sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20396: (D)o outro lado do combate (53): Quando um comando das FARP, da Frente Nhacra / Morés, destruiu, em 6 de maio de 1972, o centro emissor regional de Nhacra...(Comunicado do PAIGC, em francês, assinado por Amílcar Cabral)... Afinal, a propaganda era uma arma, tão ou mais eficaz que as minas A/C, a Kalash, a "costureirinha", o morteiro 120 ou o RPG 7... Nesse aspeto, a "Maria Turra" ganhava ao "Pifas"...



Fotografia de Amílcar Cabral (1924-1973). Fonte:  "O Nosso Livro - 2ª Classe", manual escolar do PAIGC. O livro foi "elaborado e editado pelos Serviços de Instrução do PAIGC - Regiões Libertadas da Guiné" (sic). Tem o seguinte copyright: 1970 PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Sede: Bissau (sic)... A primeira edição teve uma tiragem de 25 mil exemplares (!). Foi, além disso, impresso em Uppsala, Suécia, em 1970, por Tofters/Wretmans Boktryckeri AB.

Citação:
(1972), "Comunicado do PAIGC sobre o ataque das FARP à estação emissora portuguesa de Nhacra", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_42407 (2019-11-28)



1. Comunicado do PAIGC,  em francês, com data de 11 de maio de 1972, assinado pot Amílcar Cabral, Secretário Geral, dizendo o seguinte [Tradução: LG]:


"Pondo em prática uma decisão tomada recentemente pelo Conselho de Guerra do nosso Partido, uam unidade de comandos das Forças Armadas regulares da Frente Nhacra-Morés, atacou com sucesso, na noite de 6 de maio [de 1972], a nova estação emissora de 100 KW (ondas média e curta), instalada pelos colonialistas portugueses em Nhacra, a 25 km da capital, Bissau. A maior parte das instalações ficaram destruídas, não tendo os nossos combatentes sofrido nenhuma baixa.

Lembramos que esta potente estação emissora, oferta às autoridades coloniais do nosso país pelos colonos de Angola, estava em funcionamento deste janeiro último, tendo sido  e acabava de ser inaugurada pelo ministro português Silva e Cunha  na mesma altura em que a Missão Especial das Nações Unidas se encontrava de visita às regiões libertadas do Sul do nosso país". 

Fonte: Casa Comum (com a devida vénia...)
Pasta: 07197.160.011
Título: Comunicado do PAIGC sobre o ataque das FARP à estação emissora portuguesa de Nhacra
Assunto: Comunicado do PAIGC sobre o sucesso do ataque de uma unidade de comandos das FARP (Frente Nhacra-Morés) à estação emissora portuguesa de Nhacra.
Comunicado assinado por Amílcar Cabral.
Data: Quinta, 11 de Maio de 1972
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Documentos.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos


2. O PFA - Programa das Forças Armadas (, popularmente conhecido por PIFAS)  era emitido a partir de Nhacra, a 25/30 Km de Bissau, onde se situava o emissor regional da Guiné, que integrava a rede da Emissora Nacional de Radiodifusão (*).

Recorde-se que em 1969, no governo do Marcelo Caetano, e sendo ministro do Ultramar, Silva Cunha, foi integrada, na Emissora Nacional de Radiodifusão, a até então chamada Emissora Oficial da Guiné Portuguesa, pelo Decreto-Lei nº 49084, de 16 de junho de 1969.

Segundo o art. 1º daquele diploma legal, "é autorizada a Emissora Nacional de Radiodifusão a instalar um emissor regional na província da Guiné" (art. 1º). Por outro lado, passava a competir " à Emissora Nacional de Radiodifusão, através do Emissor Regional da Guiné, assegurar todo o serviço de radiodifusão indispensável à satisfação das necessidades da província e à salvaguarda e defesa dos interesses nacionais, substituindo, em matéria de radiodifusão, a actividade até agora exercida pela Emissora Oficial da Guiné Portuguesa, anteriormente designada por Emissora Provincial da Guiné Portuguesa" (art. 2º).

Em Abril de 1972, aquando da visita do ministro do Ultramar, Silva Cunha, foi inaugurado o novo centro emissor de Nhacra, capaz de fazer frente às "potentes emissoras de Dakar e Conakry, onde a propaganda do PAIGC ocupa lugar proeminente - em tempo de emissão" (...).


3. Nesse ano de 72, e segundo informação do nosso camarada Eduardo Campos (, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74), Nhacra e o centro emissor terão sido flagelados duas vezes: 

"(...) Fomos informados que Nhacra e o Centro Emissor foram flagelados pelo IN duas vezes: a primeira ao tempo da CCAÇ 3326, em Maio de 1972, por um grupo equipado com armas automáticas e RPG-2 e 7, e a segunda em Agosto de 1972, utilizando também um canhão s/r. Em ambos os casos sem qualquer consequência material ou pessoal para as NT". (**)

Em 21 de janeiro de 1974, um ano e meio depois das flagelações acima referidas, um grupo de jornalistas de jornais diários de Lisboa (Diário de Lisboa, Diário de Notícias, Agência Lusitânia) e repórteres da RTP visitam, de noite,  o centro emissor de Nhacra, em Bissau... 

O vídeo (5' 29'') pode ser visto aqui, no sítio RTP Arquivos: sem som, é mudo, acrescente-se (e para licenciar o conteúdo, o Arquivo da RTP exige-me 15 euros...). A peça passou no "noticiário nacional" da televisão pública, em janeiro de 1974. Estranha-se que a visita  tenha sido feita à noite: em todo caso, o equipamento técnico parece estar em bom estado. Não sabemos se, depois das duas flagelações ao centro emissor em 1972,  houve mais alguma até ao final da guerra.

Não havendo fontes independentes, não podemos confirmar a existência de eventuais estragos no centro emissor de Nhacra, provocado pela flagelação do alegado comando das FARP da frente Nhacra-Morés, em 6 de maio de 1972. 

Em todo o caso, o comunicado do PAIGC afirma categoricamente que "a maior parte das instalações ficaram destruídas",  o que era, sabemo-lo hoje, uma mentira descarada.  Quem ia passear a Nhacra, e quem estava em Bissau, ou até no interior do territória e ouvia o PIFAS,  sabia que o centro emissor não fora afetado. 

Amílcar Cabral não costumava validar os "relatórios" da atividade da guerrilha, que lhe mandavam do interior para Conacri. Nem tinha meios para o fazer. Nem estava interessado em fazê-lo. Por seu turno, os comissários políticos e os comandantes da guerrilha, no interior, todos queriam "mostrar serviço"... A propaganda era um arma, tão ou mais eficaz que as minas A/C, a Kalash,  a "costureirinha", o morteiro 120 ou o RPG 7... E nesse aspeto, em matéria de propaganda, Amílcar Cabral e a "Maria Turra" (Rádio Libertação) ganhavam, de longe, ao Spínola, à Emissora Nacional e ao PIFAS. (**)...Todos mentíamos, mas o PAIGC mentia mais descaradamente...

_______________

(**) Vd. poste de 30 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 – P5729: Histórias do Eduardo Campos (7): CCAÇ 4540, 1972/74 - Somos um caso sério (Parte 7): Nhacra 2

(***) Último poste da série > 25 de julho de  2019 > Guiné 61/74 - 20010: (D)o outro lado do combate (52): O T-6G FAP 1694 e o cap pilav João Rebelo Valente, desaparecido em 14/10/1963, na região do Óio- Morés (Jorge Araújo)

4 comentários:

Valdemar Silva disse...

Realmente, não se percebe a razão de tão importante visita ter sido feita à noite e por isso não vemos o exterior das instalações da Emissora.
É um facto que com a transmissão pela TV, do exterior da Emissora, poderia ser uma importante informação ao IN para prováveis ataques.

Valdemar Queiroz

p.s. Quantas milhares de fotografias foram tiradas apresentando as mais variadas instalações dos nossos Aquartelamentos, que depois eram enviadas para a família e julgo que nunca houve censura ou 'não pode mostrar', ou apreendidas.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Bem visto, Valdemar, a visita foi à noite, não não para conforto e segurança dos visitantes (jornalistas de Lisboa e repórteres da RTP...) mas para não dar informações ao IN sobre o aspeto exterior do edifício, uma vez que o centro emissor de Nhacra já tinha sido flagelado antes, pelo menos em maio e agosto de 1972...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

... Quanto ao raio do vídeo ser "mudo" e ainda por cima o Arquivo da RTP me pedir 15 euros para "licenciar o conteúdo", essa não alcanço...

Será que a reportagem passou também sem som, no noticiário nacional de janeiro de 1974 ? O Pedro Alvim era o jornalista do "Diário de Lisboa" que integrava esta visita...

Infelizmente os "Diários de Lisboa" desse mês, janeiro de 1974, faltam na coleção de Ruella Ramos, disponível "on line", no portal Casa Comum, da Fundação Mário Soares.

De qualquer modo, podemos sempre especular porque é que uma reportagem da RTP na Guiné, em tempo de guerra, foi feita à noite e ainda por cima sem som... Estava em conformidade com o Portugal da época, a preto e branco, e onde vigorava a "lei da rolha"... A RTP era a "voz do dono"...

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

O emissor de Nhacra chegou a estar defendido por peças AA 4 cm que podiam fazer fogo terrestre com ângulos de projecção de 0º ou ligeiramente menos.
Não tenho ideia de que "sido destruído", mesmo com ordens do Amílcar. Às vezes os rapazes do PAIGC tinham uma boa imaginação...
Sei que foi flagelado, creio que por duas vezes, mas sem consequências.

Um Ab.
António J. P. Costa
PS: Por mi preferia o PIFAS. Sempre dava música e, às vezes bastante boa.
Creio que a Maria Turra não tinha grande efeito e nem sei a quem é que se destinava. Se era para "eles", aceito; se era para os "colonialistas, salazaristas e lacaios do imperialismo" nunca dei que tivesse efeito. Concordo que a propaganda ou é bem feita ou torna-se ridícula.