Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 23 de janeiro de 2008
Guiné 63/74 - P2473: Estórias de Guileje (2): O Francesinho, morto pela Pátria (Zé Neto † )
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (167/68) > Álbum fotográfico de José Neto (1929-2007) > Aspectos da vida quotidiana da companhia... Na primeira foto, assinala-se a vermelho o Francesinho, com a sua concertina... Na foto a seguir, também foto de grupo (a segunda a contar de cima), o então 2º Sargento Neto, de pé, de óculo escuros, vem assinalado a vermelho... As fotos seguintes falam por si, não precisando de legenda...
Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). (Fotos do José Neto † , reeditadas por Albano Costa). Direitos reservados.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Álbum fotográfico de José Neto (1929-2007) > Ao centro, o Francesinho, o herói desta estória (1). Foto do saudoso Cap José Neto (1929-2007), o nosso primeiro tertuliano a deixar-nos, pelas leis naturais da vida.
Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.
1. Comentário de L.G.:
O Zé, que foi (e é ou continua a ser, velando por nós) o patriarca da nossa tertúlia (onde estve apenas um ano e picos), quis partillhar connosco, aos setenta e seis anos, uma parte "muito significativa" das memórias da sua vida militar.
Um pouco antes de morrer - inesperadamente, vítima de cancro do pulmão -, enviou-nos "trinta e três páginas retiradas (e ampliadas) das 265 que fui escrevendo ao correr da pena para responder a milhentas perguntas que o meu neto Afonso, um jovem de 17 anos, que pensava que o avô materno andou em África só a matar pretos enquanto que o paterno, médico branco de Angola, matava leões sentado numa esplanada de Nova Lisboa (Huambo). Coisas de família"...
Tenho que te agradecer, mais uma vez, Zé, onde quer que estejas! As tuas memórias de Guileje foram (são) também as memórias das nossas vidas, dos teus rapazes, dos nossos camaradas.. Eras o mais velho de todos nós, já partiste mas a tua saudosa memória ficou connosco. Deste-nos ume exemplo de generosidade, de energia, de alegria de viver, mas também de coragem e de abnegação na fase terminal da tua doença (que foi fulminante). Em tua memória e à memória dos teus rapazes da CART 1613, de quem falavas comos e fossem teus filhos e que estiveram contigo em Guileje, volto reproduzir, agora na 2ª série do teu/nosso blogue, o sumaríssimo mas incisivo retrato do Francesinho que tu desenhaste com mão de mestre, sentido de justiça, humor e sobretudo com grande sensibilidade humana...
Olha, em Março de 2008, estaremos em Guileje e far-te-emos uma pequena homenagem. Pepito, não esqueceremos o Zé, nosso amigo comum, amigo de Guileje, amigo da Guiné e e do seu povo!... Um (e)terno Alfa Bravo para ti, camarada, que repousas no céu dos guerreios! (LG)
2. Estórias de Guileje > O Francesinho (2)
por José Neto †
Com pouco mais de metro e meio de altura, franzino, quase imberbe, era um poço de força, energia e boa disposição que a todos espantava.
Geralmente, quando o pessoal regressava das duras caminhadas pelas matas e bolanhas vinha estafado e atirava-se para cima do catre para descansar. Essa não era a prática do Francesinho. Tomava um duche, ficava como novo e, com a sua concertina algo desafinada, espalhava alegria por toda a tabanca e arredores.
Era emigrante em França, para onde foi com os pais ainda criança, e pela nossa Lei não estava sujeito ao serviço militar, mas quando atingiu a idade própria veio apresentar-se e foi incorporado.
Constava nos seus documentos que era analfabeto e agricultor e, no entanto, falava correctamente francês e era operário especializado da indústria metalomecânica.
O mais surpreendente, se é que o Francesinho não fosse ele uma permanente surpresa, era a correcção com que falava português com a pronúncia e os ditos da sua região, as terras do Basto.
A sua única preocupação era a de que, quando acabasse a tropa, as nossas autoridades lhe passassem um papel para apresentar no birú [bureau, escritório, em francês] da fábrica onde trabalhava, justificando que esteve ao serviço da sua Pátria.
Desgraçadamente não foi preciso o papel, mas julgo que o tal birú da fábrica decerto deu por falta do portuguesinho, alegre e diligente, nascido na freguesia de Ribas, concelho de Celorico de Basto e falecido heroicamente em combate na Guiné Portuguesa (3).
As últimas mãos que afagaram aquele rosto de menino, antes de se soldar a urna de chumbo que o trouxe de volta, foram as do Capitão [Eurico] Corvacho e as minhas. Não é vergonha dizer que não contivemos as lágrimas que nos correram pela cara abaixo.
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. poste anterior desta série > 14 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2437: Estórias de Guileje (1): Num teco-teco, com o marado do Tenente Aparício, voando sobre um ninho de cucos (João Tunes)
(...) Na expectativa do Simpósio Internacional Guiledje na Rota da Independência da Guiné-Bissau (Bissau, 1-7 de Março de 2008), que será também o da celebração da amizade entre os nossos dois povos e entre os antigos combatentes de um lado e do outro, damos início à publicação de histórias/estórias tendo como sujeito/objecto o aquartelamento e a tabanca de Guileje, as NT que os defenderam e, eventualmente, os guerrilheiros do PAIGC que nos combateram até ao abandono daquela posição militar no sul da Guiné, em 22 de Maio de 1973 (...).
(2) Extracto da VII parte das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (falecido em Maio de 2007, com o posto de capitão, reformado).
Vd. postes de:
11 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXI: Memórias de Guileje (Zé Neto, 1967/68) (7): Francesinho e Cavaco, o belo e o monstro
25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (Fim): o descanso em Buba
Vd. ainda os seguintes postes de (ou sobre) o nosso camarada José Neto:
31 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1805: In memoriam (1): Adeus, Zé Neto (1929-2007) (José Martins, Humberto Reis, Luís Graça, Virgínio Briote e outros)
2 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1910: Cap Zé Neto (1929-2007): Homenagem da AD - Acção para o Desenvolvimento, de Bissau
(3) Julgo tratar-se do soldado António de Sousa Oliveira, da CART 1613/BART 1896, natural de Celorico de Basto, freguesia de Cruz-Ribas, morto em combate no dia 28 de Dezembro de 1967 (segundo elementos que colhi na lista dos mortos do Ultramar, organizada por concelhos, pelos nossos camaradas que criaram e que gerem a página Moçambique, Guerra do Ultramar, e a quem endereço os meus cumprimentos e os meus agradecimentos pelo trabalho realizado, contribuindo para a preservação da memória da guerra do ultramar/guerra colonial, não apenas em Moçambique como nas restantes frentes).
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1 comentário:
Caro Luís Graça,
Em meu nome pessoal e da equipa do Terraweb, agradeço as suas palavras, no entanto há a salientar a colaboração e o apoio que nos tem dado o veterano LC123278 na correcção das listagens e na preciosa informação que nos tem cedido.
Os nossos agradecimentos ao veterano LC123278.
António Pires
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