quarta-feira, 23 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7986: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (24): Versos da juventude (Kiev, 1987/90; Bissau, 1990) (Cherno Baldé)


1. Mensagem do nosso amigo Cherno Baldé [, foto à esquerda, em Kiev, Ucrânia, quando jovem estudante], com data de 21 do corrente, enviada já ao fim do dia:

Estimado amigo e irmão Luís Graça: Hoje ao entrar no blogue da Tabanca Grande, deparei-me com o vosso convite por ocasião do Dia Mundial da Poesia e nesse âmbito aproveito enviar alguns versos da minha juventude que espero ainda tenham algum sentido poético e possam interessar para publicação.

Com um grande abraço de saudação para si e aos demais editores da TG.


2. Versos de juventude (1987/1990), de Cherno Baldé 




Pensar

Acontece-me pensar…Pensar…pensar…
Como aos poetas, sonhar.

No denso sepulcro da memória,
No despertar inadiável da vida,
O caminho ainda longo.
Acontece-me querer voltar ao passado longínquo da origem.


Sempre presente em silêncio.
No passo das minhas pegadas, mal varridas pela erosão do tempo,
Medir a força das lianas, razões de tropeço na caminhada.

Acontece-me pensar, acontece-me querer voltar 
Aos tempos primeiros da infância,
A altura daquelas montanhas agrestes, sulcadas pela corrente de suor, 
Do meu corpo na luta,
Uma vista de olhos passar a Baobab que eterniza a tabanca,
Berço dos meus sonhos, 
Sentir no corpo e na alma a brisa que embalou a infância, 
A voz da floresta em pranto e o gosto amargo das raízes violadas.

Lá, mais para oeste …
De El-miná ou Ouida,
De Badagry ou N´goré.
O caminho do mar,
Em ondas lacrimosas da viagem sem regresso.

(Kiev, Dezembro de 1987)
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Quando puder julgar 
A mente que não soube amar
Na certeza divina da origem genuína,
Quando puder julgar o passo desmedido do intruso
Destruindo sonhos alheios ainda agora nascidos.
 
Quando puder julgar o brilho feroz d´espada,
A tirania herdada e todo o sucesso da obediência forçada.

Enquanto puder lembrar-me do caminho percorrido,
O vento eterno, parte do destino ainda não esquecido.

Enquanto é tempo para as lágrimas soltas no santuário profano
Que criou o mito da verdade eterna,
Enquanto é tempo para isolar,
Enquanto é tempo para (re) criar 
O vírus da loucura, sentença suprema do espírito rebelde.

Enquanto houver sangue no corpo ainda escravo,
Enquanto houver razão, o olhar preso no horizonte,
Enquanto houver luz… 
Enquanto houver luz… 

(Bissau, Dezembro de 1990)
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SERÁ QUE BASTA?

Será que basta …? 
Ser homem…? 
O harém pedindo presença, 
A liberdade do poiso perverso, 
Basta o corpo e as formas 
Ao sabor do tempo irreal? 
Basta o preceito do olhar ausente 
Pedindo prazer para não sofrer? 
Basta…? 
O espaço mítico criado 
Para preencher o vazio ideal? 
Será que basta…? 
Será que basta…? 

(Kiev-1989) 
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OBSERVADOR 


Observador, 
Espectador, 
Nos parques,
O mundo a renascer 
Em cada primavera.

Nas ruelas, 
Em compassos lentos 
Dos pares e dos sonhos floridos.

E tu desvairado, aonde vais? Ao “magazin" (1)? 
Não! Eu vou para Magadan (2), 
Ainda antes do Buran (3), 
Antes do voo e das vozes do mundo, 
Que estão por nascer. 

(Kiev, Abril de 1990) 
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Notas do autor: 

1- Magazin – Loja, mercearia de produtos de primeira necessidade 
2- Magadan – Localidade Russa situada algures na Sibéria oriental 
3- Buran – Vaivém Espacial Soviético inaugurado em finais da década de 80 

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Nota do editor:

2 comentários:

Anónimo disse...

Cherno, afinal a inpiração já vem de longe.

Provavelmente de onde sairam estes versos, ainda há mais.

Um abraço

Antº Rosinha

Luís Graça disse...

Foram tempos duros, esses, meu caro Cherno, e dos quais não falas explicitamente, por pudor ou outras razões. Mas lê-se nas entrelinhas dos teus versos. Um Alfa Bravo. Luis