sábado, 22 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10844: Do Ninho D'Águia até África (37): Os Vinte Escudos da menina Teresa (Tony Borié)

1. Mais um episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, este dedicado a uma das suas personagens já nossa conhecida, a menina Teresa, uma descarada, dizemos nós.

Do Ninho D'Águia até África (37)
 




Já lá vai algum tempo em que o Cifra andava para contar esta história, mas sempre que começava não tinha coragem para a acabar, mas pensando melhor ela também faz parte das suas memórias de guerra, pois a protagonista era a pessoa que escrevia as cartas que a mãe Joana, mandava ao Cifra, quando estava na Guiné, mas antes pedia aos amigos antigos combatentes, e não só, que depois de lerem, dessem duas ou três gargalhadas, se por acaso acharem graça, e tiverem alguma saúde e disposição para o fazer, oxalá que sim, mas que não fossem mal intencionados, pois eu tenho quase a certeza que vão ser, portanto cá vai.

A menina Teresa, não sei se estão lembrados, era uma vizinha, costureira e solteira, de quase sessenta anos, que como sabia ler e escrever, entre outras coisas era a conselheira da família do Cifra, que nessa altura era o To d’Agar, na sua aldeia do vale do Ninho d’Águia. Era muito boa pessoa no dizer da mãe Joana, mas o pai Tónio, sempre que a via chegar, dizia:
- Lá vem o “pau de virar tripas”!

Tinha tido um namorado quando era nova, de nome Alberto, que trabalhava numa fábrica de ferragens na vila, diziam que era um artista, trabalhava na forja, e com uma lima e um martelo fazia qualquer peça de ferramenta. Namorou com ela uns anos, até diziam as más línguas que já faziam vida de casados, o que naquele tempo era um sacrilégio, mas o Alberto procurando melhor vida, emigrou para o Brasil, onde tinha uns tios, e sempre com promessas de amor eterno, um dia sai de Portugal, no vapor Serpa Pinto, pois o Cifra recorda-se do nome do vapor. Ela sempre dizia, com as mãos juntas e a cara virada ao céu com uma voz, que o pai Tónio dizia que era “estérica”:
- O meu amor Alberto foi para o Brasil, no vapor Serpa Pinto, e é esse vapor que me há-de levar para os seus braços!

O Cifra, que nessa altura era uma criança, e se chamava To d’Agar, andava por ali, descalço, com um “bibe” vestido, quase sempre com um bocado de broa nas mãos, às vezes mesmo uma côdea, e não sabia o que era o vapor Serpa Pinto, mas a mãe Joana explicou-lhe que era onde os “brasileiros” e “venezuelanos” vinham a Portugal, muito bem vestidos, com um fato branco, que chamavam “terno” ou “paletó”, uns sapatos com duas cores, que normalmente eram brancos e castanhos, ou brancos e pretos, dependia da época, e alguns anéis nos dedos, e com as faces rosadas e gordas, sinal de que estavam muito bem na vida. Ficavam hospedados na pensão da vila, faziam correr o boato de que procuravam esposa, e alguns pais, com muita dignidade, pois queriam ver as filhas bem casadas e com futuro, vinham quase oferecer, e se não ofereciam directamente, faziam chegar ao conhecimento desses potenciais maridos, por intermédio de outras pessoas, que as suas filhas eram umas donzelas, que sabiam cozinhar, lavar e engomar, e que podiam levá-las à confiança, no vapor Serpa Pinto, atravessar o oceano e irem para esses países tropicais, pois além de todas estas virtudes, estavam vacinadas, iriam saber dirigir as suas casas, darem-lhe muitos filhos, pois eram muito boas parideiras, e ficarem muito ricos.

Bem, vamos mas é continuar, pois estamos a tomar um rumo que não é o original, daqui a pouco estamos todos desencontrados e perdemos o fio à meada, portanto continuando, a menina Teresa, depois de uma crise de choro, com alguma baba e ranho, que lhe durou quase um mês, até receber a primeira carta, que veio mostrar à mãe Joana, lavada em lágrimas, com o selo do Brasil, e que guardou no peito, mesmo junto ao coração. Ficaram a cartear-se, aquilo era, carta lá carta cá, e a menina Teresa, sempre esperando o carteiro.

O Alberto, no Brasil, trabalhava como um desalmado para arranjar dinheiro, pôr casa e mandar ir a menina Teresa, que era o grande amor da sua vida. Só que, na Baía, que era onde moravam os seus tios, logo na casa a seguir à que vivia, morava uma “baiana”, morena, cabelos negros, soltos e caídos, sempre com uma flor, descalça, selvagem, andava quase sempre com o mínimo de roupa no corpo, não usava roupa interior, talvez por causa do calor, tinha um perfume que o Alberto não sabia se era do seu próprio corpo ou era mesmo perfume, nunca tinha imaginado que existisse um aroma assim, provocativa, que ainda por cima tocava viola e cantava canções de amor entre outras coisas, com uma voz meiga, sedutora, procurando carinho, talvez mais qualquer coisa, na varanda, mesmo a provocar o Alberto que chegava do trabalho cansado. Aquela rapariga, bonita “baiana”, de nome Solange, sempre que o via chegar a casa, acenava-lhe da varanda, só com uma saia curta, que nem era saia nem era nada, aquilo era um farrapo de pano muito justo em alguns locais do seu corpo e largos em outros, onde fazia sobressair toda a sua beleza, uma camisa sem mangas, aberta na frente, mostrando ainda mais, tudo com que o Criador a contemplou, lhe dizia, com uma voz amorosa e quase cantando:
- Meu bem, qué tomá um sumo de maracujá, qué?. Tá fresquinho, meu bem! Senta um pouquinho aqui, que está gostoso, tá? Você é bonito Português, mi dá um carinho, tá?

Pronto, o Alberto passado dois meses já falava com sotaque brasileiro, bebia maracujá, comia farofa e uns salgadinhos, para si uma cerveja era “um chôpo”, e quando via a Solange, dizia:
- Meu bem, você está gostosa, que gostusura de minina, tá! Seu corpo se rebola, que perfume, você me põe louco, não dá para pensá, não! Tou perdido por você, me dá seu carinho, meu bem!

E depois de olhar o seu corpo esbelto e selvagem, dizia baixinho, e só para si:
- Como pode o pessoau, viver no Portugau? Qui bágunça, tá! 

E não se lembrava mais da menina Teresa, que até já começava a ter uma espécie de bigode, que a cabeleireira, quando vinha fazer a permanente na vila, lhe colocava um produto que tinha vindo de França, que, como já sabem de relatos anteriores, até cheirava mal, e que lhe fazia desaparecer o bigode por uns tempos, que agora passava dias e dias atormentando-se, esperando o carteiro, e nada. Os dias, semanas, meses e anos foram passando e já passava dos cinquenta, estava quase nos sessenta anos esperando o carteiro. Ia à vila arranjar a permanente, e pouco mais, já tinha o cabelo “grizalho”, estava a ficar magra, e sempre com uma cara de amargura, dizendo que não tinha sorte.

Já chega de pormenores, agora vamos ao assunto principal, a menina Teresa, um dia ao escrever uma carta, que a mãe Joana, mandou para o Cifra, dizia mais ou menos isto:
- Meu querido filho, vou terminar, e que a bênção do céu te proteja, agora a menina Teresa, vai falar contigo, adeus meu filho.

Então a menina Teresa pedia na carta ao Cifra, se lhe podia trazer da Guiné, um “Falo” ou seja um “Phallus”, ou mais propriamente um “Pénis” em madeira de ébano preto, que era para dar boa sorte na sua vida, e mais à frente explicava o tamanho e tudo, com alguns pormenores que o Cifra não quer explicar, pois então sim, os seus amigos antigos combatentes, e não só, iriam mesmo pensar coisas que até eram, e depois dizia que se não o encontrasse, se o podia mandar fazer em algum artesão africano, pois tinha visto, quando ia à cabeleireira, fazer a sua permanente, numa revista francesa, que os faziam na África. Também mandava uma nota do Banco de Portugal, de vinte escudos, para a despesa.

O Cifra não vai contar mais nada, ainda se encontra na província da Guiné e não sabe o que lhe vai acontecer, pois apesar de ser um razoável militar, é um fraco guerreiro, mesmo muito fraco, e também, apesar de estar rodeado de arame farpado, e ter a protecção do Curvas, alto e refilão, do Setúbal, do Mister Hóstia, do Trinta e Seis, do Marafado e do Furriel Miliciano que anda sempre com um cigarro feito à mão na boca, o Pastilhas, o Arroz com Pão e o Sargento da Messe, que dizem que é burro, passe a expressão, sem falar no Comandante, mas só às vezes quando põe cara de comandante, só lhe dão trabalho e problemas, mas fiquem atentos, pois quando o Cifra chegar à sua aldeia do vale do Ninho d’Águia, irão saber o final da história.

(Texto, ilustrações e fotos: © Tony Borié (2012). Direitos reservados) 
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10816: Do Ninho D'Águia até África (36): O Life Boy (Tony Borié)

5 comentários:

Henrique Cerqueira disse...

Ó Cifra ...desculpa. Ó Tony ´qual é a tua ?... agora que a estória estava do melhor,fazes intervalo?Até já pareces os tipos das TVs a esticar as novelas...Vá lá conta depressinha o resto da estória e antes do Natal tá bem ??
Bravo Tony és mesmo um bom contador de estórias.Fico a aguardar com ansiedade(vê lá tu) o final da Teresinha "Bigodaças".
Um abraço e se não nos virmos (lêr-mos)antes um Santo Natal para ti e para a familia do Cifra.
Henrique Cerqueira

Rogerio Cardoso disse...

Tony, como sempre és bom na escrita, consegues pôr a malta em sobressalto, querendo saber o final o mais breve possivel, mas desta vez "lixaste-nos", ficámos de boca aberta.
Olha amigo, embora já te tenha enviado os votos de Boas Festas, nunca é de mais reforçar, que passem um SANTO E FELIZ NATAL.
Um abraço do Roger

antonio graça de abreu disse...

Pois é, um falo, uma pilinha africana(ou pilona!) para uma senhora no auge carenciado dos seus cinquenta anos. Uma pila em ébano, pau preto, ou pau ferro, made in África, para o conforto de uma portuguesa infeliz.
Conseguiste descobrir a pila e oferecê-la à D. Teresa?
O próximo capítulo vai ser de arrasar, arrasar o vale de Vénus da D. Teresa, espero.

Abraço,

António Graça de Abreu

Bispo1419 disse...

Oh Tony, muito obrigado pelo prazer que tenho tido com as tuas histórias e enredos.
Então quando falas da tua aldeia natal e das vivências dos seus habitantes ... que belos e ternurentos retratos de época tu fazes com a tua escrita! Tão meus conhecidos eles também são!
E o mesmo tem acontecido quanto aos locais da tua passagem pela Guiné e ao ambiente humano em que estiveste envolvido, quer o militar quer o civil.
Cá fico à espera de mais, agora aguardando o desenrolar da tua missão à procura do "pau" que tornou famoso e adorado o deus Priapo. E desde já adianto que a senhora pedinte poderia ter outras razões que não as que, provavelmente, certas mentes pensaram de imediato.Foi o que aconteceu comigo e, de certeza, com outro teu leitor (não foi, AGA?)

Um grande abraço, caro Tony

Manuel Joaquim

Antº Rosinha disse...

Ó Cifra, podias chamar Gabriela à tua baiana.

O Cifra faz um retrato perfeito de uma característica muito comum, da nossa emigração para os trópicos.

Se fosse hoje, já há telemóvel e TAP, a menina Tereza, ia à Baía dar um flagrante.

Boas festas