1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Novembro de 2018:
Queridos amigos,
Era uma visita de ajustamento, dois dias em Bruxelas para abraçar amigos, ficar à sua disposição. E preparar uma viagem no início do outono, que se realizou, como aqui se irá contar.
Mesmo sujeito à compressão dos horários, voltou-se a locais que já se visitaram muitas vezes, mas como diz José Saramago, o que se vê no verão não é o que se vê no inverno, nem ao amanhecer nem ao entardecer, sozinho ou acompanhado, sempre se vai descobrindo algo mais que dita o consolo da visita e a vontade de ali retornar, como acontece sempre quando para o viandante se fala em Bruxelas.
Uma cidade com cerca de cem museus, pejada de alfarrabistas e lojas de traquitana, mesmo muitíssimo maltratada pelas destruições em prol de edifícios novos que albergam as instituições comunitárias, os negócios e os lobistas, tem sempre coisas novas a oferecer, tais e tantas são as suas pedras de tesouro.
Um abraço do
Mário
Em Bruxelas e Namur, numa certa repentinidade (19)
Beja Santos
Quem diria que esta praça tão formosa que começou a ser erigida na geometria que hoje conhecemos entre os séculos XIII e XIV, ficando concluído no século XV o edifício da Câmara Municipal, tenha sido barbaramente destruída num bombardeamento francês de 1695? Depois houve depredações, no tempo da Revolução Francesa, até que se chegou aos anos 1840-1850 e ganhou-se consciência da necessidade de salvaguardar este património de valor universal. Deve-se a Charles de Buls a política de salvaguarda da praça.
Sempre que aqui se entra, fica-se de boca aberta perante a riqueza e a variedade das fachadas barrocas, douradas e esculpidas, com os seus engalanados emblemas corporativos. É uma decoração quase teatral, impossível ficar indiferente à justaposição algumas vezes violenta dos estilos e das épocas, à formosura de todo o conjunto.
A praça retangular é dominada pela alta silhueta do edifício da Câmara, é um dos principais monumentos da arquitetura civil gótica do país. O bombardeamento de 1695 destruiu e danificou arquivos e numerosas obras de arte, foram devorados pelo fogo quadros de Van der Weyden, Rubens e Van Dyck. Frente à Câmara temos a famosa Maison du Roi, o museu da cidade de Bruxelas, recheado de obras de valor incalculável. Quase todas as casas da Grand-Place pertenciam às corporações de mesteres, identificadas pelas esculturas ou motivos alegóricos aplicados nas fachadas: corporação dos padeiros, a guilda dos arqueiros, dos construtores de barcos, dos carpinteiros, etc. Todo e qualquer edifício está associado a uma história e nalguns deles, está historicamente seguro, encontraram-se figuras célebres como Karl Marx, Paul Verlaine e Arthur Rimbaud. Não se pode ficar indiferente a tanta beleza, mil vezes que se entre nesta praça.
Regresso a Namur, almoço em casa de uma grande amiga, passei pela cidade, visita à cidadela e um passeio a Dinant, nada mais, ao anoitecer é regressar cedo a Bruxelas, na manhã seguinte parte-se pela alva a caminho de Lisboa.
O viandante é sempre recebido com desvelo e ternura, trata-se de uma amizade que já passou os 35 anos de relação profundamente cordial, conheceu-se o essencial deste recheio na cidade de Bruxelas, depois dessa mudança para Saint-Marc, a poucos quilómetros de Namur. Uma bela sopa, entradas, uma tábua de queijos, saladas, um bom Beaujolais, café e pralinês. Um passeio pelo jardim, Nelly Alter mantém com todo o esmero o seu jardim cercado de bosques. No pós-prandial, ruma-se à cidade.
Olha-se para o relógio, é arriscado ir passear a Dinant, o melhor é vagabundear por Namur, resiste-se a visitar a feira de antiguidades, o viandante já lá foi várias vezes, são esplendorosas cavernas de Ali Babá, o melhor é só cirandar pelo centro, e assim caiu-se numa praça de flores, está aqui a riqueza luxuriante de um fim de verão, como é que se pode resistir à intensidade de tanta luz, de tanto colorido?
É o fim do dia, vai seguir-se o comboio para Bruxelas, os tons ígneos do céu fazem prever um bom tempo para amanhã, uma viagem amena de regresso. Como é que é possível resistir a este céu em fogo?
No termo da viagem, o viandante quer recordar um templo religioso que visitou vezes sem conta nas suas deambulações por Bruxelas, Nossa Senhora da Finisterra, construção barroca, em plena Rua Nova, uma das zonas comerciais mais intensas, por aqui se andava de saco a comprar vitualhas e lembranças para a família, depois passava-se para a gare central, aqui se toma o comboio para o aeroporto de Zavantem, já no Brabante flamengo. Aqui se fazia pausa para agradecer privilégios, ficou o hábito, só em circunstâncias excecionais é que o viandante aqui não regressa para cantar hossanas, desejar paz para os seus mortos e glória para os seus vivos.
Igreja de Nossa Senhora da Finisterra, Rua Nova, Bruxelas.
É a despedida. Dentro em breve aqui se regressa, será uma visita comovente, quem aqui recebeu o viandante durante décadas tomou a decisão de partir para um lar, a madura idade sénior é mais forte. Deixamos para mais tarde a despedida comovente, amanheceu cedo, o céu é límpido, o viandante voltará sempre que lhe for possível, este entusiasmo é uma sarça-ardente, e ainda bem.
FIM
____________
Nota do editor
Último poste da série de 30 de março de 2019 >
Guiné 61/74 - P19633: Os nossos seres, saberes e lazeres (314): Viagem à Holanda acima das águas (18) (Mário Beja Santos)