A Casa da minha aavó Maria (que data de 1976)
A casa da minha avó Maria, em ruínas (1994)
1. Mensagem do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 /CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]:
Date: sábado, 20/04/2019 à(s) 01:27
Subject: Coitado do meu primo Lino
Subject: Coitado do meu primo Lino
Quando chega Páscoa, lembro-me sempre do meu primo Lino. Coitado do meu primo Lino.
A casa da minha avó Maria ficava à borda da estrada principal. Havia pouco espaço para espalhar rosmaninho e alecrim, no chão, até à estrada, mas o sacristão sabia que a casa da minha avó Maria queria receber a Cruz do Senhor na visita da Páscoa e que lá haveria umas moedas para a côngrua do senhor padre da aldeia.
A minha avó Maria já tinha posto numa pequena salva de prata uma moeda de 25 tostões (2$50) coberta com um paninho bordado. Uma pequena importância guardada para este dia que o meu primo Lino sabia lá se encontrar e antes que o sacristão a recolhesse ele tirou-a e escondeu no bolso do blusão.
O sacristão estranhou não haver nenhuma oferenda e nem sequer moedas na salva de prata e, embora, tivesse um olhar interrogativo para minha avó, permanecemos ajoelhados de olhos cerrados..
Pouco tempo depois, já o meu primo Lino corria para a Loja do tio Pinto, pra comprar lápis de chocolate e uns rebuçados de bonecos da bola. Pagar seis tostões ($60) com uma moeda de 2$50 seria a mesma coisa que agora pagar um café com 20 €, com a diferença que o Lino teria muita dificuldade em ter uma moeda de vinte e cinco tostões para gastar em guloseimas.
O tio Pinto não lhe vendeu nada e disse-lhe que queria falar com a sua avó. O Lino voltou, a correr, a pôr a moeda no mesmo sítio de onde a tirou.
A minha avó Maria nunca percebeu por o sacristão não ter levado a moeda. E eu nunca soube se o tio Pinto chegou a falar com a minha avó.
O meu primo Lino foi paraquedista na FAP e arranjou lá um problema com pena de prisão. Fugiu para as Ilhas Canárias e alistou-se na Legião Espanhola. Já lá está há mais de 50 anos.
Coitado do meu primo Lino, nunca mais soube dele.
Valdemar Queiroz
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Nota do editor:
Último poste da série > 4 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19549: Estórias avulsas (93): Histórias do vôvô-Zé - As nossas andorinhas (José Ferreira da Silva, ex-Fur Mil Op Esp)
5 comentários:
Valdemar, roubar aos santinhos (e às criancinhas), acaba sempre em maldição. Mas também ao padre e ao diabo. Lembro-me de uma história passada na minha região, há meio século atrás. A "bruxa" lá da terra mandou, a um cliente, pôr uma nota de 20 paus na boca do diabo, derrotado e esmagado pelas botas do são Jorge. Era uma rara imagem que estava na igreja local. O sacristão viu a nota, olhou em redor, não estava ninguém, meteu a nota (, um "santo antoninho", ) ao bolso.
Dizem que no dia seguinte apareceu morto, afogado num poço...
O teu primo Lino parece também ter sido vítima de maldição... Ou são apenas os "acasos" da História ? Tu e eu, nós que não roubámos aos santos nem ao diabo, fomos parar a Contuboel e depois à guerra... Tás a ver ?
Abraço pascal... Luís Graça
O Lino e a máxima de que é de pequenino que torce o destino. Saborosa está estória Valdemar
Caros camaradas:
Boa história que acabo de ler e me fez lembrar outra, de muitas que podia contar.
Conheci um 'confrade' que andava da primária no colégio das freiras, que eram tão más que nem burro!
Por alturas da Primavera, entregavam à 'passarada miúda' uns papelinhos, para os miúdos irem pelas ruas fora a pedir esmola para 'os tuberculosos', mas ele sabia que não era para isso.
As pessoas, lá davam uns tostões, e escreviam o nome e o valor no papelinho, depois ao fim do dia juntava uns trocos, que já era muito, talvez os mesmos vinte e cinco tostões, para quem nada tem.
Esse confrade, miúdo, mais esperto que as freiras manhosas, juntava-se com uns quantos, piores que le, e ia para uma 'pastelaria' encher a mula com bolos que nunca tinha comido antes, e assim se passaram várias vezes, e não entregava nem papel nem dinheiro nenhum às malditas freiras que lhe já tinham feito a vida negra...
Esse miúdo cresceu, seguiu a sua vida, e por castigo, digo eu, até chumbou na 3ª classe, porque nunca ia à escola, porque aquelas bruxas lhe enchiam as mãos com palmatoadas, eram 12 em cada mão, no inverno, com os dedos gelados, aquilo doía mesmo, só porque não ia à missa aos domingos, e assim se passou um ano sem nada aprender, os pais parece que nem deram por isso, o Pai parece que andava sempre por fora e a mãe passava mais o tempo a cuidar do resto dos filhos e a ‘dar à língua com as vizinhas’, eles andavam noutra onda, digo eu, porque não sei.
Acho que ele ia para umas pedreiras perto da escola, jogar à bola com outros miúdos que nem sequer andavam na escola, e o entretenimento era levantar as pedras grandes, e apanhar cobras e lagartos, que ali estavam escondidas o ano todo, e matá-las à pedrada, era bárbaro o miúdo, porque até fazia o mesmo aos pardais.
Depois fez a 4ª classe e saiu da escola com 12 anos, 5 para fazer 4, e passado umas semanas já estava a trabalhar.
Nunca teve remorsos disso, a vida foi-lhe correndo bem, e lá para os seus 18-20 anos, até ia para a missa da Lapa, igreja fina só frequentada por gente da alta, e era enorme e com muitos recantos.
Na hora da esmola, era dada em cestos abertos, havia pelo menos meia dúzia de ‘ajudantes’ que andavam com a bandeja e aquilo só lá caiam notas de papel, não eram moedas…
Depois esse confrade, andava a vigiar os ‘pedintes’ para a igreja, e esses ajudantes, ao virar nas muitas esquinas dentro da igreja, metiam a mão no cesto, e pegavam numa molhada de notas e metiam aos bolsos, eles lá pensaram, e bem, que não era preciso tanto dinheiro para a Igreja, tão rica que era. Isto é seguro o que estou a contar, não tenho a mínima dúvida. Aliás havia outras testemunhas, que todos os Domingos de manhã lá estava na Lapa e ver aquele saque à descarada.
Por isso o tal confrade até ficou melhor da sua consciência, e sempre contou os seus feitos com grande alarido, até porque em comparação aquilo não era nada, dar uns dinheiros para as freiras que eram para os tuberculosos.
Diz ele, que se não enchesse a pança com tantos bolos, quem ficava tuberculoso era ele.
Acabou com os costados na Guiné, não por maldade de Deus, mas porque era preciso salvar a Pátria.
Este tipo nunca teve juízo na cabeça, mas casou, formou-se em qualquer coisa, fez uma carreira profissional quase perfeita, mas não ‘acumulou’ riqueza, porque não seguiu os seus passos do passado, e agora vive o dia a dia com alguma serenidade, se é que se pode ter, depois de dois anos na guerra.
Esse meu ‘compadre’ tem o nome de código «VT – Virgilio Teixeira», não o actor de cinema, que já morreu.
Agora quem quiser, pode malhar em cima dele, ainda aguenta, mas não muito.
De Vila do Conde, Em 2019-04-23
Virgilio Teixeira
Luís, é bem verdade.
O meu primo Lino passou as passas do algarve. Teve grandes problemas durante a sua meninice e adolescência.
Do pouco que tenho sabido dele, sei que se fixou nas Canárias e casou com uma canarinha, tem três ou quatro filhos e um negócio de quinquilharias.
Atenção que a casa da minha avó Maria era mesmo de 1796, assim estava gravado na ombreira da porta de cima.
Abraço e boa permanência no regulado de Candoz.
Valdemar Queiroz
p.s. Parece ser erradamente afirmado que o nome das Ilhas Canárias deve-se à existência de milhares desses passarinhos ou de gente de pele e cabelos claros, mas dizem que o correcto é ser 'ilhas dos cães' que foi o que lá encontraram os primeiros povoadores berberes.
A casa da avó Maria é de 1976 (como está escrito na foto) ou de 1796?
Parece ser esta a data correcta, números invertidos.
(invertidos eram aqueles que no meu tempo de muito criança, se chamavam aos meninos que tinham outras tendências sexuais. - É só para constar no dicionário da Tabanca).
Ab, Virgilio
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