1. O nosso Camarada José Corceiro*, que foi 1º Cabo Transmissões, entre MAI1969 e JUL1971, na CCaç 5 - Gatos Pretos -, em Canjadude, enviou-nos em 30 de Dezembro p.p., uma mensagem com as suas memórias sobre a sua ZO:
MEMÓRIA SUPERFICIAL SOBRE CANJADUDE
Camaradas,
Agradeço ter sido aceite como tertuliano, no grande Blogue, que é a Tabanca Grande. Quero agradecer também as palavras de incentivo e estímulo de boas vindas dos tertulianos. A todos, muito Obrigado.
Relativamente ao comentário, que o Luís Graça fez “em tom brincalhão”, mas legítimo e oportuno, à primeira foto do poste Nº 5536, devido à tonalidade de pele da criança, gostava de dizer que conhecia perfeitamente os pais da criança e interroguei-me, também eu, naturalmente! Eu sabia, em Canjadude, onde era a habitação de cada militar e cada civil, e gostava muito da tabanca.
Questionava-me sobre os hábitos da sua população e queria aprender algo mais. Para onde ia e sempre que podia, considerava que era a continuação do aquartelamento da CCaç 5.
Canjadude e o quartel estavam confinados pelo mesmo arame farpado e serpenteados de valas. A tabanca só no perímetro, tinha abrigos onde estavam instaladas armas pesadas, embora houvesse uma barreira física de arame entre o aquartelamento e a tabanca.
A convicção que tinha na altura, é que a criança era querida e amada pela família, dentro das posses do contexto familiar e temporal (bem expresso no sorriso e nos roncos amuletos da criança). Havia menos melanina na pele da criança, é um facto, mas para nosso sossego, é melhor não inferir em nada.
Vamos imaginar que se deu uma mutação genética, para nos tranquilizarmos e esquecermos a mestiçagem, se é que a houve, neste caso. A miscigenação humana até é salutar, potencia o emparelhamentos de cromossomas, cujos genes têm outras características, alargando e fortalecendo a diversidade do genoma humano.
A carência aguçava o engenho e refinava a arte. Necessidades biológicas em acção.
Na época, ainda os cientistas da genética moderna andavam às voltas com as cadeias dos ácidos “DNA” e “RNA”. Os testes de paternidade afirmativos eram impossíveis. Podia testar-se que não se era o progenitor, mas ainda não haviam conhecimentos científicos para confirmar que se era pai a 100%.Infelizmente, muita criança ficou por lá sem ter o carinho e afecto de quem devia dar protecção, educação, ajuda e acompanhamento continuado.
Nesta vertente, também a guerra foi nefasta, embora a teoria de Darwin defenda que contribui, neste particular, para a robustez da espécie.
Para acalmar as consciências agitadas e afastar responsabilidades, convençamo-nos que pais são aqueles que amam e criam. “É fácil”…!
Em Canjadude, creio não errar, se afirmar que quase todas as etnias da Guiné estavam representadas.Os militares nativos eram muitos (a CCaç 5, Gatos Pretos, era de nativos), recrutados em diversas zonas e viviam todos com as famílias, fora do aquartelamento, alguns com duas e três mulheres e mais, misturados com os civis.
Não se registavam grandes desacatos entre eles, apenas coisas pontuais. Lá se respeitavam à maneira deles e digeriam os conflitos normalmente, acatando as decisões dos homens grandes. Dentro do aquartelamento só dormiam dois ou três, além dos metropolitanos. A falta de meios na população era evidente, em todas as vertentes, pois as contingências eram gerais. Eu interrogava-me como conseguiam aquelas pessoas viver naquela letargia, sendo porém certo que haviam pouquíssimas condições de evolução e progresso.
A agricultura era praticamente nula.
Existia um espaço, no meio da tabanca “avenida principal”, chamada escola, onde o Sargento Cipriano (enfermeiro, homem nativo e dedicado, que infelizmente, após tanta dedicação, foi vitima da guerra), leccionava aulas para as crianças e não só, segundo a sua disponibilidade e saber, sem os meios necessários. Não era pois, um ensino continuado. O analfabetismo era assim geral e eram pouquíssimos os militares nativos, que sabiam ler e escrever.
O comércio reduzia-se a uma palhotazinha onde se podia comprar um carrinho de linhas, umas agulhas e botões e, concretamente, nada mais.Perante condicionalismos tão adversos, respeitando as suas tradições (havia algumas que me repugnavam), achava eu que a célula familiar até funcionava, segundo as suas exigências, amando e educando os filhos como eles sabiam.
Via-se afecto, dedicação e amor, à maneira da sua cultura, e ensinavam o que tinham aprendido em função da educação que tiveram. A dinâmica cultural em sociedades cujas tradições estavam tão enraizadas, reflectia-se nas etnias, cada qual com seus costumes muito diversificados, demorando várias gerações, até aos dias de hoje, até que se façam sentir melhorias acentuadas, naquilo que se estipulou designar como: civilização.
A pobreza de meios ao dispor das populações também é deveras e lamentavelmente abundantíssima. Para o menino de pele mais clarinha, por ter menos pigmentação (melanina) na pele, do que outros autóctones, sujeita ao mesmo meio ambiente, esta sua característica ser-lhe-á com certeza incómoda.
Desejo que hoje seja um homem com saúde e íntegro. Um grande abraço e que o Novo Ano lhe traga as maiores venturas, saúde e felicidades.
Para todos os tertulianos, Novo Ano com saúde, amor e felicidade, junto daqueles que amam.
Bons Postes.
Legendas das fotos:
Foto 1 - Militar com filho ao colo na tabanca
Foto 2 - Outro militar com filho ao colo na tabanca
Foto 3 – O 1º Cabo Enfermeiro (em 1º plano) e o 1º Cabo Dias, aprendendo a pilar arroz ensinados pelas bajudinhas
Foto 4 – O 1º Cabo Enfermeiro com um bebé ao colo
Foto 5 - Quatro militares amigos (um deles com a esposa)
Foto 6 - Militar com a esposa
Foto 7 - Militares (um deles com a esposa), junto ao “padrão” do Aeroporto da Portela de Canjadude, a pista situava-se à frente deles
Foto 8 - Mulheres de um militar com a filha
Foto 9 - Dois militares COMANDOS. João Seide (do lado esquerdo) era “guarda-costas” do Cap. Pacífico dos Reis. Dois Combatentes sempre da frente nas operações e nos combates
Foto 10 - Um militar com as duas esposas e o rádio (que não podia faltar)
Foto 11 – Eu com a minha lavadeira
Foto 12 – Eu com os “homens grandes” e homens pequenos da tabanca
Um Abraço,
José Corceiro
1º Cabo Trms da CCaç 5
Fotos: © José Corceiro (2009). Direitos reservados
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Nota de M.R.:
(*) Vd. poste de 25 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5536: O Meu Natal no Mato (29): Sorrisos de Natal há 40 anos em Canjadude (José Corceiro, CCAÇ 5 - Gatos Pretos, 1969/71)
Vd. último poste desta série de 5 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5591: Memória dos lugares (63): O Xime, o Alferes Capelão Puim, os mandingas e o meu tio Mancaman (J. C. Mussá Biai)
3 comentários:
Podia chamar a este post o "Regresso a Canjadude".
Foi bom "lavar a vista" com estas imagens e recordar os COMANDOS da CCAÇ 5, que mais não era um grupo de cerca de uma dúzia de soldados, a que se chamava "Grupo de Comandos Dragão" que era a elite da subunidade, e actuavam em todas as operações, isto pelos registos de que disponho.
Como ontem falei com o Amilcar Antunes, o meu sucessor como "Furriel Rádio", e lhe falei no blogue, fico à espera da entrada dele nesta Tabanca Grande.
José Martins
São um encanto as tuas fotos dos soldados africanos da CCAÇ 5 e das das suas famílias!... Parabéns.
experiência
J C
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