sábado, 11 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20843: (Ex)citações (364): o amendoim e o caju, a maldição do colonialismo, em tempo de pandemia de COVID-19 (Manuel Luís Lomba, alcaide de Faria, Barcelos)

I. Comentário(s) de Manuel Luís Lomba ao poste P20829 (*)

Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)

(i) nasceu em Faria,  concelho de Barcelos, em 1 de Maio de 1942;

(ii) foi funcionário da construtora Soares da Costa onde alcançou o cargo de Director;

(iii) promoveu o renascimento e é presidente da Direcção do Grupo Alcaides de Faria

(iv) é autor dos dois volumes de Faria: "Terra-mãe da Nacionalidade":

(v) é autor dos livros:  “Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu” (por Manuel Luís Lomba, Terras de Faria, Lda., 2012); "Da Senhora e Da Franqueira: Memórias das nossas Origens" (Barcelos,  edição de autor, 2019); 

(vi) tem cerca de 70 referências no nosso blogue; está na Tabanca Grande desde  17/9/2012 (**)


1. Em tudo o relativo à Guiné, nós, veteranos da sua guerra, não raro evidenciamos o romantismo ou o amor (platónico) àquela terra e gente.

Para introduzir a cultura do amendoim (mancarra, para os guineenses e alcaguita, para os alentejanos) e do caju ou "fruto falso", na economia da Guiné-Bissau, os nossos antepassados, inventores do "colonialismo", tiveram de descobrir o Brasil...

Na réplica do Cherno Baldé ao poste do Patrício Ribeiro está implícito um protesto: antes da chegada dos portugueses, do seu amendoim e do seu caju, já os guineenses eram auto-suficientes - morreriam de vírus, mas não morriam à fome!

A propósito da Guerra da Guiné, a ordem dos factores não é arbitral.

A sua iniciativa será "património imaterial" dos seus naturais e à custa dos "colonialistas portugueses". Consta-nos que Nuno Tristão e a sua malta andavam em turismo aquático (em demanda de "galinha à cafreal"?), os nalus montaram-lhe uma emboscada e ele "lerpou" com uma seta envenenada e sem dar um tiro. Nalús e balantas esperaram 500 anos e, à molhada (e sem fé em Alá, como animistas), atacaram o quartel de Tite - "património material", como o momento do início da Guerra da Libertação, que durou 11 anos para libertar seu território, mas vai para 60 anos que não liberta o seu Povo...

Será que o caju substituiu o amendoim?

A CUF (Casa Gouveia) fora sempre o maior comprador de amendoim e, acontecido o cessar-fogo, foi o primeiro "capitalista-monopolista" português a entender-se com o PAIGC em matérias de negócio. Ambas foram nacionalizadas. Ao desmantelar-se, a CUF generalizou a fome na península de Setúbal, um "bispo vermelho" emergiu à altura da situação (D. Manuel Martins); a Casa Gouveia e a sua organização foi reciclada em Armazéns do Povo e as suas prateleiras e armazéns vazios foram uma das razões para o golpe de Estado de 1980, em Bissau.

O modelo de "economia planificada" foi concebido e materializado pela "inteligência" do PAIGC, obra-prima do desconhecimento do país e povo, reforçada pela "inteligência" de outros de diferentes nacionalidades, entre os quais portugueses, militantes do nosso PREC e da sua falência. A Guiné-Bissau será um caso-vítima do tráfico da "Cooperação".

A dinâmica da fileira do amendoim assentava no micro-produtor e no comércio retalhista, que, pelo novo paradigma, passaram a "funcionários públicos", mas, em vez de o entregar aos Armazéns do Povo e à sua burocracia, passaram a contrabandeá-lo pelas fronteiras da Guiné-Conacri e do Senegal, o que provocará a ruptura dos fornecimentos à indústria portuguesa.

2. O comentário ao tema do Patrício Ribeiro-Cherno Baldé (*)  saiu-me longo, a culpa principal será imputável ao "terrorista" Covid 19 e a secundária ao alvoroço que sinto em comunicar com dois camaradas, com os pés e a vida no chão da minha nostálgica Guiné. Levo 4 semanas de confinamento, e, se escapei ao dito cujo, não escapei aos tormentos do ácido úrico e da tormento - a "gota".

O que acabo de dizer acerca da dinâmica da cultura do amendoim reflecte a auto-crítica do seu primeiro PR Luís Cabral na RTP, que disse também ter fundado uma fábrica de sumos, com a exportação garantida para um supermercado de Cascais (era o Pão de Açúcar) e que morreu sem funcionar (o destino do Complexo do Cumeré e das principais indústrias, que a sua "Economia planificada" instalou).

Quanto ao caju, a Guiné começou a sua exportação em 1966, ano do meu regresso, tendo saboreado o seu "falso fruto" em Buruntuma e em Camajabá, (bem maduro, senão queimava-nos a boca), que parou pós-independência. Foi retomada em 1984 e alcançou elevada massa crítica, como riqueza da Guiné-Bissau.

E, retomando o parágrafo inicial, do feitiço da Guiné aos ex-combatentes, o comandante Alpoim Calvão passou de "terrível", na guerra de libertação, a dedicado amante da Guiné, tendo alcançado o estatuto de maior empreendedor país, criando centenas de postos de trabalho na cultura e fabricas de caju.

Vou aproveitar o espaço para bicar o comentário do Luís Graça  [, que citou  São Jerónimo, padre da Igreja do séc. IV: um cristão, depois de batizado, não precisa de tomar banho] (*).

S. Jerónimo, campeão do assédio e das tentações do sexo oposto, terá razão. Se o baptismo lava a alma para sempre e,  sendo o corpo o invólucro da dita, logo também ficará lavado.

Depois das suas comissões em Jerusalém, em contacto com as civilizações e culturas de judeus e muçulmanos, os cavaleiros medievais regressados criaram grandes choques sociológicos nos seus países - haviam assimilado a higiene deles, aparavam a barba, lavavam-se, tomavam banho e... perfumavam-se!

Os Templários viviam com tal carga de piolhos que o combate era um lenitivo - as estucadas e as lançadas amenizavam-lhes a coceira...

Cuidem-se dos IN - invisíveis mas sentidos. (***)
Ab

Manuel Luís Lomba
_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20829: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (11): Viagem a Mansoa e a Bafatá, onde estamos a levar a água potável aos hospitais... Este ano, muita gente vai morrer, não da COVID-19, mas de fome: o caju ninguém o vem cá comprar...


(***) Último poste da série >  30 de março de 2020 > Guiné 61/74 – P20791: (Ex)citações (363): Os conflitos e a dedicação do povo (José Saúde)

12 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Amigos e camaradas, há muita coisa da nossa velhinha história pátria que a gente não sabe e tem que aprender antes de morrer... Uma delas é sobre a "lenda" do alcaide de Faria... E agora não há desculpas para não ler, porque temos tempo, confinados em casa por causa do maldito "cornovírus".

Tomo a liberdade de reproduzir aqui um excerto da entrada da Wiquipédia sobre o Castelo de Faria:

(...) Durante o reinado de Fernando I de Portugal (1367-1383), quando da segunda guerra com Castela, a fronteira norte de Portugal foi invadida. As forças do soberano de Castela avançavam por Viseu rumo a Santarém e Lisboa, quando uma segunda coluna, vindo da Galiza penetrou pelo Minho. Saíram-lhe ao encontro forças portuguesas oriundas do Porto e de Barcelos, entre as quais se incluía um destacamento sob o comando de Nuno Gonçalves de Faria, alcaide do Castelo de Faria. Travando-se o encontro na altura de Barcelos, caíram as forças portuguesas, sendo capturado o alcaide de Faria.

Com receio de que a liberdade de sua pessoa fosse utilizada como moeda de troca pela posse do castelo, guarnecido pelo seu filho, Gonçalo Nunes de Faria, concebeu um estratagema. Convencendo o comandante de Castela a levá-lo diante dos muros do castelo, a pretexto de convencer o filho à rendição, utilizou a oportunidade assim obtida para exortar o jovem à resistência, sob pena de maldição. Morto pelos espanhóis diante do filho, pelo acto corajoso, o castelo resistiu invicto ao assalto. Vitorioso, o filho, tomou o hábito, vindo o castelo a ser sucedido por um mosteiro.

O episódio foi originalmente narrado por Fernão Lopes e imortalizado por Alexandre Herculano na obra "Lendas e Narrativas". (...)

https://pt.wikipedia.org/wiki/Castelo_de_Faria

O CONDE DA PEDREIRA disse...

AMIGO LOMBA: Assim é que é falar. Um abraço do Veríssimo.

Anónimo disse...

Caro amigo Manuel Lomba,

As inovações introduzidas no dominio agrícola pelos "colonialistas" foram muitas e tiveram papel importante na inserção da economias e dos camponeses africanos no mercado internacional onde dominava o capital europeu, mas sempre com os olhos postos na capacidade e no aumento dos impostos a arrecadar nos autoctones, que sempre viram com desconfiança estas manifestações de bondade alheia ao ponto de serem conhecidas no meio popular como "as sementes do diabo".

A fábrica de sumos ou compotas de Bolama funcionou durante alguns anos, mas segundo Filinto Barros, antigo ministro da economia com Nino Vieira, a fábrica parou devido a má gestão e por insuficiência de matéria devido a sua localização na ilha de Bolama, facto que inviabilizava o transporte tanto a entrada das matérias primas como a saida dos produtos fabricados. Não tinha nada a ver vom o complexo de Cumeré que, este não chegou a funcionar.

Inacreditável, mas verdadeiro, o Cap. Calvão passou os seus últimos anos de vida na Ilha de Bolama, certamente a penar pelo falhanço imperdoável da operação Mar Verde que podia mudar o curso da história no império português de África. E como a vingança dos Irãs tarda, mas não amaina, no fim, acabou por estar associado a uma tentativa de roubo de uma estátua do séc. XIX (Ulisses Grant) e saiu chamuscado.

Com um abraço amigo,

Chernquealdé

Com um

Manuel Bernardo - Oficial reformado disse...

Na minha opinião não havia uma "guerra de libertação", mas apenas mas um frete feito à então URSS, para ter influência naquela região africana. Depois da independência ficou tribalizado e viria a ficar nas mãos das mafias da droga. Quanto a Moçambique e Angola, depois de guerras civis de muitos anos, apenas desde o ano passado é que Angola está a tentar tornar-se num "estado de direito" e não tão corrupto como era desde a indepependência. Moçambique ainda não conseguiu iniciar esse percurso.

Anónimo disse...

Meu caro Manuel Lomba, é bom ler este teu comentário desassombrado e bastante real, no toca à situação da Guiné.
E quanto à opinião do Senhor Manuel Bernardo julgo não ser uma mera opinião mas sim
uma constatação.E não foram só os russos, lá estão em moçambique e não só os (os neocolonialistas)chineses a cobrarem a factura da sua amizade para com os povos "irmãos".E mais não é preciso dizer.
Um abraço
Carlos Gaspar ex-FAP

Hélder Sousa disse...

Não tenho muito a comentar a não ser constatar, citando Voltaire, que "Les beaux esprits se rencontrent".

Hélder Sousa

Anónimo disse...

Caros amigos,

As vezes, tenho dificuldades em perceber certas "opiniões" enviesadas que não passam de sentimentos de ódio e de mau perder, bastante lamentáveis, que não têm nada a ver com a realidade do nosso pais.

Na Guiné-Bissau existem grupos etnicos é certo, que o regime colonial ajudou a consolidar-se durante séculos, mas não tivemos nenhum conflito de cariz tribal pelo que não se pode afirmar, sem cair na retórica, que a nossa sociedade ficou tribalizada após a independência.

Quanto a máfia da droga, a GBissau não passa de ponto de passagem, sendo que são bem conhecidos os seus produtores e consumidores assim como são conhecidos os seus verdadeiros beneficiários (na América Latina e no Afeganistão) que são os mesmos que, também, controlam o lucrativo negócio das armas e que no fundo controlam o mundo, incluindo Portugal, por onde, certamente passam ainda maiores quantidades de droga, além de grande consumidor, mas que não mereceu o epiteto de estado Narco. Curiosidades deste mundo desigual.

Abraços,

Cherno Baldé

Anónimo disse...

Voltaire também diz (e escrevo em português);

Pensar por si próprio
E deixar que os outros
usem o Direito de
Fazer o mesmo

Carlos Gaspar

Manuel Luís Lomba disse...

Muito aprecio o patriotismo do Cherno Baldé. Patriota é o que ama e defende a sua terra, a sua pátria - ou a sua mátria, juízo do padre António Vieira e que Natália Correia secundou.
A Justiça de Bissau arguiu Alpoim Calvão do crime de roubo de património, materializado na estátua de bronze de Ulysses S. Grant, vencedor da Guerra civil americana e PR dos Estados Unidos, no meu tempo a campear na praça homónima, a "praça do município" da Câmara de Bolama, em memória à sua sentença arbitral que atribui a pertença da ilha de Bolama à futura Guiné-Bissau, cobiçada pela Inglaterra, para a transformar em base de apoio à sua Royal Navy, que havia sido retirada pelo 1º . governo pós independência, por ele adquirida num contexto de negócio de sucatas.
Já aqui registei circunstância parecida, ao comprar a estátua de Nuno Tristão, em reacção ante o seu abandono (e de outras) no meio do capim dum terreno confrontante com o estaleiro da empreiteira Tecnil, na antiga estrada de Santa Luzia, Bissau; o seu embarque foi impedido, não fui arguido, mas também não fui reembolsado dos 50 contos pagos por ela.
Com o seu ingrato comportamento para com os construtores do seu país, o PAIGC daquele tempo, partido-Estado e revolucionário, apenas terá contribuído para avivar da sua memória (por cá temos o incansável Beja Santos).
Aprecio o pensamento revolucionário, mas sou avesso a revoluções, e, salvo a opinião dos teólogos da libertação, Deus também o será, não pelos seus ideais, mas por se deixarem ou se fazerem escoltar por oportunistas, crime e bandalheira. Tomo por exemplo os povos que assimilaram todas as transformações da Humanidade sem rupturas, sem violência e bestialidades.
Faço a extensão do juízo do Coronel Manuel Bernardo, meu contemporâneo no CISMI, Tavira no seu tempo de tenente: A partir do 25/A/74, a Guiné, Angola e Moçambique passaram a pagantes líquidos não só dos erros próprio, mas também dos legados por Portugal.
E a Guiné-Bissau é um Estado livre e não um narco-Estado - só porque teve momentos em que os seus líderes o foram.
Acontecerá só na Guiné, que de droga apenas cultivará as árvores da "cola"?
Felicitações aos "Bandalhos". Pacientes com a terapia dos comprimidos de sarrabulhos, etc, etc e de ampolas bebíveis (espadal, tinto...), parece que sem efeitos colaterais!
Abr. - e cuidados e caldos de galinha!
Manuel Luís Lomba


Anónimo disse...

Que frustrados se sentem ,um certo tipo de coroneis reformados,por a África e a seu modo o pequenino Portugal,serem divergentes dos seus percursos de profundos pensadores geo-políticos.
Que perca para o património cultural da humanidade.
E,uma simples pergunta ao Sr.Luís Lomba:
Leituras do que por aqui tem escrito aparentam um certo anti-militarismo nas pessoas dos seus proficionais.
Aparentam,porque quando se trata dos "seus" militares a leitura torna-se outra.
Custa-me a crer mas,será?

Manuel Teixeira

ManuelLluís Lomba disse...

Como resposta, subscrevo a citação de Voltaire, feita pelo Carlos Gaspar.
Manuel Luís Lomba

Valdemar Silva disse...

Tive o meu PC com um cornodumvirus e retido para tratamento.
Felizmente nada foi perdido.
Agora não me sinto achado para entrar nesta conversa, apenas reparo que, sabendo-se do provável cancelamento dos Jogos Olímpicos 2020, devido à pandemia COVID19, ainda se continuam a treinar os arcaicos flics-flacs e outros exercícios de estilo há muito caídos em desuso.

Cuidem-se e não saiam de casa
Valdemar Queiroz