1. Mais um episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, este dedicado a uma das suas personagens já nossa conhecida, a menina Teresa, uma descarada, dizemos nós.
Do Ninho D'Águia até África (37)
Já lá vai algum tempo em que o Cifra andava para contar esta
história, mas sempre que começava não tinha coragem para a
acabar, mas pensando melhor ela também faz parte das suas
memórias de guerra, pois a protagonista era a pessoa que
escrevia as cartas que a mãe Joana, mandava ao Cifra, quando
estava na Guiné, mas antes pedia aos amigos antigos combatentes,
e não só, que depois de lerem, dessem duas ou três gargalhadas,
se por acaso acharem graça, e tiverem alguma saúde e disposição
para o fazer, oxalá que sim, mas que não fossem mal
intencionados, pois eu tenho quase a certeza que vão ser,
portanto cá vai.
A menina Teresa, não sei se estão lembrados, era uma vizinha,
costureira e solteira, de quase sessenta anos, que como sabia ler
e escrever, entre outras coisas era a conselheira da família do
Cifra, que nessa altura era o To d’Agar, na sua aldeia do vale
do Ninho d’Águia. Era muito boa pessoa no dizer da mãe Joana,
mas o pai Tónio, sempre que a via chegar, dizia:
- Lá vem o “pau de virar tripas”!
Tinha tido um namorado quando era nova, de nome Alberto, que
trabalhava numa fábrica de ferragens na vila, diziam que era um
artista, trabalhava na forja, e com uma lima e um martelo fazia
qualquer peça de ferramenta. Namorou com ela uns anos, até
diziam as más línguas que já faziam vida de casados, o que
naquele tempo era um sacrilégio, mas o Alberto procurando melhor
vida, emigrou para o Brasil, onde tinha uns tios, e sempre com
promessas de amor eterno, um dia sai de Portugal, no vapor Serpa
Pinto, pois o Cifra recorda-se do nome do vapor. Ela sempre
dizia, com as mãos juntas e a cara virada ao céu com uma voz,
que o pai Tónio dizia que era “estérica”:
- O meu amor Alberto foi para o Brasil, no vapor Serpa
Pinto, e é esse vapor que me há-de levar para os seus braços!
O Cifra, que nessa altura era uma criança, e se chamava To
d’Agar, andava por ali, descalço, com um “bibe” vestido, quase
sempre com um bocado de broa nas mãos, às vezes mesmo uma côdea,
e não sabia o que era o vapor Serpa Pinto,
mas a mãe Joana explicou-lhe
que era onde os “brasileiros” e
“venezuelanos” vinham a Portugal, muito bem
vestidos, com um fato branco, que chamavam
“terno” ou “paletó”, uns sapatos com duas
cores, que normalmente eram brancos e
castanhos, ou brancos e pretos, dependia da
época, e alguns anéis nos dedos, e com as
faces rosadas e gordas, sinal de que
estavam muito bem na vida. Ficavam
hospedados na pensão da vila, faziam correr
o boato de que procuravam esposa, e alguns pais, com muita
dignidade, pois queriam ver as filhas bem casadas e com futuro,
vinham quase oferecer, e se não ofereciam directamente, faziam
chegar ao conhecimento desses potenciais maridos, por intermédio
de outras pessoas, que as suas filhas eram umas donzelas, que sabiam
cozinhar, lavar e engomar, e que podiam levá-las à confiança, no
vapor Serpa Pinto, atravessar o oceano e irem para esses
países tropicais, pois além de todas estas virtudes, estavam
vacinadas, iriam saber dirigir as suas casas, darem-lhe muitos
filhos, pois eram muito boas parideiras, e ficarem muito ricos.
Bem, vamos mas é continuar, pois estamos a tomar um rumo que
não é o original, daqui a pouco estamos todos desencontrados e
perdemos o fio à meada, portanto continuando, a menina Teresa,
depois de uma crise de choro, com alguma baba e ranho, que lhe
durou quase um mês, até receber a primeira carta, que veio
mostrar à mãe Joana, lavada em lágrimas, com o selo do Brasil, e
que guardou no peito, mesmo junto ao coração. Ficaram a cartear-se,
aquilo era, carta lá carta cá, e a menina Teresa, sempre
esperando o carteiro.
O Alberto, no Brasil, trabalhava como um desalmado para
arranjar dinheiro, pôr casa e mandar ir a menina Teresa, que
era o grande amor da sua vida. Só que, na Baía, que era onde
moravam os seus tios, logo na casa a seguir à que vivia, morava
uma “baiana”, morena, cabelos negros, soltos e caídos, sempre com uma flor, descalça, selvagem, andava quase sempre
com o mínimo de roupa no corpo, não
usava roupa interior, talvez por
causa do calor, tinha um perfume
que o Alberto não sabia se era do seu
próprio corpo ou era mesmo perfume, nunca tinha imaginado que
existisse um aroma assim,
provocativa, que ainda por cima tocava
viola e cantava canções de amor
entre outras coisas, com uma voz
meiga, sedutora, procurando carinho, talvez mais qualquer coisa, na
varanda, mesmo a provocar o Alberto
que chegava do trabalho cansado. Aquela rapariga, bonita “baiana”, de nome Solange, sempre que o
via chegar a casa, acenava-lhe da varanda, só com uma saia
curta, que nem era saia nem era nada, aquilo era um farrapo de
pano muito justo em alguns locais do seu corpo e largos em
outros, onde fazia sobressair toda a sua beleza, uma camisa
sem mangas, aberta na frente, mostrando ainda mais, tudo com
que o Criador a contemplou, lhe dizia, com uma voz amorosa e
quase cantando:
- Meu bem, qué tomá um sumo de maracujá, qué?. Tá fresquinho,
meu bem! Senta um pouquinho aqui, que está gostoso, tá? Você é
bonito Português, mi dá um carinho, tá?
Pronto, o Alberto passado dois meses já falava com sotaque
brasileiro, bebia maracujá, comia farofa e uns salgadinhos, para
si uma cerveja era “um chôpo”, e quando via a Solange, dizia:
- Meu bem, você está gostosa, que gostusura de minina, tá!
Seu corpo se rebola, que perfume, você me põe louco, não dá para
pensá, não! Tou perdido por você, me dá seu carinho, meu bem!
E depois de olhar o seu corpo esbelto e selvagem, dizia
baixinho, e só para si:
- Como pode o pessoau, viver no Portugau? Qui bágunça, tá!
E não se lembrava mais da menina Teresa, que até já começava
a ter uma espécie de bigode, que a cabeleireira, quando vinha
fazer a permanente na vila, lhe colocava um produto que tinha
vindo de França, que, como já sabem de relatos anteriores, até
cheirava mal, e que lhe fazia desaparecer o bigode por uns
tempos, que agora passava dias e dias atormentando-se,
esperando o carteiro, e nada. Os dias, semanas, meses e anos
foram passando e já passava dos cinquenta, estava quase nos
sessenta anos esperando o carteiro. Ia à vila arranjar a
permanente, e pouco mais, já tinha o cabelo “grizalho”, estava
a ficar magra, e sempre com uma cara de amargura, dizendo que
não tinha sorte.
Já chega de pormenores, agora vamos ao assunto principal, a
menina Teresa, um dia ao escrever uma carta, que a mãe Joana,
mandou para o Cifra, dizia mais ou menos isto:
- Meu querido filho, vou terminar, e que a bênção do céu te
proteja, agora a menina Teresa, vai falar contigo, adeus meu
filho.
Então a menina Teresa pedia na carta ao Cifra, se lhe podia
trazer da Guiné, um “Falo” ou seja um “Phallus”, ou mais
propriamente um “Pénis” em madeira de ébano preto, que era para
dar boa sorte na sua vida, e mais à frente explicava o tamanho e
tudo, com alguns pormenores que o Cifra não quer explicar, pois
então sim, os seus amigos antigos
combatentes, e não só, iriam mesmo pensar
coisas que até eram, e depois dizia que se não
o encontrasse, se o podia mandar fazer em
algum artesão africano, pois tinha visto,
quando ia à cabeleireira, fazer a sua
permanente, numa revista francesa, que os faziam na África.
Também mandava uma nota do Banco de Portugal, de vinte escudos,
para a despesa.
O Cifra não vai contar mais nada, ainda se encontra na
província da Guiné e não sabe o que lhe vai acontecer, pois
apesar de ser um razoável militar, é um fraco guerreiro, mesmo
muito fraco, e também, apesar de estar rodeado de arame farpado,
e ter a protecção do Curvas, alto e refilão, do Setúbal, do
Mister Hóstia, do Trinta e Seis, do Marafado e do Furriel
Miliciano que anda sempre com um cigarro feito à mão na boca, o
Pastilhas, o Arroz com Pão e o Sargento da Messe, que dizem que
é burro, passe a expressão, sem falar no Comandante, mas só às
vezes quando põe cara de comandante, só lhe dão trabalho e
problemas, mas fiquem atentos, pois quando o Cifra chegar à sua
aldeia do vale do Ninho d’Águia, irão saber o final da
história.
(Texto, ilustrações e fotos: © Tony Borié (2012). Direitos reservados)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 18 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10816: Do Ninho D'Águia até África (36): O Life Boy (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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5 comentários:
Ó Cifra ...desculpa. Ó Tony ´qual é a tua ?... agora que a estória estava do melhor,fazes intervalo?Até já pareces os tipos das TVs a esticar as novelas...Vá lá conta depressinha o resto da estória e antes do Natal tá bem ??
Bravo Tony és mesmo um bom contador de estórias.Fico a aguardar com ansiedade(vê lá tu) o final da Teresinha "Bigodaças".
Um abraço e se não nos virmos (lêr-mos)antes um Santo Natal para ti e para a familia do Cifra.
Henrique Cerqueira
Tony, como sempre és bom na escrita, consegues pôr a malta em sobressalto, querendo saber o final o mais breve possivel, mas desta vez "lixaste-nos", ficámos de boca aberta.
Olha amigo, embora já te tenha enviado os votos de Boas Festas, nunca é de mais reforçar, que passem um SANTO E FELIZ NATAL.
Um abraço do Roger
Pois é, um falo, uma pilinha africana(ou pilona!) para uma senhora no auge carenciado dos seus cinquenta anos. Uma pila em ébano, pau preto, ou pau ferro, made in África, para o conforto de uma portuguesa infeliz.
Conseguiste descobrir a pila e oferecê-la à D. Teresa?
O próximo capítulo vai ser de arrasar, arrasar o vale de Vénus da D. Teresa, espero.
Abraço,
António Graça de Abreu
Oh Tony, muito obrigado pelo prazer que tenho tido com as tuas histórias e enredos.
Então quando falas da tua aldeia natal e das vivências dos seus habitantes ... que belos e ternurentos retratos de época tu fazes com a tua escrita! Tão meus conhecidos eles também são!
E o mesmo tem acontecido quanto aos locais da tua passagem pela Guiné e ao ambiente humano em que estiveste envolvido, quer o militar quer o civil.
Cá fico à espera de mais, agora aguardando o desenrolar da tua missão à procura do "pau" que tornou famoso e adorado o deus Priapo. E desde já adianto que a senhora pedinte poderia ter outras razões que não as que, provavelmente, certas mentes pensaram de imediato.Foi o que aconteceu comigo e, de certeza, com outro teu leitor (não foi, AGA?)
Um grande abraço, caro Tony
Manuel Joaquim
Ó Cifra, podias chamar Gabriela à tua baiana.
O Cifra faz um retrato perfeito de uma característica muito comum, da nossa emigração para os trópicos.
Se fosse hoje, já há telemóvel e TAP, a menina Tereza, ia à Baía dar um flagrante.
Boas festas
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