quinta-feira, 23 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21194: Manuscrito(s) (Luís Graça) (188): Ficarão as moscas quando eu morrer


Selfie. © Luís Graça (2011)


Ficarão as moscas quando eu morrer


Aumento o som do aparelho dos ouvidos
só para captar as vocalizações dos golfinhos.
A vinte mil léguas submarinas dos meus tímpanos doridos.

Pobre de mim se fosse um golfinho bebé
com uma prótese auditiva,
e andasse perdido pelo mar largo e profundo.
Ou fosse apanhado pelos corsários de Salé.

Não creio que a minha mãe, em situação tão aflitiva,
me pudesse valer, encontrar e resgatar neste mundo.
Muito menos a santa casa da misericórdia
a quem cabe remir os cativos.

Imprevidente, devia ter trazido o sonar,
o chapéu de sol, e o gel,
e o livro do código fonético internacional.
Ah!, e o sextante, e 
o útero materno,
que quem vai para o mar 
avia-se em terra.
Mas não faz mal,
na Mauritânia Deus é grande 
e o oceano ainda é maior.

Terei muito que esperar pelos golfinhos,
que andam atrás das traineiras de sardinhas.
Fazem pela vida os golfinhos
e os pescadores de sardinhas,
ah!, e os comedores de sardinhas.

Eu arrisco a pele, ou melhor, o cancro de pele.
Mas já não tenho pernas 
para bater a costa de lés a lés.

Estão sentados à mesa da esplanada,
os comedores de sardinhas,
à espera que chegue o peixeiro.
São, de resto, muito mais peixeiros do que carneiros.

Não sei se os golfinhos comem sardinhas, grelhadas,
dizem que eles preferem o choco frito
com sumo de limão.

Como os corsários, afiam as facas
e os dentes de marfim, já muito gastos,
os comedores de sardinhas.
Aguardam pela iguaria que lhes sabe pela vida.

Há quem troque a vida por um bom prato de sardinhas,
ou por um saque, 
que ainda é bem melhor.

Há naus que levam escravos 
da Guiné para o Novo Mundo.
E regressam, ao Velho, 
com quinquilharia de ouro e prata.
E um pó branco a que chamam açúcar
(ou, em árabe, as-sukkar)

Contam os cêntimos os pescadores, na lota.
E já ninguém grita, de punho erguido,
que a luta continua.
Chui!, ninguém dá mais.
Fecha-se a porta à morte
ao dobrar o cabo Branco atrás do goraz.

O preço justo, camarada da companha ?
É o da lei da sobrevivência,
dizem os caçadores de escravos.

Pagam-lhes, aos "dealers",
com cavalos brancos, puros sangues árabes,
imunizados contra a peste equina africana,
diz a propaganda.
Afinal, a vida tem muito mais de arte & manha
do que de ciência.

Não há epistemologias que nos salvem,
muito menos a exata epidemiologia do nascer e do morrer
em África, com o Atlântico pelo meio,
a estrada da globalização à minha frente,
e os corsários ingleses e holandeses atrás de mim.

Em Mogador fui senhor,
em Essouira fui cativo.
Do nascer ao morrer vai um tiro de obus.
Infeliz, já nasceu, catrapus, já morreu.

Ninguém escolhe pai e mãe.
Nem os saarauís o deserto do Sara,
nunca mais ouvi falar deles, pobres coitados,
foram extintos com a partilha do planeta.
Confesso que simpatizava com eles,
cheguei a dar-lhes batatas da minha terra
em troca dos gorazes do mar deles.

Bolas, também não trouxe comigo a tabela
das equivalências. Nem a máscara.
Dizem que aqui o uso de máscara é obrigatório.

Mas, afinal, quanto pesa uma alma ?

Nem sei se a balança de pesar almas
estará devidamente calibrada.

Até no "hall" de entrada do purgatório
devia haver um aferidor (oficioso) de pesos e medidas.

Quantas toneladas de corpos
serão precisas para salvar uma alma ?,
perguntava o padre jesuita António Vieira,
nos engenhos de açúcar do Maranhão.
E quanto vale um império, em corpos e almas ?
Ou um herói ?

Que penosa essa cena
do Santo António a pregar aos golfinhos,
como se fossem predadores do topo da cadeia alimentar.

Da peste, da fome e da guerra… e do santo da nossa terra,
Libera nos, Domine!
Foi pregar para outros mares,
disputado entre Lisboa e Pádua.
Santos da casa nunca foram milagreiros.

Dos comedores de sardinhas, agora desconfinados,
sigo o rasto olfativo:
estão sentados à mesa da esplanada
num dos bairros populares, ribeirinhos,
salvos do camartelo camarário,
e por fim reordenados.

Mas será que as sardinhas já estão gordinhas ?
Há sempre uma dúvida existencial,
para o "chef", agora em "lay-off":
serão portuguesas ou espanholas, 
frescas ou congeladas ?

Vão-se os anéis, opulentos, do real erário,
ficam os magros dedos da saúde pública
e as luvas descartáveis.

Cega, surda e muda,
segue em procissão a santa senhora da saúde,
colina acima, rua abaixo.
Não vai segura, nas vielas da Mouraria,
por prevenção vai mascarada.
E queixa-se de que não ganha para o desinfetante.

Também não vale a pena gritar "Aqui-d'el-rei!",
que a corte já seguiu, lesta, para Santarém,

a toque de caixa.
Em caso de peste (de que Deus nos livre!),
aplique-se sempre o regimento:
"Meninos e meninas, chichi e cama!".

Em fila, os comedores de sardinhas,
em mesas intercaladas,
uma sim, outra não,
por causa do PPC, o processo da pandemia em curso.

Há um guarda-mor da saúde em cada porta da cidade,
a pôr carimbos: "Clean & Safe".
Por causa dos turistas do Mar do Norte que são fóbicos,
e temem que se acabe o desinfetante.

Não há moral na história, escrita ou por escrever,
de Salé à Guiné,
só os golfinhos há muito que não conhecem fronteiras
nem respeitam a zona económica exclusiva
nem as quarentenas 
nem sequer os cercos sanitários.

Gosto do internacionalismo proletário dos golfinhos,
velozes, roazes, vorazes.

Tenho pena que não sejam mais solidários.

Golfinhos e cachalotes de todos os mares, (re)uni-vos.
Não sei se eles entenderão a velha palavra de ordem,
outrora verdadeira declaração de guerra contra Neptuno:
uniform november india
victor oscar sierra.


São livres mas indefesos, 
temem as redes dos pescadores
como os chimpanzés do Bóe
temem os caçadores furtivos
e os negros os navios negreiros
e as baleias os arpões dos baleeiros
e os tubarões os cortadores de barbatanas.


No fim, perco o rasto aos golfinhos
já ao largo das Berlengas,
no regresso a casa,
e eu próprio me perco no mar da meia via,
a meio da minha história de vida.

Afundo-me com a minha nau de quimeras,
entre os restos de vírus e bactérias, em saldo,
da última pandemia.

Seria reconfortante saber
se os heróis vão para o olimpo,
e os sociopatas para o inferno.
Mas que sei eu do além ?! 
E sobretudo da justiça escatológica ?!

Regressam os pescadores a Peniche, à luta, à lota.
Há um golfinho que dá à costa, exausto, já cadáver.

Na mesa da esplanada ficam as cabeças e as espinhas
das sardinhas.
E as moscas.

Ficarão as moscas quando eu morrer.


Luís Graça

Lourinhã, Praia da Areia Branca, 19 de julho de 2020,

o ano da pandemia de COVID-19
___________

Nota do editor:

Último poste da série > 6 de julho de 2020 > Guiné 617/74 - P21143: Manuscrito(s) (Luís Graça) (187): Tabanca de Candoz, entre o pôr do sol e o nascer da lua cheia...

Guiné 61/74 - P21193: PAIGC: quem foi quem ? (14): Julião Lopes, ex-craque da seleção nacional de futebol, comandante da base central do Morés, comandante da Marinha de Guerra até ao golpe de Estado do 'Nino' Vieira, em 14 de novembro de 1980




1. Mensagem, a partir de Abu Dhabi, enviada pelo nosso coeditor Jorge Araujo, em 3 do corrente:


Caro Luís,
 Bom dia.
Envio a foto de "família" do grupo que estagiou em Praga, em 1961, onde consta o Julião Lopes. (*)

Até breve.

Jorge Araújo.


2. Comentário do editor LG:

Este Julião Lopes, comandante da base central do Morés, será o futuro comandante da Marinha de Guerra da Guiné-Bissau, depois da independência e até ao golpe de Estado de ‘Nino’Vieira, em 14 de novembro de 1980, altura em que foi preso.

Era, no final dos anos 50/princípios de 60, um craque da seleção nacional guineense... Passou à clandestinidade, fugindo para Conacri em finais de 1960, com outros futebolistas conhecidos, populares na época, como o Bobo Keita, o Lino Correia (, da UDIB), o João de Deus, e outros, jovens que viviam no bairro do Pilão (ou Pilum, ou Cupelom) (**).

Recorde-se que o Bobo Keita pertencia, na temporada de 1960/61, à equipa da primeira divisão do Sport Bissau e Benfica, embora ele fosse "sportinguista".

 No seu livro de memórias (, resultante de entrevistas com Norberto Tavares de Carvalho, publicado em 2011), relata este episódio da fuga, de vários grupos de futebolistas, de Bissau até Conacri. Diz ele que "de janeiro a outubro de 1961 , estivemos em Conacri a receber aulas do [Amílcar] Cabral" (p. 67). Foi nessa altura [, ou mais tarde, 215/11/1962] que morreu o Lino Correia, num acidente estúpido: "ao executar um salto mortal, caiu e quebrou o pescoço"... 

Em outubro de 1961, "fomos destacados para a mobilização no Leste"... Bobo Keita não faz referência ao grupo que, entretanto,  partira para Praga (capital da antiga Checoslováquia), onde se incluía o Julião Lopes (foto acima).

Há, no livro do Bobo Keita (ou melhor, do Norberto Tavares de Carvalho) , mais algumas breves referências ao Julião Lopes: 

(i) na base de Kumbagnhor / Kumbamori, no Senegal, numa casamento de um camarada (p. 108); 
(ii) como comandante da base central do Morés (em 7 de novembro de 1967) (p. 120); 
(iii) na discussão sobre a atribuição de patentes de comandante (p. 200); 
(iv) em Sambuiá, em 1968, quando foi planeado atacar o aeroporto de  Bissau (p. 206), operação essa levada a cabo pelo André Gomes e sua equipa de 7 homens (p. 206);
(v) há ainda uma foto de grupo (p. 210).

E é tudo o que sabemos sobre o "homem da bola"...que chegou a comandante da guerrilha, tal como o Bobo Keita. Ambos, apesar de tudo, tiveram sorte de chegar vivos à independência. E ambos chegaram ao topo da hierarquia da guerrilha: foram "comandantes", independentemente de outros aspetos controversos do seu percurso e do seu comportamento. Ao Julião Lopes, nomeadamente, são atribuídos, durante e depois da luta pela independência,. comportamentos típicos do sociopata.



PAIGC > s/l > s/ d> [posterio a 25 de Abril de 1974] > Da esquerda para a direita: Comandantes Abdulai Bari, João da Silva, Julião Lopes, Armando Soares da Gama, André Gomes, um elemento não identificado,  e de perfil  Bobo Keita, em companhia da sra. Maria Augusta Saúde Maria.

Foto: arquivo de Bobo Keita (2011) (cortesia de Norberto Tavares de Carvalho - De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita. Edição de autor, Porto, 2011, 303 pp. (Impresso na Uniarte Gráfica, SA; depósito legal nº 332552/11). Posfácio de António Marques Lopes.

De qualquer inporta recordar que o futebol foi um viveiro de militantes do PAIGC: Bobo Keita, que nasceu no Cupelom [ ou Pilão] de Baixo, em Bissau, jogava na equipa do bairro, o Estrela Negra... Dela faziam parte futuros militantes nacionalistas como o Umaro Djaló, Julião Lopes, Corona, Ansumane Mané (outro que não o brigadeiro), Lino Correia (que era de Mansoa)...

Keita, miúdo de rua, não tinha botas... As primeiras que teve foram-lhe emprestadas (e depois dadas) pelo Sport Bissau e Benfica. Jogou com elas em Mansoa. Jogará depois nos juniores do Benfica e, dada o seu talento, chega rapidamente à seleção provincial.

Tinha então 17 anos. Como a idade mínima legal eram os 18, à face das normas internacionais do futebol, tiveram que lhe fazer uma "nova" certidão de nascimento (sic)... A partir daí,  conforme as circunstâncias ou convienências, passou "a exibir dois bilhetes de identidade, um com dezassete anos e outro com dezoito anos", confidencia o Bobo Keita (1939-2009) ao seu biógrafo (p. 31), o Norberto Tavares de Carvalho (, vítima, ele próprio,  do 'spinolismo' e do 'ninismo'). (****): estudante de liceu, preso na Ilha das Galinhas, e  libertado com o 25 de Abril de 1974, esteve, depois com a golpe de Estado de 14 de novembro de 1980, nas masmorras de 'Nito' Vieira, até maio de 1983.

3. Nota do Jorge Araújo, em Abu Dhahi (em comentário posterior a este poste):
Reportando-me em particular à "foto de família" acima [Praga, 1961,] , e para contextualização da mesma, acrescento:

(i)  com excepção do Amílcar Cabral, os restantes dez elementos foram os eleitos que seguiram para a Checoslováquia, em Setembro de 1961, para aí cumprirem um estágio de três meses;

(ii) a deslocação a Praga deste grupo é, pois, consequência de um convite (oferta) formulado ao PAIGC de igual número de "bolsas";

(iii)  este assunto é apresentado e analisado na reunião do Secretariado do Partido, realizada em casa de Amílcar Cabral [Conacri], em 20 de Setembro de 1961.

(iv) - Na acta, escrita em francês, consta o seguinte:

Tradução: 

(...) “Estamos num caminho que ninguém na África jamais seguiu: ter estruturas antes da independência. Também tenho o prazer de vos informar que a Checoslováquia nos oferece mais 10 quadros [bolsas de estágio] que devemos enviar o mais rapidamente possível, tais como: Mecânica e Electricidade, Agricultura (máquinas), Estradas, Construções, Administração Interna, Planeamento Económico, Higiene e Acção Social, Distribuição de bens de consumo, Restaurantes e hotéis. Temos que pensar cuidadosamente sobre quem são as pessoas que devem ir para este estágio.” (...)

Citação: (1961), "Acta da Reunião do Secretariado do PAIGC", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34129

___________

Notas do editor:


(...) Diz o relatório (p. 18):

"Por informações colhidas na base Central sobre este camarada [Julião Lopes], soube que num ataque [realizado em Outubro de 1963] do grupo por ele dirigido, em Encheia, contra o Chefe de Posto [José Cerqueira Leiras] e não contra a tropa colonial, que numa rajada da sua metralhadora matou três camaradas, a saber: Luís Mendes "Mambará", João Balimbote e Joãozinho Amona, ficando ele, Julião, ferido com uma bala de um dos camaradas daqueles que morreram, que o atingiu propositadamente com a intenção de o matar, procurando assim vingar-se por si e seus companheiros, tendo nesta altura também ficado ferido, e ainda pelo camarada Julião Lopes, o camarada Paulo Santi

Depois de arrebentada a porta da residência do Chefe de Posto [José Cerqueira Leiras], para ser liquidado, o respectivo chefe, o camarada Julião Lopes, impediu os seus companheiros de o fazerem, alegando bastar já o mesmo ter uma perna quebrada [balas nas pernas].

O Cmdt deste ataque, Julião Lopes, foi depois transportado para o Hospital de Ziguinchor, a fim de ser intervencionado, onde se manteve até ao dia 09 de Janeiro de 1964, 5.ª feira, data em que deu início ao seu regresso à base Central do Morés. (..:)



(**) Vd. poste de 29 de outubro de  2011 > Guiné 63/74 - P8961: Notas de leitura (296): De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita, de Norberto Tavares de Carvalho (Parte IV): Os 'Portuguis Nara' de Boké e de Conacri (Luís Graça)

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21192: In Memoriam (368): José Barreto Pires (1945-2020): "termina uma vida, nasce uma saudade", a de um homem bom, grande camarada e indefetível barrosão, que muito amou a sua aldeia, Gestosa, Couto Dornelas, Boticas... Era membro da primeira hora da nossa Tabanca Grande.


José [Manuel] Barreto Pires (1945 - 2020): "termina uma vida. nasce uma saudade": é com estas singelas palavras, deixadas na sua página do Facebook, que a família, conterrâneos,  colegas, camaradas e amigos se despedem deste homem  bom, grande camarada e indefetível barrosão,  que, profssionalmente. foi economista e quadro superior do Bamco de Portugal (, com trabalho feito, na éra da cooperação, com alguns PALOP).

No TO da Guiné, foi alf mil, da CART 2412 (Bigene, Guidage e Barro - 1968/70)

Tinha casa no concelho de Torres Vedras. Morreu ontem de doença prolongada, do foro oncológico. (*)





José Barreto Pires, "Zé, o morgadinho de Gestosa" (, na expressão do José Ferreira da Silva), nasceu há 75 anos, em Gestosa, Couto Dornelas, Boticas... :Era casado com a professora primária Maria da Luz Pires. O casal não tinha filhos.  O poema "A minha terra", de José Barreto Pires, em coautoria com a sua sobrinha Clara Pires (, doutorada em gestão, professora do ensino superior), musicado por outro filho da terra, António Teixeira (, também ele da colheita de 1945 e antigo combatente da guerra do Ultramar, residente em Cabeceiras de Basto), pode ser aqui visualizado.

Vídeo 5' 43'' > You Tube / António Teixeira (com a devida vénia...)



1. Os "bandalhos" Jorge Teixeira e José Ferreira da Silva, e o nosso coeditor Carlos Vinhal, já ontem prestaram a devida homenagem a um dos bravos da Guiné que acaba de nos deixar (*). Era membro da primeira hora da nossa Tabanca Grande (*) e pertencia igualmente ao grupo "O Bando [do Café Progresso]", de que é "secretário-geral" o Jotex [Jorge Teixeira].

Em jeito de derradeira homenagem. ficam aqui dois excertos de postes do José Barreto Pires, publicados em 2006 no nosso blogue:

(...) Amigos Tertulianos, é com grande satisfação que, doravante, me considero aderente à nossa Congregação e, em sequência, recebo e darei todas as informações possíveis e disponíveis.

Na sequência do almoço-confraternização [do pessoal da CART 2412] de sábado p.p. [20 de Maio de 2006], após ter vadiado algum tempo por terras transmontanas, viajei para Alenquer, onde resido, e a viagem foi agradável, porquanto a boa disposição, decorrente de algum descanso e boas recordações, dificilmente poderia ter outro desfecho.


Obrigado pelas demais informações, que confirmo na sua generalidade. De facto, de Binta para Guidage apenas conheci a picada mencionada. Julgo estar certo que se outra existiu e/ou existia, corresponderia aos designados corredores que os Nativos ( dos quais, alguns... ditos Turras...) utilizavam para o transporte das suas mercadorias, essencialmente no sentido

Norte-Sul.

Quanto à célebre península do Sambuiá, porque as pisei, sempre em circunstâncias especiais, porquanto tratava-se de terreno considerado deles (Nativos), não subsiste dúvida da existência das picadas referenciadas.


Mas, sobre esta problemática, gostaria de questionar: Como será hoje? Circular-se-à, embora com dificuldade, claro, entre as diversas localidades, através das referidas picadas? Como seria interessante ver e saber como se apresentam esses locais e os respectivos meios de circulação, nos dias que correm!!!


Estou certo, por razões óbvias, que o momento certo e adequado já expirou há muito tempo...De qualquer forma, eis-me totalmente disponível para, integrando um grupo fixe, dar umas voltas por essas bandas. (**)

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(...) Tertuliano desde de alguns meses a esta parte, tenho me remetido quase ao silêncio, não obstante de ter apreciado bastante os duelos estabelecidos e as notícias transmitidas.Entre os imensos temas trocados,impressionaram-me sobre maneira os de alguns dias atrás sobre Telegrama e Guidaje, não fosse eu um homem de Guidaje, ou melhor dito, que não tivesse andado efectivamente por essas bandas...

De facto, integrei a CART 2412, que comandei mais de 50% do tempo que permaneceu em terras de Guiné. Fomos alcunhados como Os sempre diferentes e de facto eramos, pelo que indo ao desafio do Telegrama, porque existem imensas coisas para contar, julgando-me, de certa forma, apresentado, passarei a colaborar, semanalmente, com um episódio dos imensos vividos nessa experiência que, de facto, não é minha...nem é tua...mas foi de todos nós...Segue para a semana... (***)


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À  viúva, à sobrinha e demais família, bem como aos amigos e camaradas, deixo aqui a minha solidariedade na dor pela perda do José Barreto Pires.

O editor Luís Graça


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Notas do editor:

Guiné 61/74 - P21191: Historiografia da presença portuguesa em África (223): Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Dezembro de 2019:

Queridos amigos,
Esta viagem à Guiné do Capitão-de-Fragata Cunha Oliveira merecia reedição, é uma narrativa de viagens de muitíssima qualidade, com pormenores raros, vão primeiro à região de Cacine, sobem até ao Corubal e depois ao Casamansa. É uma missão histórica, é a tomada de soberania da península de Cacine e a entrega a França de todo o estuário do Casamansa. Julga-se oportuno, neste contexto, de voltar a documentos extraordinários constituídos pelos boletins da Sociedade de Geografia da época e descrever como se tomou posse do Forreá, graças ao espírito indómito do governador Pedro Inácio de Gouveia, alguém também possuidor de excelentes qualidades literárias, será ele que enviará para o Ministro da Marinha e do Ultramar aquele portentoso relato da viagem do Alferes Marques Geraldes até ao Casamansa, onde foi resgatar, atravessando todos os perigos de florestas e populações desconhecidas, mulheres raptadas em S. Belchior, junto do rio Geba.
Que bem escreviam estes homens e como é doloroso ver esta documentação a empoeirar-se nas bibliotecas!

Um abraço do
Mário


Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (3)

Beja Santos

O Boletim da Sociedade de Geografia, 8.ª Série, N.º 11 e 12, 1888-1889, traz um importantíssimo trabalho do Capitão-de-Fragata Eduardo João da Costa Oliveira, sócio da Sociedade de Geografia e que fora o comissário português encarregue de estudar a demarcação das fronteiras à luz da Convenção Luso-Francesa. É um documento precioso, na minha modesta opinião, um dos mais valiosos sobre a época em referência. Como se poderá ver neste e textos subsequentes. Costa Oliveira fora nomeado para dar execução ao tratado assinado por Portugal e a França, parte com o adjunto, um antigo Secretário-Geral da Guiné, o Sr. Augusto César de Moura Cabral.

Como a comissão portuguesa e o próprio Capitão-de-Fragata Costa Oliveira irão passar pelo Forreá, talvez seja útil fazer-se aqui uma referência a uma comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa, oriunda de Bolama, e com data de 1 de novembro de 1882 e que tem a ver com a posse do Forreá. Este território fora entregue à Coroa Portuguesa no dia 27 de outubro e os autores da notícia escrevem impantes:
“É de tão grande alcance económico e político para a nação portuguesa este facto, que aos sócios da Sociedade de Geografia não lhes cabe no seu ânimo deixar de transmiti-lo à Sociedade, de que são aqui representantes.
Raiou agora nova época de felicidade para a Guiné Portuguesa com a entrega do território do Forreá, entrega devida ao muito zelo e incansável desvelo que o nosso consórcio e actual Governador, Pedro Ignacio de Gouveia, tem manifestado na sua ilustrada administração, sempre cheia de abrolhos, os quais contudo com tenacidade e muita energia tem sabido vencer.
É sabido que os Fulas-Pretos e Fulas-Forros são raças irreconciliáveis, sendo aqueles em tempo escravos destes; a sua emancipação foi meditada e o governo português em tempo, mais por humanidade e menos por política, protegeu os Fulas-Pretos, sendo assunto debatido em território, onde a Coroa Portuguesa não tinha jurisdição efectiva.
Daqui nasceu uma hostilidade mais ou menos constante do lado dos Fulas-Forros contra a bandeira portuguesa, levando um dos chefes a dizer que ainda havia de servir-se do pau da bandeira portuguesa para com ele cozinhar.
Ao pau da bandeira vinham agarrar-se os Fulas-Pretos que esperavam emancipar-se. Daqui nasceu a paralisação do comércio, sendo preciso mais tarde fazer-se um tratado entre o governo português e os chefes Fulas-Pretos, Forros e Futa-Fulas.
Este tratado foi celebrado em Bolama, em Julho de 1881, vindo apenas representantes dos régulos.
O gentio cumpre, quando cumpre; as conveniências aconselhavam-no a tratar efectivo o tratado, porém, o governo português não se lhes tinha manifestado de uma maneira enérgica e temida, para que oferecesse sérias garantias, e de uma vez para sempre.
Passado tempo, o tratado estava esquecido e os Fulas-Forros atacavam as feitorias portuguesas e sem nenhum respeito nem medo de serem castigados.

O actual Governador, vendo que só uma lição severa podia consolidar o nosso poderio e que só pelo receio das nossas armas podia o gentio recear-se e sujeitar-se, enviou uma expedição à tabanca do Mamadu Paté, que em 28 de Setembro a atacou com o melhor êxito, destruindo aquela, classificada invencível, fortaleza gentílica.
Depois de uma tão completa e pronta aniquilação do prestígio do gentio do Forreá, estando tudo a postos para o ataque à tabanca de Ugui, corrido de medo, o seu régulo principal, veio pedir a paz, sujeitando-se a pagar uma indemnização de guerra conducente com as exigências naturais e bem pensadas do governador da província.
O nosso ilustre consórcio, o Governador, foi ainda intransigente quando se lhe pedia que a paz fosse feita ou fora da praça de Buba ou entrando o régulo na praça acompanhado da gente, talvez em número de mil homens armados.
Ao bom nome da bandeira portuguesa, que ele aqui representa, nada disto convinha, e ainda o nosso actual Governador, carácter enérgico e de fina compreensão, não permitiu transigência com aqueles usos, verdadeiros abusos, e o poderoso régulo viu-se obrigado a entrar com apenas vinte homens da guarda de honra, acompanhados dos seus chefes, e não esqueceu a ameaça de que só assim se poderia realizar a paz e inteira sujeição à Coroa Portuguesa.
Um emissário do governo seguiu o Futa acompanhado de um régulo do Forreá, a significar a paz ao chefe Almani, para que as suas caravanas de comércio possam seguir incólumes através deste território, e num curto período veremos chegar à praça de Buba os ricos produtos naturais que outrora tanto enriqueceram aquele mercado”.
E quem assina o documento exalta os incansáveis esforços do Governador Pedro Inácio de Gouveia.

A comissão portuguesa, em março de 1888, bem como a comissão francesa, partiram para Kandiafara, ao alcançar a ribeira Queúel, as abelhas atacaram a caravana, e o autor comenta:
“O burro saltava, corria, deitava-se no chão, espojava-se, parecia doido!”.
Dado ao pormenor, observa:
“As fortificações do gentio na Guiné são extremamente curiosas. As habitações ou cubatas são dispostas circularmente. Em torno delas constroem uma espécie de muralha com altos e grossos troncos de árvores das espécies mais resistentes, pau-carvão, pau-ferro, cibes, etc. E a dois metros pouco mais ou menos de distância, e pela parte de fora, uma segunda estacaria de troncos mais delgados e menos unidos, mas cobertos de ramos de plantas espinhosas. Grossos portões de madeira fecham estas tabancas. Tudo nos leva a supor que estas tabancas, assim construídas e ainda com o fosso interior para abrigo dos defensores, são consideradas inexpugnáveis, e que os gentios só atacam povoações abertas ou mal defendidas”.

É neste contexto que o Capitão-de-Fragata procede a uma minuciosa descrição das guerras no Forreá, mas acrescentando que a extensão das guerras alastrou com o envolvimento dos Beafadas. Em 15 de março, as duas comissões determinaram as posições geográficas do rio Cogon e no dia seguinte rumaram para Kolibá, e o autor esclarece:  
“Corubal, Kolibá, Kokoli e Koli são diferentes nomes do mesmo rio, dados nas diversas zonas onde corre. É sempre um grande rio de duzentos a trezentos metros de largura. Passa por Kadé, e dizem nascer numas altas montanhas do Futa-Djalon; é fundo, navegável muitas milhas pelo sertão dentro e despenha-se de quatro metros de altura próximo de Cussilinta”.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 15 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21171: Historiografia da presença portuguesa em África (220): Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 20 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21187: Historiografia da presença portuguesa em África (222): Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918) - Resposta a comentários de Cherno Baldé, Luís Graça e Valdemar Queiroz (Armando Tavares da Silva, historiador)

terça-feira, 21 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21190: In Memoriam (367): José Manuel Barreto Pires (1945-2020), ex-Alf Mil da CART 2412 (Bigene, Guidage e Barro - 1968/70) (Jorge Teixeira / José Ferreira da Silva)

IN MEMORIAM


José Manuel Barreto Pires (1945-2020)
Ex-Alf Mil; CMDT do 2.º GComb da CART 2412 - "SEMPRE DIFERENTES"


1. Mensagem emotiva do nosso camarada Jorge Teixeira, (ex-Fur Mil Art, CART 2412, Bigene - Guidage e Barro, 1968/70), com data de hoje, 21 de Julho de 2020, dando a triste notícia do falecimento do seu camarada, e também Bandalho, José Manuel Barreto Pires, ex-Alf Mil da 2412:

Amigo Vinhal

Uma triste notícia.

Se fizeres o favor de a publicar em meu nome pessoal, da CART 2412 e do Bando, agradeço, mas só tenho isto:


Morreu ontem, dia 20-07-2020, o nosso camarada, mas acima de tudo um grande amigo e companheiro, José Manuel Barreto Pires, que foi Alferes Milº Cmdt do 2º GComb da CART 2412 SEMPRE DIFERENTES..

À família enlutada, especialmente à sua digníssima esposa Maria da Luz, apresentamos em meu nome pessoal, da sua CART 2412 e do Bando do Café Progresso, de que ele orgulhosamente fazia parte, as nossas mais sinceras condolências.

Paz à sua alma. Que descanse em paz.

Comentário que publiquei no facebook:

Estou completamente destroçado. Em tão pouco tempo, dois grandes amigos, companheiros e bons camaradas, o Mário Vale e agora o José Barreto Pires. As minhas muito sentidas condolências. Os meus sentimentos à esposa Maria da Luz, sobrinha Clara Pires e demais familiares. Paz à sua alma. Que descanse em paz.

Amigo Carlos, desculpa, estou completamente destroçado e não tenho cabeça para mais nada, aliás nem me estava a lembrar se não fosse o Zé Ferreira.

Altera se quiseres e compõe como melhor entenderes.

Obrigado e um abraço.
cumprim/jtex

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Alf Mil José Barreto Pires

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2. Por sua vez, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos, também hoje, e ainda a propósito do falecimento do nosso camarada, uma mensagem em que lembrava uma visita a Gestosa de Boticas, à casa do Barreto Pires, nas encostas da Serra do Barroso, texto e fotos publicados no P20932 de 2 de Maio de 2020:[1]

Em 27 de Abril de 2020, no Blogue Luís Graça, foi publicado o texto “Confinamento II”, em que José Ferreira, se referia assim divertidamente ao isolamento do seu amigo, entusiasta da pesca da truta, nas fraldas do Barroso:


Curioso é o confinamento em Gestosa de Boticas, nas encostas da Serra do Barroso. O José Bandalho Pires, que é o Morgado e dono de quase toda a aldeia, impôs-lhe o seu total isolamento (mais rigoroso que em tempos de grande nevão). Todavia, obriga ao convívio diário de todos os seus 9 habitantes. Desde então, as lareiras têm funcionado continuamente, com as respectivas panelas de ferro ao lume, consumindo os artigos de fumeiro com que ornamentam as cozinhas.


Quando o convívio é bom,
Merece o fabrico do pão!

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3. José Barreto Pires, ex-Alf Mil da CART 2412, apresentou-se à tertúlia no dia 26 de Maio de 2006.[2]

À família enlutada, aos seus camaradas e amigos em geral, a tertúlia deste Blogue apresenta as mais sentidas condolências.
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 2 DE MAIO DE 2020 > Guiné 61/74 - P20932: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (9): “Operação Confinamento II"

[2] - Vd. poste de 26 DE MAIO DE 2006 > Guiné 63/74- P803: Tabanca Grande: José Barreto Pires (CART 2412)

Último poste da série de 9 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21156: In Memoriam (366): José Maria da Silva Valente (1946-2020), ex-Fur Mil Art da CART 1689 / BART 1913 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69) (José Ferreira da Silva)

Guiné 61/74 - P21189: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (121): com a ajuda do José Martins (, o nosso "Sherlock Holmes"), o João Crisóstomo, a partir de Nova Iorque, acaba de reencontrar, mais de 50 anos depois, o seu camarada de Mafra, Lamego e Beja, Luís Filipe Galhardo Lopes Ponte, hoje ten cor ref


Imagem nº 1 > Lamego, CIOE, 1964, turma B


Imagem nº 2 > Lamego, CIOE, 1964, turma A

Lamego, CIOE > 1964 > Turmas A e B do curso de operações especiais: o João CRISÓSTOMO  pertencia à turma B (imagem nº 1); e o Luís Filipe GALHARDO Lopes  Ponte à turma A (imagem nº 2) 


Imagem nº 3

Excerto da carta, de 22/5/2020, do capelão militar do RI 3, Beja, padre João Diamantino, ao João Crisóstomo: (...) "Sei que portaste muito bem em Lamego, pelo Luís Filipe da Ponte que está aqui no RI 3" (...)


Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do nosso colaborador permanente José Martins [, ex-fur mil trms, CCAÇ 5, "Gatos Pretos", Canjadude, 1968/7o; tem mais de 410 referências no nosso blogue; vive em Odivelas; revisor oficial de contas reformado]

Date: segunda, 20/07/2020 à(s) 18:40
Subject: Mensagem ZULU: Em busca do "Luís Filipe"
Boa tarde

Tive o grato prazer de receber uma chamada do João [Crisóstomo], ontem à tarde.

Estivemos a falar o que foi extremamente agradável. 

Terminada a chamada coloquei o nome de Luís Filipe Galhardo Lopes  Ponte (*) e a pesquisa encaminhou-me para a Federação Portuguesa de  Automóveis e Karts. 

Foi piloto durante anos.

Enviei mensagem solicitando informação se se encontrava ainda ligado  àquela federação e que pedia que me contactasse. Hoje recebi indicação  do seu contacto.

Já lhe telefonei, mas não tem memória, pelo menos de imediato, do João  Crisóstomo. Esteve em Mafra e por lá ficou, continuando a tropa no  Quadro Especial de Oficiais. É tenente coronel reformado. 

O contacto do telemóvel é [...].

Espero que tenhas encontrado o homem.

Abraço, Zé Martins


2. Mensagem de João Crisóstomo [luso-americano, natural de Torres Vedras, conhecido ativista de causas que muito dizem aos portugueses: Foz Côa, Timor Leste, Aristides Sousa Mendes... Régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, foi alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): vive desde 1975 em Nova Iorque],  dirigida ao Luís Filipe Galhardo Lopes Ponte, através do e-mail do seu filho Francisco Ponte:

Date: segunda, 20/07/2020 à(s) 20:50

Subject: Hello de Nova Iorque!....

 Meu Caro Luís Filipe,

Permito-me apelidar-te assim, baseado na nossa amizade de há cinquenta anos atrás: Mafra, Beja, Lamego…

Vejo que temos muito em comum, entre elas o de termos esquecido muitas coisas,  o que me sucede mais frequentemente do que eu desejaria… Neste caso porém parece que eu me lembro de mais coisas do que tu, pois nem o meu nome te lembravas já...

Mas eu nunca te esqueci, e muitas vezes me tenho dito: quero encontrar o Luís Filipe,  nunca mais esqueci o abraço (e lágrimas) que me deste (dentro do comboio) em Vila Franca de Xira, quando vinha eu do Porto para Lisboa. Tu,  ao veres-me , ficaste muito espantado e agarraste-te a mim num abraço que jamais esqueci … E que te tinham dito que eu tinha morrido na Guiné…

Bom, vamos com certeza falar mais, para já falamos pelo telefone e oxalá um dia o possamos fazer pessoalmente.

Estou neste momento um pouco apertado (tenho um encontro marcado) mas quero-te enviar aqui estão algumas fotos de que te falei (dentro do contexto duma mensagem que enviei, andando à tua procura…) 

Tu na foto do curso de  Lamego [, de operações especiais,]  estás na turma A, o 3º a contar da esquerda, na última fila, de apelido Galhardo…  A carta do P. Diamantino, que também anexo, menciona o teu nome Luís Filipe Ponte… 

Na outra foto eu estou na turma B, o 3º a contar da esquerda, na última fila...

Um grande abraço e até breve, que eu telefono-te brevemente outra vez!

João


PS - Por favor DIZ AO TEU FILHO PARA FAZER UM "REPLY" ( um simples "OK recebido" é suficiente!), para confirmar o endereço e eu ficar a saber que recebeste...

3. Mensagem do João Crisóstomo, enviada na mesma data e hora ao nosso editor:

Caro Luís Graca,

Depois do post 21079 fiquei a matutar como é que havia de consultar os Arquivos Militares mencionados pelo nosso colega José Martins. Queria dizer-lhe o meu muito, muito obrigado pelo interesse e trabalho de investigacão, mas preferia ( como sempre!) fazê-lo por telefone. Daí a minha chamada de hoje.

Sucede que ao procurar alguns documentos relacionados com a CCaç 1439, vim a descobrir também fotos, cartas, aerogramas, etc.,   que sabia ter guardado como recordações dos meus tempos da Guiné. 

 Mas,  "saído da tropa", levei estas recordações comigo para a Inglaterra, e depois andaram sempre comigo: Paris, Stuttgart, Rio de Janeiro , Nova Iorque … Todavia, com tantas mudanças e endereços,  eu pensava que se tinham já "extraviado".

Que grande satisfação ao reencontrar tanta coisa que já tinha dado por perdido!
Interrompo para te dizer que acabo de falar com o José Martins a quem pude dar pessoalmente o meu grande abraço de gratidão pela sua ajuda. Graças ao "teu/nosso" blogue e a indivíduos como ele,  conseguimos encontrar camaradas há muito tempo perdidos! (**)

Isto é melhor que o Facebook (que também tentei consultar, mas fiquei logo perdido sem chegar a parte nenhuma).

Bom, continuando: Uma das cartas que encontrei, escrita a 22 de Maio de 1965, foi-me enviada pelo P. João Diamantino, na altura capelão militar do RI 3, de Beja por onde passei e onde, saído de Mafra, "preparei" um pelotão. 

Nesta carta ele menciona o Luís Filipe da Ponte, que lhe tinha dado notícias minhas: tínhamos estado juntos e feito o "curso de Rangers" em Lamego; mas a minha memória de gato já não se lembrava disso. 

E encontrei então uma foto desse curso , onde vem um indivíduo ( na turma A, o 3º a contar da esquerda, na última fila) que até me parecia o Luís Filipe, mas o nome não condizia: era Galhardo..."Que semelhança", pensei eu. 

Mas há tanta gente parecida e já me têm sucedido situações até embaraçosas… Mas se ele fez o curso comigo … E  fui de novo à foto: reparei então que o nome "Galhardo" que identifica o indivíduo que "se parecia" com o Luís Filipe,   é um dos nomes do seu nome completo… 

Tem que ser ele!

Agora fico esperançado de ainda poder encontrar o meu camarada amigo que chorou de comoção por me "encontrar vivo", depois de lhe terem dito que eu tinha morrido na Guiné.

Ao meu "camarada salva-vidas" José Martins, peço mais um favor: mencionaste três arquivos; sabes em qual deles encontraste o Cap Luís Filipe Galhardo Lopes Ponte? 

E a quem quer que me possa ajudar … fico antecipadamente grato por qualquer dica ou ajuda em como encontrar/saber a sua morada, etc.,  etc.,  etc… Oxalá seja possível. 

A minha vida está cheia de momentos destes, de reencontros de amigos a quem a separação ocasionou a perda de contactos. E se o "perder" um amigo é sempre uma experiência traumática para mim, o reencontrá-los é sempre uma experiência exilariante.

Sei bem que isto é uma experiência que muitos de nós temos vivido e, sabe Deus, com quanta emoção também. Portanto sabem bem do que estou a falar.

A todos um grande abraço do

João Crisóstomo, Nova Iorque

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de:

10 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21063: Tabanca da Diáspora Lusófona (11): Procuro, desde 1967, o Luís Filipe, que foi meu camarada, no COM, 1º turno de 1964, 3ª Companhia, 5º pelotão, EPI, Mafra... Encontrei-o na estação de caminho de ferro de Vila Franca de Xira, deu-me um grande abraço, julgava-me morto na Guiné, passámos um fim de semana no Algarve, tenho ideia que era alentejano, de boas famílias... Quem saberá o seu nome completo, e outros dados que me permitam ainda poder encontrá-lo ? (João Crisóstomo, Nova Iorque)

15 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21079: Consultório militar do José Martins (51): Fontes arquivísticas para o João Crisóstomo, que vive em Nova Iorque, procurar o nome (e, eventualmente, o paradeiro) do Luís Filiipe, que foi soldado-cadete, do 1º turno de 1964, COM, EPI, Mafra: Escola Prática de Infantaria, Arquivo Geral do Exército, Arquivo Histórico-Militar, Liga dos Combatentes... Há três capitães milicianos com este nome, Luís Filipe Fernandes Tavares (BART 6524/74, Angola); Luís Filipe Rolim Oliveira (BCAV 8323/74, Angola); e Luís Filipe Galhardo Lopes Ponte (CART 3572, Moçambique)

Último poste da série > 27 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20780: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (118): A COVID-19 não passará!... Felizes reencontros de 3 camaradas, que estão à distância de um clique... mas fisicamente separados e agora confinados... Falamos de: (i) José Joaquim Pestana, gravemente ferido em combate em 9/3/1970, no Xime, quando era fur mil da CART 2520, e que vive em Torre de Moncorvo, sua terra natal; (ii) José Nascimento (em Faro, a 671 km, de carro); e (iii) Paulo Salgado, amigo de infância e vizinho do Pestana, a 400 metros da sua porta...

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21188: Notas de leitura (1294): “Guiné-Bissau: Um caso de democratização difícil (1998-2008)”, por Álvaro Nóbrega; Coleção Estudos Políticos e Sociais, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2015 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Maio de 2017:

Queridos amigos,
Tenho a declarar que esta obra é um dos trabalhos mais sérios e abrangentes que conheço sobre a realidade guineense contemporânea. É um longo olhar sobre o processo democrático, a sua transição em África, com nasceu o Estado e quais as singularidades dos seus elementos; disseca os diferentes aspetos da elite política da Guiné-Bissau, a natureza do poder político dos militares, o que constitui o presidencialismo, o porquê da proliferação de partidos e trata com profundidade questões como a visão patrimonial do poder, a luta por esse poder, o estado dos direitos humanos e da justiça, etc, procura justificar as diferentes vicissitudes das asperezas por este percurso tão sinuoso e sem tranquilidade à vista.
De leitura obrigatória para quem gosta de conhecer a Guiné, a sua história e as suas gentes.

Um abraço do
Mário


Os ziguezagues da democracia guineense:
Uma obra indispensável de Álvaro Nóbrega (1)

Beja Santos

O livro titula-se “Guiné-Bissau: Um caso de democratização difícil (1998-2008)”, por Álvaro Nóbrega, Coleção Estudos Políticos e Sociais, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2015. E logo pela estrutura apresentada no índice ficamos a saber que este professor de estudos africanos se acomete a trabalho árduo, de grande ecrã, sob a especificidade da implantação da democracia na Guiné, a partir das condições do nascimento do Estado, após uma luta armada que se tornou referencial à escala do movimento revolucionário mundial.

Álvaro Nóbrega enceta o seu estudo sobre o entendimento das democracias africanas onde se conjugam elementos do chamado modelo democrático ocidental com outros oriundos das suas culturas políticas. A Guiné-Bissau é o país lusófono daquele ponto da África Ocidental, segundo o autor, que reúne caraterísticas interessantes para entender a complexidade do processo democrático, e adianta as suas razões: a influência da cultura europeia foi tardia e de pouca penetração; possui grande diversidade etno-religiosa e uma sociedade tradicional muito forte; a elite moderna revela um elevado grau de ambivalência cultural; tem uma longa tradição de autoritarismo colonial e pós-colonial; é marcado por uma acentuada instabilidade político-militar e é uma das economias mais pobres do mundo. Tudo conjugado, a Guiné-Bissau é um espaço privilegiado para um estudo de caso sobre a implantação da democracia liberal na África Ocidental.

Atenda-se em primeiro lugar ao lugar e ao tempo que foi o ponto de partida da descolonização. O modelo de referência dos independentistas era o de partidos únicos onde se fazia a convergência de todos aqueles que aceitavam o modelo idealizado pelos libertadores. Desdenhava-se então o capital, sinónimo de colono e rapina de matérias-primas. A grande cobertura política assentava no marxismo mas desvalorizando o materialismo e o ateísmo. 

Cabral era portador de uma mensagem inovadora: a vanguarda era constituída pela pequena burguesia libertadora, o proletariado inexistente era substituído pela massa rural, na justa medida em que o território guineense conhecia empresas exploradoras mas não detentoras de terra; o PAIGC seria um partido-Estado cuja cultura decorria da luta de libertação e tinha o foco principal na modernização do país sem descurar o peso das tradições, do islamismo e do animismo. 

Só que Cabral não pode estar à frente do que tinha idealizado, a Guiné-Bissau inicia o seu percurso num tempo crítico: choques petrolíferos, quebra dos preços das matérias-primas, dívidas externas avassaladoras, erros monumentais no planeamento. O ajuste de contas entre guineenses e cabo-verdianos tem lugar neste cenário de insatisfação da população guineense com carências e perseguições internas. 

Os grandes auxiliares dos movimentos de libertação, URSS e República Popular da China, por este tempo não exerceram o poder em África, o que lhes garantiu aceitação pelas elites ressentidas com as potências ocidentais e o temor do neocolonialismo. No entanto o seu apoio era relevante na área militar, na cooperação técnica e na formação das elites, não o era na ajuda pública ao desenvolvimento; acresce que os chineses não tinham fundos nem uma economia dinâmica para o gerar, procuravam construir infraestruturas de prestígio, projetos industriais de pequena dimensão e enviavam especialistas na agricultura. É nesta atmosfera que a queda do Muro de Berlim alterou os termos da equação.

O FMI e o Banco Mundial entram nestes países e trazem um cardápio de medidas socialmente penalizantes: a redução do peso do setor público, com a diminuição do número de funcionários e a privatização de empresas e de outros bens públicos; a desvalorização da moeda e a liberalização dos preços; a reforma do aparelho fiscal de forma a aumentar a carga tributária; o fim do regime de subsídios às produções e aos preços; a abertura dos mercados às importações, com eliminação de barreiras e redução de tarifas aduaneiras. 

Foi exatamente isto que aconteceu na Guiné-Bissau, em que uma boa parte da elite governante beneficiou de fundos (surgiram novos proprietários agrícolas), aumentou a pobreza, o desemprego, o programa de ajustamento estrutural fracassou, estabelecendo-se à sua volta uma grande polémica.

O partido-Estado da Guiné-Bissau não podia escapar aos acontecimentos do Muro de Berlim, foi obrigado ao multipartidarismo, a rever a Constituição do Boé. Foi um processo que se iniciou em 1991 e desembocou nas eleições de 1994.

Álvaro Nóbrega lança o seu olhar sobre o Estado e Democracia da Guiné a partir de 24 de Setembro de 1973 elenca os complexos etno-culturais principais e o vigor da sociedade civil rural, quando chegou ao poder o PAIGC trazia um modelo teórico, tentou impor uma modernização que não vingou. É preciso entender a natureza deste voluntarismo vanguardista. 

Perante a complexidade do problema da identidade nacional Cabral contornava a questão adotando o princípio de que a nação se forjou na luta de libertação, a mesma que estava a impulsionar uma nova cultura. Com a vitória sobre o colonialismo abrem-se clivagens e antagonismos internos: entre as etnias não recetivas à modernização; entre os poderes tradicionais e o poder moderno; entre as classes sociais que tomam conta de Bissau e geram a ilusão de que controlam o país todo. A identidade nacional é um conceito difuso, esbarra com inúmeros obstáculos: heterogeneidade étnica, pluralidade de identidades, múltiplas pertenças (comunitária, religiosa, étnica e política) o que vai dificultar a governação e a gestão dos interesses nacionais. Acresce que o período colonial fez germinar a cultura crioula, a cultura afro-lusitana das praças e presídios. 

O autor interroga-se se não é mais apropriado falar de população guineense do que de povo guineense. E há um elemento tradicional insuperável: o “Tchon”. A Guiné atual provém da Pequena Senegâmbia, das compras de Honório Pereira Barreto, da questão de Bolama, da convenção luso-francesa de 1886. Era o espaço físico territorial que interessava definir, daí o desinteresse prestado ao mar, que é uma das maiores riquezas da Guiné. Desde a origem do novo Estado pairam estas ambiguidades e não se encontra receita para uma solução eficaz no curto e médio prazo: existe o Estado, mas ele está ausente em grande parte do país; o governo é frágil e precário, está sujeito a inúmeras contingências que mais adiante serão analisadas e o povo orienta-se pelos usos e costumes do local onde tem berço, o “Tchon”, local da identidade, dos valores e dos princípios.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21165: Notas de leitura (1293): “BC 513 - História do Batalhão”, por Artur Lagoela, edição de autor, Junho de 2000 (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21187: Historiografia da presença portuguesa em África (222): Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918) - Resposta a comentários de Cherno Baldé, Luís Graça e Valdemar Queiroz (Armando Tavares da Silva, historiador)


Capa do livro de Armando Tavares da SilvaCapa do livro do prof Armando Tavares da Silva,“A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)”, Porto, Caminhos Romanos, 2016, ISBN 978-989-8379-44-3).

Membro da Tabanca Grande, o historiador Armando Tavares da Silva foi galardoado com o prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo, pela publicação deste livro.  .


1. Comentários de Armando Tavares da Silva  (*)


[Resposta a Cherbo Baldé:] (**)

Agora que foi publicada a 3ª e última parte da Série, gostava de começar por comentar as observações de Cherno Baldé à I parte da Série (P21176 de 13.07). (**)

Efectivamente, existe uma grande multiplicidade de contratos, tratados, convenções e autos, cada um deles realizado nas mais diversas circunstâncias e com os mais variados fins. Podemos valorizá-los consoante nos apraz, mas não podemos ignorá-los. E o objectivo do historiador é trazer a lume os factos e os documentos que são conhecidos.
19 de julho de 2020 às 00:43
 .

[Resposta a Luís Graça: ] (*)

O Luís Graça põe uma questão interessante e que eu tenho dificuldade em esclarecer cabalmente e em segurança. Vejamos o que me é possível dizer.

Entre 1828 e 1830 encontramos 3 instrumentos jurídicos – declaração, doação e auto de ocupação . 

Entre 1831 e 1845 encontramos 17 contratos, sendo que um grande número tinham por detrás Honório Pereira Barreto. Todos estes instrumentos teriam por objecto a cedência e ocupação de território.

Entre 1853 e 1856 temos 11 instrumentos, onde aparecem pela primeira vez e predominam as convenções e os tratados, e em que intervém da parte portuguesa o governador, portanto uma representação a um nível mais elevado. Só encontramos dois tratados de paz, levando-nos a pensar que tiveram lugar depois de algumas situações de conflito aberto.

Entre 1857 e 1872 encontramos 8 instrumentos algo mais variados. Em 3 deles intervêm felupes e noutros balantas e baiotes. Os 2 que se referem a balantas têm como objecto o estabelecimento de “paz”. Novamente aqueles em que intervém o governador, são tratados ou convenções. Com os régulos de Nalu é firmado em 1870 um “Auto de cessão” de todo o seu território, também na presença do governador.

Em 1873 temos 3 “termos de juramento e vassalagem” com os régulos de Ganadú, Mancrosse e Gofia.

Em 1879 e 1880, já com a Guiné administrativamente independente do governo de Cabo Verde, e com o seu governador próprio, encontramos 2 tratados com os régulos de Canhabaque e da ilha de Pecixe, firmados em sua presença.

Entre 1880 e 1887 temos 17 novos instrumentos, entre os quais predominam os “tratados de paz”, no total de 10, que várias vezes são designados “tratados de paz, amizade e obediência”. Isto significa que a procura da paz era firmada através de “tratados”, porventura um instrumento jurídico de maior relevância, onde intervinham régulos de maior representação – tais como, régulos do Forreá e do Futa- Djalon, de Gam Pará, Jabadá, Indorná, e o régulo Iáiá, do Forreá, Labé, Cabú e Cadé (mas agora nem sempre com a presença do governador).

Entre estes tratados de paz encontramos 4 entre régulos, sob patrocínio do governo: um entre régulos beafares e Sambel Tombom, régulo do Forreá; outro entre Sambel Tombom e Sambá Mané, fula do território de Buba; outro entre o régulo principal dos fulas, Moló, e o régulo de Ganadú, Ambucu, e finalmente entre fulas e beafadas (1885).

A partir de 1891 deixamos de encontrar tratados ou convenções, de paz ou obediência, ou de simples cessão de território, e passamos a ter simples autos, num total de 15.

A maior parte são autos de vassalagem, sendo 5 a pedido de régulos (Cabomba, Cocé, Corubal, Mamadi-Paté-Coiada de Cabú e Forreá, Xime e Barro).

Temos 3 autos de submissão e vassalagem prestados por régulos da Ilha de Bissau (1891, 1899 e 1909) e na sequência dos conflitos que aí haviam decorridos.

Em 1894 e 1895 encontramos dois outros autos de submissão e obediência lavrados a pedido de Sayou Salifou , na qualidade de príncipe de Nalú e Bagás e régulo de Cacine. Neste caso esta “submissão” não era resultado de qualquer contenda armada mas traduzia o desejo do régulo.

Em 1903 são lavrados autos de submissão com os balantas de Nhacra, Changué e Pache a pedido destes e na sequência de algumas acções punitivas devido ao roubo e assalto de embarcações.

O último auto de submissão é de 1918 e é prestado pelos régulos de Bina (Canhabaque) após demoradas operações militares realizadas nesta ilha dos Bijagós, por dificuladades de cobrança do imposto de palhota.

Abraço, também de agradecimento pelo cuidado posto na apresentação dos textos,
Armando Tavares da Silva

19 de julho de 2020 às 00:49
 .
[Resposta a Valdemar Queiroz:] (*)

Relativamente à dúvida de Valdemar Silva, talvez possa ajudar a esclarecê-la mencionando que o decreto de 1836, que estabelecia as ”necessárias autoridades” nos domínios ultramarinos, criava em Cabo Verde um governo-geral, “o qual se compunha do arquipélago deste nome e dos pontos situados na Costa da Guiné e suas dependências”.

Mais tarde, em 1883, para efeitos administrativos, a província da Guiné é dividida por decreto em quatro circunscrições com a denominação de concelhos, a saber:

Concelho de Bolama, com a sede na ilha deste nome, compreendendo a povoação denominada Colónia, ilha de Orango, todos os pontos ocupados na margem esquerda do Rio Grande, desde a feitoria de D. Amélia [na realidade Aurélia, situada na parte ocidental da ilha de Bolama, conhecida por ponta de Oeste] até ao fim dos domínios de Portugal, fronteiros ao arquipélago dos Bijagós, e bem assim todos os estabelecimentos que vierem a fundar-se no dito arquipélago;

Concelho de Bissau, com sede em Bissau, compreendendo a vila de S. José, o presídio de Geba, Fá, S. Belchior e todos os demais pontos ocupados ou a ocupar nas margens dos rios de Bissau, de Corubal e de Geba;

Concelho de Cacheu, com sede em Cacheu, formado pela praça deste nome, pelos presídios de Farim e Zeguichor, pelas povoações de Mata e Bolor e por todos os pontos ocupados, ou que de futuro vierem a ser ocupados nas margens dos rios Farim e de S. Domingos;

Concelho de Bolola, com sede na povoação deste nome, compreendendo Santa Cruz de Buba e todos os pontos que de futuro forem ocupados na margem direita do Rio Grande”.

É evidente que o próprio texto deste decreto deixava transparecer que o território da província da Guiné estava em muitos pontos não-ocupado e de domínio duvidoso ou mesmo não existente. Tratava-se de uma situação que viria a perdurar por algumas dezenas de anos.

Vários reparos foram feitos ao teor do mesmo decreto, fazendo-se notar que ele excluía “alguns importantíssimos rios que nos pertencem”, nomeando-se o rio Tombali, cedido ao governo português pelos gentios nalús em 1870, e o rio Casamansa, “um rio gigante”, concedido à Coroa de Portugal pelo tratado de Paris de 1814. O decreto também não mencionava a ilha das Galinhas, mas apenas as de Bolama e Orango.

E, de cedência em cedência, chegou-se à Convenção Luso-Francesa de 1886, ficando o território limitado ao que passou a ser a Guiné Portuguesa e é hoje a Guiné-Bissau, e cuja fixação dos limites só começou em 1888 e terminou em 1905.

Armando Tavares da Silva

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Notas de LG:

(...) Comentário de Luís Graça:

Neste periodo de tempo (1828-1918), há uma mudança de "figuras jurídicas" que, por certo, têm significado político: pelo meio temos a Conferência de Berlim (1884-1885) e o início do "colonialismo" europeu, e sobretudo a "partilhada do continente africano", baseado não em hipotéticos "direitos históricos" mas na ocupação efetiva dos territórios (militar e administrativa)...

A relação entre as autoridades portuguesas e os reis/régulos locais passa a ser uma relação muito mais assimétrica em termos de poder... A "negociação" passa a ser a "imposição", o tratado (de comércio, paz, amizade) dá lugar ao "auto" (submissão, vassalagem, obediência)...

Talvez o Armando Tavares da Silva nos possa explicar melhor esta diferença "terminológica" dos tratados,concenções e autos, que não é apenas "formal"... (...)

(...) Comentário de Valdemar Queiroz:

Não percebi bem.

Obediência, vassalagem, presídios ... séc. XIX.

Entre de 1450 e 1820 dá 350 anos, é só fazer as contas da nossa 'acção civilizadora' até ao início do séc. XIX. Provavelmente não houve 'acção civilizadora' nenhuma, as terras e gentes ainda não tinham "dono" concreto. Quer dizer que a Guiné Portuguesa começa no séc. XIX ??

Também não percebi a quem se destinavam os presídios, alguns bem no interior, que já existiam antes. Se existiam para cumprimento das penas de degredo nas colónias, dos de cá, ou para os presos no comércio de escravos, dos de lá.

Vamos lá ver, penso que não, que estas importantes informações de Armando Tavares da Silva não despertem comentários caricatos 'mais um a dizer mal dos portugueses'. (...)



(**) Vd. postes anteriores:

14 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21168: Historiografia da presença portuguesa em África (219): Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918) - Parte II (1856 -1881) (Armando Tavares da Silva)


13 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21167: Historiografia da presença portuguesa em África (218): Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918) - Parte I (1828 -1855) (Armando Tavares da Silva)

(...) Comentário de Cherno Baldé:

Caro Armando Silva,

Sem menosprezar o esforço e grande trabalho para a compilação desses documentos, no entanto, parece que todos esses tratados, a luz dos acontecimentos finais do século passado, não devem ter qualquer valor histórico, posto que ninguém sabe como foram obtidos e, na verdade, é sabido também que no fundo, de um lado e d'outro, ninguém respeitava esses tratados que eram feitos principalmente a fim de distrair a outra parte enquanto se procurava ganhar tempo e fortalecer alianças com outros. (...)