1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Janeiro de 2019:
Queridos amigos,
O historiador René Pélissier procede a uma comparação de duas colonizações ibéricas, face às resistências armadas em duas ilhas da Oceânia: Timor para os portugueses, Ponape para os espanhóis, contextualiza os dois impérios na curva descendente, a tentativa expansionista da Espanha nas Filipinas e a atitude portuguesa, de manutenção defensiva, Lisboa não podia ir mais longe, o foco vital, naquela altura, era a África e a situação financeira mantinha-se caótica. O historiador desvela o modo distinto como procederam os colonizadores espanhóis e portugueses, evidentemente a Espanha veio a perder as Filipinas, Guan e as Antilhas espanholas, o Timor português permaneceu incólume, a atitude da repressão portuguesa foi suficientemente brutal a ponto dos poderes gentílicos terem ficado definitivamente erodidos.
Uma obra para ler cuidadosamente, dá para entender esta faceta tão cara ao colonialismo português: as alianças gentílicas contra o insurreto, transformado em inimigo do colonizador e dos outros régulos.
Um abraço do
Mário
A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (4)
Beja Santos
René Pélissier |
O governo português vivia num período singularmente crítico, tinha-se perdido o Brasil e a quase totalidade do seu primeiro império, o Oriental (salvo os entrepostos da Índia, Macau e uns pequenos retalhos na Insulíndia), apostava-se decididamente em África, ainda houve o sonho de criar um território homogéneo de Angola a Moçambique, mas a Grã-Bretanha lançou o Ultimato, encurtou-se o sonho para Angola e Moçambique. Os espanhóis sentiam-se inquietos com a presença britânica e alemã na vizinhança, houve mesmo um contencioso com Berlim, quando esta anunciou a posse das Carolinas, Madrid reagiu e mandou ocupar, assim se criou Ponape. Observa o autor: “Sem o saber, o governador das Carolinas Orientais tinha acabado de desembarcar num vespeiro a 3800 km de Manila, ou seja, a 15 dias de distância por navio-correio a vapor. A distância até à capital das Filipinas é quase igual à que separa Timor de Macau: aproximadamente 3600 km”.
1887 foi um ano sangrento para os governadores espanhol e português. A 3 de março de 1887, o governador de Timor foi morto pelos seus auxiliares, em Dili; a 4 de julho do mesmo ano o governador espanhol das Carolinas Orientais foi abatido pelos seus novos colonizados. Recorde-se a existência de diferenças nos dois processos coloniais. Em Ponape, a colónia era de fresca data, havia a ingerência de estrangeiros, desde os baleeiros aos comerciantes, contenda entre capuchinhos e missionários metodistas, era um poder colonial frágil que obrigou à mobilização de efetivos para um regresso em força. O novo governador de Timor, o Capitão-de-Fragata Rafael Jácome Lopes de Andrade possuía apenas um vapor em mau estado, duas companhias de soldados africanos, alguns soldados europeus e maratas (de Goa), num efetivo total provável de 250 homens. Empreendeu uma pequena campanha vitoriosa na Costa Norte e tomou medidas promissoras de apaziguamento, perdoou a vários régulos insubmissos. Em Ponape, andava-se a ferro e fogo, os governadores de Timor envolveram-se em companhas, agregaram auxiliares indígenas, intimidaram, incendiaram, usaram os métodos mais radicais. Em Lisboa, numa década de desespero financeiro, em que se chegou a pensar em confiar Timor a uma companhia majestática segundo o modelo moçambicano, seguia-se com admiração o que os governadores obtinham, a preços low cost.
René Pélissier desvela dois modelos militares e coloniais antagónicos, em Ponape uma política colonial amorfa ou inibida, em Timor um modelo de conquista impiedoso. E fala de José Celestino da Silva, um coronel de Cavalaria, como o grande obreiro desse processo de pacificação, um governador que se tornaria “rei de Timor”, uma invejável longevidade de governação, queria ser obedecido por todos, obrigar a população a produzir café, e foi bem-sucedido. O autor dá-nos um relato desenvolvido das campanhas, uma sequência de sucesso até se chegar ao maior desastre dos portugueses, o aniquilamento da coluna do Capitão Câmara, em 1895, o autor observa que foi o maior desastre dos portugueses na Oceânia e provavelmente de todos os exércitos coloniais do Pacífico Sul antes da II Guerra Mundial: 5 oficiais e 4 sargentos decapitados, juntamento com 19 soldados brancos, indianos ou africanos, uma boa centena de moradores e um número desconhecido de auxiliares deixaram igualmente os crânios no terreno, perderam-se espingardas, três canhões, um obus e muito mais. Celestino da Silvo recompôs-se e limpou a honra, foi implacável na punição. No ano seguinte obteve-se autonomia administrativa, Lisboa decretou que Timor passaria a ser um distrito autónomo separado de Macau, embora Macau continuasse a pagar um forte subsídio a Dili, o défice orçamental timorense era catastrófico.
A Espanha envolveu-se em mais guerras, os EUA deram-lhe o golpe de misericórdia, em dado momento, Madrid vendeu o que restava dos seus arquipélagos na Oceânia aos alemães por 25 milhões de pesetas, perdera as Filipinas, Guan e as Antilhas espanholas. O novo colonizador de Ponape revelou-se tão brutal como os portugueses em Timor. No somatório destas insurreições juguladas, tanto em Ponape como em Timor, os chefes gentílicos saíram diminuídos, o sistema quase feudal das duas ilhas não voltaria a erguer-se. O método de alianças e a brutalidade na repressão foram ingredientes da colonização portuguesa, os timorenses acataram a soberania e a bandeira, ficarão do lado português quando os japoneses ocuparem Timor, em fevereiro de 1942.
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Nota do editor
Último poste da série de 20 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20366: Historiografia da presença portuguesa em África (187): A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (3): "Racismos, Das Cruzadas ao Seculo XX", por Francisco Bethencourt (Mário Beja Santos)
5 comentários:
Aqui o nosso Beja Santos, confunde-nos m pouco com o título deste post, pois que não será a eterna polémica do racismo mas antes a eterna polémica da pacificação dos indígenas.
Tal como na Guiné o Teixeira Pinto e o Spínola, africanaram a guerra, também na oceania vemos comandos africanos na ajuda à pacificação.
O governador José Celestino da Silva introduziu o café em Timor.
Na região de Ermera, região de produção de café, existe uma estátua dele, que os timorenses desmontaram e guardaram no mato quando da invasão da Indonésia.
Quando os japoneses retiraram de Timor os timorenses recolocaram espontâneamente o governador português que tinha sido preso.
Os timorenses durante a "guerra colonial" não hostilizaram o poder colonial e como seria fácil,apesar de ser uma ilha,devido às condições do terreno que é muito montanhoso.
Têm muita estima por Portugal e pelos portugueses.
Porque será ?
Ninguém me disse, eu vi e senti em 2000.
Em 1998 quando da guerra civil na Guiné e ao entrar em Pirada acompanhado por um senegalês,este teve o seguinte desabafo de espanto comigo, ao ver o acolhimento da população; "não percebo vocês portugueses estiveram em guerra com os guineenses e recebem-vos assim !! nós senegaleses nunca estivemos em guerra com os franceses mas "detestâmo-los"
AB
C.Martins
Agora a propósito de Timor, na sua cruzada para distorcer a História e dar destaque apenas ao que de negativo o colonialismo português teve,(porque será?) valha-nos a sabedoria do Mário Beja Santos que tanto gosta do historiador francês René Pélissier, que agora cita e que explica tudo:
Diz René Pélissier:
"Para a história colonial portuguesa basta consultar os autores de língua inglesa. Há séculos que a maior parte a denuncia como negreira, arcaica, brutal e incapaz: a quinta essência do ultracolonialismo sob os trópicos".
René Pélissier, em entrevista a Lena Figueiredo, publicada no jornal Diário de Notícias, Artes, de 02.04.2007.
Abraço,
António Graça de Abreu
Sabes C.Martins, segundo o Pelissier e muita gente de há 40 anos a esta parte, os portugueses andámos 500 anos a "apanhar moscas com vinagre".
Como podemos ser tão burros durante tantos anos?
Claro que ao fim de 500 anos as pessoas descobriram que eramos mesmo tão maus, vinagre vejam lá, que os macaenses queixaram-se ao chineses, os goeses queixaram-se ao Neru, os timorenses queixaram-se aos indonésios, os guineenses queixaram-se ao Sekou Toure e aos cubanos...e assim por diante, e lá regressámos todos a penates.
Fala-se que seriamos uns 800 mil os retornadosm que andavamos por lá a tratar mal tanta gente, e fomos obrigados a deixar aquela gente descansada.
Tenho que admitir que, ao citar-se Pelissier quanto ao “arcaico,brutal e incapaz “,quase me senti transportado(involuntariamente,involuntariamente) desde as Áfricas mais negras aos (quase brancos )latifundiários alentejanos dos saudosos tempos da ditadura salazarista.
Serão as explicações do escritor,e não menos “interpretações “,o suficiente para compreender o que se passou...depois?
Porque quanto às “Reformas sucedentes” tanto nas Áfricas como nas planuras.......
Abraço do J.Belo
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