quarta-feira, 24 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11459: Questões politicamente (in)correctas (43): Meu caro Cherno Baldé, a maioria dos militares da minha companhia não era racista nem se comportava como tropa ocupante (Paulo Salgado,ex-alf mil op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)



Guiné > Região do Oio > Olossato > CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72) > O alf mil cav, op espe,  Paulo Salgado, no Olossato, prestando ajuda como voluntário ao fur mil enf Carvalho. Professor primário, ele já tinha vocação, na época, para a administração de serviços de saúde. E particular motivação e sensibilidade para as questões da cooperação e da solidariedade. Irei encontrá-lo, mais tarde, no início dos anos 80, em Lisboa, como aluno do Curso de Especialização em Administração Hospitalar, da Escola Nacional de Saúde Pública. Mas só depois da criação do blogue, é que demos conta que éramos também "camaradas da Guiné" e tínhamos uma "paixão comum por África"... Faz parte da Tabanca Grande desde fevereiro de 2006, se não erro (LG).

Foto: © Paulo Salgado (2005). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem do Paul Salgado [, transmontano de Moncorvo; administrador hospitalar reformado; consultor, especialista em gestão de serviços de saúde, cooperante na Guiné-Bissau e em Angola; ex-Alf Mil, CCAV 2721,Olossato e Nhacra, 1970/72]:


Enviado: quarta-feira, 24 de Abril de 2013 10:50
Para: Luís Graça; luigracaecamaradadaguine@gmail.com
Assunto: Racismo

Caro Luís,
Esta minha maneira de ver sobre o que o Cherno Baldé pensa peca por tardia. mas vai a tempo. Seria de analisar este assunto com mais profundidade. Ou não?

Paulo Salgado,  com uma saudação.


Caros Tertulianos,

«Aos soldados apeteciam-lhes fazer sexo e descarregar suas baterias com as nativas e mais nada, pois a mentalidade colonial de superioridade racial debaixo dos seus camuflados não lhes permitia ter outra forma de ver as coisas e de se relacionar com o nativo, "indígena" logo inferior" (Cherno Baldé dixit).

É o Cherno Baldé, "menino e moço de Fajonquito", que escreve esta frase, ou é o Dr. Cherno Baldé, homem grande e pai de família? Obrigado, amigo e irmão, pelo teu depoimento sobre a situação em Fajonquito nos últimos anos da guerra, no que diz respeito às relações entre a tropa e a população local.»  [vd.comentário ao  poste P11360]


Estão acima uma afirmação do Cherno Baldé e uma pergunta e comentário àquela, do Luís Graça.

Em primeiro lugar, devo afirmar aqui categoricamente que as palavras do Cherno Baldé encerram alguma coisa de verdade: pois não é certo que, cercados por arame farpado, muitas vezes (ou quase sempre), com população do lado dos tugas, ou não, muitos soldados e muitos graduados tinham necessidades fisiológicas que, certamente aproveitando-se da situação de "superioridade" material (que não psicológica, friso bem isto: que não psicológica), mantinham relações sexuais com algumas bajudas? E também não é verdade que a masturbação era prática corrente? Quem pode escamotear esta verdade?

Mas já discordo abertamente do Cherno Baldé quando faz a afirmação, diria gratuita, da tal "superioridade racial", de atitudes com "mentalidade colonial".

É verdade, caros tertulianos, que havia comportamentos aparentemente racistas, todavia não dos soldados em geral, repito: não dos soldados em geral. Claro que  praticavam actos que não abonavam nada; claro que quem tinha algum dinheiro no bolso, apesar da miséria do pré recebido mensalmente, abusava dessa materialidade. O que é manifestamente um ultraje à relação entre homem e mulher, se forçada – como creio que era, em muitas situações, exactamente por causa dessa materialidade.

Mas confundir estas situações vivenciadas pelos militares – que queriam ardentemente que o tempo passasse – com racismo, com atitudes colonialistas, é uma ofensa. Eu tomo-a como ofensa. Eu sei que a maioria dos militares da minha companhia não era racista (não digo todos, porque seria colocar as mãos no lume). Sinto-me ofendido pela generalização que o caro Cherno Baldé faz.

Se formos verificar a História, se a analisarmos bem, o Cherno Baldé encontrará sempre atitudes de indignidade e de ultraje em momentos de guerra. Para não ir mais longe e mais lá atrás: nas invasões francesas a Portugal, os militares franceses, roubaram e saquearam, violaram, maltrataram, mataram; e nos últimos anos, o que tem acontecido em vários países de África?

Não defendo os militares que se comportaram mal. O que não posso crer é que se diga que, enquanto militares na guerra colonial, que mataram e foram mortos, fossem racistas. Não eram. Na sua grande maioria.

Uma saudação tertuliana, caros Cherno e Luís.

Paulo Salgado
(ex-alferes, hoje com 66 anos)
_______________

Nota do editor:

Último poste da série > 7 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10632: Questões politicamente (in)correctas (42): As trocas de comissões, por dinheiro, durante as guerras coloniais (Zeca Macedo, EUA, ex-2º ten, DFE 21, Cacheu e Bolama, 1973/74)

9 comentários:

Anónimo disse...

Vem a propósito e, por isso, vou contar uma pequena história que, casualmente, acompanhei.
Um camarada nosso andava atrás de uma guineense, jovem e bonita. Ela ia-lhe dando algum troco mas só isso. Gargalhava alto e virava costas. Um dia ele manifestou-se mais afoito e parece que ela lhe deu alguns sinais animadores. Dias depois ele foi-lhe fazer uma visita e encontrou-a de cama, com febre alta, pareceu-lhe. Disse-lhe que já voltava e saiu porta fora. Eu estava no Bento com o médico que nos prestava assistência quando dei pela chegada dele e assisti ao veemente pedido do camarada para o doutor o acompanhar a casa da jovem. Metemo-nos no jeep, subimos a avenida e, por alturas do café Império, pediu que aguardassemos. Pouco tempo depois trazia embrulhado dois pães quentes com queijo e uma lata de leite com chocolate. Minutos depois estávamos no quarto da moça. O médico examinou-a, sem ter qualquer aparelho, e disse que ela devia estar com cerca de 39, e tudo levava a crer que estava com paludismo. Fomos a Brá, parou no hospital e, sem demora, regressou com medicamentos. Voltámos ao cupilom, deu-lhe uma injecção, e na presença de duas mulheres que entretanto tinham chegado deixou-lhe uma fita com comprimidos, e insistiu como os devia tomar. E que no dia seguinte voltaria lá ao fim do dia. O nosso camarada desta história ofereceu-lhe os dois pães e o leite. A garota melhorou e via-se-lhe na cara a gratidão. Jurou ele depois que nunca lhe tocaria, o que segundo tudo indica realmente cumpriu. Mais tarde ela contou-me que quando se viam ele subitamente ficava com pressa e desaparecia coma promessa de voltar. Nas vésoeras do meu regresso, a "Mariama" foi uma das pessoas de que me despedi e, naquela altura, 2 ou 3 meses depois da história, ela ainda manifestava a incompreensão pela atitude do Camarada. Sei que ficaram amigos e que meses depois do regresso, escrevia-lhe de vez em quando.
Julgo que aconteceu de tudo naqueles anos. E lá como cá, arrisco.

Rogerio Cardoso disse...

Já escrevi uma vez sobre este assunto, pois eu acho, ou por outra tenho a certeza que não existiu racismo, entre o povo português (tropa), e os naturais da Guiné. Racismo sim havia entre os naturais e o povo Caboverdiano, eu até vou contar uma pequena história.
Em Bissorã entre 1964 e 1966, existiam uma série de cipaios, entre eles um de nome Pedro, um rapaz novo, muito vivo e engraçado nas suas afirmações e brincadeiras. Um dia eu disse-lhe, que qualquer dia ainda seria o Administrador de Bissorã, ao que ele respondeu: Eu sou o posto mais alto de um guineense, e não posso ambicionar a mais porque os caboverdianos não consentem, veja lá se vê algum Guinenese em Administrador, Tesoureiro e Chefe da Fazenda Publica, Chefe de Posto, etc, sabe porquê, eles dizem que são mais evoluidos que nós e que não servimos para estes cargos. A tropa sempre ajudou os residentes tanto com alimentação, serviço de saude, medicamentos, enfim ficou provado que a solidariedade está enraizada no nosso povo. Não venham cá dizer que somos racistas porque não é verdade. Racismo é a palavra que muitos aplicam como tábua de salvação quando não têm argumentos.
Rogerio Cardoso
Cart.643-AGUIAS NEGRAS

Rogerio Cardoso disse...

Já escrevi uma vez sobre este assunto, pois eu acho, ou por outra tenho a certeza que não existiu racismo, entre o povo português (tropa), e os naturais da Guiné. Racismo sim havia entre os naturais e o povo Caboverdiano, eu até vou contar uma pequena história.
Em Bissorã entre 1964 e 1966, existiam uma série de cipaios, entre eles um de nome Pedro, um rapaz novo, muito vivo e engraçado nas suas afirmações e brincadeiras. Um dia eu disse-lhe, que qualquer dia ainda seria o Administrador de Bissorã, ao que ele respondeu: Eu sou o posto mais alto de um guineense, e não posso ambicionar a mais porque os caboverdianos não consentem, veja lá se vê algum Guinenese em Administrador, Tesoureiro e Chefe da Fazenda Publica, Chefe de Posto, etc, sabe porquê, eles dizem que são mais evoluidos que nós e que não servimos para estes cargos. A tropa sempre ajudou os residentes tanto com alimentação, serviço de saude, medicamentos, enfim ficou provado que a solidariedade está enraizada no nosso povo. Não venham cá dizer que somos racistas porque não é verdade. Racismo é a palavra que muitos aplicam como tábua de salvação quando não têm argumentos.
Rogerio Cardoso
Cart.643-AGUIAS NEGRAS

Anónimo disse...

E das práticas homo,alguém quer
dissertar?
É que as mesmas aconteciam e sempre
desmentidas pelas F.A.

Anónimo disse...

Em primeiro lugar o termo "racismo" é incorrecto pela simples razão de não existirem raças humanas.
Existe apenas a raça humana com características diferentes,nomeadamente cor da pele e tipos antropomórficos.

Aquilo que é referido como "racismo" é outra coisa..é a não aceitação do que é diferente,como cor da pele,usos e costumes,religião,língua..etc,baseando-se normalmente em estereótipos..

Pela minha experiência tanto o Cherno como o camarada P. Salgado têm razão,houve de tudo, e nesta questão como em muitas outras generalizar normalmente dá asneira.

Um dia em Cacine assisti a uma "balbúrdia" entre a população..queriam matar uma bajuda Nalú ..e qual era a razão..ora..ora.muito simples..foi apanhada no mato a dar uma "queca"..não..não foi pela dita,mas sim porque era com um Fula..oh "crime horrendo" sem perdão.. cambada de "racistas".

C.Martins

Anónimo disse...

Estou consigo,Paulo Salgado.Este blogue não posde estar com os que acham que a "Historia é mentirosa"
Abraço rijo
Amaral Bernardo

Cherno Baldé disse...

Caro amigo Paulo Salgado,

Eu li com muita atencao a tua reaccao a minha provocante frase sobre o comportamento sexual dos soldados portugueses durante a guerra na Guiné e no entanto, nao dei conta em nenhum momento que tivesses desmentido a minha afirmacao.

No meu comentario eu falei de "superioridade racial", nao sei se isto quer dizer "ser racista". E, esta aparente superioridade nao fui eu que a inventei, encontra-se, de forma explicita ou nao, em todos os textos legislativos da antiga administracao colonial e era perfeitamente normal que certos soldados fizessem uso de um estatuto que a lei lhes outorgava.

O que defendes, e nisso estamos de acordo, é que nao se deve generalizar. Pois claro, ai de nos Guineenses se os casos referidos representassem a regra e nao a excepcao.

Ha um proverbio Fula que diz que: Quando se fala dos maus, os bons sentem-se ofendidos; quando se fala dos mal comportados, os bem comportados sentem-se indignados. Foi o que aconteceu agora contigo, suponho e com muitos outros que nao quiseram expor-se abertamente no blogue.

A mim me parecia evidente que o facto de ser membro, "amigo", mesmo que off-sider, como alguém ja me chamou, de um bloque de antigos soldados portugueses que combateram na Guiné e o unico Guineense que aqui se atreve a escrever no seu esforcado pretugues, queria significar que nao penso mal dos portugueses nem considero que todos tiveram, no passado, um comportamento indigno. E, se tiverem a paciencia de revisitar os postes com textos da minha autoria, verao que tentei, no maximo, ser fiel a linha das minhas memorias de crianca que passou uma boa parte da sua vida (1968/74) metida no meio dos soldados metropolitanos.

Mas, acontece que na guerra, na tropa como na vida, nem tudo é perfeito e voces portugueses nao sao uma excepcao. Havia soldados bons, no sentido mais lato da palavra, até muito melhores que os nossos, na maioria dos casos, mas também havia um pouco de tudo, sem falarmos dos casos mais sordidos que, naturalmente, nao faltaram.

Se, de uma forma ou outra, as minhas palavras foram motivo de ofensa ou de indignacao para algumas pessoas, apresento as minhas sinceras desculpas porque nao foram intencionais. Nao obstante, nao retiro nada do que disse por corresponder, na altura, a minha percepcao pessoal e ao sentimento partilhado de toda uma comunidade a qual pertencia e que era obrigada a assistir, impavida e impotente, a muitos actos de atropelo e de abusos justificados por uma guerra que, também eles nao queriam.

Felizmente, para mim, ha portugueses e antigos combatentes como o amigo C. Martins que me compreendem e sabem que eu nao inventei nada e que sou assim mesmo, uma pessoa que pensa com a sua cabeca e fala de uma forma directa, muitas vezes, para a sua propria desgraca.

Um grande abraco ao Paulo e a todos os amigos da TG.

Cherno Baldé (Chico de Fajonquito).

PS: Importa assinalar que, como sinal dos tempos, tenho constatado, com muito agrado, que a nova geracao de portugueses e Europeus, em geral, agora tem uma postura muito diferente pois nota-se que, para além do mutuo respeito, ha alguma reciprocidade nos sentimentos.

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Este assunto, estes aspectos, acabam sempre por 'mexer' muito, e de forma significativa, com vários sentimentos provocando reacções fortes.

Mas acho útil que se 'fale' deles, até porque, neste caso, o resultado foi um conjunto de comentários bem esclarecedores, colocados de forma correcta, de nível elevado, com grande sentido de responsabilidade e que também, por eles, se fica a perceber melhor como encarar estas situações.

Uma grande ilação que imediatamente se tira é que "não se deve generalizar", o que é uma boa 'receita' para tudo, na vida, e que aqui assume particular validade.

Em resumo, achei esta situação 'tratada' com grande elevação e cordialidade, pese embora a 'força' que os intervenientes colocaram nos seus pontos de vista, que, no entanto, parecem mais 'dar razão a todos', já que a realidade é complexa e multifacetada.

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Normalmente a rejeição do que é diferente..o dito "racismo" é apenas fruto da ignorância.

Caro Cherno,discordo de ti quando dizes que agora é diferente..duvido..olha que em Portugal ainda há muito disso..só que muitos, fruto da própria ignorância, dizem..."oh preto vai para a tua terra"..esquecem-se que a grande maioria são tão europeus como qualquer branco nascido em Portugal, é que também cá nasceram e nem sequer conhecem ou foram à África.
Fazem confusão com comportamentos e formas de estar em sociedade e isso é apenas fruto do meio onde nasceram e da forma como foram educados.

C.Martins