Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.
POEMA DO DESGASTE E DO CONTRASTE
ADÃO CRUZ
Há muito que não saía à rua
há muito que não saía fora de mim
em direcção ao meu corpo abandonado
estendido em fria paleta sem cor
sobre um manto de poemas carcomidos
ruídos de musgo e manchas de bolor.
Há muito que não saía à rua
há muito que não sentia a dor
do desprezo da poesia
feita espuma de coisas impalpáveis
escaldantes, abertas e sangrantes
no sofrido labirinto da alma vazia.
Há muito que não saía à rua
há muito que não me apercebia
um só momento
do cantar bronco do poeta
em perpétuo e estúpido invento.
Há muito que não saía à rua
há muito que não dobrava a porta
deste corpo abandonado
na escuridão de uma noite peregrina
de lacrimosas horas perdidas
em poemas de cinza em cada esquina.
Há muito que não saía à rua
há muito que não sentia o abrigo dos lençóis
e pisava o chão purulento do degredo
na lama fria dos poemas e do medo
que rompiam as cadeias do meu corpo.
Há muito que não saía à rua
há muito que as linfas secaram a felicidade
mudando o cair da noite e o nascer do dia
em matéria grosseiramente física
de versos telúricos, celulósicos, iónicos
sem poesia nem liberdade.
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Nota do editor
Último poste da série de 11 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18308: Blogues da nossa blogosfera (91): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (10): "O meu gesto das coisas simples"
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