quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21313: Agenda cultural (753): Arte urbana: mural, da autoria do artista plástico cabo-verdiano, António Conceição, de homenagem às mulheres da seca do bacalhau, e aos demais ofícios da Faina Maior... Gafanha da Nazaré,Ílhavo, agosto de 2020 (Ana Aveiro / Valdemar Aveiro)








 


 





Ilhavo > Gafanha da Nazaré > Viaduto de acesso ao acesso ao Cais Bacalhoeiro > Agosto de 2020 > Mural do artista de origem cabo-verdiana, natural do Mindelo, António Conceição, 50 anos de idade,  que se licenciou em Belas Artes na Universidade do Porto em 2005. 

Homenagem aos ofícios da Faina Maior, a pesca do bacalhau, e dos seus antigos ofícios, com destaque para as ,mulheres, trabalhadoras da seca do bacalhau, mas também os pescadores, as peixeiras, os marinheiros.... Entre os "lobos" da Terra Nova, destaca-se o nosso amigo Capitão Aveiro, o Valdemar Aveiro, que é uma lenda viva desta epopeia, além de escritor de grande talento .(E continua a trabalhar, no setor,  aos 85 anos, agora na área da gestão!),

Destaque também, no mesmo pilar, para a escritora ribatejana Maria Lamas (Torres Novas, 1893 - Lisboa, 1983), autora de "As Mulheres do Meu País" (1947-1950).

Transcrição de uma das obras do Capitão Aveiro: "A vida dos homens da Pesca do Bacalhau é uma vivência de excessos pela negativa. Vivendo quarentenas prolongadas entre dois desertos infinitos - Céu e Mar - para eles um Oásis é sempr eum Porto e a Mulher é a Miragem suprema".

Fotos: © Ana Aveiro (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 


Valdemar Aveiro, um dos últimos capitães da Faina Maior. 
Justa homenagem do artista António Conceição.


1. O Valdemar Aveiro, ou capitão Aveiro, como é carinhosamente conhecido e tratado na sua terra, é nosso amigo, meu e do arquitecto  José António Paradela. Tem uma dezena de referências no nosso blogue, ligadas à sua atividade como escritor e às suas memórias da pesca do bacalhau. Tem seis livros publicados na Âncora Editora. Acaba de nos mandar estas fotos, tiradas pela neta ou filha Ana Aveiro.

Por sua vez, temos 30 referências, no nosso blogue, à pesca do bacalhau que, para nós, está também associada à guerra colonial. Par muitos jovens  a Faina Maior foi uma não menos dolorosa alernativa à "guerra do ultramar".

De facto, não é demais recordar que  desde 1927, do tempo da Ditadura Militar (que antecedeu o Estafo Novo), havia legislação que veio promulgar medidas de incentivo ao desenvolvimento da pesca do bacalhau, e nomeadamente facilitar (e tornar mais atrativo) o recrutamento do pessoal (vd. Diário do Governo, 1.ª série, Decreto n.º 13441, de 8 de Abril de 1927).

Uma dessas medidas era justamente "a dispensa do serviço militar aos pescadores e marinheiros que tivessem cumprido um mínimo de seis campanhas de pesca consecutivas na frota nacional bacalhoeira". Frota heróica, diga-se de passagem!...A pesca do bacalhau é conhecida também como a Faina Maior.

Havia ainda a possibilidade de os mancebos apurados para o serviço militar beneficiarem de "adiamento até aos 26 anos"... Além disso, "a falta à junta de recrutamento podia ser relevada desde que os faltosos fizessem prova de que estavam embarcados"...

Conclusão; a pesca do bacalhau na Terra Nova e na Groenlândia, durante todo o Estado Novo, era um verdadeiro "desígnio nacional"...

O que este mural do artista António Conceição nos conta é, citando "O Ilhavense" ["Arte urbana está a ajudar a retratar antigos ofícios ligados à pesca do bacalhau", por Afonso Ré Lau, 30 de abril de 202'] , "um pouco da história não só das trabalhadoras das secas, mas de várias profissões ligadas à pesca do bacalhau" [dos pescadores aos marinheiros, passando pelas peixeiras].

(...) "O desafio de homenagear as mulheres que trabalhavam nas antigas secas partiu do empresário Leonardo Aires, da Frigoríficos da Ermida, empresa da Gafanha da Nazaré que se dedica à transformação e comercialização de bacalhau desfiado. O convite veio no seguimento de outra obra que António levara a cabo na fachada nascente do edifício-sede daquela empresa, mesmo ao lado do local onde surge, agora, este novo mural. " (...)

(...) "o que concerne a este mural de homenagem às mulheres que trabalhavam nas antigas secas de bacalhau, há um ponto prévio que António faz questão de esclarecer: 'Não fiz uma interpretação à luz de grande parte dos relatos que chegaram aos dias de hoje. Este é o meu olhar sobre o passado e é uma tentativa assumida de ‘fazer uma lavagem’ àquilo que parecia ser uma realidade muito triste, uma tentativa de corrigir essa noção de sofrimento e desgaste que nos transmitiram'.  

"Segundo o raciocínio deste criador, 'ao relatar tempos difíceis, o ser humano tem sempre tendência para choramingar e pintar cenários mais dramáticos do que a realidade'. 'Mas imaginem estas mulheres em grupo. Era uma alegria fantástica! Era impossível andarem todas consternadas', repara António. 'Para levarem a vida que levavam, aquelas mulheres tinham de ter muita força. Mas essa não era uma força de sofrimento, mas sim coragem e ânimo', acredita.

"Assim sendo, 'as mulheres aqui retratadas transpiram energia, juventude e até alguma bizarria – umas parece que estão a brincar, outras mais concentradas no trabalho. Quis criar essa combinação expressiva entre elas', conclui." (...)

(...) "Ao recuperar a memória destas mulheres e do seu ofício, António está a retratar um objeto cultural e patrimonial profundamente ligado à história pessoal de muitas das pessoas que por ali passam diariamente. Esta proximidade afetiva com a comunidade faz com que a obra se eleve, adquira um simbolismo especial e estimule uma participação cívica curiosa" (...)

(...) "Já nos anos de 1990, António pintava murais ligados à pesca artesanal, em Cabo Verde. Todavia, esta é a primeira vez que trabalha o tema da faina maior. Para conceber estes retratos, António fez pesquisa no Museu Marítimo, visitou antigas secas, mas também teve em conta a comunidade, as pessoas, os herdeiros diretos desta cultura e tradição. No fim, já não tem dúvidas, o imaginário da pesca do bacalhau 'é fascinante' " (...)

2. Nota biográfica sobre o capitão  Aveiro:

(i) Valdemar Aveiro nasceu em Dezembro de 1934, em Ílhavo, no seio de uma família
de pescadores;

(ii)  aos 15 anos concorreu à Escola Profissional de Pesca, ganhou uma bolsa de estudo que lhe deu acesso ao liceu e, posteriormente, à Escola Náutica, onde concluiu o Curso de Pilotagem;

(iii) embarcou como moço a bordo do lugre-motor Viriato para fazer uma viagem à pesca do bacalhau no sentido de suportar as despesas da sua formação;

(iv) em 1957 embarcou como praticante de piloto no navio Santa Mafalda, da Empresa de Pesca de Aveiro, sendo promovido no ano seguinte a piloto, a bordo do mesmo navio;

(v) pssou a oficial imediato, do navio Santa Joana, em 1960;

(vi) foi emigrante no Canadá, até que  em 1966 voltou à Faina Maior, embarcando no navio São Gonçalinho;

(vii)  no ano seguinte passou para um navio moderno, Santa Isabel, comandado pelo capitão David Calão;

(viii) assumiu, em 1970, o comando do mais velho arrastão português, Santa Joana, e, dois anos depois, foi convidado para comandar o navio Coimbra, então em construção nos Estaleiros de S. Jacinto;

(ix)  retirou-se por doença em 1988;

(x) após a sua recuperação, foi convidado a colaborar com a administração da Empresa de Pescas S. Jacinto, SA, sendo, desde 1991, membro do seu conselho de administração.

3 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar: com a tua permissão e a da tua fotógrafa (filha ou neta ?), publiquei as tuas fotos no nosso blogue...

Gostei muito de ver este mural do artista mindelense António Conceição... (Tenho um grande afeto pelo Mindelo, onde o meu pai esteve, de 1941 a 1943, como "expedicionário"...).

Tenho que lá passar um dia por este sítio da Gafanha da Nazaré, com o Zé António e, se possível, contigo e o Tibério...

Belíssima homenagem aos atores dessa epopeia que é(era) a Faina Maior, e onde estás representado (e muito bem) como "guardião" e "embaixador" dessas memórias da tua brava gente ilhavense...

Com um abraço fraterno, Luís Graça

Anónimo disse...

Fico orgulhoso amigo Luís, por esta publicação.
Pelo teu trabalho permanente em prol desta Nossa Grande Tabanca. Sempre atento e em cima do acontecimento, não deixas passar nada que consideres importante, mesmo sem relação com "A Guiné".
Por dares relevo ao "já distante passado" duma actividade tão importante e que é tão cara ao meu torrão natal (entre outos, claro) e me "toca".
Pela pessoa em causa, um pouco mais velha do que eu, mas que conheci ainda na escola primária e que é meu Amigo também. O Capitão Valdemar (Cruz) Aveiro, fez-se por si. Aproveitou bem as oportunidades que lhe proporcionaram, mas lutou para ser de facto "Um dos Melhores", foi e é.
Tem também um "coração enorme".

AB

JPicado

PS (nada de confusões): só uma achega; sabiam que o Cristiano Ronaldo é da linha familiar deste Capitão? É do ramo Cruz de Aveiro, por via paterna, de Ílhavo.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Jorge, meu capitão, sabes da ternura e respeito que eu tenho pelos povos ribeirinhos, e em especial, pelos nossos pescadores e marinheiros, da tua terra, Ílhavo, e da minha terra, Lourinhã...Sou "Maçarico", pelo lado materno do meu pai, gente de Ribamar da Lourinhã, que tem o mar no seu ADN...No séc. XIX parte do clã estabeleceu-se em Mira, outros demandaram o Novo Mundo...

O nosso comum amigo Valdemar Cruz Aveiro honra-nos a todos e honra a Faina Maior. E o tu, por outro lado, és o único, em Ílhavo, que se livrou do mar e por castigo foste "desterrado"... para a Guiné...

Um chicoração fraterno, Luís