quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Guiné 671/74 - P21314: Notas de leitura (1302): entrevista de José Matos ao "Diário de Aveiro", de 1 do corrente, sobre o seu último livro “O Estado Novo e a África do Sul na Defesa da Guiné - Nos meandros da guerra"



José Matos, foto do autor

"Guiné. Após anos de investigação, José Matos 'entra' nos bastidores da guerra colonial e revela a aliança secreta entre o Governo português e o sul-africano. Uma obra escrita com o Coronel Luís Barroso.

 

Entrevista  de Sandra Simões a José Matos. Diário de Aveiro, terça-feira, 1 de setembro de 2020, pág. 3


“O Estado Novo e a África do Sul na Defesa da Guiné - Nos meandros da guerra”, da autoria Cde José Matos e do Coronel de Infantaria Luís Barroso, acaba de ser lançado pela  Caleidoscópio e promete pôr a descoberto muito dos bastidores da guerra colonial na Guiné, com os últimos anos a serem marcados por uma aliança secreta que o Governo português terá estabelecido com os regimes brancos da África do Sul e da Rodésia. O objectivo desta ligação seria combater os movimentos de guerrilha em Angola e  Moçambique.

“Com recursos financeiros muito limitados, Portugal não hesitou em pedir ajuda à África do Sul, que, em 1974, nos concedeu um avultado empréstimo para financiar a guerra nas grandes colónias austrais e, sobretudo, para evitar o colapso militar na Guiné, onde uma derrota militar se afigurava cada vez mais provável perante uma guerrilha fortemente armada”, avançam os autores, determinados a traçar os meandros desta estratégia, em que consistia e em que contexto ocorreu.

Sobejamente conhecido pela sua actividade de astrónomo ligado ao FISUA [ Associação de Física da Universidade de Aveiro], José Matos admitiu ao Diário de Aveiro que há mais de uma década que investiga sobre a guerra colonialn e sobre o uso do poder aéreo na guerra, tendo vindo a publicar artigos sobre o tema em revistas nacionais e estrangeiras, mas nunca com esta profundidade e em formato de livro. E o que leva um apaixonado pelos astros a interessar-se pela guerra colonial?  Uma longa e intensa história, com muita documentação, mas nem sempre acessível!

Uma guerra de 13 anos

“A guerra em África durou mais de uma década e foi produzida muita documentação militar que pode ser consultada e permite reconstruir a guerra. Depois, há muita gente que passou por África e escreveu memórias desse tempo ou pode testemunhar a sua experiência. Portanto, todas estas fontes de informação são motivadoras para quem gosta de investigar”, sem esquecer que “todos temos um familiar que esteve lá, uma guerra que mobilizou cerca de um milhão de homens ao longo de 13 anos”, testemunhou o autor, considerando este um “acontecimento marcante na história de Portugal, que merece ser investigado e lembrado”.

Mas não foi um processo de escrita fácil, até porque encontraram entraves no acesso a documentação: “Lembro-me que quando comecei a fazer investigação nestes temas, em 2008, no Arquivo da Defesa Nacional, em Paço de Arcos, muita documentação ainda estava classificada mas nunca tive problemas de acesso. Contudo, nem todos os arquivos são assim”, referindo-se ao Arquivo da Presidência da República e ao do Conselho Superior de Defesa Nacional. “Foi lá que descobri a existência de documentação referente à guerra que nunca tinha sido desclassificada”: actas do Conselho Superior de Defesa Nacional, anteriores ao 25 de Abril (de 1968 a 1974), inacessíveis ao público. A época em que Marcello Caetano esteve no poder.

“O Conselho Superior era um órgão de aconselhamento de Marcello Caetano, onde tinham assento ministros e chefias militares. Era um local de alta discussão política que convinha consultar”. Quando, em 2013, tentou ver os relatos dessas reuniões, “foi-me recusado o acesso, alegando que era material classificado”, e só depois de duas queixas na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos é que foi dado acesso às actas. “Posso assim dizer que foi graças a este livro que esses documentos ficaram finalmente acessíveis ao público”.

Os autores da obra pretendem “trazer algo de novo e clarificar como o Antigo Regime ia usar o dinheiro emprestado pelos sul- africanos, em 1974, para financiar a guerra”, clarificando a relação entre Lisboa e Pretória, que poucos conhecem, e qual o destino do empréstimo, e defendem “a teoria de que o regime não tinha outra solução senão continuar a guerra, pois o dinheiro sul-africano era para comprar equipamento militar, o que para nós é um sinal claro que a intenção era manter a guerra. Se não fosse o 25 de Abril, a guerra continuava”.

José Matos e Luís Barroso acreditam na inevitabilidade do 25 de Abril, e justificam: “Porque os militares perceberam que era preciso mudar o regime para acabar a guerra em África. Marcello Caetano sempre se recusou a negociar com os movimentos africanos nacionalistas, e quando assume esta posição está a dizer que a guerra é para continuar indefinidamente. Ora, os militares perceberam isto e acharam que já tinham dado demasiado tempo ao regime para encontrar uma solução política para a guerra”, considerando que fazer a descolonização e dar a independência às colónias “era a única solução possível”.

Quanto a futuras publicações, José Matos avança que sai em Novembro um livro sobre os 50 anos da Operação Mar Verde, uma operação militar portuguesa, em 1970, contra a Guiné-Conakry para realizar um golpe de Estado, e ainda este ano conta lançar uma obra sobre a guerra de fronteira em Angola, a publicar na Helion (uma editora inglesa especializada em livros militares). Para 2021, está previsto um livro sobre a guerra na Guiné.

[Com a devida vénia ao autor e editor... Revisão / fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG]

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6 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Um astrofísico que se interessa pela investigação sobre a guerra colonial, e em especial pela guerra que se travou no TO da Guiné... só porque o pai lá esteve!... Acho bonito!...

E, afinal, Zé Matos, ainda há tanta coisa para estudar e conhecer!... E que estranhas revelações: um regime, o do Estado Novo, que se dizia "pluricontinental e plurirracial", aliando-se, por estrita necesidade de sobrevivência, com o país do apartheid...É como um filho de Deus vender a alma ao Diabo...

Jose Matos disse...

Olá Luís

Pois é, só que os sul-africanos tinham dinheiro para nos emprestar, ou seja, tinham outras posses... a malta em Angola chamavam-lhe "os primos" e era mesmo isso eram os nossos primos ricos e, por isso, a gente gostava deles..

Ab

Manuel Bernardo - Oficial reformado disse...

Apenas para esclarecer os autores, recordo que a designação quando lá andávamos, era "Guerra do Ultramar"; depois do 25 de Abril passou a ter o rótulo de "Guerra Colonial" e um autor bastante importante e que lançou a técnica da História Oral em Portugal - José Freire Antunes, lhe chamou apenas "Guerra de África", tal como um outro, Rui de Azevedo Teixeira (biógrafo do General Jaime Neves).
Concordo com os autores quando referem o fim da guerra como a razão do golpe de 25 de Abril, para derrubar o regime, que dizia haver apenas "acções de polícia" nos territórios africanos.
O referido Freire Antunes tem bastantes livros espalhados pelas bibliotecas de Portugal, sobre este tema e os meus, também publicados, podem ser consultados na wikipedia (Manuel Amaro Bernardo). Existem ainda dois importantes autores também militares, os Coronéis Matos Gomes e Aniceto Afonso, com bastantes livros publicados.

Antº Rosinha disse...

Os Sulafricanos viram as suas paredes a ruir com o desaparecimento de Salazar e com as «abebias» do Spinóla como eles pronunciavam o nome do nosso General.

Mas em Angola nunca foi segredo que houve acordos, com interesses para os dois lados.

Os Sulafricanos sempre souberam que a luta final da "Guerra fria"não eram as colónias portuguesas mas com o derrube destas, eram eles a presa desejada.

No Sul de Angola já eram os helicópteros deles que nos últimos anos acorriam frequentemente.

Jose Matos disse...

Caros amigos

Obrigado pelos comentários, o livro traz obviamente novidades até porque tivemos acesso a documentação nunca vista por ninguém. O primeiro capítulo é em grande parte dedicado à relação com a África do Sul. As operações no sul de Angola, são menos desenvolvidas (talvez fiquem para outro livro), mas acho que vão gostar do livro...

Ab

Anónimo disse...

Luís Graça informa que José Matos é filho de um militar que esteve na Guiné.
O nome, completo, do pai do autor (sff).