1. Mensagem de Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 29 de Setembro de 2010:
Caro Amigo Carlos
Mais uma passagem de “Viagem…” que por certo não aconteceu a muitos.
Hoje, quando recordada dá vontade de rir… mas à época, foi um susto do “caraças”!!
Aqui vai e quem ler, se se imaginar no contexto, também talvez consiga pelo menos sorrir, que é do que quase todos andamos a precisar.
Um abraço
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (34)
Teixeira Pinto - Círculo quase fatal
Nas bastantes operações que fazíamos na zona Oeste da estrada Teixeira Pinto - Cacheu (que denomino por inclusão, Balanguerês), as coisas nunca eram fáceis e por vezes tornavam-se bastante complicadas, desde logo pelo tipo de matas onde a dada altura éramos forçados a nos embrenhar, na tentativa de atingirmos os objectivos que nos tinham sido determinados e depois, por ser território de constantes movimentações inimigas.
Numa dessas ocasiões, o nosso objectivo era uma bolanha, onde o Comando supunha (sabia?) haver cultivo IN e como tal presença de população, guardada por elementos armados e nas proximidades eventualmente um acampamento.
Em Teixeira Pinto, como normalmente acontecia nessas ocasiões consideradas mais problemáticas, estavam meios aéreos de prevenção e Comando.
Depois de apeados, avançamos, os 1.º e 2.º GRCOMB, embrenhando-nos nas matas com os cuidados usuais, na esperança de não sermos detectados precocemente e emboscados.
Segundo dizíamos, caso não acontecesse nada, tínhamos que trazer ao menos uma mão cheia de vianda especial daquela área como prova de que lá tínhamos ido, não se desse o caso de termos que repetir a proeza logo de seguida, como já tinha acontecido por uma vez!!
O objectivo era na certa importante para o Comando já que o DO começou a breve trecho a dar sinal de si e... de nós, sobrevoando a zona intervaladamente em círculos, o que obrigou os banana a ficarem com perda de sinal ou tal interferência que não permitiam comunicação perceptível.
Pela tarde começou a dança e que dança, ao som de graves, agudos e secos.
O DO que por aquelas bandas esvoaçava, aparece e começa os círculos de águia apertados e a baixa altitude.
Ao meu lado, como de outras vezes, calha estar o Cancelo com o 60. Peço-lho e sigo com o olhar a granada que lhe meti pelas goelas e que ele vomitou na perfeição e trajectória prevista, próxima da vertical. Entra-me a águia no campo direccionado de visão, fazendo o seu círculo de observação alado e projéctil vomitado, aproximam-se em rota de colisão. Os meus olhos aguçam-se e ficam em bico, fixos no projéctil, todo o corpo me fica tenso, não posso fazer nada, ou por outra, posso fechar os olhos e por as mãos na cabeça para a proteger de destroços. Não o quero fazer e não o faço. Deus queira que não, rezo. Os sons da guerra parecem ter desaparecido. O olhar continua fixo. O zénite da trajectória do projéctil ocorre a dois, no máximo três metros da barriga do Dornier que continua o seu voo, indiferente, felizmente.
Nos meus ouvidos o barulho da guerra recomeça.
Se o piloto ou algum dos ocupantes se aperceberam do que se passou, devem ter apanhado um cagaço daqueles… pior do que o meu !
Esta cena, aconteceu pela tarde de 23 de Setembro 1971, na Península do Balanguerês (OP Açaimo 65).
Luís Faria
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 24 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7032: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (33): Teixeira Pinto - Perdidos (2)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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5 comentários:
Estas sempre a dizer que eu é que tenho estórias escondidas para contar.Pelos vistos tens muito mais do que eu e só espero que continues.
Aquele abraço.
Jorge Fontinha
Lá costumam dizer os aviadores: "Deus nos livre da artilharia amiga, que da inimiga livramo-nos nós".
Um abraço
António Martins de Matos
Caro António Martins os acidentes ou incidentes fazem parte da vida tanto em terra como no ar.
E quando uma secção da C.Caç.557 no cais do Cachil foi metralhada por dois F-86?
Um abraço
Colaço.
Caro Luís Faria,
O Cor. Durão, comandante do CAOP1, adorava pregar estas partidinhas. Aparecia sempre nos lugares mais imprevistos.
Mas essa de mandares uma morteirada para assinalares a tua posição é....demais.
Tenho a certeza que o teu sorriso de então foi bem amarelado.
O que te teria acontecido, se o referido Coronel tivesse seguido a trajectória final da tua sinaleta granadeira?
Um abraço amigo,
José Câmara
Com que então Amigo Luís Faria, os "bananas" deixaram de dar "música"?
A mim também me aconteceu que um daqueles "caixotes" (perdoem-me os nossos brilhantes homens das Trms, mas já não sei identificar qual a marca e o modelo, mas não era sony...) que o respectivo elemento carregava nas costas, ás tantas deixou de transmitir...
Coisa estranha, deu-lhe para a isso...e só teimava em ter recepção. Por sinal também andava uma ave de metal às voltas por cima duma floresta cerrada...Seria por o som transmitido bater nas copas das árvores e voltar para o chão? Ou teria a ver com umas frases ouvidas a quem comandava uma força experimentada, talvez de elite, no momento em que nos separámos, para cada um seguir "a sua passeata"?
O nosso co-editor e amigo Vinhal que explique, já que era e é mais entendido do que eu, nestas "artes".
Quanto à tua pontaria, deixa-me que te diga, para teu bem, fica muito a desejar!!!
Abraço
Jorge Picado
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