segunda-feira, 20 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20880: Notas de leitura (1280): “O jornalismo português e a guerra colonial”, com organização de Sílvia Torres, Guerra e Paz Editores, 2016 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Março de 2017:

Queridos amigos,
O conteúdo deste livro impõe-se por si: identificasse o tipo de jornalismo que existiu durante o período que abarcou a guerra colonial, como se encenavam as notícias, como nos jornais, rádio e televisão atuavam os ideólogos do Estado Novo; depois quais eram os mecanismos da censura e da autocensura, vão depor nomes sonantes do jornalismo, tenho para mim que a peça que passará à história é do jornalista Moutinho Pereira.
Haverá testemunhos e interrogações sobre história e jornalismo, desinformação e descolonização. Dirão alguns que da leitura deste livro resultará o que já sabíamos, o jornalismo tinha tremendas condicionantes e a censura era implacável, mas o mais importante é que ficou a visão dos autores, e há quem saiba expender juízo sobre o seu trabalho jornalístico, entre a realidade e a ilusão, e mesmo a memória que ficou desse jornalismo.

Um abraço do
Mário


O jornalismo português e a guerra colonial (3)

Beja Santos

Sílvia Torres
“O jornalismo português e a guerra colonial”, com organização de Sílvia Torres, Guerra e Paz Editores, 2016, é um laborioso trabalho de pesquisa e de inquirição a protagonistas diretos na ótica de uma dupla temática: como era feita a cobertura jornalística dos jornalistas portugueses da Metrópole e das províncias ultramarinas envolvidas no conflito, uma investigação que obrigou a identificar o jornalismo português durante o Estado Novo, quais os meios de comunicação portugueses vigentes nas colónias/províncias ultramarinas sobretudo durante a guerra colonial, com se fabricavam as notícias, como agia a censura, sob que prisma atuava, e com base em testemunhos de alguns dos protagonistas diretos este género jornalístico é de estudo indispensável na investigação histórica.

José Manuel Barroso foi colaborador dileto de António Spínola, esteve na Guiné entre Julho de 1972 e Maio de 1974, como capitão miliciano; antes do 25 de Abril, como jornalista, passou pelas redações dos jornais Comércio do Funchal e República. Viu nascer o livro  "Portugal e o Futuro", que virá a ser publicado em Fevereiro de 1974:

“O livro começou a ser construído, ainda em Bissau, no final de 1972, início de 1973, com tarefa de sistematização a que se dedicou o Tenente-Coronel Pereira da Costa, que havia sido Chefe da Repartição de Informações do Comando-Chefe. A base conceptual do livro era constituída pelos discursos e pela posição de Spínola sobre a política ultramarina, já reunida em diversos volumes ao longo dos anos de governo da Guiné. Spínola distribuía os capítulos do original por alguns dos seus mais próximos colaboradores, pedindo sugestões e críticas, que depois recolhia e incorporava, ou não, no texto base. Após esta fase, o livro ainda teve outras leituras externas, até atingir a versão final”.

Confessa que trabalhou numa atmosfera a alguns títulos estimulante, havia a guerra e a visão particular de Spínola sobre a guerra e a política ultramarina.

Preparava notícias que Spínola aprovava. Perguntado sobre o que é que era proibido noticiar respondeu que não se utilizavam por exemplo informações relacionados com êxitos do inimigo.

“No entanto, por vezes, escrevia-se sobre essas vitórias para obter uma reação de Lisboa, mostrando que a situação estava pior e que havia cada vez mais problemas. Explica como se fez a intermediação entre Spínola e Raul Rego e como fez de intermediário e Mário Soares". 

Spínola cessa funções em Agosto de 1973, é substituído por Bettencourt Rodrigues, perguntam-lhe o que mudou nas suas funções, nada aconteceu, responde.

A grande peça da entrevista que este volume organizado por Sílvia Torres oferece foi feita ao jornalista Moutinho Pereira. Avisa o entrevistador que o que vai dizer não é nada agradável.
Logo a origem da guerra colonial, é cortante e direto:

“Até 1961, Angola pertencia a meia-dúzia de entidades. Entre elas estavam os senhores do café. Quando se desencadeou a guerra no Norte de Angola, além dos colonos portugueses, houve uma população negra que foi muito vitimada: os Bailundos. E o que faziam os Bailundos ali, se são do Sul, das terras do planalto do Huambo, e se são inimigos tradicionais das tribos do Norte, como os Bacongos? 

"Os Bailundos eram contratados para ir tratar nas roças de café – só a vida desses contratados é uma longa e terrível história. Sempre que havia problemas no Norte, criava-se uma tropa de Bailundos para lutar contra os Bacongos. Havia um ódio tribal antigo, que foi explorado e mantido pelas autoridades portuguesas durante séculos. A zona do café é a zona dos dembos, que coincide com o reino dos Dembos. Ao contrário do que dizem, o início da guerra não tem a ver com outras descolonizações, o início da guerra está ligado à exploração do café. Todas as revoltas dos Dembos estão relacionadas com altas na cotação do café, que levam os proprietários de plantações a alargarem-nas ainda mais, entrando na terra dos outros, como se não tivessem dono”.

Louva as personalidades de Ferreira da Costa e de Fernando Farinha. Esteve em Mucaba numa das colunas do Tenente-Coronel Maçanita, teve cuidado no que escreveu, e diz que nessa reportagem referiu-se que a tropa da UPA incluía chineses. Sobre o conflito disse que a guerra em Angola foi sempre a mesma.

“Era uma guerra desgastada, em que ninguém ganhava, e isso sabia-se. O conflito só teve um sobressalto quando o MPLA abriu a frente Leste".

E volta a ser cortante e direto:  

“Os portugueses escondem os factos mais relevantes da guerra, porque parece mal, porque os militares que foram para lá segundo a historiografia oficial, foram vítimas de um governo fascista que os obrigou a ir combater contra os nossos irmãos africanos. A verdade está nessa história do café, está no facto de ser proibido ter fábricas de algodão – e a história da Cotonang (Companhia Geral dos Algodões de Angola) é outra que está por contar. Fala-se muito dos massacres de 1961, que foram muito divulgados em Portugal, juntando a UPA e o MPLA na mesma panela, e que de facto foram horríveis, mas ninguém fala dos horrores das fossas comuns que se lhe seguiram e de outras barbaridades mais”.

Explica a sua técnica de observação para a elaboração das suas reportagens. Nunca esqueceu a entrevista que fez ao General Costa Gomes publicada na Notícia a 17 de Outubro de 1970:

“É a primeira vez que se diz que a guerra não tem solução militar, que tem de ter uma solução política. É a primeira vez que se diz quanto é que se está a gastar com a guerra e quem é que a está a pagar”.

Depõem ainda Otelo Saraiva de Carvalho sobre o seu trabalho na Guiné, seguem-se os testemunhos do jornalista Avelino Rodrigues que entrevistou Spínola para o Diário de Lisboa e onde se usou o termo de autodeterminação, Spínola disse que o termo não o incomodava.

Manuela Gonzaga fala do seu trabalho no jornal Notícias, de Lourenço Marques e faz a seguinte observação acerca do teatro de guerra e da vida normal das populações mais a Sul:

“Era como se houvesse dois números, em planos sobrepostos, que, por vezes, entravam em dramática colisão, acordando-nos para um fim que se avizinhava, mas que ninguém, a começar pelas mais altas autoridades da nação, queria ver. Na capital, a guerra não existia. Mas, em breve, o hospital de Vila Cabral rebentava pelas costuras para responder a situações graves. Nesses casos, os soldados tinham que ser transferidos para o Hospital Militar de Nampula em helicópteros cujas pás de ventoinha gigante acabaria por desencadear em muitos civis e militares um reflexo condicionado de puro horror”.

Seguem-se ainda outras entrevistas e no final do livro Aniceto Afonso, José Manuel Tengarrinha e Joaquim Furtado debruçam-se sobre descolonização, desinformação e investigação histórica. Joaquim Furtado adianta que “A consumação das descolonização, nos termos em que ocorreu, é um resultado de desinformação generalizada que atingia também os jornalistas. Mais do que qualquer outra forma de repressão, a censura terá sido o instrumento do Estado Novo cujos efeitos mais penalizaram o desenvolvimento de Portugal, até hoje”.

Insiste-se que este livro sobre o jornalismo português e a guerra colonial é incontornável para todo e qualquer trabalho de investigação histórica no que toca às três frentes que travámos na guerra de África.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20853: Notas de leitura (1279): “O jornalismo português e a guerra colonial”, com organização de Sílvia Torres, Guerra e Paz Editores, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20879: In Memoriam (364): Dos sete militares chacinados pelo PAIGC no “Chão Manjaco”, mártires da sua fé na autodeterminação e na consagração do direito do Povo da Guiné- Bissau ao poder (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

1. Em mensagem do dia 17 de Abril de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) traz-nos à lembrança o Massacre dos Três Majores no Chão Manjaco  ocorrido há precisamente 50 anos.


IN MEMORIAM

Dos sete militares chacinados pelo PAIGC no “Chão Manjaco”, mártires da sua fé na autodeterminação e na consagração do direito do Povo da Guiné- Bissau ao poder.

Em 16 de Abril de 1970, o Governador e Comandante-Chefe General António de Spínola reuniu em Bissau cerca de 400 oficiais do CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné), capitães do mato na sua maioria, para directivas e anúncio do “fim da guerra” – o fim do seu sonho louco, de sentar Amílcar Cabral no Palácio cor-de-rosa da Praça do Império, em Bissau, investido das funções de Secretário-Geral (Chefe do Governo) da Guiné, a oportunidade para o Capitão Vasco Lourenço, Comandante da CCaç 2549, na quadrícula de Cuntima, revelar a sua verve conspiratória e, também, o momento em que ele o tomou de ponta, com a inspecção ao seu comando, 15 dias depois, circunstância que ajudará à emergência do MFA (Movimento das Forças Armadas) e às suas consequências.

No entendimento do General Spínola, o “fim da guerra” da Guiné começara no Norte, pela transumância das FARP do comando do PAIGC o comando do Exército Português, trabalhada pela PIDE e manobrada pela nata dos oficiais do seu Estado-Maior, os malogrados Majores Magalhães Osório, Passos Ramos e Pereira da Silva, extensiva às restantes, por efeito sistémico, a começar pelas do Sul.


Para Amílcar Cabral e seus pares cabo-verdianos, a ideia spinolista do “fim da guerra” presenteou-os com a oportunidade de lhe aprontar a cilada da sua liquidação física (já recorrente, afirmará Nino Vieira), sob a superintendência do Comandante Pedro Pires, do Conselho Superior de Luta, manobrada por Quintino Vieira e Luís Correia, responsáveis da pide paigcista na região e na zona Norte, comandada pelo corajoso André Gomes, ora membro do Comité Executivo, que havia sido condecorado com a medalha da “Estrela Negra”, pelo seu êxito no ataque do aeroporto de Bissalanca com morteiros de 82, em 1968, e que o ex-milícia Braima Camará, implacável comandante militar da zona Norte, executou mas não consumou, pela falta de comparência do General Spínola.

O Comandante-Chefe surpreendera o seu 9.º encontro com a sua presença, abraçara o Quintino e o André, mostrou grande satisfação em corresponder à continência deste, o caso teve o seu desenvolvimento, foram aprazados o 10.º encontro, o dia D e a hora H para a renegação, com uma última condição pelos renegados: Só se renderiam ao Comandante-Chefe, com o seu armamento, mas ele e a sua escolta teriam de comparecer desarmados…

Pelas 16H00 do dia 20 de Abril de 1970, aqueles três Majores, o Alferes Miliciano Ranger Palmeiro Mosca, os naturais e milícias 1.º Cabo Patrão da Costa, condutor, Aliú Sissé e Mamadu Lamine, guias, todos inermes, compareceram no ponto de encontro, junto aos destroços duma autometralhadora Daimler, na estrada Pelundo-Jolmete, foram logo assassinados a rajadas de metralhadoras, cobardemente, e os seus corpos esquartejados à catanada, criminosamente.

“Sacrifício das vidas para nada” – últimas palavras do Major Pereira da Silva, o operacional daquela manobra.

Enquanto no seu tempo, o Major Teixeira Pinto era o “Capitão Diabo”, no tempo General Spínola, a Guiné era a “Spinolândia”, e nem sempre este terá estado à altura daquele seu predecessor.

Meio século antes, os antepassados manjacos da mesma região massacraram a pequena força portuguesa que construía um pontão, refugiaram-se no Senegal, Teixeira Pinto disfarçou-se de comerciante, fez o reconhecimento a todos, comandou a patrulha que os foi catar, cuidou de negociar a paz com a autoridade gentílica, mas vitorioso.

Terá havido um Alto-Comando para a Guerra da Guiné? Não obstante as evidências do aventureirismo militar, do grau de temeridade dessa operação e da tragédia do seu resultado, por se ter subestimado a “natureza substantiva” do IN, o Comandante-Chefe da Guiné não só não foi demitido, como a recorrência lhe será permitida, com a “vendeta” a Conacri, que serviu para projectar o prestígio do PAIGC e acelerar a internacionalização da sua guerra.

O “massa dos majores” e o quase falhanço do assalto a Conacri evidenciaram a mediocridade atávica da PIDE, como agência de informações para acções militares. 

Manuel Luís Lomba
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20807: In Memoriam (363): Coronel Luís Fernando de ANDRADE MOURA (6-5-1933 - 23-3-2020), notável soldado da Pátria e da Democracia (Manuel Luís Lomba)

Guiné 61/74 - P20878: Da Suécia com Saudade (68): por causa da tal pandemia, as minhas renas não podem agora andar em bicha de pirilau e muito menos em manada... (José Belo)







Tabanca da Lapónia > As queridas renas do Zé Belo, régulo da tabanca e criador, que agora estão proibidas por ele, à revelia dos "colonialistas" de Estocolmo, de andar em bicha de pirilau e muito menos em manada...  E os  vizinhos lá vão  interiorizando a  medida "sanitária"...

Foto: Cortesia de José Belo. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de José Belo ex-alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, e manteve-se no ativo, no exército português, durante uma década; está reformado como capitão inf do exército português: jurista, vive entre Estocolmo, Suécia, Abisco, Kiruna, Lapónia, no círculo polar ártico, e Key-West, Florida, EUA.

Date: 8/4//2020 à(s) 07:45

Subject: O vírus na Lapónia Sueca... antes e depois.

Desde o Inverno ao próximo Verão; desde a casa aos vizinhos !..

J. Belo


2. Comentário de LG:

Que os doentes e os mortos de todo o mundo, vítimas desta pandemia de COVID-19, nos perdoem... por estarmos a falar de coisas sérias, trágicas, em tom ligeiro, recorrendo ao nosso humor... luso-lapão. Mas também ele pode ser didático... Temos de aprender uns com os outros... E até com as tuas renas, e outros dos teus vizinhos que lá vão ruminando o provérbio popular português, de que "vale mais só do que mal acompanhado"...

No que diz respeito à contenção da pandemia da COVID-19, a  Suécia parece ter a adotado  uma   estratégia mais liberal, mostrando-se  desalinhada em relação à generalidade dos paises da União Europeia que estão em confinamento (ou isolamento horizontal)... A estratégia de isolamento vertical, seguida pela Suécia, tem alguns admiradores, e nomeadamente no Brasil do Bolsonaro, e muitos detratores...

A meio deste "campeonato" (que não tem data certa para o podermos dar por encerrado...), a Suécia está, contudo à frente dos outros países nórdicos no que respeita ao número de mortos (por milhão de habitantes).

Embora ainda seja cedo para tirar conclusões sobre a eficácia das diferentes estratégicas, e até porque os países são diferentes (hemisfério, clima, estação do ano, cultura,  idiossincrasia, modelos de convívio social, economia, PIB, índice de democracia,  índice de desenvolvimento humano, demografia, coabitação,  urbanização, densidade populacional, sistema de saúde,  etc.) e, além disso,  a pandemia está em diferentes fases, a  verdade é que a Suécia tem, neste momento,  uma taxa de letalidade (por covid-19)  mais alta que Portugal (10,9% contra 3,5%), e  nos últimos 14 dias teve mais casos de infeção (mais de  50% do nº de novos casos em relação ao total de casos) (Vd. quadro a seguir)... Quer dizer, que a triste procissão ainda vai no adro: compare-se a % de casos nos últimos 14 dias, em países como Brasil (72%), EUA (58%), Suécia (53%)... e China (14%).

A Suécia manteve abertos  restaurantes, lojas, centros comerciais. creches e escolas do ensino  básico...  A população tende a seguir as recomendações do governo no que diz respeito ao distanciamento social, e ao isolamento dos idosos, as ruas estão menos movimentados, ao que se lê nos "media", mas  nada que se pareça com Lisboa, Madrid ou Milão... E é certo que muitas empresas também  recorrem ao teletrabalho.  Mas não  houve declaração de estado de emergência como, por exemplo, na Europa do Sul, com imposição do "isolamento social" (em casa).

Distribuição de casos de COVID-19, numa amostra de países (, situação reportada a 19 de abril de 2020) 


País
Nº casos
(1)
Nº mortes (2)
Nº casos últimos 14 dias (3)
% de casos últimos 14 dias (4) (3:1)
Taxa de letalidade (%) (2:1)
Alemanha
139897
4294
48183
34,4
3,1
Brasil
36599
2347
26321
71.9
6,4
China
83803   
4636
1228
14,6
5,5
Dinamarca
7242
346
3165
43,7
4,8
Espanha
191726
20043
66990
34,9
10,4
EUA
735086
38910
422849
57,5
5,3
França
111821
19323
43216
38,6
17,3
Itália
175925
23227
51293
29,2
13,2
Portugal
19685
687
9161
46,5
3,5
Suécia
13822
1511
7379
53,4
10.9

Fonte:  Adapt.  de ECDC – European Centre for Disease Prevention and Control  (An agency of the European Union) (para os dados das colunas  1, 2, 3), disponível em https://www.ecdc.europa.eu/en/geographical-distribution-2019-ncov-cases Consult em 19/4/2020)
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P20877: Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu) (10): Em navegacao, Mediterrâneo Oriental, 16 de Abril de 2020


MSC - Magnífica > Cruzeiro de Volta ao Mundo > Em navegação, Mediterraneo Oriental, 16 de Abril de 2020

Foto (e legenda): © António Graça de Abreu (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Os nossos camaradas Constantino Ferreira d'Alva, ex-fur mil art da CART 2521 (Aldeia Formosa, Nhala Mampatá, 1969/71) e  António Graça de Abreu ), ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), estão a escrever  o seu "diário de bordo", nesta viagem de volta ao mundo. O MSC - Magnífica teve, entretanto,  de apressar o seu regresso ao ponto de partida (, Marselha), devido à pandemia de COVID-19.  


Publicamos hoje a mensagem do António Graça de Abreu, enviada  em 17/04/2020 à(s) 21h38

Em navegação, Mediterrâneo Oriental, 16 de Abril de 2020

Ontem, saímos do Canal do Suez, em Port Said, já com o cair da noite, eu vim para o meu camarote e estranhei o facto de o navio ter praticamente parado durante quase uma hora, no meio de uns tantos petroleiros que aguarvam a entrada no Canal.

Que se passava? O barco retomou a navegação a boa velocidade, 20 nós, 38 kms por hora. Estranhei. No mapa do itinerário do Magnifica, que temos no ecrã dos televisores nos nossos quartos, e que fornecem estes dados, vi que o navio, em vez de seguir para oeste, em direcção a Marselha, avançaava para leste, rumo a Israel.

O que e que estava a acontecer? A resposta foi-nos dada pela instalação sonora, em mensagem do comandante. Tínhamos uma pessoa em perigo de vida a bordo, a necessitar de imediata hospitalização. Foi pedido às autoridades egípcias de Port Said, autorização para o desembarque do passageiro e encaminhamento para um hospital. Sem sucesso, recusaram. Foram os israelitas quem se mostraram dispostos a acolher o doente grave. O nosso navio rumava para Haifa, Israel, a fim de desembarcar o francês, companheiro de viagem, que lutava contra a morte.

No final da comunicação do comandante, somos informados que a doença do passageiro não tem a ver com a Covid-19. Sossegamos. Quarenta e cinco minutos depois, jáde noite, tínhamos um helicópetro israelita a voar por cima do Magnifica, a descer, a içar o doente numa maca, a levá-lo para um hospital em Israel.

Isto testemunhei eu, assisti a quase todo o processo. Uma hora depois ouço de novo o barulhão do helicópetro parado ao lado do navio. Permaneceu a roncar durante uns dez minutos e depois voou alto no céu negro, de regresso a Israel. Nao entendi o que veio outra vez cá fazer, não entrou ninguém no aparelho.

Hoje de manhã, um português que tem o camarote no 14º andar, mesmo ao lado do local onde içaram o passageiro francês para o heli israelita, deu-me uma explicação possível. Os israelitas vieram pela segunda vez buscar a esposa do francês, mas a senhora estava completamente embriagada, passeava-se pelos corredores dos camarotes do 14º andar tropeçaando em tudo o que encontrava pela frente, com uma garrafa de vinho, vazia, na mão. Nao quis entrar no helicópetro, nem era possível metê-la lá, à força. O heli foi embora.

A passageira francesa continua no Magnifica e dizem-me que hoje a viram, no 5º andar, na recepção, pálida, completamente apática, olhando o vazio. Que tera acontecido ao marido, ou ao companheiro de viagem?

A vida não está fácil para este velhinhos, as emoções fortes sucedem-se. O filme de suspense só terá fim daqui a mais alguns dias.

António Graça de Abreu
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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de abril de  2020 > Guiné 61/74 - P20860: "Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu) (9): Em navegação, no Mar Vermelho: "não acredites em nada antes de ver e, depois de ver, continua a não acreditar"... E um momento de grande emoção, na Sexta Feira Santa!...

Guiné 61/74 - P20876: Parabéns a você (1790): António Joaquim Oliveira, ex-1.º Cabo Quarteleiro da CART 1742 (Guiné, 1967/69)

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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE ABRIL DE 2020

Guiné 61/74 - P20871: Parabéns a você (1789): Augusto Vilaça, ex-Fur Mil Art da CART 1692, (Guiné, 1967/69); Leão Varela, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1566 (Guiné, 1966/68) e Victor Barata, ex-1.º Cabo Esp MMA - DO 27 da BA 12 (Guiné, 1971/73)

domingo, 19 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20875: (Ex)citações (365): Os ex-combatentes, agora confinados por causa da pandemia de COVID-19... Hoje, como ontem, "presos"! (Mário Gaspar, ex-fur mil at inf, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)


Guiné > Região de Tombali > Gadamael Porto > CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68) > Aquartelamento e tabanca no final da comissão, em 1968

Foto (e legendagem): © Mário Gaspar (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo e camarada 
Mário Gaspar,  ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68: 

Date: sexta, 10/04/2020 à(s) 01:36

Subject: Presos

Caros Camaradas Luís e Carlos

A minha vida tem sido complicada. Após me ter envolvido na Poesia – nunca fui Poeta – embora entretanto não tenha paciência senão nessa leitura, comecei a colaborar com o Capitão de Abril, Major General–Médico João Bargão dos Santos – já não o via desde 2000 – convidou-me para a fundação da Associação Salgueiro Maia. Começou com uma Petição. Nada aconteceu como se julgava e o General não se entendeu com os restantes, já após o Registo da Associação e pediu a demissão. Continuo mas contrariado.

Os problemas de saúde agravaram-se, é impossível combater tantas doenças, e sou um Combatente. Antes do jantar resolvi sentar-me defronte do computador, saiu este texto. Foi complicado lembrar-me de alguns nomes.

Aqui vai.

Um Abraço Mário Vitorino Gaspar


2. PRESOS!...

Olá Luís, Olá Carlos e Olá Camaradas

Camaradas de Guerra da Guiné, Camaradas de Guerra das Outras Colónias.

Para os Camaradas do Blogue, regresso agora, sei que estão "fechados a sete chaves, nas vossas casas" – PRESOS. Os Camaradas Sem-Abrigo – segundo consta – continuam a dormir na rua! – PRESOS. É triste, se for verdade. Para eles o meu apoio.

Todos os que passaram 24 horas diariamente na Guiné, fora de Bissau, fomos prisioneiros. PRESOS na rua.

Tínhamos à nossa frente paliçada e arame farpado. Lá adiante avistávamos capim e mata. Só capim e mata. Lá por detrás do capim era a mata. Éramos prisioneiros dum presídio sem grades. Mas capim e…

O Combatente mata, para não ser morto. É um princípio, não podemos abdicar dele.

Agora, com este inimigo [, o novo coronavírus SARS-CoV-2,] só visível porque mata e faz sofrer, nós Combatentes nada podemos fazer, mesmo que possuíssemos a arma mais mortífera, dizer para um nosso camarada: 
– Mata!

Temos de baixar a cabeça, entrar em casa e fechar a porta a sete chaves. Esperar. Penso termos argumentos, porque somos Combatentes, em termos medo. Decerto que o medo existe, como também este surto, haja o primeiro que diga o contrário. Estamos PRESOS.

Avisam, e de consciência tranquila – esses Senhores que nos governam, que não sabem o que é uma guerra – nem sequer lá estiveram. Repetem e voltam a repetir:
– Fechem-se em casa. Lavem as mãos; desinfectem-nas; não levem as mãos ao rosto, etc., ponham a máscara. 

Mas que máscara? Os açambarcadores compraram todas. Agora a Ministra da Saúde nem sabe se os Portugueses devem ou não usar máscaras. A verdade é, quem as possui é de as guardar, não vá o diabo tecê-las.
– Os velhos têm prioridade! – Dizem.

Um PSP disse-me que era velho e que tinha de ir para casa. Respondi:
– Sou doente e se deixo de andar, então tenho mesmo de recolher de uma vez para sempre. As pernas estão ligadas, tenho mesmo de percorrer alguns metros por dia. Vou andando, não se vê ninguém na Avenida. Desloco-me pelo passeio. Peço-lhe de uma vez por todas, não chame velho a ninguém… Velhos são os trapos… Diga antes. "O Senhor está noutra idade, tenha cuidado! E só lhe fica bem!"...

O Polícia riu.

Fui Prisioneiro no Centro de Apoio Social (CAS) do Instituto de Apoio Social das Forças Armadas (IASFA), vi utentes às portas da morte, vivendo isolados no interior de um Palácio, cercado por vinhas e campos de laranjeiras.

Tenho transmitido àqueles que conheço o que sinto.

Na Guiné, partilhámos em períodos diferentes, o confronto com o denominado "IN", que nunca foi o meu inimigo. O inimigo era um regime fascista, desprezado e colocado à parte pela grande maioria dos países do mundo. Enviara-nos para a guerra e PRESOS.

Fui sempre contra a Guerra, bem podia não ter ido... Deixei de estudar. Existiam dificuldades de emprego e a vida obrigou-me a seguir as pegadas do meu Pai, que era Industrial de Panificação. Costumo a dizer que "fui fabricado numa Padaria", mas não sou adepto do alimento, talvez um dos mais necessários da humanidade...

 "O precioso pão"! Fui Ajudante de Padeiro, com Carteira Profissional. Também, tenho a acrescentar, estive Tuberculoso aos 7 anos, durante um ano não frequentei a Escola (1.ª Classe). Nasci na Freguesia de Santa Maria, em Sintra, e foi no Antigo Edifício dos Bombeiros Voluntários de Sintra que fui à Inspecção, embora desde os três anos morasse em Alhandra, Vila Industrial, foi aí que aprendi a ser Homem, embora tenha estudado no então famoso Externato Sousa Martins, em Vila Franca de Xira, desde os meus treze anos  namorei com uma sueca, linda boneca, Ingrid Margaretha Gustavsom. Alhandra foi a minha Universidade. Tive como Professores Sábios Avieiros e os Operários.

Nessa dita Inspecção, a dada altura escutei – sacudi os ouvidos – o vozeirão de um Sargento: 
– Todos nus! – Era o princípio de entrar numa prisão. PRESOS ...

Sabia que ia ser complicado para a grande maioria exporem o seu sexo.

Fui nadador (?)... Nadei em competições, com dificuldades respiratórias, era óbvio se estive tuberculoso. Tomava o meu duche após sair da água da Piscina do Alhandra Sporting Club, nascida no digno trabalho de Soeiro Pereira Gomes, o escritor de "Esteiros", que viveu em Alhandra e ofertou aos Operário uma grande herança: Bibliotecas e um "charco" que deu origem a essa Piscina.

Sucede que me expus e nu, de imediato numa varanda, mesmo defronte do famoso Palácio da Vila. Turistas, eram muitos, apontaram o dedo e riam. Dois ou três fizeram o mesmo com o intuito de me apoiarem e os restantes colocaram as suas mãos-folha-de-parra, escondendo o sexo. 

Fiquei Apurado para Todo o Serviço Militar. Refilei, mas nunca disse ser Padeiro. De certeza se o dissesse não seria Atirador. Continuava a namorar a sueca, sempre por escrito, que insistia para ir para a Suécia, tinha emprego na firma do pai e casaríamos depois. Ainda tentei, mas o dinheiro que ganhava, o meu Pai depositava numa conta. Nem sequer tive hipótese de acesso à mesma.

A três de Maio de 1965 apresento-me no RI 5, Caldas da Rainha, para iniciar a Escola de Recrutas no Curso de Sargentos Milicianos. Nem sequer pedi para ir para a Tropa. A partir desta data fiquei preso. PRESOS.

Terminei a Recruta e fico preso no CISMI, em Tavira. Não gostei dos Algarves, embora as algarvias fossem quentes. Muitos colchões de palha e percevejos em liberdade na parada a um sol quentíssimo. Isto em princípios de Agosto de 1965. Tratava-se de um Curso de Armas Pesadas.

O Comandante de Pelotão foi o então Alferes Cadete (Luís Carlos Loureiro Cadete), voltei a reencontrá-lo a Comandar a Grande Operação Revistar, onde tudo aconteceu.

Numa outra Companhia do CISMI, comandava um Pelotão o Alferes Fernando Augusto C. L. Robles – conhecido por muitos – até ser "julgado" no pós 25 de Abril.... Simulo uma lesão, tentei safar-me, ainda estive no Hospital Militar, em Évora, enganei-os e perdi a Especialidade por estar afastado da mesma mais de 10% do tempo. Por pouco tempo deixo de fazer parte dos PRESOS.

Sou chamado para a Escola Prática de Artilharia, Vendas Novas. Tento a minha sorte e na primeira tentativa ganho as boas graças do Major Comandante do Curso. Sou obrigado a Prestar Provas para os Comandos e quase que me apanhavam. Procuravam Monitores para Cursos dos Comandos. Ainda volto ao Hospital Militar de Évora depois de ter enganado meio mundo. Termino a Especialidade, sou promovido a Cabo Miliciano e colocado em Viseu, num Pelotão de Instrução de Recrutas como Monitor.

 O Instrutor é o Alferes Antunes que iniciara uma Comissão em Moçambique, caiu numa mina ficando com o rosto desfigurado. Operado na Alemanha, ficaram alguns sinais. Aguardava ser chamado para uma outra cirurgia. Outros Monitores: Um Cabo Miliciano e um Cabo Readmitido. Cada Pelotão dava Instrução a 77 Recrutas. Lá tive a minha História. O Comandante do RI 14 era um dos futebolistas heroicos que venceram a Taça de Portugal pela Académica de Coimbra, em 1939, Carlos Faustino da Silva Duarte. 

Não seria mobilizado se me tivesse apresentado a horas no Quartel. O Coronel era amante do Desporto e reuniu da parte da manhã com os Aspirantes do Quadro e os Cabos Milicianos. Pretendia saber quem praticava Desporto e a Modalidade. Podia-me inscrever na Natação, o futuro disse-me que fosse um bom militar me tinha safo. Entrei nos Campeonatos da Região Militar, em Tomar e fui à Final dos 100 metros Costas. Nadava Costas de brincadeira. Tinha regressado dos Rangeres, Lamego onde me obrigaram a Prestar Provas e fui chamado ao Coronel Faustino que me pediu para nadar o Estilo Costas, porque assim o RI 14 podia concorrer por Equipas. Tínhamos terminado uma Instrução e foi no Juramento de Bandeira. Os familiares dos Recrutas, como sempre, traziam cestos de comida. Os Soldados queriam que petiscasse e bebesse uns copos. Não me sentia bem. Chamam-me, um Tenente Amigo que fazia parte da Equipa de Natação, diz-me: 
– Mário, estás mobilizado para a Guiné! Não digas a ninguém…
– E os outros Cabos Milicianos?
– Também. Mas só os mais velhos…

Voltei para junto dos Soldados e comi, bebi ainda mais.

O Coronel Faustino chama-me:
– Sabe, está mobilizado. Tenho tentado ver se o safava. É pena porque estava apurado para o Campeonato das Regiões Militares.

O Capitão da Companhia, informa-me:
– Não sei se leu a Ordem de Serviço? Mas de qualquer modo fica a saber que é o Responsável pelo Controlo da próxima Recruta.

Vai a cada Pelotão e observa como estes tipos Aspirantes dão a Instrução. Você sabe que não quero que comecem a ensinar como se faz a esquerda volver, sem saberem fazer a direita!

Só tive chatices. Quando via que os Aspirantes não faziam conforme o que o Capitão pretendia aproximava-me do Aspirante – eram todos acabados de chegar da Academia – dava o recado, mas de modo que ninguém ouvisse. Gritava logo:
– Ó Nosso Cabo!
Não respondia, nem sequer era Cabo. Muito embora fosse Cabo no Pré e Sargento de Serviço. Iam fazer queixa ao Capitão, ele respondia:
– Não sabem que o Mário é Cabo Miliciano?

O Alferes Antunes, um grande Amigo. Combinara comigo e com o outro Cabo Miliciano que o tratamento entre nós fosse por «tu». Morava na Rua Direita, em Viseu. A esposa estava grávida. Todos os dias conversávamos, um dia diz-me:
– Nunca mais me chamam para a Cirurgia. Abriram Concurso para a Brigada de Trânsito da GNR, vou candidatar-me!

No dia que saio do RI 14, já me despedira dos Sargentos da Secretaria que me encobriram todas as baldas – uma de 11 dias em casa, sem licença – e tocou a hora da despedida do Capitão Amaral (Militarista): e Alferes
– Mário, você é bom rapaz. Mas isso não é nada! Dê-me um abraço!

O Alferes abraçava-me e chorava. Só mais tarde entendi. O Antunes tinha Stress Pós Traumático de Guerra.

Apresentei-me no Regimento de Artilharia de Costa (RAC), Oeiras, à civil, mas depois de ir até à casa. Cheguei pela noite ao Quartel e o Oficial de Prevenção, um Aspirante recebeu as Guias e acompanhou-me ao local onde ia dormir. Ao chegar vejo uma cama, tapete e mesa de cabeceira. Estranhei! O mesmo Aspirante acordou-me atrapalhado:
– Nosso Cabo Miliciano, estas instalações são dos Oficiais, tem de sair! 

Enviam-me para a Escola Prática de Engenharia (EPE), Tancos para tirar o Curso de Minas e Armadilhas. Até um rebentamento houve no XX Curso de Minas e Armadilhas.

Tudo prisões. PRESOS. A pior de todas foi ter tirado este maldito Curso. Antes Comandos ou Rangeres.

Algo aprendi neste período de tempo, principalmente ter conhecido o perfil do Heroico Soldado Português. Dei diversas Recrutas em Viseu... Muitos nunca tinham sequer visto um comboio; e nunca terem visto o mar (?); outros nunca tiveram o prazer de tomar banho, decerto que tinham mergulhado em águas da ribeira; e o cansaço antes e após o esforço (?). Alguns nem sequer conheciam o cansaço. 

Depois só necessitavam de manejar uma arma. Vivia a maioria em aldeias distantes das vilas ou cidades, nuns casos nem sequer conheciam essas mesmas terras, de qualquer modo como não existissem transportes era a pé que andavam quilómetros. Com a enxada cavavam desde o nascer ao pôr do sol. Poucos ou nenhuns tinham passado fome, podiam não terem acesso a determinada alimentação, mas não era por aí. Quando chegavam novos Recrutas tínhamos de acompanhar, cada vez que íamos à Porta de Armas, 50 futuros Soldados. Um dia surgiram à porta-de-armas dois inimigos do banho. Quando chegou o momento de todos irem ao duche disse para um tirar a sujeira do outro, usando sabão e unhas. Mas pénis e cu, cada um lavava o seu. Fizeram aquilo que mandei e ficaram ambos no meu Pelotão. Pois um deles passou a tomar banho todos os dias.

Aquilo que aproveitei foi conhecer bem o Nosso Soldado Português.

Vou para o GACA 2, em Torres Novas para uma "Escola de Quadros" – fico em vias de apanhar uma porrada – afinal estávamos lá por engano. É quando conheço o Capitão da minha Companhia. Apresentei-me no RAL 5, Penafiel, onde as CART's 1659; 1660 e 1661 fizeram a Instrução Operacional, para rumarem para a Guiné, onde conheço quase todos os Soldados.

A decisão estava tomada e decidi partir mesmo, e cumprir. Continuaria a tratar os Soldados por «você», esperava ajudá-los e que me ajudassem. Como possuía uma grande força interior, por ser o primeiro Cabo Miliciano que o Capitão conheceu e sermos somente três com este Posto, tive influência em quase tudo o que vem a suceder. Todo o Pessoal Especializado não está nesta Instrução. Tivemos de fazer a escolha daqueles que seriam os 1.ºs Cabos e o Pelotão e Secção onde iam ficar integrados. Atribuída a minha Secção, que era maior e peço que acrescente mais um elemento, o Capitão aceita. Intrigado, ri quando indico o nome do Soldado Armando Pardelinha. Tinha medo de saltar o galho. Acompanhou-me sempre, e em todas as Operações.

Pois Gadamael Porto era um Quartel junto da fronteira, da Guiné Conacri. Estava agregado o Destacamento de Ganturé. Em Gadamael existiam dois edifícios que tinham pertencido a colonos. Partilhávamos o espaço com a população civil. Posso dizer que passe pelos Comandos e Rangeres, terminei nas Minas e Armadilhas, até me deram um Diploma numa Cerimónia no Palco do Cineteatro, de Tancos.

Curioso que nunca vi no mato – foram praticamente 23 meses – nenhum Fuzileiro, Comando ou Ranger. Aliás, minto. Existia na minha Companhia um Ranger, o Furriel Miliciano José Nicolau Silveira dos Santos – o grande Amigo Açoriano que vive no Canadá.

Somos Combatentes e PRESOS, de Serviço durante 24 horas; não autorizados a licenças de recolher; sem fins-de-semana. Os chamados Tropas Especiais – tenho muitos Amigos Combatentes nessa Tropa – mas viviam em Bissau e eram chamados para Operações. Podiam ir "às meninas", petiscar no Zé da Amura ou andarem aos tiros uns contra os outros após de jogos de futebol entre eles.

Mas este flagelo, ou surto que ataca o Mundo não é – como ouvi e li – uma guerra – nem o exagerado termo, 3.ª Guerra Mundial, embora tenha muitas semelhanças, esta é a minha opinião.

O que será então? É o desafio que deixo ao Blogue.

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Guiné 61/74 - P20874: Blogues da nossa blogosfera (128): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (43): Palavras e poesia


Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

A MORTE DO POETA

ADÃO CRUZ

© MANEL CRUZ


O dilema entre o silêncio e a palavra
invade a lógica discursiva
que há no ridículo do poema.
Quem tudo vê e nada sabe
ou é poeta
ou patético peregrino
da teatral mentira que emoldura a poesia
mascarada nos buracos negros das palavras.
Morre a razão e a mente
no espaço vazio do poeta
engolido nas areias movediças
da estupidez do verso.
Nasce a poesia
na semântica farsa das palavras
escondida nos simbolísticos restos do dilema
entre o silêncio do mundo
caído em pedaços
ou erguido nos absurdos de um poema.
Ninguém conhece a metáfora
da verdade e da mentira
só o poeta
na sua indomável vertigem da ilusão
descobrindo a poesia
nos avessos da razão.
Morre o poeta em suas manhãs de pedra e gelo
entre a verdade da mentira e a mentira da verdade
e todos lhe cobrem o corpo
com lençóis de sedução
no primeiro e último poema
do silêncio e da razão.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20848: Blogues da nossa blogosfera (126): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (42): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P20873: Blogpoesia (673): "Grande buraco", "Está posta a mesa" e "Seguramente, vem...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:


Grande buraco

Nem despejando toda a areia do mar.
Não chegaria para tapar este buraco imenso.
Estamos todos encarcerados nele.
Súbitamente,
Foi-nos tirada a liberdade.
Seus limites são quatro paredes e o céu por cima.
Vivemos sós em nós mesmos.
Nosso refúgio é o silêncio e a meditação.
As nossas armas de libertação.
Só por elas se pode reaver o mundo perdido.
Reflectindo sobre os escaninhos do nosso destino neste mundo.
Desenvolvendo nossas artes de criatividade.
E, sobretudo, orando em prece ao Criador…

Ouvindo ean Sibelius, Finlandia performed by Royal Liverpool Philharmonic Orchestra and Vasily Petrenko
Mafra, 12 de Abril de 2020
8h59m
Jlmg

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Está posta a mesa

Toalha lavada e brunida.
Na mesa o melhor que tenho.
Vou receber amigos.
Preciso deles e, oxalá, eles de mim.
Precisamos uns dos outros.
A felicidade só se aparece na convivência e na troca.
Quem vive fechado sobre si é um mendigo disfarçado, por medo ou por orgulho.
Não andes só. Vai-se melhor acompanhado.
Vamos conversando. Trocamos nossas ideias.
São diferentes nossos olhares.
Cada um tem seu modo de olhar e ver.
Enriquecemos os nossos dias.
O tempo passa melhor.
Ficamos mais ricos.
Vem. Está posta a mesa!...

Ouvindo SCHUBERT - Impromptu n°3 (Horowitz)
Mafra
Jlmg

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Seguramente, vem...

Pacto firmado. Palavra de rei.
À hora marcada, aí vem.
Abre a sacola. Correio selado.
Escrita a tinta. Letra redonda.
Palavras bem simples.
Ideias doiradas.
Brilhantes ao sol.
Arsenal bem cheio.
Lindas missivas.
Talhadas à prova.
Suas medidas, tiradas a giz.
Vestem perfeito.
O artista bem diz.
Última moda.
Corte exacto.
Feito à medida.
Paga depois.
Cumprido o pacto.
Até outra vez.

Ouvindo H. Grimaud 2/3 Rachmaninov piano concerto No.2 in C minor, op.18 [Adagio sostenuto]
Mafra,16 de Abril de 2020
11h11m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20870: Blogpoesia (673): Amor Em Tempo de Covid-19 (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR do BART 3872)

Guiné 61/74 - P20872: Tabanca Grande (492): Francisco Mendonça, ex-1º cabo especialista MARME, BA 12, Bissalanca, 1972/74; senta-se à sombra do nosso poilão, nº lugar nº 806




O novo membro da Tabanca Grande, nº 806,  ex-1º cabo especialista MARME (mecânico de armamento e equipamento), BA 12, Bissalanca, 1972/74.

Fotos (e legenda): ©  Francisco Mendonça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Ttroca de mensagens do nosso camarada Francisco José Rato Mendonça, nosso camarada e leitor, ex-1º cabo especialista MARME [, mecânico de armamento e equipamento], 2/70, Bissau, BA 12, Bissalanca, 1972/74 [, foto atual à esquerda]:

(i) Mensagem do nosso editor, com data de 24 de fevereiro de 2020:

Francisco: Sê bem vindo!... Tens aqui uma primeira resposta, através da foto do Miguel Pessoal,  ten pilav Fiat G-91 no teu tempo (1972/74)... O Gil Moutinho também confirma a presença do ex-furriel Coelho. na foto que publicámos (*)

Continuas a viver na Bulgária ? Ou estás na Itália (a avaliar pelo teu endereço de email) ?...

Um abraço do camarada Luís Graça.

PS - Gostava de te ver aqui sentado, à sombra do "poilão" da nossa Tabanca Grande !... Já em 2015 tínhamos-te feito esse convite... Só precisas de mandar duas fotos, uma antiga e outra atual, escreveres duas linhas de apresentação... Entre malta de terra, ar e mar, já somos, registados, mais de 800 os amigos e camaradas da Guiné.

(ii) Resposta do Francisco Mendonça, 24 de fevereiro de 2020:

Agradeço a vossa disponibilidade, estou em Itália e na Bulgária por motivos diversos, estive em Lisboa o ano passado e encontrei-me com o ex-chefe do EMFA, General Fernando Vasquez quem, creio, vocês conhecem. assim como o ten pilav Fiat G91, pois eu estava na linha da frente e carregava toda a linha T-6.

O furriel [Raul Fernandes] Coelho foi meu instrutor nos Auster, eu jé era piloto de planadores em Évora e em Sofia, Bulgária fiz, delta plano sem motor e aqui, na Bulgária, alguns voos no biplano Antonov 2 agrícola.

Sim, o Coelho é mesmo aquele da foto [, do Miguel Pessoa]..

Tenho o Watsapp e  o Viber e daqui posso enviar fotos através do Facebook,  tenho uma foto com a equipa de judo da FAP, que vou mandar, eu sou o da esquerda, olhando para foto.

Um abraço a todos, lembro-me do Pessoa.

PS - O presidente da república da Bulgária é um antigo piloto dos MiG.


(iii) Mensagem de Francisco Mendonça, 25 de fevereiro de 2020:

E a vida é assim, portugas. Povo de navegadores de um pequeno Pais, conquistaram meio mundo no tempo da monarquia, Recentemente soubemos que chegámos à Austrália 200 anos antes dos Ingleses. Hoje Portugal é colonizado pelas ex-colónias, até a nossa língua foi modificada (para pior),  coisa que não fez nenhum país colonizador.

Ok,  Luís,  vou ver se encontro uma foto para fazer parte dessa Tabanca de 800, que são muito poucos para governar Portugal mas é positivo fazer parte, da confraternização podem surgir oportunidades de negócios ou outras situações interessantes.

Mas nesse almoço que se faz todos os anos [, em Monte Real,] é só pessoal da FAP da Guiné ou também das outras ex-colónias?  É só para saber como funciona.

Um abraço, Mendonça

PS - Obrigada pela sugestão do  Gil Moutinho,  vou tentar o aeroclube de Braga.

2. Comentário do editor LG:

Francisco, como já te disse este blogue está aberto a todos os camaradas que passaram pelo TO da Guiné, entre 1961 e 1974, das três armas, Exército, Marinha e Força Aérea. Sobre a FAP, por exemplo, temos mais de 400 referências. Não te posso, de momento, dizer ao certo quantos camaradas da FAP se sentam "à sombra do poilão da Tabanca Grande", mas temos temos uma boa amostra, desde os pilotos (do quadro e milicianos) até aos especialistas, sendo esquecer as nossas queridas enfermeiras paraquedistas e os nossos camaradas paraquedistas (nomeadamente do BCP 12). 

Como camaradas que fomos (e somos), tratamo-nos por tu, com toda a naturalidade: ajuda a esbater distâncias e diferenças. Somos um blogue com 16 anos de existência (, começamos a blogar em 23/4/2004)... O objetivo principal é partilharmos memórias (e afetos).

Reunimo-nos todos os anos, em Monte Real, Leiria (, onde se localiza, como sabes, a BA 5). Este ano, devido à Pandemia de COVID-19, o XV Encontro Nacional da Tabana Grande, marcado para o dia 2 de maio, já foi obviamente cancelado. É a primeira vez que isso acontece desde 2006, ano em que realizámos o I Encontro Nacional.

Espero que nos possamos conhecer pessoalmente, quiçá no próximo encontro no próximo ano. Temos 10 regras editoriais que deves ler. E, se tiveres alguma dúvida, podes pô-la por email. Todos os postes são publicados pelos editores. Terás que mandar os teus textos (e fotos) por email.

Desculpa o atraso na tua apresentação à Tabanca Grande, que já devia ter ocorrido há mais tempo. Passas a ser o nº 806 (**).  Infelizmente  temos 78 grã-tabanqueiros, que "da lei da morte já se libertaram", mas cujos nomes continuam a figurar na coluna estática, do lado esquerdo da página principal do blogue.

O teu nome passa a figurar, desde hoje, na letra F.  Ficas registado como Francisco Mendonça, sendo este último o apelido por que eras conhecido na FAP.

Desejo -te saúde e longa vida, que os camaradas da Guiné merecem tudo!
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A Sílvia Torres, a quem foi atribuído o n.º 736, devia ter sido aqui listada em fevereiro de 2017, o que não aconteceu por lapso... Já o corrigimos, pelo que número de  membros da Tabanca Grande são 805. Correção feita em 6/4/2020.

Guiné 61/74 - P20871: Parabéns a você (1789): Augusto Vilaça, ex-Fur Mil Art da CART 1692, (Guiné, 1967/69); Leão Varela, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1566 (Guiné, 1966/68) e Victor Barata, ex-1.º Cabo Esp MMA - DO 27 da BA 12 (Guiné, 1971/73)



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Nota do editor

Último poste da série de 18 de Abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20866: Parabéns a você (1788): Raul Brás, ex-Soldado CAR da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70)