1. Mensagem de António Paiva, ex-Sold Cond no HM 241 de Bissau, 1968/70, com data de 15 de Dezembro de 2008:
Caro Carlos
Ter sido condutor no HM 241 tinha, por circunstâncias do momento, variações de serviços.
Num domingo, vinha eu da caserna para a cantina, sou apanhado pelo Tenente Teixeira da formação, que me diz:
- Ó pá, já que aí estás, vai lá com eles levar o lixo.
Boa, lá fui eu fazer um serviço que nunca tinha feito, pois eram os africanos assim como o condutor que o faziam, todos bons rapazes, o condutor, creio que por motivos familiares, não estava.
Peguei no Unimog 404, carregado de lixo e lá fui eu para destino desconhecido com mais quatro africanos. Próximo dos Adidos, virou-se à esquerda por um caminho ou estrada de terra que ali havia, a distância era longa, lá para o fim do mundo a meu ver, mas os meus companheiros de percurso sabiam onde era.
Chegados ao local, despejado o lixo, fez-se o monte característico daquilo que não presta.
Pensei que despejado o lixo me vinha embora, mas não, tinham por hábito meter o Unimog numa bolanha ali próxima para o lavarem, tinha de ser metido de marcha atrás até meio da caixa. Não estava muito convencido, pensei, estes gajos estão malucos, mas tanto insistiram, porque era assim que faziam, que eu acabei por ceder.
Feita a lavagem, meto-me nele para o tirar, vai começar o inferno:
Começo a tentar tirá-lo lentamente… mas quê, sob as rodas de trás começa o terreno a ceder e ele a ir mais para baixo, penso cá para mim, estes cabrões lixaram-me. Tento rotores… e nada, tenho água a chegar à cabina e eu dentro dela a olhar o céu sem ter de levantar a cabeça.
Aflito e descontrolado tento sair, com certas dificuldades consigo pôr os pés em terra, logo lhes digo:
- Estão f..., enganaram-me, mas eu também os vou f…, agora metam-se dentro da bolanha e peguem nele às costas.
Gesticularam, resmungaram e não sei que mais diziam.
Não digo que o fizessem por mal, mas porra, eu é que estava em jogo. Ainda lhes disse:
- Agora vão a pé até ao Hospital e tragam ajuda.
Claro que não iam, era longe como o caraças, pensei muito mal da minha situação, sem apoio, sem nenhuma comunicação e perdido no deserto…, só me restava um milagre vindo do céu.
Passou tempo e o tempo não mais findava.
Olha, começamos aos saltos e a gesticular com os braços, o helicóptero vinha do lado de Bissau para a Base, bem alto lá longe.
- O gajo não nos vê, estamos feitos.
Mentira, vimo-lo virar à esquerda na nossa direcção, deu a volta e foi para a base.
As viaturas tinham escrito na frente Hospital Militar, o que levaria aquele piloto a pensar: - Olha, aqueles que pensam que só ajudam, também precisam dela. É verdade, todos precisavamos uns dos outros. Longo tempo depois vejo vir pelo caminho, onde tinha passado, um carrão da Engenharia que até metia medo. Lá se engatou ao, adormecido e fraco das pernas, unimog e o retirou de dentro de água.
Quero aqui, passados 38 anos, deixar o meu sincero agradecimento a esse piloto que lá do alto me deu a mão. Não sei quem foi, mas, entre os gloriosos, se vasculharem na memória feitos dos tempos passados, talvez o próprio se vá lembrar de ter visto o Hospital a olhar para o céu.
Um abraço a todos
António Paiva
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Nota de CV:
Vd. primeiro poste da série de 13 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3615: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (1): Corrida com triste fim
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Pois sim senhor!
Este nosso blogue não pára de nos presentear com histórias que nem sequer imaginaríamos que pudessem ter sucedido. Deve ter sido uma aflição sentir o "bichinho" a ir e a responsabilidade a aumentar, mas felizmente apareceu a "cavalaria aérea" que, com um gesto ainda anónimo, ajudou a resolver a situação. Seria bonito que agora se pudesse encontrar quem foi o autor de tal benfeitoria e provar assim mais uma utilidade deste nosso espaço de memórias.
Um abraço, caro camarada António Paiva.
Hélder Sousa
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