segunda-feira, 1 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21028: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (20): Fotos do álbum do José Lino Oliveira (ex-fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12jul74 - 15out74) - Parte II: O adeus a Mansoa: 9 de setembro de 1974: o fur mil op esp / ranger Eduardo Magalhães Ribeiro arria a bandeira verde-rubra, na presença dos representantes do MFA e do PAIGC












 Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCS/BCAÇ 4612/74 (12jul74-15/10/74) >  9 e setembro de 1974 > Cerimónia da entrega (simbólica) do território aos novos senhores da Guiné, o PAIGC,  e  da retirada, ordeira, digna e segura, das últimas tropas portuguesas. Mansoa, em pleno coração do território, na região do Oio, serviu perfeitamente para esse duplo propósito... São fotos históricas, em que se vê o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro, fur mil op esp / ranger, a arriar a bandeira verde-rubra. (O MR é membro da nossa Tabanca Grande, há mais de 15 anos, desde 1/11/2005 (*)...

Já agora, pergunta-se: de quem era o camião , de cor vermelha ou grená, que está estacionado frente ao pau da bandeira ? Devia ser do PAIGC ou ao serviço do PAIGC...


Fotos (e legenda): © José Lino Oliveira (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Mansoa > 1974 > José Lino Oliveira

1. C
ontinuação da publicação do álbum fotográficos do José Lino [Padrão de] Oliveira [ex-fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12-7-1974 / 15-10-1974, a mesma unidade a que pertenceu o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro; membro da nossa Tabanca Grande desde 31/12/2012; vive em Paramos, Espinho] (**)

Parte II - Mansoa > 9 de setembro de 1974

Mas este, não seria ainda o último ato da soberania portuguesa...O BCAÇ 4612/74 seria colocado depois de 9/9/1974, no BENG 447, em Brá, Bissau, e,  conforme informação (e fotos, estas já de melhor qualidade,  do José Lino Oliveir, a publicar nos dois próximos postes), a útima bandeira portuguesa a ser arriada, no CTIG, seria no próprio "dia do  embarque", ou seja, mais de um mês depois, em 15/10/1974

E, "por coincidência, também foi o Magalhães Ribeiro a arriar a Bandeira", diz o José Lino Oliveira.. Será que o nosso "ranger" (e querido coeditor, anigo e camarada MR) confirma ?

________________

Notas do editor:

Mansoa > 9 de setembro de 1974 >
Comissário político do PAIGC,
Manuel Ndinga, prestando declarações
à imprensa. Foto: Eduardo Magalhães
Ribeiro (2005)
(*) Vd. poste de 1 de novembro de 2005 > Guiné 63/74 - P284: Tabanca Grande: Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp do BCAÇ 4612/74 - Eu estava lá, na entrega simbólica do território (Mansoa, 9 de Setembro de 1974)

(...) Eu estive na Guiné, em Mansoa, em 1974, na CCS do BCAÇ 4612/74 (o último batalhão que partiu para a Guiné e também o último que de lá saiu), e participei, ali, na entrega do aquartelamento ao PAIGC e na simbólica entrega do território, que incluiu uma muito concorrida cerimónia do último arriar de bandeira nacional, com cerimónia oficial, na Guiné, e o hastear da primeira bandeira da Guiné-Bissau.(...)

(...) "Estiveram presentes nessa cerimónia: a CCS do BCAÇ 4612/74, comandada pelo major Ramos de Campos; o comandante  do mesmo batalhão, ten cor Américo C. Varino; um grupo de combate, um grupo de pioneiros, Maria Cabral (viúva de Amilcar Cabral) e o comissário político Manuel Ndinga, do PAIGC [, foto à direita]; e, pelo CEME do CTIG, o major  Fonseca Cabrinha. (...)

(...) "A bandeira foi arriada por mim, à data furriel miliciano de operações especiais, Eduardo José Magalhães Ribeiro. À cerimónia compareceram ainda 
uns largos milhares de nativos locais, de diversas etnias: 
papéis, balantas, fulas, futa-fulas, mandingas, manjacos, etc., 
e umas dezenas de jornalistas de todo o mundo. (...)

(...) Um guerrilheiro do PAIGC hasteia a bandeira da nova República da Guiné-Bissau. Os inimigos de ontem dão-se as mãos e prometem cooperar, no futuro, numa base igualitária, falando a mesma língua. Sob a bandeira do PAIGC os vários povos da Guiné lutaram pela indepência mas é através da língua portuguesa (oficial) que se entendem. (...)

domingo, 31 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21027: Blogpoesia (678): "O mugido das vacas", "Amarelo e bolorento" e "Vamos voltar a sorrir", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana:


O mugido das vacas

Na hora suave da tarde se ouve e ressoa na aldeia o mugido lactente das vacas.
É a hora da ordenha.
Se põem de cócoras por debaixo e lhe espremem as tetas.
Escorre quente o leite.
Depressa, ficam cheios os potes.

Pela manhã, de cântaro à cabeça, a lavradeira corre as veredas da aldeia.
Aqui, um quartilho, ali uma canada, conforme as bocas.
É seu ganha-pão com a bênção dos pastos.
Bendita a sorte que a Natureza, de graça, nos dá.
Só é preciso semear e colher.
Louvado seja o Senhor…

Mafra, 24 de Maio de 2020
10h32m
Jlmg

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Amarelo e bolorento

Espalhado pelo chão, apodreceu amarelo e bolorento.
Restos duma vida mal vivida.
Repassada de angústia.
Crestada de desilusões.
Sonhos que se desfizeram no amanhecer.
Armas que derreteram na madrugada do combate.
Amarras que se desfizeram presas às muralhas do porto de abrigo.
Gaivotas amarguradas com o rigor das ventanias.
Restos da saliva amarga que amargou os sonhos de aventura.
Ocasos desfeitos num horizonte de promessas e de amargas desilusões.
Esperanças vãs que se desfizeram para sempre…

Mafra, 28 de Maio de 2020
12h35m
Jlmg

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Vamos voltar a sorrir

A onda vai passar.
Vamos voltar a sorrir.
Timidamente, primeiro.
Depois, às gargalhadas.
Vamos duvidar se, de facto, aconteceu o que passou.
Atordoados.
Nunca ninguém previu tal humilhação.
Tudo ficou remexido.
Ninguém escapou a este vendaval.
Como a água que chega a todo o lado,
Não há um palácio ou um castelo imune.
Os presidentes andam desvairados.
Fogem do vírus como o diabo foge da cruz.
Alguns já sucumbiram.
Os outros mudam de quarto de dormir em cada noite.
Oxalá aprendam com esta lição tão cara…

Mafra, 28 de Maio de 2020
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21005: Blogpoesia (677): "Nossas amarras", "O cesteiro das Idanhas" e "Disponibilidade das pétalas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P21026: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (19): Fotos do álbum do José Lino Oliveira (ex-fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12jul74 - 15out74) - Parte I: Mansoa


Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCS/BCAÇ 4612/74 (12jul74-15/10/74) > Artilharia: espaldão do obus 14


Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCS/BCAÇ 4612/74 (12jul74-15/10/74) > Aspeto da rua principal da vila.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCS/BCAÇ 4612/74 (12jul74-15/10/74) > Instalações do quartel


Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCS/BCAÇ 4612/74 (12jul74-15/10/74) > Aspeto de uma das tabancas


Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCS/BCAÇ 4612/74 (12jul74-15/10/74) > O José Lino Oliveira, à direita, de óculos, com outros furrieis milicianos de diversas unidades.

Fotos (e legendas): © José Lino Oliveira (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem de José Lino [Padrão de] Oliveira  [ex-Fur Mil Amanuense da CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12-7-1974 / 15/10/1974, a mesma unidade a que pertenceu o nosso coeditor  Eduardo Magalhães Ribeiro; membro da nossa Tabanca Grande desde  31/12/2012 (*); vive em Paramos, Espinho]

Date: quinta, 28/05/2020 à(s) 16:12
Subject: Guiné 1974
Boa tarde

O último Batalhão a chegar e a sair da Guiné foi o 4612/74, a que eu pertenci. 

Envio algumas fotos desse tempo, do quartel e da vila de Mansoa; da cerimónia, em Mansoa, da entrega do quartel ao PAIGC, em 8/9/1974, com o Magalhães Ribeiro a arrear a bandeira; e ainda do Batalhão de Engenharia em Bissau: (i) parte do que lá ficou abandonado, viaturas, artilharia, etc.; (ii) arrear da bandeira no dia do embarque, por coincidência essa"honra" também coube ao Magalhães Ribeiro).

O nosso batalhão, em Bissau, ficou colocado no BENG 447 até virmos todos embora no T/T Uíge,  em 15/10/74, nós,  os últimos soldados do império... Estivemos no CTIG apenas 3 meses, desde 12/7/74... (**)

Se vires que tem interesse,  podes editar.

Legendas da Parte I:

Fotografia de Mansoa nº 0 - furriéis milicianos de diversas  unidades jantando no exterior.
Fotografias de Mansoa nºs 1 a 4 - aspectos de Mansoa, quartel e tabanca.

Um abraço
José Lino
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Notas do editior:

(*) Vd. poste de 31 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10886: Tabanca Grande (377): José Lino Padrão de Oliveira, ex-Fur Mil Amanuense da CCS/BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974)

(**) Último poste da série > 10 de maio de  2014 > Guiné 63/74 - P13122: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (13): No caos de Bissau, sou destacado, como médico, para uma missão nos Bijagós, Ilha Caravela: um aeródromo de recurso, para uma eventual evacuação de emergência das NT... (Rui Vieira Coelho, ex-alf mil med, 1972/74)

Guiné 61/74 - P21025: Parabéns a você (1812): Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 30 de Maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21021: Parabéns a você (1811): Fernando Andrade Sousa, ex-1.º Cabo Aux. Enfermeiro da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)

sábado, 30 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21024: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (12): Feliz em África - II (e sem filmes)

Foto de Belarusangola


1. Em mensagem do dia 18 de Maio de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, a segunda relembrando os seus bons tempos vividos em Angola.[1]


BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 11

Feliz em África (e sem filmes)

Quando o meu filho Ze-tó fez 2 anos (Out1973), fizemos uma festa. Foi um sucesso! Ele era muito querido em toda a cidade e nós também gozávamos de muita simpatia. Ao fim da tarde cruzei-me com um furriel meu vizinho de Lourosa (Isaías da “Faroleira”), a quem “obriguei” a juntar-se à festa. Ele, relutante, afirmava que tinha de ir na coluna militar, lá para os lados de Buco Zau, junto à fronteira de Sangamongo (?) com o Congo-Brazaville. Meti-lhe na cabeça que, depois, o iria levar lá. Ele ficou, mas muito preocupado como havia de justificar-se no quartel. E, já “meio-embriagado", foi ficando até ao fim.

Um triciclo imposto antecipadamente pelo aniversariante

Eram cerca das 4 da madrugada quando o fui levar. Quando estávamos a chegar, já com raios do amanhecer, ele despertou para a realidade. Ainda lhe custava acreditar na aventura de o ter ido levar, àquela hora e sem coluna militar, para “um dos lugares mais perigosos da guerrilha no enclave de Cabinda”. Para lá, não cruzámos com qualquer carro, mesmo militar, ao longo de mais de 200 Kms.


Durante essa festa do 2.º aniversário do Ze-tó, o amigo Vinagre (Topógrafo da Câmara), estava eufórico. Tinha conseguido recentemente, o Brevet de Piloto Aviador e não falava noutra coisa. Precisava de fazer horas de voo e procurava companhia (sempre recusada) para essa missão. Eram já umas 3h30, perante as insistências da sua mulher em levá-lo para casa (pois não queria que ele conduzisse “naquele estado”), que me vejo, descontraidamente, a selar um acordo com o Isaías (o furriel meu vizinho que eu retive para a festa) de que no Sábado seguinte, iríamos, de avião, visitá-lo ao quartel, a norte de Buco Zau, para tomar um whisky no bar da messe.

No cimo da península do Malembo, onde viria a possuir terreno e projecto (em elaboração) para moradia balnear

Mesmo sem influências do álcool, o Vinagre tinha uma personalidade controversa. Vivia intensamente à sua maneira e pouco ou nada ligava ao considerado política ou socialmente correcto. Apaixonado pela vida nocturna, onde muitas vezes se descontrolava, montou uma suite em sua casa à semelhança da boite “Oásis do amor”.

E lá fomos. Foi o avião mais pequeno em que andei em toda a minha vida. Já não me lembro se atrás podia levar mais uma ou duas pessoas. O certo é que “aquilo” subiu e se manteve lá no alto, a planar sobre o mar, para além das praias do Malembo e de Landana. Logo de seguida, alinhados pela foz do Rio Chiloango, virámos na direcção do Maiombe.

Baía do Malembo

Praia de Landana

Rio Chiloango. Foto de Cabinda Buala Buitu

Durante a viagem, recebi aulas contínuas sobre aquela arte de navegar.

Pelas coordenadas, já devíamos estar sobre o objectivo, bastante a norte de Buco Zau, zona de Sangamongo. A transmissão via rádio foi difícil, mas deu para perceber que a pista estava entre o aquartelamento e uns coqueiros, no seu horizonte. Demos umas voltas e notámos um espaço sem árvores, paralelo a um rodado de viaturas. Mas tudo verde, sem terraplanagem de pista.

Entretanto, fomos avisados de que a pista era paralela à fronteira e que não devíamos atravessar esta. Pior! Já o tínhamos feito por duas ou três vezes à procura da pista. Avistámos movimentação das tropas a montarem a segurança ao longo do trilho. À terceira tentativa, lá conseguimos aterrar no capim sem embater nos coqueiros.

Conduzidos ao aquartelamento, demos a informação ao Furriel Isaías da Faroleira de que os pais me haviam telefonado dizendo que “a sua irmã havia fugido de casa com o namorado, à revelia dos pais. Mas para ele não se afligir”.

Ainda tenho presente a preocupação do Oficial de Dia que explicava ao Vinagre o perigo de termos atravessado o espaço aéreo do IN, enquanto ordenava que se atrasasse o almoço, por mais 30 minutos. Entretanto, eu manifestava a minha solidariedade, compatível com a cara triste do Isaías, encostado ao balcão do Bar, ao mesmo tempo que bebíamos o tal whisky prometido.

À caça, a norte de Cabinda, como acompanhante. No centro, o empreiteiro senhor Claudino, o tal que, já com 40 anos de África, não voltou ao “puto” (Portugal) – “porque não se havia esquecido de nada”.

Uns anos mais tarde, fomos ao casamento do Isaías. Ele procurou-nos em Crestuma e fez questão que nós fossemos. Conforme me tinha pedido, filmei todos os detalhes desse evento, desde a saída da casa dos noivos até à foto geral, na porta principal da Capela da Srª. da Saúde dos Carvalhos. Prometi preparar o filme com música e tudo o mais, próprio de cineasta amador, especializado em… Áfricas.

Na boda, tive a oportunidade de ouvir, de um seu familiar, a narração de um acto heróico, em que o Isaías numa noite, atacado pelo IN que quase havia invadido o aquartelamento. O pequeno grupo do Isaías, ao contrário dos outros, não fugiu, e, quase sozinho, conseguira ripostar ao IN.

Recentemente, num contacto de interesse comercial, estive com um filho dele, que me falou do pai e dos seus problemas de saúde. Fiquei a saber que ele ficara muito afectado psicologicamente devido às torturas que sofrera nos meses em que esteve prisioneiro no IN, antes de ter conseguido fugir.

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Notas:

1 – Confirma-se que todos os combatentes da Guerra do Ultramar se consideravam mal em tempos de guerra; tenha sido no mato ou na cidade, em combate ou no melhor bar de zona citadina. Do que não havia necessidade era de se criarem tantos filmes, especialmente os da excessiva e ridícula valentia.

2 -Não sei o que se passou que perdi o filme do casamento. Disso, senti sempre algum desconforto nas nossas raras relações. Mas, depois de saber doutros filmes, aliviei, pensando: - Com tanta imaginação, nem é preciso qualquer registo de imagens

José Ferreira
(Silva da Cart 1689)
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 16 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20980: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (10): Feliz em África - I (em jeito de biografia)

Último poste da série de 23 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21002: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (11): O Bando festejou mais um ano

Guiné 61/74 - P21023: Notas de leitura (1286): "A batalha do Quitafine: a contraguerrilha antiaérea na Guiné e a fantasia das áreas libertadas", edição que acaba de sair do antigo ten pilav José Nico, BA 12, Bissalanca, 1968/70

Capa do livro do ten gen pilav ref José Francisco Nico, "A batalha do Quitafaine" (Lisboa, edição de autor, 2020, 384 pp) (*).  Profusamente ilustrado, com 88 fotografias e 42 infografias / mapas. O livro pode ser adquirido através do seguinte endereço de email: batalhadoquitafine@sapo.pt . Preço de capa: 20 € (portes de correio registado: 5 €).



1. Mensagem de José Matos, com data de hoje, às 3:20:


Olá, Luís

Mando-te um pequeno review do livro do Nico que saiu esta semana e que já tenho em mãos. Quando puderes publica.
Ab


2. Nota de leitura, por José Matos:

A Batalha do Quitafine

O livro que o TGen José Nico  [José Francisco Nico, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1968/70] (**) acabou de lançar sobre a batalha do Quitafine na Guiné é uma obra de grande interesse para quem quiser conhecer de viva voz o relato de um operacional que esteve diretamente envolvido na guerra
contra as antiaéreas que se travou naquela região da Guiné entre 1967 e 1970.

Antigo piloto de Fiat G.91 participou em várias das operações que a Força Aérea levou a cabo para desarticular o dispositivo antiaéreo que o PAIGC instalou naquela zona. Lendo o livro podemos perceber as táticas que foram usadas, os meios aéreos e as dificuldades enfrentadas.

O livro é ricamente ilustrado não só por fotos, como também por mapas e esquemas e outras ilustrações elaboradas por Paulo Alegria, um ilustrador conhecido na área, que tornam o livro muito mais interessante e permitem perceber como as operações eram executadas. 

Em suma, o autor relata como é que os pilotos portugueses conseguiram eliminar sistematicamente o armamento antiaéreo do PAIGC, tornando os guerrilheiros incapazes de restringir a liberdade de acção dos meios aéreos portugueses e esse foi o resultado final da batalha do Quitafine. 

Parece-me evidente que este livro vai tornar-se numa referência para quem quiser analisar o papel da Força Aérea no combate à guerrilha do PAIGC no período em que o autor esteve na Guiné. (***)

Como se trata de uma edição de autor os pedidos para a compra desta obra devem ser feitos diretamente para o seguinte mail:

batalhadoquitafine@sapo.pt
José Matos

[Investigador independente em História Militar, tem feito pesquisas sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial portuguesa, principalmente na Guiné. É colaborador regular em revistas europeias de aviação militar e de temas navais. Colaborou nos livros “A Força Aérea no Fim do Império” (Lisboa, Âncora Editora, 2018) e "A Guerra e as Guerras Coloniais na África Subsariana" (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019). É autor, com Luís Barroso, do livro, a sair brevemente, "Nos meandros da guerra: o Estado Novo e a África do Sul na defesa da Guiné" (Lisboa, Editora Caleidoscópio, 2020). É membro da nossa Tabanca Grande desde 7 de setembro de 2015, tendo cerca de 3 dezenas e meia de referências no nosso blogue]

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Notas do editor:

(**) Embora não sendo formalmente membro da nossa Tabanca Grande (, embora se mantenha de pé o convite do nosso editor), o ten gen ref José Nico tem cerca de 2 dezenas de referências no nosso blogue, e temos convivido, com alguma regularidade,  no âmbito da Tabanca da Linha... Vd. aqui alguns postes, da sua autoria:

Guiné 61/74 - P21022: Os nossos seres, saberes e lazeres (395): Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Novembro de 2019:

Queridos amigos,
Dois dias inteiros na costa amalfitana, que na Idade Média foi uma próspera república. É um dos locais mais procurados pelos turistas que se aventuram a sul de Roma e que vêm à procura do esplendor napolitano. Estes penhascos abruptos que se precipitam sobre o mar que parece uma folha de papel impressiona pela versatilidade de panoramas e mesmo pelo património construído que conserva. Logo a catedral de Amalfi, e depois apanha-se um autocarro para Ravello, que tem festivais de música, aqui acorrem a toda a hora excursões de autocarros, turistas de vários continentes exclamam em voz alta as belezas paisagísticas, as panorâmicas que cortam o fôlego, percorrem as ruas estreitas, pejadas de quinquilharia alusiva, e há mesmo grupos interessados em entrar nos dois pontos altos da arquitetura de Ravello, é o caso da Villa Rufolo e da Villa Cimbrone.
Daqui as homenageamos, foram dois dias inesquecíveis.

Um abraço do
Mário


Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (6)

Beja Santos

Pode percorrer-se a costa amalfitana partindo de Salerno, visitando, pelo caminho, Nerano, Positano, Praiano, Amalfi, Ravello, há barcos que chegam a Ischia e Capri, demorando-se em Sorrento. O mesmo percurso, na via inversa, se pode fazer a partir de Nápoles. E porquê, perguntará quem não tem um mapa em frente do nariz? Há um extenso espinhaço que separa as duas baías e que permite nas enseadas e nas encostas posições panorâmicas ímpares. E o percurso, obviamente, também se faz por terra, mesmo que haja momentos verdadeiramente assustadores em que os autocarros deslizam em cima de uma falésia que se despenha lá bem no fundo do golfo. Bem curioso é o que se encontra num guia, a propósito da costa amalfitana: “Suspenso entre o mar, o céu e a terra, a estrada nacional 163, com curvas e contracurvas ao longo de toda a costa de Amalfi, oferece vistas fantásticas, inexcedíveis”.


O viandante vai aportar num cume paradisíaco, dá pelo nome de Ravello. Segundo o guia, Ravello tem a sua vida entrelaçada com a de Amalfi, pertencia ao mesmo Ducado. O seu esplendor foi no século XIII, quando o comércio com a Sicília e o Oriente estava no seu auge. É um ponto turístico muito disputado, pela paz e o sossego e pelos panoramas que possibilita. O viandante chega à varanda e dispara, este é o troço costeiro que lhe coube, impressiona a quietude das águas e o recorte daquela cordilheira tão penhascosa, aqui é Ravello, vão ser dois dias a cirandar entre os monumentos e a paisagem.




O viandante já cirandou pelo local, tem igreja do século XII, com as alterações do costume, detalhes mouriscos, caso dos pátios interiores e dos jardins. Ruas bem apertadas, para proteger do sol e do vento. E no Turismo informaram: não pode sair daqui sem visitar Villa Rufolo e a Villa Cimbrone. É uma noite plácida, jantou-se risoto com cogumelos e um gelato para sobremesa, um regalo. Na varanda, colhe-se esta imagem da quietude do Mar Tirreno, e o pipilar na escuridão da noite.



A manhã é reservada a Villa Rufolo, melhor escolha não podia ter acontecido. A arte greco-romana é omnipresente, veja-se esta coluna bem perto da entrada da Villa. O que se vai visitar é um complexo monumental, um cocktail de vários séculos e estilos, um industrial escocês, de nome Francis Nevile Reid, comprou a propriedade em degradação no século XIX e preservou a área original que é uma perfeita síntese das artes árabe, siciliana e românica, não há nenhuma adição que deslustre a preocupação romântica do proprietário, que preservou as ruínas de muros, claustros e mandou edificar os jardins que permitem belíssimos panoramas. Vamos adiante.



O viandante voltaria amanhã para rever este claustro com o seu estilo mourisco, com as suas colunas e os seus arcos. Nunca viu nada igual, é deslumbrante.


Consta que quando Richard Wagner aqui arribou, passou por um sítio chamado Pozzo, rico em ruínas, plantas exóticas, pinheiros e ciprestes, e terá exclamado: “Acabo de encontrar o jardim mágico de Klingsor”. E na verdade, quando se visitar o museu na torre da Villa, ouvir-se-á em permanência o trecho fabuloso do Parsifal, um dos momentos dessa música mágica, a sua última ópera completa, estreada em 1882. Veja-se a panorâmica que aqui se desfruta, quem pode ficar insensível a este diálogo entre a terra, o mar e os céus?


Percorre-se a área residencial onde viveu o proprietário escocês, há pouco recheio mas os corredores são lindos, bem mantidos. O viandante não resistiu a este alongamento da vista, foi até ao fundo e deu com uma exposição fotográfica, encontrou duas senhoras que ele tanto admira, dois talentos únicos da arte cinematográfica, Sophia Loren e Monica Vitti, e agradeceu-lhes muito a sua participação em obras-primas como La Ciociara (Duas Mulheres), realização de Vittorio De Sica e Il Deserto Rosso (O Deserto Vermelho) de Antonioni. Obrigado, minhas queridas amigas, pelo vosso talento inconfundível. Ainda há muito para ver em Villa Rufolo. Siga a dança.




(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21001: Os nossos seres, saberes e lazeres (394): Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (5) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21021: Parabéns a você (1811): Fernando Andrade Sousa, ex-1.º Cabo Aux. Enfermeiro da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 28 de Maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21015: Parabéns a você (1810): António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 17 (Guiné, 1973/74)

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21020: Memória dos lugares (409): Fazenda Experimental de Fá (Fernando Cepa, ex-Fur Mil Art)

Mensagem do nosso camarada Fernando Cepa, (ex-Fur Mil Art da CART 1689/BART 1913, Catió, Cabedú, Gandembel e Canquelifá, 1967/69) com data de hoje, 29 de Maio de 2020:


FAZENDA EXPERIMENTAL DE FÁ

Respondendo ao repto lançado recentemente pelo Mário Beja Santos[1] sobre a Fazenda Experimental de Fá, fui repescar um pequeno texto, rascunhado há uma dezena de anos que estava meio perdido na enorme confusão que é o meu baú de recordações da guerra na Guiné.

A CART 1689 (BART 1913) chegou a Bissau no dia 1 de Maio de 1967, seguindo diretamente por via marítima até Bambadinca e depois em viaturas para o aquartelamento de Fá.

A CART 1689 permaneceu em Fá de 1 de Maio de 1967 até 18 de Julho de 1967, portanto, em números redondos, dois meses e meio, rumando depois para a base do seu batalhão, sediado em Catió.
Mais ou menos à entrada do aquartelamento de Fá, ao nosso tempo, existia um misterioso edifício, fechado e de boa construção, ao qual não tínhamos acesso o que nos provocava grande curiosidade pelo mistério que envolvia a sua finalidade ou utilidade.

O Furriel Miliciano Enfermeiro Faria (já falecido) era um dos entusiastas em desvendar o que albergava tão enigmático edifício e foi ele a organizar o “golpe de mão” que nos levou ao interior da, para nós, sinistra construção.

No dia combinado, ao despertar dos primeiros raios de sol, o grupo de assalto, comandado pelo Furriel Miliciano Enfermeiro Faria, dirige-se para o objetivo, fazendo várias manobras de reconhecimento e despiste para não ser detetado e logo forçamos a entrada por uma janela lateral, previamente selecionada, de pouca visibilidade do lado do caminho.

Logo fizemos uma rápida e sorrateira visita geral ao edifício . Encontrámos muitos expositores e vitrinas bem tratadas com muitas amostras de sementes, plantas, árvores e afins, no fundo, muito material que inequivocamente estava direcionado para uma estação agrária, porventura experimental. Surpreendeu-nos o elevado grau de organização do interior, com bom mobiliário, excelentes expositores onde as sementes estavam devidamente classificadas e catalogadas.

Especulava-se na altura que o mentor direto e responsável técnico deste projeto teria sido o secretário geral do PAIGC, Eng.º Agrónomo, Amílcar Cabral, natural da vizinha cidade de Bafatá e a viver em Conacri, de onde dirigia a guerrilha.

Nota: - Não tenho a certeza se o Amílcar Cabral alguma vez esteve ligado à Fazenda Experimental de Fá. Esperemos que alguém faça este esclarecimento.

Fernando Cepa
Ex-Furriel Miliciano
CART 1689/BART 1913




Fá, de 1 de Maio a 18 de Julho de 1968 - Fur Mil Art Fernando Cepa
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 27 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21014: Historiografia da presença portuguesa em África (211): Planos de desenvolvimento no rio Geba e em Fá, um pouco antes da guerra (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 21 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20996: Memória dos lugares (408): Ponte Alferes Nunes, sobre o Rio Costa Pelundo na Região de Cacheu (Carlos Silva, ex-Fur Mil Inf)

Guiné 61/74 - P21019: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (4): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
Há um ponto de verosimilhança no delineamento desta aventura ficcional que caiu no charco, ao tempo eu não dispunha de condições para mergulhar nos documentos que conservava da minha comissão militar, não era viável reler as centenas de aerogramas trocados nos dois sentidos com a mulher, os familiares e amigos, a ideia de um diário nem se punha.
Ocorreu, de facto, o tal episódio de uma conversa com uma intérprete de nacionalidade belga, a quem pedi auxílio, congeminava a possibilidade de me lançar num romance apostando nas lembranças que continuavam em vibração, tinha igualmente ao meu dispor a memória de vários colaboradores, furriéis e soldados africanos, podiam ser de grande préstimo para a urdidura do tal romance que metia uma grande paixão luso-belga.
O que aqui se dá ao leitor é uma organização um pouco mais sistematizada do que se chegou a pôr em cadernos, trabalho a que me apliquei durante qualquer coisa como dois anos, com entusiasmo moderado pela implacável agenda das minhas responsabilidades profissionais. O que agora se adiciona, com caráter inovador, decorre do conhecimento que passei a ter da Bélgica e sobretudo de Bruxelas, que me permite "tonificar" a secura do que passei aos cadernos de apontamentos, deitados para o lixo num certo dia em que considerei pôr termo a tal fantasia.
Felizmente que em 2006 voltei à fala com o Luís Graça e foi então que enveredei por outro caminho, de que nunca me arrependi, e com isso assentei praça, com armas e bagagens, e sem termo à vista, neste formidável blogue.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (4): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Annette, não pode imaginar a alegria que tenho nas nossas conversas telefónicas. Percebo perfeitamente que está mordida pela curiosidade em sentir-se envolvida por um processo ficcional que tem por base acontecimentos reais, um mundo novo para si. O que lhe contei naquele almoço, peço-lhe que acredite, é a clara certidão da verdade. Gostaria imenso de escrever um romance onde, a pretexto de uma relação amorosa de dois cinquentões de nacionalidades diferentes, ele fosse contando factos do seu passado, o mesmo se verificando com ela, e um dos temas dominantes seria aquela experiência de guerra na Guiné, que tanto a faz tremer, e percebo perfeitamente porquê, contou-me que teve familiares que viveram a tragédia congolesa em Stanleyville (hoje Kisangani), disse-me que foi um verdadeiro horror, viram gente massacrada ou torturada e regressaram despojados dos seus bens. A nossa presença na Guiné foi um tanto diferente, mais antiga mas sempre superficial, estávamos norteados pelo comércio de troca, depois o tráfico de escravos, que teve alguma expressão, e no século XIX, finda a escravatura, fez-se uma aposta bastante errática na exploração agrícola, é coincidente com um período tortuoso das nossas finanças, chegou-se mesmo a pensar em entregar a Guiné a uma companhia majestática, como aquelas que funcionaram no século XVIII. O que resta de todo esse tempo da nossa presença é uma fortaleza numa vila chamada Cacheu e uma outra fortaleza, feita muito mais tarde, que se chamava da Amura, quando a povoação onde se instalou, pequeníssima, era conhecida por S. José de Bissau.

Fortaleza de Cacheu, 
Com a devida vénia, do blogue Alma do Viajante

Ângulo da Fortaleza de Amura
Com a devida vénia, do blogue Marinha de Guerra Portuguesa

A nossa fixação deu-se sobretudo na orla marítima, sobretudo em pontos salientes dos rios ou rias, dava pelo nome de praças, presídios ou feitorias. A hostilidade da população autóctone era dominante, as autoridades eram forçadas a dar presentes, vivia-se, na maioria dos casos, sempre na expetativa de assaltos e pilhagens. Em pleno século XIX, dá-se um desastre no Norte da colónia, num local chamado Bolor, procurava-se intimidar rebeldes Felupes, acabou tudo num massacre de tropas, sobretudo cabo-verdianos. Foi nessa altura que este território cuja superfície estava mal definida, ninguém sabia ao certo onde começava e acabava, tratando-o por diferentes nomes, um deles eu gosto muito, a Pequena Senegâmbia, e que era administrado por Cabo-Verde, foi desafetado e passou de distrito autónomo à colónia da Guiné, com capital numa ilha do arquipélago dos Bijagós, de nome Bolama, passou a ter governador. As receitas eram escassas, os investimentos mínimos, o pessoal administrativo de péssima qualidade, foi-se introduzindo o arroz, comerciando a mancarra (amendoim), o coconote, curtumes, cera, havia um tributo chamado imposto de palhota de funcionamento muito irregular. As sublevações eram constantes e toda a metade do século XIX veio a conhecer profundas alterações demográficas, os povos Fulas dominaram os Mandingas, no Leste da colónia e envolveram-se em lutas brutais com os Beafadas, numa região do Sul chamada Forreá. Se eu lhe estou a contar estes pormenores é para que a Annette se possa aperceber da frágil ligação entre as autoridades portuguesas e a diversidade étnica da colónia, que se refletia até no quadro religioso, uma maioria dessas etnias eram animistas, tendo deuses ligados à Natureza e um número bastante importante de islamizados. O cristianismo teve sempre poucos aderentes, todo aquele clima palustre, com febres e malária, a quase impossibilidade de se fazer missionação sem o apoio de uma praça ou de um presídio, o que acentuava a desconfiança dos autóctones, foram fatores determinantes para a pouca expressão do cristianismo, que acabou por se circunscrever à capital e a algumas vilas. O ensino era péssimo, daí a falta de elites. É este o pano de fundo sabiamente explorado para a subversão nacionalista que ganhou consistência no final dos anos 1950.

O Governo português ia recebendo informação de toda esta agitação anticolonial, fez-se uma reforma nas Forças Armadas, começou-se a estudar a estratégia das guerrilhas, caso da Argélia, e em 1961 uma onda de terror foi desencadeada no Norte de Angola. Volto atrás para esclarecer de que de 1958 para 1960 apareceram duas nações independentes à volta da colónia da Guiné, a República da Guiné e o Senegal, a primeira delas manifestamente recetiva a exacerbar a luta nacionalista na nossa colónia, o líder africano Sékou Touré tinha claras ambições de alargar fronteiras e constituir um país correspondente ao seu sonho étnico, a Grande Guiné. Encontrou pela frente uma forte resistência do líder nacionalista Amílcar Cabral, que defendeu as fronteiras tal como elas existiam e sempre considerou que a língua que se iria falar no novo país seria a língua portuguesa. Ele sabia bem porquê.

Este líder foi muito cuidadoso a delinear a estratégia da subversão. No interior da colónia, começou o aliciamento de jovens que eram dirigidos para Conacri, onde a direção política estava sediada e tinha uma escola de formação. Um grupo desses jovens foi preparado numa academia chinesa, serão eles os primeiros comandantes da guerrilha e agentes da subversão que começaram a trabalhar no interior, sobretudo no segundo semestre de 1962. Foram conquistando apoios, intimidando e aterrorizando, em poucos meses toda a economia da região Sul se afundou e as populações tomaram partido, uns fugiram para a República da Guiné, à espera que tudo serenasse, outros deram apoio declarado à guerrilha e passaram a viver em lugares pouco acessíveis e protegidos por milícias armadas; outros pediram proteção aos portugueses e em meses cresceram povoações que davam pelo nome de Gadamael, Catió, Cacine ou Cufar.

As autoridades de Bissau (a capital mudou de Bolama para Bissau em 1941) dispunham de poucos efetivos militares, o sistema de informações era nulo, a realidade mudava todos os dias, com esses poucos efetivos militares tinha-se a ilusão que se andava a apagar fogos que se multiplicavam e que só se extinguiam temporariamente. Os efetivos vão crescer a partir de 1963, com grandes discussões quanto ao modo como fazer recuar a guerrilha, que ia crescendo. Esta guerrilha começou com armamento incipiente, melhorou de ano para ano, o nosso armamento, em contrapartida, era muito antigo, o terreno não permitia, de um modo geral, o uso de viaturas de combate, mas deu-se resposta quer com a criação de destacamentos numa tentativa de fixar populações e de dificultar o itinerário dos abastecimentos da guerrilha, passaram a atuar as forças especiais, mas os resultados eram naturalmente efémeros, atingia-se um objetivo, podia haver prisioneiros e mortos, captura material, mas não se podia fixar aí destacamentos ou habitações de autóctones, as flagelações eram constantes, as minas, anticarro e antipessoal, surgiram logo em 1964, era uma das expressões mais temíveis daquela luta armada. E a guerra foi-se prolongando, com períodos de aparente impasse.

Em 1968, quando cheguei à Guiné, pouco tempo antes aparecera o novo Governador que era também Comandante-Chefe e trazia a aura de bravura, dotado de uma grande mentalidade ofensiva, supunha-se que ele iria mudar o rumo da guerra. Eu era um subalterno insignificante, fora retirado de uma unidade que se formara em Portugal, depois de um grave contencioso com o respetivo responsável, um capitão, e apodado de ser ideologicamente inapto para a guerra de contraguerrilha, cheguei a Bissau em rendição individual, competia ao respetivo Comando Militar da Guiné atribuir-me uma unidade. No fim de julho desse ano fui informado de que iria para a região Leste (na verdade, mandaria o rigor que se dissesse região Centro-Leste), cabia-me a responsabilidade de comandar efetivos africanos, Caçadores Nativos e Milícias, em dois destacamentos. No dia 2 de agosto, fui metido numa embarcação civil com a minha bagagem (mais tarde vou contar à Annette o conteúdo dos meus trastes) e depois de dez horas de viagem cheguei a uma povoação chamada Bambadinca, aí dormi e na manhã seguinte um oficial de operações explicou-me qual a missão que me cabia, proteger um regulado, de nome Cuor, com dois destacamentos chamados Missirá e Finete, os efetivos eram dois pelotões de milícias (inicialmente numerosos) e um pelotão de caçadores nativos, Fulas e Mandingas, com população variada, Mandingas sobretudo em Missirá, Balantas, Mandingas e Fulas em Finete.

Esse mesmo oficial que parecia querer tranquilizar-me quanto à densidade de perigos com que eu estaria confrontado, foi muito enfático e elevou claramente a voz para me dizer que havia uma missão da maior responsabilidade, proteger a navegabilidade do Geba, impedir quaisquer atos terroristas sobre aqueles barcos fundamentais para o abastecimento da região Leste. E a 4 de agosto, ao princípio da tarde, veio um grupo de militares de Missirá buscar-me, atravessei de canoa o Geba, uma viatura chamada Unimog, num passeio de autêntica montanha-russa percorreu um estreito caminho sobrepujo a um extensíssimo arrozal, onde trabalhavam mulheres que me acenaram festivamente à passagem. Começava a minha guerra, todos os pormenores são devidos à Annette, para depois, com a sua preciosa ajuda, prepararmos, como eu tanto desejo, a carpintaria do romance. Veja o trabalho que lhe estou a dar e por isso lhe peço desde já que aceite o meu profundo reconhecimento. Daqui a uns dias telefono-lhe, para lhe anunciar a data da minha chegada a Bruxelas. Oxalá que esteja na Rua do Eclipse, temos muito que conversar e gostava muito que organizasse um passeio ou na cidade ou nos arrabaldes. Sinto-me muito bem no seu país, viveria aí sem qualquer dificuldade até ao resto dos meus dias, Paulo Guilherme.

Monumento aos aviadores italianos falecidos em Bolama
Com a devida vénia ao blogue Cadernos da Libânia

A Guiné na Exposição do Mundo Português, 1940


O autor a caminho de uma operação

Restos da viatura destruída pela mina anticarro, em 16 de outubro de 1969, em Canturé, Cuor

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20998: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (3): A funda que arremessa para o fundo da memória