terça-feira, 18 de maio de 2010

Guiné 63/74 – P6422: Memórias de outros tempos (5): O Básico que queria fazer um ronco (Jorge Teixeira / Portojo)

1. Mensagem de Jorge Teixeira (Portojo)* (ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70), com data de 17 de Maio de 2010:

Caros amigos e camaradas.
Primeiro, um abraço para vocês.
Segundo, se der para post, siga e anda.
Não é preciso aprovação prévia.

Jorge Teixeira


MEMÓRIAS DE OUTROS TEMPOS

5 - Especialidades militares

Ao ler a mensagem do Alcides - Post 6394 - lembrei-me de uma Especialidade, que não o era: a de Básico. Que me lembre encontrei em Catió 2 rapazes com essa não Especialidade. Que afinal era a que todos queríamos, porque assim não iríamos dar com os costados em África. Dizia-se. Mas puro engano.

Quando regressei a Catió depois das férias no HM 241 de Bissau em 4 de Dezembro de 1969, após os 5 dias de convalescença obrigatório por lei, foi-me dado um mini Pelotão, digamos com 2 Secções de 10 homens cada, formados por rapazes da CCS do BART 2865, das mais diversas Especialidades, que, com excepção de um deles, atirador de metralhadora ligeira, (não sei onde foi desencantado, mas era bom mesmo com aquela coisa), os outros eram Padeiros e de outras Especialidades das quais já não me lembro minimamente, com excepção da de Básico. Durante os 9 ou 10 meses de comissão que já levavam, nunca tinham saído do Quartel, a não ser para ir jogar à bola, beber uma cerveja no Libanês ou ao Taras-Buba, ou ir partir catota lá numa tabanca. A nossa missão era (para além de outras brincadeiras) o patrulhamento e segurança nocturnas mais ou menos junto às populações. Esse serviço era feito diariamente, melhor, nocturnamente, normalmente entre as 5 da tarde e as 5 da madrugada. Cada dita Secção saía dia sim dia não, eu saía dois dias e descansava um.

Quer dizer, não saía, mas estava de segurança. Quando flagelados, teria que ir reforçar um dos "postos" exteriores, com a Secção que estava em descanso. Mas para o caso não interessa nada e voltemos ao tema das Especialidades.

Ora um Básico, em princípio era um faz tudo. Colher para toda a obra. Até atirador.

Na foto, o "Básico" é o segundo, com camuflado, a partir da direita

Um dos rapazes "básico" era de estatura pequenina e nunca tinha dado um tiro. Ficou feliz da vida quando lhe disseram que iria fazer parte de um Grupo de Combate. A primeira coisa que me disse foi: quero fazer um ronco. E comigo. E logo eu, que a primeira coisa que fiz com esse grupo, foi ensinar-lhes a correr muito e o caminho para "casa" a partir dos vários locais exteriores a Catió.

Certo dia tivemos uma flagelação e em grande, cerca das 2 horas da manhã. Toca a levantar, ir para o ponto de encontro e sair com o pessoal que estivesse pronto para reforçar o exterior que nesse dia era logo a seguir a Catió Fula.

Lembro-me dos pormenores dessa noite/madrugada. Estava luar, e arranquei com o pessoal, cheio de cagaço, muito encostado e o mais metido possível para dentro do arvoredo junto à picada. Fui olhando para trás e de repente vejo um pequeno vulto quási encostado a mim. Quando distingui quem era, vi o Básico, todo contente com a G3 ao ombro. Diz-me ele: Furriel é hoje o ronco, vamos a eles.

Além dele, trazia mais de 25 às costas e tremi todo pensando como iria aguentar e esconder aquela gente toda. Os homens do meu Pelotão oficial, que nunca me largavam nessas ocasiões, sabia que estavam atrás de mim e que orientavam a coisa, mas os outros não faço a mínima ideia quem eram nem a quem pertenciam: Se à CCS, se à Companhia de intervenção, se ao Pelotão de Morteiros. Sei que parte deles, que também não pertenciam ao mini-pelotão da CCS, foram arrastados pelo Básico.

A rapaziada começou a dizer que ouvia barulhos. Sem transmissões e mesmo sem ordem do comando - em Catió só se fazia fogo à ordem - autorizei a dar uns tiritos com o canhão. Não adiantava nada, porque as nossas granadas eram incendiárias e já com o prazo de validade expirado há manga de chuvas. Mas pelo menos se andasse por ali alguém sempre assustava. E parece que andou mesmo, pois segundo me disseram no outro dia, havia rastos de sangue. E a rapaziada ficou contente. Manga di ronco, pessoal.

Conclusão: O meu Básico, homem cheio de coragem, levava mesmo a G3 que embora com carregador, não tinha munições. Os camaradas preveniam-se contra os heróis...

Portanto a guerra também se fez com os incógnitos Básicos. E o meu Básico andou feliz da vida a contar a aventura por muito tempo. E lá teve direito à cervejinha da ordem para comemorar aquela noite de ronco.

Notem: Básico não é pejorativo. Muito menos para este rapaz que não tinha nome. Quer dizer, ter tinha, mas era o Básico e pronto, todos sabíamos quem era. A alcunha já lhe vinha desde a "Especialidade".

Um abraço
Jorge (Portojo)
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6250: O 6º aniversário do nosso blogue (30): Eu, a Tabanca Grande e o 25 de Abril (Jorge Portojo)

8 comentários:

Anónimo disse...

Não sei quais eram os critérios do Exército para "classificar" um desgraçado como "básico"... Numa instituição fortemente "homofóbica" (ontem como hoje...), tenho ideia de que a "orientação sexual" também podia ser um dos "critérios"...

Os "básicos", para além dos "testes psicotécnicos", e das provas de aptidão militar, não passavam nos outros crivos, entre eles a "prova da virilidade"... Conheci um homem que veio a ferros, connosco no "Niassa", e a quem chamavam o Fernandinho... Em geral, trabalhavam nas cozinhas...

Luís Graça

mario gualter rodrigues pinto disse...

Caro amigo Portojo

Creio que todas as Companhias tinham camaradas nossos classificados como Básicos, ás vezes com critérios de avaliação muito duvidosos que vinham logo da recruta.

Na minha Companhia havia um camarada classificado como Básico, que foi simplesmente um dos maiores Operacionais em Combate, sendo louvado e atribuido o prémio Governador.

Seu nome para que conste Manuel Raposo Marques n.º Mecº. 18757368.


Um abraço

Mário Pinto

Anónimo disse...

Sempre pensei (mas sem qualquer prova de que fosse assim) que soldado básico seria aquele que não tinha conseguido passar na especialidade.
Abraço,
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

Jorge
Gostei de ler esta estória.

Desculpem lá mas estava convencido que aos Básicos lhes era vedada as saidas em operações.
O da nossa Companhia infelizmente morreu afogado em T Pinto.
Bom rapaz,de nome Jesus

Luis Faria

Anónimo disse...

Também passava a básico quem era castigado ou a PIDE o considerava perigoso. Julgo que li aqui no blogue que um médico que fora castigado por motivos políticos e despromovido foi colocado numa Companhia como básico.
Saudações,
Carlos Cordeiro

MANUELMAIA disse...

CARO JORGE TEIXEIRA,

DEVO TER CONHECIDO O BÁSICO MAIS IMPORTANTE QUE PISOU O T.O.
ERA TENENTE CORONEL E NÃO PERCEBIA NADA DE NADA NO QUE DIZIA RESPEITO À TROPA E EM ESPECIAL À GUERRA.
VÊ LÁ TU QUE O DITO,"NUMA ATITUDE DEFINIDORA DE HOMEM RECONHECEDOR DE MÉRITOS" ESTAVA DISPOSTO A DEIXAR O PESSOAL USAR BARBAS( NO MATO),MAS...APENAS E SÓ QUANDO AS MERECESSEM, COMO O VICE GOVERNADOR DA ÍNDIA",DISSE...

Anónimo disse...

Básico meu caro Jorge.
Muito bom humor. Gosto de ler as tuas histórias, que neste caso ,pretendendo ser "básica" deu-me momentos de boa disposição.
Básicamente era só isto que te queria dizer. Fico á espera do próximo escrito.
Abraço
Jorge Félix

Unknown disse...

Olá Pessoal, boa noite,
Porreiros pá, os vossos comentários. Deixem-me só dar umas achegas:
Ao nosso cmdt Luís: Escreves aí duas coisas que é a primeira vez que eu leio (e ouço falar, digamos): Testes psicotécnicos e prova de virilidade ?Ou a minha cabeça está nos conformes da tradição ou então a guerra era outra.
Os únicos testes que me fizeram foram nas Caldas (nada de confusões com os tais da virilidade) e estão registados na Caderneta Militar. Não satisfaz (G3)Não satisfaz (M.L.)Não satisfaz (P.Walter). Não satisfaz (Pist. Metr.Uzi). Aprovado para frequentar etc e tal. Mas admito que houve pessoal que os fez. Eu fiz alguns mas lá nas Tabancas e nos Depósitos de géneros e sabe Deus o difícil que era passar esses testes. Mas não levei com o artº 6 do RDM da altura.
Para o Manuel Maia: Também tive a sorte de apanhar com um básico de um capitão, daqueles que vinham desde cabo do tempo da primeira grande guerra, mas gostava muito de gozar com os serviços do pessoal, extra muros do quartel.Mas soube meter a mão no saco. Provado. Foi evacuado dado como maluco. Quer dizer, psiquiàtricamente incapaz. Foi o que saíu à ordem.
Ao Jorge Felix: Não quis bàsicamente brincar com os básicos. Mas quando se tinham mais de 18 meses de comissão, todo o cuidado era pouco.
Aos restantes camaradas: Acho já ter dito (escrito)em tempos que Catió era uma estância de férias. Logo, saírem básicos, padeiros e outras especialidades num grupo que não era de combate mas apenas uma pequena excursão nocturna para dar de comer aos mosquitos, não era nada de especial.
Está aí o Varela que pode confirmar.
Adeus, até ao meu regresso.
Um abraço para a Tabanca