António Graça de Abreu,
Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura
Lisboa: Guerra e Paz Editores,
2007, pag. 11
Durante dois anos, nas terras da Guiné,
a espingarda a tiracolo, aos pés da cama.
Lá fora, o calor, o canto das cigarras, o cheiro da guerra.
Éramos uma pátria infeliz combatendo um pobre povo,
na bolanha, no mato, no tarrafo dos rios.
O medo, os suores, a coragem, a amargura, soldados retalhados, queimados, encharcados em sangue,
homens sem cor e sem ventura.
Imberbes e puros como os guerreiros de Alcácer-Quibir,
as espadas de fogo dilacerando o bater dos corações.
Regressei um dia,
lavando a alma na espuma das lágrimas.
António Graça de Abreu
__________
Nota de L.G.:
(*) Vd. último poste da série Blogpoesia > 27 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4087: Blogpoesia (33) : O bardo de Cafal Balanta (Manuel Maia)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
E VIVA A POESIA!
Com um Abraço
UMA MINA EM SANCORLÁ
Segundos? Um Minuto?
O Tempo desta Morte
Meio corpo evaporado
Só resiste o olhar
Quem a terá pisado?
Fui eu que tive sorte
Ou ele que teve azar?
Depois a Raiva, o Medo
Sim, Beber
(Chorar só em segredo)
E para sempre o Luto!
Missirá, 14/Fev./1971
...................................
ANIVERSÁRIO
Vinte seis ou Mil, conto pelos dedos
Os anos que vivi, eu não sonhei
Este tempo de Angústia e de medos
Que soletro e nunca sei.
Que Guerra é esta? Onde não estou!
Que rio aquele? Não cheira a Tejo!
Que combate? Combato, mas não sou.
E quando olho o espelho, não me vejo!
Aqui em Missirá, escravo e senhor
Invento-me. E guarda-prisioneiro
Bebo, fingindo em Alegria, a Dor.
Hoje faço anos... e continuo inteiro.
Missirá, 06/Nov./1970
...................................
O HELICÓPETRO
Pelo ar lento que aquece
Um pássaro de ferro e aço
Leva um morto que apodrece
Na boca mais um abraço
A gente fica a pensar
Mas mais um morto que interessa
Já vêm mais pelo mar
Vêm muitos e depressa
A gente pensa mas fica
Com o dedo no gatilho
Na garganta um nó que pica
Na preta o ventre com um filho
Missirá, Dez./1970
Jorge Cabral
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