terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10816: Do Ninho D'Águia até África (36): O Life Boy (Tony Borié)

1. Novo episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177:


Do Ninho D'Águia até África (36)

O Life Boy...

...Namorava, e não namorava uma das filhas do Libanês!

Podia dizer-se, que namorava semana sim, semana não, pois quando estava de bem com ela, era só sorrisos, abraços e talvez alguns beijinhos, dizendo que era a rapariga mais bonita e jeitosa que havia no mundo, e quando estava zangado com ela, dizia que ela era muito feia, que era só perfumes e pinturas, que era “um paninho de armar” e que se fosse sorrir, lá para os da terra dela, pois ele era europeu, como se isso tivesse alguma influência em ser europeu. Mas dizia sempre que era europeu, pois a sua cara tinha feições “achinezadas”, pelo menos nos olhos, e alguns diziam:
- O Life Boy, deve ser filho de algum chinês.

O Curvas, alto e refilão, ao ouvi-lo, dizer todas estas coisas, cheio de experiência, pois passou a sua juventude, em algumas ruas escuras de Lisboa, respondia-lhe, na linguagem que todos lhe conheciam, mais ou menos nestas palavras:
- Caral... ta fo.., não percebes mesmo nada de “garinas”, tu não vez que apesar do teu focinho ser achinesado, és branco e europeu, e estás aqui de passagem, essa rapariga, que por sinal até é bastante bonita, e não digo que não daria uma boa esposa, é do tipo que, primeiro uma aliança no dedo, depois sim, vem o namoro, e se der para o torto, manda-te dar uma volta ao bilhar grande, que tu, apesar dessa cara achinesada, és um “patêgo”, não tens sensibilidade para acariciar uma mulher daquelas, nem sabes o que isso é - e logo de seguida - pois não está para aturar um palerma como tu, arranja outro, que goste mesmo dela, que saiba acariciá-la, e que a faça feliz!. Nem tu nem ela sabem se gostam um do outro, na cama. Sabes o que tu és em questões de amor? És um atrasadinho mental!


Chamavam-lhe o “Life Boy”, talvez por vender entre outras coisas, barras de sabão “Lifebuoy”, e era um soldado condutor, de uma companhia de artilharia, que estava estacionada no aquartelamento, também talvez tivesse uma costela de “Libanês”, pois tinha no aquartelamento, um pequeno negócio, onde vendia braceletes para relógios, pasta e escovas dos dentes, que só os furriéis, sargentos e oficiais lhe compravam, lenços tabaqueiros que era o melhor negócio, pois quase todos os soldados usavam, ou ao pescoço, ou no bolso dos calções, com um bocado de fora para se ver, ou pendurado no cinto das cartucheiras, quando saíam em patrulha, e diziam que era para lhes dar sorte, sabonetes “lifebuoy”, carrinhos de linhas, e agulhas, alguns botões, baterias para o rádio portátil e outros produtos que se usavam no dia a dia, também conseguia relógios de pulso de contrabando, com cronómetro da marca “Cauny”, mas só por encomenda, e também outros produtos, que não interessa agora mencionar.

Tinha conhecimento com dois tripulantes do navio “Ana Mafalda” que visitava a Guiné periodicamente, descarregando militares e equipamento bélico, seguindo depois a caminho da América do Norte, onde normalmente ia carregar tabaco ao porto de Philadélfia. Na altura em que este navio atracava na capital da província, o Life Boy ia ver o Pastilhas, dava parte de doente, indo no carro dos doentes à capital abastecer-se de todo o seu material.


Era um pequenino negociante dentro do aquartelamento, estava tudo bem para ele, pedia desculpa, trocava os produtos, se pudesse cobrava duas vezes, em caso de dúvida, ele era o culpado, emprestava um lanço de linha, com uma agulha na ponta para pregar um botão, depois tornava a vender o carrinho de linhas e a agulha, como se fosse novo, ia vendendo, e no fim do mês metia mais uns “pesos” na conta, se dessem por ela, pedia desculpa, se não dessem, era lucro para o negócio. Talvez não acreditem, mas certa manhã, o Cifra foi ao estabelecimento do Libanês, comprar alguns rebuçados, pois ia visitar algumas bajudas e crianças à tal aldeia com casas cobertas de colmo que existe próximo do aquartelamento, foto do Cifra em cima, e sem querer ser “coscuvilheiro”, nem coisa que se pareça, pois eles estavam à vista de toda a gente, só não via quem não quisesse, mas o Cifra encarou-os, e deu assim um sorriso um pouco malicioso, tal como aquelas velhas “coscuvilheiras” da aldeia, quando viam um casal de namorados, que os fez baixar os rostos, talvez com um pouco de vergonha, e então aí o Cifra, que repito, não era nada “coscuvilheiro”, viu-os com os seus próprios olhos que a terra há-de comer, sim, eram eles, os dois juntos, o Life Boy com a filha do Libanês.

Estavam em frente um ao outro, ela dentro, e ele fora do balcão, mas olhando-se de frente, nos olhos, pois tinham reparado no Cifra, mas agora não reparavam em mais ninguém, estavam concentrados um no outro, com as mãos juntas, passando os dedos um no outro, tal como se via nos filmes em cenas de amor, o Cifra não sabe se o Life Boy já a sabia acariciar, e estavam acariciando-se e trocando promessas de amor eterno, e fazendo juras de que seriam um do outro para o resto das suas vidas, pois o Cifra estava um pouco retirado e não conseguiu ouvir, e também não era “coscuvilheiro” a esse ponto, ou se nesse momento, o achinesado Life Boy, estava tentando roubar um anel muito lindo, com uma pedra azul turquesa, que ela usava no dedo, mas o Cifra, sempre ficou convencido que ele estava pedir-lhe para convencer o pai a lhe dispensar uma caixa de sabonetes, gravura ao lado, para ele vender no aquartelamento, pois pela manhã tinha-lhe pedido uma barra de sabão, e ele já não tinha produto para as encomendas no aquartelamento, já que o navio “Ana Mafalda”, só tornava a passar pela Guiné, talvez para no mês seguinte. Mas duma coisa estava o Cifra certo, nessa semana sim, namoravam e pelas feições das suas caras, o futuro parecia risonho.

(Texto, ilustrações e fotos: © Tony Borié (2012). Direitos reservados) 
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10805: Do Ninho D'Águia até África (35): Boas Festas, camaradas amigos (Tony Borié)

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