefone ou mail, com ele, Daniel Rodrigues; e (iii) está a negociar também patrocínios e outros apoios para este projeto e esta missão, não podendo (nem querendo agora) entrar, aqui,  em promenores sobre a parte logística da operação.

O que ele pede é que, da nossa parte,  haja voluntários, de preferência autores de  algumas das fotos mais emblemáticas do nosso blogue. Numa segunda fase, haverá que negociar a cedência de direitos de autor para uma eventual exposição e/ou publicação em livro, reunindo as fotos de ontem e de hoje. 

Gostaria, desde já, que o Daniel Rodrigues passasse a integrar a nossa Tabanca Grande e esclarecesse eventuais dúvidas dos potenciais interessados em participar neste projeto (incluindo a deslocação à Guiné-Bissau). Para esse efeito, devem desde já contactá-lo através do seu endereço de email:

mail.danielrodrigues@gmail.com 

ou através do  telemóvel:  913057599.

 Quanto aos nossos camaradas da Tabanca Grande, autores de fotos publicadas no blogue, só podemos contar com a sua melhor atenção, colaboração, camaradagem e generosidade em relação a este projeto que, pensamos nós, é também do nosso interesse e do interesse geral.

Guiné 63/74 - P11887: Em busca de... (226): Augusto Varandas Casimiro, ex-fur mil vaguemestre, CART 1659, Os Zorbas, Gadamael e Canturé, 1967/68 (Joaquim F. Alves, residente em Olival, Vila Nova de Gaia)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 > Vestígos da CART 1659, Zorba...

Foto: © Carlos Afeitos (2013). Todos os direitos reservados

1. Mensagem, datada de 20 do corrente, do nosso camarada Joaquim F. Alves (*), ex-fur mil, CART 1659 (Gadamael e Canturé, 1967/68):

Assunto: Esclarecimento sobre o primeiro "ZORBA" que queria o meu contacto


Caramigo Luís Graça:

Já tenho as fotos que me solicitaste (*) assim como uma grande marca,  tal como no nosso primeiro contacto que tivemos te referenciei, a  história da companhia CART 1659, "ZORBA", que muito  brevemente te envieirei, Promessa de "Homem Grande".

Desta vez a minha questão é que,  depois de aparecer o primeiro "ZORBA" que queria o meu contacto.  Augusto Varandas Casimiro, ex Furriel Vaguemestre,  e que indicava como email dele "gisamar@gmail.com",  nesse mesmo,  dia terça-feira, 25 de junho 25 de 2013, eu  enviei-lhe um mail a dar os meus contactos e até hoje não obtive qualquer resposta.

Será possível saberes algo sobre assunto? 

Grato pela atenção
Um abraço do camarada 
J. Alves
_____________

Nota do editor:

(...) Comentário:

Afonso Silva
24/6/2013, 21:37

Boa noite

Pertenci também à CART 1659 (Os Zorbas) e solicito o contacto do meu camarada Joaquim F. Alves que mora em Olival-Gaia

Obrigado
Augusto Varandas Casimiro
Email – gisamar@gmail.com (...)


Guiné 63/74 - P11886: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548 (Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (9): Em louvor dos deficientes das forças armadas (DFA) (Ricardo Almeida)

1. Texto enviado em 26 de janeiro último pelo Ricardo Almeida [, ex-1.ºcabo, CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, K3 / Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71]

Tem este texro o fim de alertar consciêcias esquecidas neste nosso Portugal: refiro-me ao ostracismo e desprezo que os nossos governantes têm votado as Forças Armadas de Portugal e,  mais concretamente, aos deficientes militares que depois de 40 anos do término da guerra colonial, continuam a clamar que lhe seja aplicado o Decreto Lei nº 43/76.

Refiro ainda que este texto foi publicado no jornal ELO, orgão da ADFA [,publicação que tem já 39 anos de existência].

Nunca o conceito de soldado esteve tão actualizado a meu ver e, nesse sentido, lembro aos nossos governantes uma lição que aprendi nos bancos da escola primária.

Então: o soldado é o homem a quem a pátria confia a sagrada missão de velar pela sua honra, de garantir a sua independência.  Ao dar-lhe a farda e a arma ela diz-lhe:

"Aqui tens esta farda, pega nesta arma, de agora em diante és o meu defensor e conto contigo! Enquanto te exercitas no manejo das armas, te afazes ao frio, ao calor e á fadiga e te submetes à obdiência, o país,  graças a ti, que velas por ele, pode entregar-se tranquilamente aos trabalhos da paz. Orgulha-te da tua missão; esta farda, respeita-a,  livra-te de a desonrar. Desde o dia que pela primeira vez a vestires não deixes que o teu coração perca os sentimentos de dignidade e de coragem que convêm aos homens a quem Portugal, comete a nobre missão de velar pela sua honra e pela sua indepedência. Lembra-te que a nossa história nos dá belos exemplos do brio dos nossos soldados! Segue estes exemplos e a pátria ser-te à eternamente grata."

Ora seguindo estes exemplos, a ADFA é sua herdeira
 e fiel depositária desse espirito. Então:  à ADFA, a
todos os que partiram e aqueles que já têm a viagem marcada, aqui deixo o meu grito de revolta, clamando por justiça que não se acalma sem ver o Dec Lei nº 43/76 posto em prática e na íntegra, em tudo o que diz respeito aos deficientes das forças armadas,  sem subtarfugios e invenção, de mais um [Dec Lei nº] 134/97,  de tão má memória para todos nós.

Não podemos permitir que alguém, sem conhecer o nosso passado, se arrogue o direito de nos negar sem que primeiro, nos consultar sobre as nossas necessidades e mazelas que ao serviço da pátria, não regateamos esforços pela nossa condição; e que por via disso, se criou o Decreto Lei nº 43/76, para que a pátria reconheça todos os sacrificios passados!

Vêm agora uns senhores esbarrar connosco sobre um direito que é dos mais elementares; a saúde gratuita e extensiva ás nossas companheiras que,  pelo o seu carinho,esforço mental e psicológico e também fisico, merecem estar em lugar cimeiro nesta nação Portugal.

Junto especifico a razão do texto.

2. Poema > Em louvor dos Deficientes das Forças Armadas (DFA) e demais combatentes


Mas como pode Portugal
Desprezar tantas familias,
Não cumprindo o seu dever
E os corpos devolver,
P'ra se fazer o funeral.

E deste mundo cruel,
Quando amanhã eu morrer,
Não levo saudade, mas levo a paz,
De tanto na vida sofrer.

Fui fazer guerra a um povo
Que. de tão martirizado.
Pegou em armas de fogo
P'ra banir tanto diabo.

E, como se não bastasse,
Muitos de nós lá ficaram,
Cegos, amblíopes e estropiados.
E, se a vida que eu carrego,
Fosse minha por um segundo,
Não me importava ser cego
P'ra depois ver este mundo!

Uma criança corria
Com seu arco na bagagem,
Era o brinquedo que tinha
P'ra ser mais breve a viagem.

Sua mãe fora doçura,
Mas seu pai o pôs andar,
De casa com amargura,
Por não haver que lhe dar.

Disse adeus à sua terra
E às coisas belas que tinha,
Feito homem foi p'ra guerra,
Com saudades da mãezinha.

Com vinte anos de vida
O ensinaram a manejar
Uma arma assassina,
P'ra em terra estranha matar!

Uma criança corria
Com seu arco na bagem,
Era o brinquedo que tinha
Naquela mata que ardia!

E fugia, fugia.
De Coimbra para Coimbra,
Um comboio circulava
E outro que de lá vinha,
Em Coimbra ele parava.

Gente, muita gente,
E eu estava no meio,
Coimbra e mais gente apressada!
Para onde irão com tanta pressa?

E eu, sem pressa, aqui estou,
À espera, embebedando-me
Com a paisagem
De água
E comboios
E gente.

Estou a viver um sonho
Do qual não posso fugir,
É um processo medonho
Que tenho que concluir.

Não faço parte da terra,
Não faço parte do todo,
Mas fiz parte duma guerra
Em terras de outro povo.

Fiz um poema à lua
E não é que ela gostou?
Mas disse-me que era só tua
Porque por mim já passou!

Vê lá bem essa malvada...
Que luar não mais me deu!
E disse que era só tua,
P' não me preocupar com nada
Porque está a chegar ao fim,

A minha noite de breu
Por onde tenho caminhado.
E sair fora de mim,
Deixando-te o meu legado.

Marques de Almeida


PS - Aquele abraço a toda a Tabanca Grande. Luis,  eu não tenho por hábito dar titulo ao que escrevo por isso se lhe quiseres dár-lhe,  estás á vontade. Um grande abraço,  meu amigo.

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Nota do editor:

Último psote da série > 10 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11548: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (8): K3, Madrinha de guerra

Guiné 63/74 - P11885: Bom ou mau tempo na bolanha (22): O típico emigrante do século passado (Tony Borié)

Vigésimo segundo episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.



Nós, que nascemos na Península Ibérica, portanto descendentes de fenícios, cartagineses, sarracenos da bretanha e talvez vikingues, éramos aventureiros, tão aventureiros que fomos para uma guerra a milhares de quilómetros das nossas vilas e aldeias, mas nem que essa experiência de guerra não servisse para mais nada, ajudou na vida de um futuro emigrante, pois nos anos sessenta e setenta do século passado, a vida de um emigrante, era uma vida de aventura, de alguma coragem, de sobrevivência e de uma força interior, um pouco fora do normal.
Era uma vida muito parecida com a que vivemos na guerra da então província da Guiné, só com a diferença de que não estávamos sujeitos aos tiros e às emboscadas.

O emigrante fazia de tudo, improvisava, nunca estava doente, se estivesse, dizia que não, se isso fosse pôr em causa o seu posto de trabalho. Se houvesse horas extraordinárias, trabalhava, um ou dois turnos seguidos, e não trabalhava três, porque era proibido, tudo isto, com o mínimo de alimentação. Não compreendia o idioma, mas por gestos e com alguns mínimos erros, fazia todo o tipo de trabalho, o importante era ver alguém fazer o trabalho antes, depois já ninguém o parava.

Contam-se dezenas de histórias de emigrantes, que na ânsia de trabalhar, e sem a mínima instrução, e perante uma possível oferta de emprego, diziam que sabiam de pintura, de mecânica, arranjar relógios, assentar tijolos, conduzir camiões e escavadoras, pilotar barcos e aviões, soldar, etc. Eram electricistas, cozinheiros, enfim, só não diziam que voavam, porque não tinham asas. Tudo isto, era na ânsia de trabalharem e ganharem dinheiro, não com a intenção de prejudicarem alguém, a não ser eles mesmos.

O emigrante, nos anos sessenta e setenta do século passado, que conseguia sair de Portugal e atravessar o Atlântico, era porque queria vencer na vida. Normalmente a sua falta de instrução escolar era compensada com a sua força física e moral. Nesses tempos, o emigrante, salvo raras excepções, era uma pessoa com o mínimo de escola, com alguma visão de prosperidade, espírito aventureiro, geralmente novo e com alguma saúde física e moral, desejoso de ter algo a que pudesse chamar seu.

Quando um emigrante abandonava o seu País, o seu lugarejo, deixava de ver as pessoas que lhe eram queridas e com quem tinha convivido, deixava de beber a água da sua fonte, deixava de ver a paisagem, que só com a ausência da mesma é que começava a notar, o maravilhoso que tinha deixado para trás. Era quase como quando chegámos à Guiné, quase tudo era diferente, mas falávamos a nossa língua e lá nos íamos compreendendo, mas num país estrangeiro era um pouco diferente, em princípio não compreendíamos a linguagem, nessa altura, começava a sangrar por dentro, ficava triste e chorava perante qualquer contacto com algo que lhe mostrasse a sua Pátria. A palavra saudade começava a ter um significado muito importante, nessa altura tinha que ser muito forte, moral e fisicamente.


Os primeiros anos eram terríveis, o idioma, os costumes, o clima e alguma discriminação, eram quase insuportáveis. Demorava alguns anos até tornar-se um natural habitante do País que escolhera para emigrar. Nesse período de tempo, se não tinha algum suporte humano, motivação interior e alguma sorte nos seus contactos, o emigrante não resistia e a sua maior alegria era arranjar dinheiro para comprar um bilhete de passagem para regressar definitivamente ao seu País.

Dada a sua pouca instrução escolar, tinha que se sujeitar aos trabalhos mais pesados e sujos, enfim, tinham que fazer aquilo que os naturais não queriam fazer. Se a fase dos três ou quatro anos passasse, iríamos ter um emigrante com algum sucesso. Os filhos iriam estudar, pois queriam dar-lhe aquilo que eles próprios não tiveram, geralmente construíam casa no seu País de origem, iriam ver essa casa nas férias, mas definitivamente nunca regressariam, pelo menos os que tivessem atravessado o Atlântico.

O combatente que despendeu dois anos na guerra do então Ultramar Português, teve menos dificuldade em tornar-se emigrante, as dificuldades então vividas em cenário de guerra, foram quase como um treino para a emigração, pois quando chegou a outro país, todas as dificuldades de adaptação se tornaram mais fáceis de resolver, já que vinha com um certo traquejo, vinha vivido, e se passasse um ou dois dias sem comer, pouca diferença lhe fazia. Qualquer trabalho lhe servia, logo que lhe pagassem, fazia, adaptava-se, era humilde, procurava sempre fazer sempre o seu melhor, a sua técnica por vezes, era a força física e as primeiras palavras que aprendia, eram para dizer: “sim, não tem problemas, eu faço”.

Tony Borie,
Julho de 2013
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11862: Bom ou mau tempo na bolanha (21): O medo na guerra (Toni Borié)

Guiné 63/74 - P11884: Parabéns a você (604): Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico do BCAÇ 2930 (Guiné, 1970/72); Júlio Costa Abreu, ex-1.º Cabo Comando do Gr Comandos Centuriões (Guiné, 1964/66) e Victor Tavares, ex-1.º Cabo Paraquedista da CCP 121 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11854: Parabéns a você (603): José Santos, ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 3326 (Guiné, 1971/73)

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11883: Filhos do vento (18): Em Portugal, temos os "filhos da borda", era assim que eram conhecidos, na minha aldeia e na minha infância, os filhos de mães solteiras (José Teixeira)

1. Mensagem do José Teixeira, com data de 25 de julho passado...

Luís.

Espero que já tenhas descansado um pouco [, da estadia em Luanda]-.

Se vires que este texto tem interesse para alimentar a "fogueira" podes colocá-lo no blogue. Abraço fraterno do Zé Teixeira


2. Creio que o tema "Filhos do Vento", trazido à ribalta pela [ jornalista do Público,] Catarina Gomes , deve ser analisado sem paixões, complexos ou sentimentos de culpa. Foi e é uma realidade à qual não devemos fugir.

Na pretensão de contribuir para a discussão fui ao "meu Diário" buscar mais uma acha para a fogueira. Vejamos o que eu escrevi em 21 de Novembro de 1968


Novembro 69, Empada 21
É uma família muito simpática. Ela Bijagó, ele Cabo Verdiano. Têm quatro filhos; Marcos, Lucas, Júlia e Victória. Muito trabalhadores aproveitam o terreno cultivável, na impossibilidade de se dedicarem à pesca, a sua profissão, por medo da guerra. A Júlia está muito marcada pelo ambiente militar que a rodeia, tem até um filho de branco e creio que foi prostituta em tempos em Bissau. Tem três filhos,  todos de tenra idade e é uma tentação cá para a malta. A sua liberdade de linguagem é um dos factores para qualquer homem se sinta tentado a persegui-la e receber as benesses, por troca de umas moedas. A Victória, essa tem porte digno, alguns de nós já se lançaram ao engate, mas ela troca-lhe as voltas.

Até há pouco tempo, toda esta gente, três homens três mulheres e três crianças dormiam no mesmo compartimento da morança., Com os ataques seguidos de há dias, o medo aumentou, o que se compreende, pois na mesma noite tiveram de pegar por duas vezes nas crianças e fugir para o abrigo rasgado na terra e coberto com "cibos", tendo caído duas granadas muito perto da sua casa

Na luta pela sobrevivência, decidiram passar a dormir no minúsculo abrigo, pondo lá dois pequenos colchões, tendo como companheiros lagartos, formigas cobras, etc. Os dois velhos da família,  por falta de lugar no abrigo, continuam a dormir na morança.

Um clima muito quente e húmido, a terra é muito húmida, uma pequena abertura para entrar, a enorme quantidade de bichos, a urina das crianças, o suor dos corpos . São estas as condições desta família. Quantas famílias, quantas Júlias, haverá por esta terra !?



O "puto",  filho de branco, chamava-se Mário. Era fruto de uma relação que a mãe manteve em Bissau com um fuzileiro. A comissão deste acabou, ele voltou a Portugal e ela ficou com um filho nos braços. Os outros dois negros, filhos de pai africano que não vivia em Empada. A família aceitou de novo a Júlia e deu-lhe o apoio e estímulo para educar o seu filho de cabelo louro.

Em Bissau era comum os militares, pelo menos conheci dois casos, "juntarem-se" com uma mulher africana e viverem com ela durante a comissão. Depois,  quando a Comissão acabava,  acabava a "romaria",  com os eventuais resultados de uma relação natural de dois seres que viviam acasalados. Num dos casos conhecidos, uns anos depois, a ex-companheira bateu-lhe à porta, estando ele casado com a mulher que à data era a sua namorada e tendo dois filhos desta. Não sei o que resultou deste encontro, mas abalou profundamente a vida do casal.

Mas não precisamos de ir à Guiné, buscar casos de pais que não assumem os seus atos. Temos tantas situações idênticas em Portugal.

Temos os "filhos da borda". Assim eram conhecidos,  na minha aldeia,  os filhos de mães solteiras, na minha infância. Referenciavam-se assim as crianças que não foram gerados no leito sagrado do casal mas em qualquer borda de um campo de milho

Conheci um "pai" que envergonhadamente acompanhava de perto o seu "filho da borda",  sem ter a coragem de se afirmar e identificar como pai. Teve, sim, o cuidado de casar rapidamente com a outra namorada para tentar encobrir e negar a paternidade, só que o "puto" era a sua cara chapada.

Nos últimos anos de vida num rebate de consciência para alcançar o "céu", informou a família que ia perfilhar o bastardo, felizmente bem colocado na vida. Como resposta , a mulher ameaçou sair de casa e os filhos logo lhe disseram que o abandonavam. Morreu pouco depois com esta espinha enterrada na garganta.

Isto passava-se cá em Portugal.

Casos como o da Júlia, creio que houve muitos. Era uma relação a dois consentida, que deram como resultado, tanta criança sem pai. Nestes casos creio que devia ter havido algum cuidado por parte das autoridades militares, o que não aconteceu.

Quanto ao assumir da paternidade,  é uma questão de consciência do presumível pai, que duvido venha a dar frutos, não só pelo tempo que já passou, mas também pelos eventuais conflitos que iriam gerar na família constituída. Nos dois casos que conheço ambos recusam assumir a paternidade:  num dos casos alega que a jovem andava também com outros militares.

Que fazer então?

Não se perde nada em continuar a explorar esta temática de forma cuidada para não ferir, pelo contrário, pode "abrir" consciências e ajudar a encontrar algumas soluções para estes "gritos" de quem se sente "filho de ninguém".

Zé Teixeira
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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11867: Filhos do vento (17): Comentário: "Não quero nada dele, [do meu pai], apenas o nome" (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P11882: Blogpoesia (351): "Conversas sem pressas", por Maria de Lourdes dos Anjos (Francisco Batista)

1. Mensagem datada de 25 de Julho de 2013 do nosso camarada Francisco Maria Magalhães Batista, ex-Alf Mil, integrado na CART 2732 em Setembro de 1971:

Ao meu amigo Vinhal e camaradas,
À vossa consideração.

Uma senhora, alma sensível, poetisa com livros publicados, natural do Porto que um dia, em 2010, conheci num espaço cultural, ofereceu-me este poema lindo que vos deixo, que ela dedicou ao marido, ex-combatente e aos netos.
Para ela se reler o seu poema neste blogue um beijo de agradecimento.

Um abraço
Francisco Baptista


Conversas sem pressas

Oh vó, o avô andou, de verdade, na guerra?
Era muito longe? Como se chamava a terra?
Demorou mais que uma semana a lá chegar?
Ele não teve medo de ir, tantos dias, no mar?
Não podia discordar, dizer que não queria ir?
Se ele se revoltasse ou até tentasse fugir?
O avô era tão magrinho! Quantos anos tinha?
A mãe dele deve ter chorado muito quando ficou sozinha
Era muito longe. Dois anos, dois anos e tal
Iam só soldados nossos, só daqui de Portugal?
Nessa altura ele já era teu namorado?

Deve ter tido tantas saudades, tantas saudades coitado!

Avô tinhas roupas de tropa? E metralhadora também?
Sabes, mas eu acho que tu nunca mataste ninguém
Viste alguns dos teus amigos morrer ou ficar deficiente
E depois ficavam lá? Que faziam a essa gente?
Olha avô, sei que não foste feliz. Tenho a certeza
Porque na terra da guerra, há dor, há fome e tristeza

Assim questionam os netos para tentar perceber
As lágrimas de recordar o tempo que faz sofrer
Se para mais não serviu esta dura realidade
Que ao menos os jovens saibam o preço da liberdade
Aproveitem a alegria e a força de ser capaz
De ter voz neste país e encher as ruas de Paz
E não esqueçam que a vida corre tão rapidamente
Que Abril é o Sol de um dia, numa primavera ausente

Maria de Lourdes dos Anjos
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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11874: Blogpoesia (350): Uma calda feliz (J. L. Mendes Gomes)

Guiné 63/74 - P11881: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (10): A caminho de Varela, chão felupe, passando por João Landim, Antonina, Ingoré, S, Domingos e Susana



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ingoré > 7 de maio de 2013 > Aspeto exterior do Jardim de Infância Flor de Arroz em Ingoré (1)



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ingoré > 7 de maio de 2013 > Aspeto exterior do Jardim de Infância Flor de Arroz em Ingoré (2)



 Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ingoré > 7 de maio de 2013 >  Aspeto imterior do Jardim de Infância Flor de Arroz em Ingoré (1)


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ingoré > 7 de maio de 2013 >  Aspeto imterior do Jardim de Infância Flor de Arroz em Ingoré (2)


 Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Ingoré > 7 de maio de 2013 >  Aspeto imterior do Jardim de Infância Flor de Arroz em Ingoré. (3)

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau (30 de Abril - 12 de maio de 2013) - Parte X

por José Teixeira

O José Teixeira é membro sénior da Tabanca Grande e ativista solidário da Tabanca Pequena, ONGD, de Matosinhos; partiu de Casablanca, de avião, e chegou a Bissau, já na madrugada do dia 30 de abril de 2013; companheiros de viagem: a esposa Armanda; o Francisco Silva, e esposa, Elisabete.

No dia seguinte, 1 de maio, o grupo seguiu bem cedo para o sul, com pernoita no Saltinho e tendo Iemberém como destino final, aonde chegaram no dia 2, 5ª feira. Ba 1ª parte da viagem passaram por Jugudul, Xitole, Saltinho, Contabane Buba e Quebo.

No dia 3 de maio, 6ª feira, visitam Iemberém, a mata di Cantanhez e Farim do Cantanhez; no dia 4, sábado, estão em Cabedú, Cauntchinqué e Catesse; 5, domingo, vão de Iemberém, onde estavam hospedados, visitar o Núcleo Museológico de Guileje, e partem depois para o Xitole, convidados para um casamento ] (*)... 

É desse evento que trata a 8ª crónica: os nossos viajantes regressam a Bissau, depois de uma tarde passada no Xitole para participar na festa de casamento de uma filha de um fula que, em jovem, era empregado na messe de sargentos e que tinha reconhecido o Silva, no seu regresso ao Xitole. A crónica nº 7 foi justamente dedicada ao emocionante reencontro [, em 1 de maio, ] com o passado, por parte do ex-alf mil Franscisco Silva, que esteve no Xitole, ao tempo da CART 3942 / BART 3873 (1971/73), antes de ir comandar oPel Caç Nat 51, Jumbembem, em meados de 1973,

A crónica anterior a nº 9, corresponde ao dia 6 de maio: os nossos viajantes foram até Farim e regressaram a Bissau. já que o Francisco Silva, mesmo de férias, teve de fazer uma intervenção cirúrgica, a uma criança que esperava um milagroso ortopedista há mais de um ano! Na crónia nº 10, descreve-se a viagem até Varela, em 7 de maio.

Próximas crónicas: 8 maio – visita a Elalab; 9 maio- Visita a Djufunko e um cheirinho de praia em Varela; 10 maio – Descanso em Varela; 11 maio – Regresso a Bissau e embarque de madrugada, de regresso a casa.

2. Parte X > 7 de maio de 2013: de Bissau a Varela...

Eis-nos de novo na estrada a caminho de Varela, nesta tarde de fim da época seca. O aspeto dourado da planície lembra-nos que o fim da época de verão se aproxima. Os mangueiros vergam-se com o peso dos seus frutos. Em conjunto com cajueiros pintalgados de botões vermelhos dão vida e cor às planícies que bordejam as picadas afastando de vez o fantasma de um hipotético inimigo à espreita, que por vezes insiste em permanecer na nossa mente.

As pessoas caminham num vai e vem permanente, alheias à nossa passagem, ou então miram-nos com um olhar, por vezes interrogativo, por vezes sorridente,  como que a dizer-nos: bem-vindo. Começam a surgir no ambiente os primeiros sinais de que a chuva está a chegar. Algumas nuvens, calor seco e sufocante, e, as pequenas moscas, teimosas e incomodativa.

As secas bolanhas, algumas, já queimadas e prontas para receber a semente que irá produzir em cêntuplo o arroz, assim o esperam as gentes da Guiné. Outras a servir de pasto, onde os bovinos se alimentam, em grandes manadas, sem pastor por perto.

Lá fomos fazendo caminho, passando a ponte em João Landim e um pouco mais a norte a ponte de S. Vicente, exatamente no local onde em Maio de 1968 este vosso amigo escrivão desembarcou a caminho de Ingoré, tal como hoje, só que agora, como voluntário em gozo de todas as suas liberdades, o que não aconteceu naquele tempo. Na realidade, a farda que me obrigaram a vestir por ser um mancebo,  filho de Portugal,  condicionou a minha liberdade e atirou-me para uma guerra que eu não queria fazer.

Ao passar de novo naquele lugar, vieram-me à memória os momentos da chegada, sem ninguém à nossa espera e o barco (LDM) a partir de imediato por causa das marés. Depois, uma ou duas horas atrasada chegou a Maciel, carro de combate, uma Daimler,  que eu nunca tinha visto, na frente da coluna, ao longe na picada deixando atrás de si uma nuvem de terra que nos impediu de ver numa primeira fase, as viaturas que vinham na retaguarda. Um susto para alguns logo a começar, no primeiro dia em que pisamos a terra da Guiné.

Recordei, só para mim, o espanto sentido quando vi logo à frente os primeiros africanos, balantas, semi-nus a trabalhar na bolanha e perguntei na minha ingenuidade se aqueles é que erem os turras. O resto do caminho, nem viva alma havia para nos desejar boa sorte. Mas ao chegar a Ingoré, para nosso espanto e arregalo doa olhos, logo um grupo de bajudas de “mama firma” espreitavam sorridentes esperançosas em encontrar forma de ganhar mais uns patacões na lavagem da roupa dos periquitos.



Guiné > Região de Cacheu > Ingoré > CCAÇ 2381 (1968/70) > A famosa Daimler Massiel





Guiné > Região de Cacheu > Ingoré > CCAÇ 2381 (1968/70) > O 1º cabo aux enf Teixeira, convivendo com duas crianças da Mocidade Portuguesa em Ingoré em 1968, no início da sua comissã. Foram dias, em geral, alegres e descontraídos, os dias de Ingoré, com o pessoal da CCAÇ 2381 em treino operacional antes de ser colocado no sul (Buba, Empada, região de Quínara)..



Guiné > Região de Cacheu > Ingoré > CCAÇ 2381 (1968/70) > Antotinha > Recordando os tempos de enfermagem na tabanca em construção de Antotinha

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]


A tabanca de Antotinha, uma aposta na altura para juntar os povos perdidos no mato e que tanto sofrimento provocou nas pessoas que eram obrigadas a deixar as suas raízes, as suas moranças, campos e sonhos para à força das armas para se juntarem nesta tabanca que o exército estava a construir. Esta tabanca é hoje um mundo de gente, perdida pela estrada fora.

Ingoré cresceu. Desenvolveu a agricultura e o comércio. Talvez tenha uns milhares de habitantes. Tem escolas, dois infantários, um dos quais da responsabilidade pedagógica da AD - Acção para o Desenvolvimento, que a Tabanca Pequena tem apoiado com livros, brinquedos mesas e cadeiras. Tem uma feira semanal bem apetrechada com produtos da terra e bem concorrida de clientela, incluindo do Senegal, ali ao lado.

Foi em Ingoré que fizemos a nossa primeira paragem para visitar o infantário “Flor de Arroz” e conviver com o pessoal que o serve e alguma população que logo apareceu, incluindo um velho combatente do Exército Português, curvado pelo peso dos anos, de uma magreza impressionante, agarrado ao seu arco e flecha com os quais se serve para obter alguma caça para sobreviver. Como em todo o lado, desfiam-se as contas da saudade do tempo que foi tempo de guerra e dor. A guerra acabou, mas a dor, essa ficou, se não outra, a da saudade, mas muito maior é a sensação, lá como cá, do abandono da pátria, para este velhinho que se diz português, com o corpo cheio de maleitas.

Sem grande tempo para paragens, seguimos em direção a S. Domingos, onde chegamos ao cair da noite. Ainda a tempo de visitar o CENFOR – Centro de Formação de S. Domingos e jantar, já acompanhados pelo “Velho” Kissimá,  da etnia saracolé,  que escolheu para esposa um bela felupe e foi viver para Varela.

Depois de passarmos Susana e quando já estávamos às portas de Varela, já a noite ia alta, deparamos com uma cena no mínimo caricata. Uma barreira na estrada que não era mais que uma corda feita de farrapos velhos impedia-nos a passagem. Ao lado, a casa onde deviam estar os militares encarregados de controlar o que se chama pomposamente a barreira de controlo de fronteira. Se estavam, dormiam a sono solto, talvez agitado pelos vapores do álcool que lhe tapou os ouvidos de tal maneira que não houve meio de os acordar, para nosso prazer em viver estes cenas e desespero do motorista que se farou de chamar e bater, bater… sem resposta.

Tal como no tempo da guerra, este homem, soldado português de outros tempos, também ele esquecido, há que desenrascar. Inversão de marcha rápida, murmurando- Se não há estrada (picada) há o caminho da mata.

Demos uma grande volta, internados na mata de Varela. Parece que até a viatura sabia o caminho, por caminhos nunca dantes percorridos. Só o “faro” do condutor e do Kissimá nos permitiu chegar a Varela em tempo para descansar, depois desta pequena aventura que nos transportou a outros tempos bem mais difíceis.

Zé Teixeira

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11845: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (9): Uma visita ao cais do Pidjiguiti e à baixa de Bissau da nossa tristeza, enquanto o Franscisco Silva operava na clínica de Bor uma menina que esperava este milagre há mais de um ano