Depois das escavações, fomos cortar diversas palmeiras, ao lado do pontão e transportamo-las às costas até à estrada, onde estava uma viatura. A ideia era levá-las para o destacamento e colocá-las em cima do abrigo (à laia de tecto), abrimos uns tantos bidões vazios, endireitamos as chapas e colocamo-los em cima dos troncos, após o que cobrimos tudo com uma grande camada de terra compactada, para o tornar mais sólido, protegido e seguro, contra eventuais ataques do IN.
Concluído o abrigo que servia de dormitório e tinha capacidade para catorze ou quinze pessoas, que assim deixaram de dormir nas tendas de campanha, seguiu-se a inauguração efectuada pelo Alferes Soeiro - Comandante do meu Pelotão.
Este abrigo, mal ou bem, serviria até a casa ser reconstruída.
Continuamos as nossas acções, montando emboscadas na estrada Mansoa - Bafatá para segurança das colunas que por ali passavam.
Em Janeiro de 66, apanhei uma infecção nas virilhas que mal podia andar. O enfermeiro comunicou o sucedido ao capitão, e disse-lhe que eu tinha de ir ao médico a Bafatá. Tal só possível no dia 21, porque só nesse dia é que houve uma coluna. Lembro-me exactamente deste dia, porque foi precisamente o dia em que nasceu o meu filho.
O telegrama chegou a Banjara e eu parti sem que ninguém me o tivesse entregue com a outra correspondência. Esta é uma das consequências da guerra.
Fui ao médico, que me receitou uns medicamentos, tratamentos e repouso em Camamudo. Sobre o nascimento do filho nada. Todos os dias pedia ao radiotelegrafista que ligasse para Geba e perguntasse se tinha algum telegrama. Nada!
No dia 27JAN65, voltei ao médico a Bafatá. O condutor disse-me que se a consulta fosse antes da chegada do avião, íamos ao aeroporto buscar o correio para o destacamento.
A consulta foi mesmo antes e lá fomos nós. Separamos o correio por destacamentos e quando estávamos a ordenar o nosso, diz-me o cabo: “Meu furriel tem aqui uma carta para si.”
Era a certidão de nascimento. Então não é que esta me chegou primeiro, do que o telegrama em que me era comunicado que eu era pai! Vim depois a saber que o telegrama tinha ficado em Banjara e nunca me chegou às minhas mãos.
Foi um dia de festa, para mim e para a rapaziada, que beberam e festejaram até caírem de cabeça “grande”… como diziam os nativos.
Os dias foram passando e fui-me curando da infecção nas virilhas. Uma bela noite acompanhado pelo Furriel Vargas, fomos dar uma volta pelas tabancas e lembramo-nos de ir para casa do Chefe de Posto, cada um levando uma garrafa de whisky. Conversa daqui, conversa dali, bebemos as duas garrafas e, como fosse pouco, ainda acabamos com meia garrafa que o Chefe tinha em casa.
Com a conversa em dia e bebido o wiskezinho, saímos da casa dele, por volta das duas ou três da manhã. Quando íamos a entrar no destacamento estava o 1º Cabo 147 Alfredo a sair de serviço.
Juntamo-nos os três e fomos fazer uma ronda pela Tabanca do Régulo, porque havíamos visto lá uma luz. Estavam dois miúdos a estudar àquela hora e fizemo-los deitar.
Dissemos então ao 1º Cabo para destapar uns cestos que estavam dentro da tabanca. Sabem o que estava dentro dos cestos, galinhas. Tivemos que torcer o pescoço a três, após o que regressamos, para nos deitarmos a dormir. A “alvorada” foi por volta das dez horas da manhã, porque o 1º Cabo me foi chamar, dizendo que o Chefe de Tabanca ia a caminho do Chefe de Posto, com as 3 cabeças das galinhas nas mãos.
Momentos depois regressou o Chefe de Tabanca. Fui ter com o Chefe de Posto para me responsabilizar pelo pagamento das galinhas e pedir desculpa aos lesados. A resposta deste foi: “Nem pensar o culpado fui eu e está tudo resolvido.”
Não foi preciso eu fazer mais nada. À tarde fez-se uma petiscada onde apareceu também o Chefe de Posto. Ao fim de mais umas cervejas… nova cabeça “grande”.
Era assim a vida em Camamudo, passear pelas Tabancas, psico aos nativos, levar medicamentos para os doentes mais necessitados e receber uns ovos e galinhas em troca.
Quando não tínhamos nada para oferecer… pagávamos a mercadoria com escudos, ou pesos.
Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426
1 comentário:
Caro Fernando Chapouto
Desta tua história retenho a tua confissão de várias "cabeças grandes".
Então homem, qualquer pretexto era bom, não era? Bem....
E, já agora, tomaste boa nota daquela parte em que dizes que...
"Juntamo-nos os três e fomos fazer uma ronda pela Tabanca do Régulo, porque havíamos visto lá uma luz. Estavam dois miúdos a estudar àquela hora e fizemo-los deitar."...
Já pensaste na força de vontade daqueles miúdos? Não achas que são exemplos desses que hoje em dia nos fazem falta?
Um abraço
Hélder S.
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