Ponte Sor, 1960> Veríssimo Ferreira (à esquerda, de pé) com Zé Luis Veigas, Anibal (?) e Luís Bonito em Ponte de Sor, Portalegre.
Fotos do álbum da página do Facebook do Veríssimo Ferreira, Loures (Com a devida vénia...)
1. Em mensagem do dia 19 de Novembro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), enviou-nos mais um episódio dos melhores 40 meses da sua vida.
OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA
14º episódio - A estranha ausência da guerra e dos camaradas do K3
Se houve festa lá em casa? Claro... porque primeiro foi a surpresa... depois a alegria... depois todas as emoções e algumas lágrimas não contidas fizeram-na ainda melhor e da rija.
Assaram-se uns barbos apanhados no rio Sôr ali ao lado, com rede e à socapa, que a época era no defeso... prepararam-se, da capoeira, umas galinhas de fricassé... outras suaram ao lume de brasas de azinheira, mais uns coelhitos à verdadeira caçadora... e com a presença de alguns convidados, aqueles que iam perguntando por mim, lá deitámos abaixo aquela fartura toda e nem o Senhor Prior faltou, qu'até me ofereceu uma medalha, afiançando-me a pés juntos, ter rezado por mim. Convenceu-me e de tal forma que esqueci o caso dos cinco tostões que me obrigou a pagar, aquando da disputa duma ping-pongada que lhe ganhei lá na JOC. Lembro-me, que na época fiquei tão ou mais danado do que um raivoso canino. Porém e dada a circunstância do acto e porque sou (ou era?) bom, não quis ficar atrás de quem até perdoou à Madalena e pois claro... perdoei.
Mas sim... estiveram comigo grandes e verdadeiras amizades, que não me fizeram esquecer, contudo, aqueles amigalhaços que lá no KAPA 3, estariam decerto a sofrer, quando mereciam acamaradar neste convívio e com este manjar digno DELES.
No dia seguinte, passeando, dei por mim a gritar em surdina:
Ena tanta bajuda branca! E até falam com'a mim! E será que são lavadeiras? E será qu'até lavam roupa? Pôssaras... apenas um ano passado e já nem m'alembrava qu'aqui as mágoas da alma são lavadas no rio e já me esquecera também, que haviam mulheres brancas, manga delas mesmo... e tão boas... e tantas... ai eu, ai eu, AI EU, ponto final parágrafo, modera-te... acalma-te... domina-te que já não és nenhum cachopo, mas sim um homem com 23 anos.
Fiquei com os olhos em bico... estrábico qb... gago senão mudo... mas também o que fazer, sendo tão abraçado, tão apaparicado por tanta gente que m'amava? Numa noite ou outra acordaram-me e diziam-me:
- Esquece a Guiné... agora estás em casa... descansa... gritaste - aí vêm eles!.
E foi assim o dia a dia até que começou a ficar próximo o ansiado regresso ao local onde eu queria estar, ali mesmo onde conheci a alegria de acordar vivo, ali onde aprendi a arte de receber ou dar sem nada ter que dar ou receber, bastava estar, ali onde éramos cento e cinquenta irmãos, partilhando o bom ou sofrendo com milhares de primos a quererem saber de nós e nós deles.
Antevi a minha volta aqui à vida civil e de novo daqui a dez meses e perguntei-me:
Como e de que forma vou conseguir integrar-me nesta pasmaceira tão boa? Neste doce nada acontecer? Amarrado a horários, com o mesmo café e bagaço à mesma hora? Os mesmos encontros nos mesmos sítios? O mesmo cinema nos mesmos dias? Os bailes com os mesmos pares? Sim como serei capaz, se aqui as maiores dificuldades que tenho são o nó da gravata e o engraxar os sapatos?
Como viver sem os amigos da minha 1422? E o dia sem planos, mas com as amizades destes meus de agora? Como viver sem aquela desbragada linguagem da caserna? Sem as memórias dos ausentes, presentes? Como viver sem ter que decidir quando o perigo surge? Sem o ruído das hélices dos helicópteros que já deviam ter chegado antes? Como viver sem ouvir os T6 lá no alto? Sem as avionetas do correio?
(continua)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 18 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10691: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (12): 13.º episódio: Como 5 dias de licença em Bissau se transformaram em 30 na Metrópole
11 comentários:
Caro camarada Veríssimo Ferreira
Gostei bastante de ler este teu relato do tempo 'intercalar', ou seja do tempo em que fizeste uma pausa do TO do CTIG e voltaste à casa familiar, aos amigos, à rotina dos dias calmos...
Os pensamentos que te afloravam, as dúvidas quanto ao futuro, o sentires que tinhas crescido mais rápido que o meio que te rodeava, a angústia do desconhecimento do que o resto do grupo (a tua família distante) estava a viver, tudo isso é, para mim, uma descrição com a qual me identifico e sinto que deve ter sido transversal, havendo certamente muitos camaradas a reconhecerem-se nessa interrogações.
Parabéns!
Abraço
Hélder S.
Poucos de nós, ex-combatentes na Guiné, tivemos até agora a "coragem" (ou a "falta de pudor"...) para vir, aqui,em público, falar do "day after", do dia seguinte, do "luto" da guerra, das emoções, não já do regresso, mas dos dias, semanas, meses e até anos que se seguiram à passagem à peluda, ao "fim" da guerra, ou da "comissão de serviço"...
Parabéns ao Veríssimo por ter dado o pontapé de saída... Eu levei "cinco anos" a fazer a transição...
O Luís Graça levantou aqui uma questão interessante."Day After"
Ou seja como nos sentimos quando regressamos ao nosso País após a comissão da Guiné.
No meu caso já foi pós abril ou seja eu regrecei em meados de Julho de 1974.A minha companhia veio toda de avião e fomos desmobilizados no Ralis em Lisboa.
Eu que já aqui afirmei várias veses nunca tive espirito militar,no entanto quando estavamos no Ralis a fazer espólio e tratar das formalidades finais,não deixei de sentir um certo sentimento de vasio.E mais ainda porque nesse dia até era um domingo naquele quartel e principalmente na porta de armas era uma rebaldaria total na postura e comportamento dos militares da altura.E aí me pareceu que algo não estava certo.Claro que tudo isso passou logo de imediato,pois que tinha os meus pais á minha espera assim como a minha mulher e filho que tinham regreçado a Portugal um mês antes de mim ,pois como já narrei eu tive a minha mulher e filho junto de mim nos ultimos nove meses de comissão.
Agora me lembro que a minha família me tinha perguntado qual o prato especial que eu queria comer.Eu então disse que tinha um desejo terrível de comer salada de feijão fradinho.Toda a gente ficou espantada mas foi esse o meu primeiro prato que comi em minha casa.
Só tive pena de uma coisa ,foi que ainda no Ralis ninguem se despediu de ninguem tal era a pressa de abandonar aquele local.
Abraços a todos.
Henrique Cerqueira
Sobre os "nossos regressos", fui desencantar um poste, publicado na I Série (que já ninguém lê), com a síntese das memórias do Abel Rei, ex-1º cabo da CART 1661 (Fá, Enxalé, Porto Gole, 1967/68), e que escreveu um livro de memórias (*)
01 Maio 2005
Guiné 69/71 - X: Memórias de Fá, Xime, Enxalé, Porto Gole, Bissá, Mansoa
http://blogueforanada.blogspot.pt/2005_05_01_archive.html
(...) "O último registo do diário [do Abel Rei]são os preparativos para o regresso a casa, depois de 22 meses de comissão. E as últimas confidências, já escritas no N/M Uíge, em 19 e 20 de Novembro de 1968:
'No mato, enquanto fazia emboscadas ou patrulhas, os apontamentos do meu livrinho, que trazia sempre comigo no dolmã, saíram algumas vezes incompletos e com falta de acção e estilo. A minha escassa formação primária não me proporcionou melhores ideias. Tudo o que ficou escrito, não se tratou senão de simples partes vividas, onde a realidade dava lugar a maiores esclarecimentos. E acabei por impor a mim próprio a chamada memória selectiva, e omitir factos tão ruins que eu nem os conseguia descrever, e com a sua omissão convencer-me de que nunca aconteceram. A minha missão não foi das mais árduas, outros houve que sofreram muito mais. Para esses, irá decerto o carinho de todos quantos nos rodearam através das escassas notícias referidas além-mar'.
E no momento de evocar (sem as descrever...) as alegrias do guerreiro, de "regresso a casa", ele tem um pensamento piedoso em relação aos camaradas que não voltariam mais a sua terra...
'Nada paga tão imensa alegria, a de podermos regressar ao lar e esquecermos tantas e tantas horas que passámos sem dormir, atentos ao inimigo, e depois de o termos aguentado, acarinharmos os nossos camaradas feridos, ou chorarmos os mortos. A estes últimos, os heróis desconhecidos desta guerra, aqueles que mais ninguém recordará, a não ser os pais, irmãos, esposas e filhos... a estes, a minha modesta homenagem que se resume em desejar-lhes Eterno Descanso. Irmãos de meses difíceis desta tropa, a minha lembrança por vocês perdurará (...) eternamente, pois eu podia ter sido um de vós!'
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(*) Abel de Jesus Carreira Rei – Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/1968. Prefácio do Ten Gen Júlio Faria de Oliveira.
Edição de autor. 2002. 171 pp. (Execução gráfica: Tipografia Lousanense, Lousã. 2002)
... Como eu costumo dizer a propósito do conceito de "doença" (de sinal menos) e de "saúde" (de sinal mais), é muitíssimo mais fácil, para os seres humanos falarem do "inferno" (a guerra, a doença, a miséria, a pobreza, a crise, as privações...) do que do "céu" (a saúde, a paz, a felicidade, a liberdade, os doces prazeres da vida, o amor, a amizade...).
... Mesmo assim houve, para nós, um "purgatório", uma inevitável "passagem de aclimitização" entre o "inferno" da Guiné e o "céu" da peluda... Ou não ?
Fica aqui o desafio para futuros escritos sobre as "alegrias do regresso"... ou os "pesadelos"...
Desculpa lá Luís, mas sobre os regressos, já muitos falaram, até eu...
ABRAÇÃO.
J.Cabral
... Tome-se como paradigma aquele é que talvez o maior maior escritor de de todos os tempos, o grego Homero, e que na sua "Odisseia" descreveu, em verso, o primordial e o mais famoso regresso de um guerreiro ao lar, o regresso de Ulisses a Ítaca, depois da batalha de Troia...
... E já que falamos de poetas e de poesia, por que não evocar o nosso hoje tão esquecido mas tão atual Guerra Junqueiro... Melhor do que ninguém, ele soube em pôr em poesia as doces alegrias e perplexidades do "regresso ao lar"...
REGRESSO AO LAR
Ai, há quantos anos que eu parti chorando
deste meu saudoso, carinhoso lar!...
Foi há vinte?... Há trinta?... Nem eu sei já quando!...
Minha velha ama, que me estás fitando,
canta-me cantigas para me eu lembrar!...
Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida...
Só achei enganos, decepções, pesar...
Oh, a ingénua alma tão desiludida!...
Minha velha ama, com a voz dorida,
canta-me cantigas de me adormentar!...
Trago de amargura o coração desfeito...
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!...
Minha velha ama, que me deste o peito,
canta-me cantigas para me embalar!...
Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
pedrarias de astros, gemas de luar...
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!...
Minha velha ama, sou um pobrezinho...
Canta-me cantigas de fazer chorar!...
Como antigamente, no regaço amado
(Venho morto, morto!...), deixa-me deitar!
Ai o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!...
Canta-me cantigas manso, muito manso...
tristes, muito tristes, como à noite o mar...
Canta-me cantigas para ver se alcanço
que a minha alma durma, tenha paz, descanso,
quando a morte, em breve, ma vier buscar!
Fonte: Excerto de "Os Simples" (1892)
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/junqueir.htm
Aliás,chegou a existir no Blogue,
uma
rubrica intitulada "Os nossos regressos",na qual foi publicado o
meu "Um penoso regresso"-5 de Julho de 2008,isto para não falar do After-WAR,Cabral Empreendedor Putófilo,de 4 de Novenbro de 2008.Outros camaradas também escreveram..
Salvo o devido respeito, às vezes tenho a sensação que existe por aí falta de memória...Ainda há tempos se falou de desertores,como se o assunto nunca tivesse sido tratado...Renovo as desculpas.J.Cabral
Ah!, sim senhor, uma série chamada "Os nossos regressos", com cerca de 3 dezenas de postes...
O alfero Cabral tem razão: às vezes o editor mor dá sinais de cansaço e de amnésia...
Acabei de chegar do "Solinca", passe a publicidade... E sinto-me mais fresco... É como ir e vir de Fá a Bambadinca, só para beber um copo... Aquele abraço. LG
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