segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20382: In Memoriam (356): Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019): elegia fúnebre para um amigo e camarada: quando morre um de nós, também morremos todos um pouco (Luís Graça)



Eduardo Jorge Ferreira  (1952-2019)


Elegia fúnebre para um amigo e camarada:
quando morre um de nós,
também morremos todos um pouco



Querido Eduardo:


Hoje, em pleno Outono,
O barqueiro de Caronte
Levou-te para a outra margem
Desse rio que nos separa.


É sempre triste a despedida,
A separação,
Pior ainda quando não anunciada.
Mas um dia,
De um qualquer dia das Quatro Estações,
Todos tomaremos lugar
Nesse barco do barqueiro de Caronte.


Alguns dirão: é o fim, é o nada.
Mas, não, mesmo para quem não é crente,
Não é uma miragem,
Do lado de cá,
Continuaremos a ver-te
Com o teu sorriso luminoso,
Com a tua voz de comando,
Com a tua presença tranquila.
Os que te conheceram,
E tiveram o privilégio de lidar contigo,
A começar pela mulher da tua vida, a São,
E os teus filhos, João e Rui,
E os teus netos,
Para quem foste sempre um pai e um avô carinhoso,
  

A São, em Monte Real,
no XIV Encontro Nacional
da Tabanca Grande.
em 25 de maio de 2019.
Foto: Luís Graça (2019)

E aqui deixa-me destacar a tua São,
Discreta, mas magnânima,
Aparentando a fortaleza do rochedo,
A tua São, 
Que passou ontem o teu velório
A afagar o teu rosto, já roxo e frio,
E cujo amor e coragem
São uma referência para todos nós,
Seus amigos.



Se há um lugar, para os humanos,
No condomínio de luxo dos deuses,
Lá no Olimpo,
Ela já ganhou esse direito,
Quando também chegar a hora
Da sua partida no barco de Caronte,
Para ir ter contigo.


Haveremos então, todos juntos,
De reatar as conversas e convívios,
Que a tua morte, súbita,  interrompeu.
Não fiques triste, amigo,
Por ires à frente de todos nós.
A tua vida iluminou-nos
E a tua nobreza nesta terra da alegria
Engrandeceu-nos,
A todos nós,
Teus amigos e camaradas.
Temos muito orgulho em ti.


E, no entanto,
Quantos projetos não ficaram
Por concretizar, Eduardo!
E se tu tinhas ganas de viver,
De vivê-los,
Com os teus filhos e netos,
E com a tua São, que se ia reformar.
E, claro, com os teus amigos
Da Associação Memória da Batalha do Vimeiro!

Guardaremos connosco
As melhores recordações,
Do melhor de ti,
Tu que foste um dos melhores de todos nós,
Um homem inteligente
E bom
E generoso
E amigo do seu amigo,
Com um coração tão grande
Que não cabia no teu peito!
 

Quem fica do lado de cá,
Separado por um rio intransponível,
Fica sempre desolado
Pela perda irreparável
Que é a morte,
A tua morte,
A qual é também a nossa futura morte.


Quem fica do lado de cá,
Como nós,
Fica a dizer-te adeus,
Numa despedida
Que é sempre breve, porém dolorosa,
Tingida já da doce e triste saudade,
Que dizem ser tão típica dos portugueses.


Os teus amigos do seminário, da tropa, da guerra, 
Das nossas nossas tabancas e tertúlias, 
De Porto Dinheiro, de Ribamar, do Vimeiro, 
Da Lourinhã, de Almeida, de Lisboa, de Nova Iorque…
Enfim, de todos os lugares do mundo
Onde foste feliz e/ou onde tinhas amigos…
Ficam no planeta azul a dizer-te adeus,
Convencidos que partiste apenas
Para outro planeta de outra galáxia.


Leva contigo estas últimas palavras
Dos teus amigos,
Que elas te ajudem a atravessar o Caronte,
A fazer boa viagem.
E vela por todos nós.


De regresso a casa,
Vamos ajudar a tua São 
E os teus demais entes queridos
A suportar um pouco melhor
A tua partida,
A dulcificar as lágrimas de sal,
A fazer o luto,
A construir a ponte sobre o Rio de Caronte.
É por isso que aqui estamos,
É para isso que servem os amigos,
Os muitos que fizeste em vida.
Até um dia destes, Eduardo,
Um abraço, um alfabravo,
Um chicoração apertado.


Luís Graça, Alice & demais amigos e camaradas 
aqui presentes, na tua despedida, na igreja do Vimeiro.

Lourinhã, Vimeiro, 25 de Novembro de 2019, 14h00

____________

Nota do editor:

Postes anteriores:

5 comentários:

Anónimo disse...

Junto-me a este eloquente poema de despedida de um camarada da Guiné, que não conheci.

A tristeza invade todos, e em especial para quem parte tão cedo, quando ainda há tanto para percorrer, mas ninguém pode fazer nada, quanto à data marcada por alguém mais divino, que o simples ser humano.

Um Adeus e até sempre ao Eduardo Jorge Ferreira,

As minhas condolências à familia, em particular a esposa,

Virgilio Teixeira





Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Eduardo tinha uma paixão de Montejunto, talvez dos tempos, não sei, da Força Aérea... Não sei se ele chegou a passar por cá, já que ele esteve 6 seis como voluntário na FAP, enter 1971 e 1977...Veja-se a história da sua ligação à serra de Montejunto que, vista de Ribamar ou da Lourinhã, parece ser azul...

Um dia ele desafiu-me, a mim e outros camaradas, a ir à aldeia do Pereiro, nas faldas da serra de Montejunto, à festa do "cantar e pintar os reis"...

6 DE JANEIRO DE 2017
Guiné 61/74 - P16925: Manuscrito(s) (Luís Graça) (108): Com o Eduardo Jorge Ferreira, o Jaime Bonifácio Marques da Silva e outros amigos da Tabanca do Oeste, cantando as janeiras em Pereiro, nas fraldas da serra de Montejunto



Lembro-me de ter feito ocasião os seguintes versos, que são um homenagem ao Eduardo:


Que importa a noite fria de janeiro,
Se o desafio é ir a Montejunto,
Os Reis cantar na aldeia de Pereiro
E a amizade celebrar em conjunto?!

E a amizade celebrar em conjunto,
Homens e mulheres, velhos e moços,
E, se não houver salpicão nem presunto,
Come-se o chouriço, as pevides e os tremoços.

Come-se o chouriço, as pevides e os tremoços,
Que o Eduardo Jorge é o nosso guia,
Em voltando da Guiné com todos os ossos,
Prometeu que a Pereiro voltaria.

Prometeu que a Pereiro voltaria.
Lá nas faldas daquela bela serra,
As janeiras cantar com alegria,
Com mais alguns camaradas de guerra.

Com mais alguns camaradas de guerra,
Qual frio, qual carapuça, qual nevoeiro,
Viemos de longe cantar os reis nesta terra,
Que Portugal hoje chama-se Pereiro.

Que Portugal hoje chama-se Pereiro,
E tem da brisa atlântica um cheirinho,
Pode não haver, como no Norte, o fumeiro,
Mas há o branco, o tinto e o abafadinho.

Pereiro, Vilar, Cadaval, 5-6 de janeiro de 2016

Hélder Sousa disse...

Caros amigos

Já é por demais referido que a morte é a consequência da Vida. Temos consciência disso, é verdade mas também é verdade que nunca se está verdadeiramente "preparado" para a separação física.

Conheci o Eduardo dos post aqui colocados e tive a oportunidade de falarmos, ainda que brevemente, em Monte Real.

Esta homenagem que o Luís Graça lhe faz é, sem dúvida, não só justa como também um forma de prolongar mais um pouco a sua memória.

Abraço

Hélder Sousa

Jorge Pinto disse...

Hoje foi um dia muito triste. Fui ao funeral do Eduardo Jorge, meu amigo e colega de longa data. Durante a cerimónia religiosa foram proferidas palavras que me fizeram reviver muitos momentos… mas a recordação que mais me assaltava à memória relacionava-se com BISSAU: Quando, eu todo mordido pelos mosquitos e suado até ao tutano, chegava de Fulacunda na Dornier do nosso saudoso comandante Pombo e o Eduardo Jorge, ainda no aeroporto Bissalanca pegava em mim e me levava para os seus aposentos na Base aérea. Ligava o ar condicionado e dizia "pá, agora, já te podes coçar à vontade e tomar banho, porque aqui a guerra é outra"...Depois, passado uma hora pegava na motoreta e levava-me até NHACRA, comer umas ostras… Era assim o Eduardo Jorge, generoso, ativo, pensando sempre no BEM dos outros. Hoje é um dia muito triste…

Luís Dias disse...

Deixo aqui a minha singela homenagem à partida de um camarada. Porque sou crente, acredito que Deus dará à sua alma o eterno descanso.Nesta hora de dor envio os meus sentidos pêsames à sua esposa, filhos, restante família, bem como aos que com ele partilharam a vida e estão a sentir a perda de um companheiro.
Abraço para todos os camaradas e amigos da nossa Tabanca Grande.
Luís Dias