1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Janeiro de 2021:
Queridos amigos,
Este livro de Maria Luísa Esteves devia ser cuidadosamente lido por quem procura esclarecimento sobre as permanentes rebeliões no Casamansa, onde há um movimento independentista que recusa viver dependente do Senegal, é uma história que envolve a definição de uma fronteira que separou etnias, maltratou uma coesão territorial que perdurava há séculos. A autora disseca com imenso cuidado toda a questão do comércio do Casamansa e a nossa presença em Ziguinchor, relativa indiferença com que o governo de Cabo Verde e sobretudo em Lisboa apreciavam a crescente influência francesa no rio, passou a ser determinante na estratégia da presença francesa na África Ocidental. Seguiu-se um quebra-cabeças da delimitação das fronteiras e é bom que o leitor olhe para as duas cartas que acompanham este texto e atenda ao pormenores com que a autora vai tratando as sucessivas missões, as trocas de terreno e as sucessivas pressões da França para ganhar mais espaço. Os historiadores da Guiné-Bissau também devem estar atentos ao zelo e à dignidade que diferentes delegados portugueses manifestaram em manter fronteiras que separassem ao mínimo populações que viviam em comunidade há séculos. Mas a saga continua, aguardem novas surpresas.
Um abraço do
Mário
A história turbulenta da delimitação das fronteiras franco-portuguesas da Guiné (2)
Mário Beja Santos
A definição de fronteiras da colónia da Guiné, as sucessivas operações de delimitação ocupam um relevo muito significativo no importante trabalho de Maria Luísa Esteves intitulado A Questão do Casamansa e a Delimitação das Fronteiras da Guiné, Instituto de Investigação Científica Tropical, 1988.
A autora colheu corretamente uma grande angular que permite ir aos bastidores da importância que atribui ao rio Casamansa como espaço de influência portuguesa, dá-nos conta da gradual infiltração da presença francesa e como ao longo do século XIX se foram amontoando conflitos, nunca se descurando o papel de Honório Pereira Barreto comprando e contratualizando o território. Numa posição de grande fragilidade, e numa expetativa política de obter apoio francês nas nossas pretensões na África Austral, assinou-se a Convenção de 12 de Maio de 1886, desistindo os negociadores portugueses de todos os direitos sobre o Casamansa, em troca da região de Cacine, a fronteira a Sul tirava-nos a presença no rio Nuno e a França desistia a nosso favor, no Zaire, do território de Massabi.
A investigadora releva exaustivamente o acervo das negociações, e assim chegamos ao texto da Convenção e ao importantíssimo Artigo 1.º:
A investigadora releva exaustivamente o acervo das negociações, e assim chegamos ao texto da Convenção e ao importantíssimo Artigo 1.º:
Na Guiné, a fronteira que há de separar as possessões portuguesas das possessões francesas seguirá conforme o traçado indicado na carta que se mostra neste artigo: ao Norte, uma linha que, partindo do Cabo Roxo, se conservará, tanto quanto possível, seguindo as indicações do terreno, a igual distância dos rios de Casamansa e de S. Domingos de Cacheu até à interceção do meridiano de 17º e 30’ de longitude Este com o paralelo de 12º40’ de latitude Norte. Entre este ponto e o meridiano de 16º de longitude Oeste de Paris a fronteira confundir-se-á com o paralelo de 12º40’ de latitude Norte. A Leste, a fronteira seguirá o meridiano de 16º de longitude Oeste de Paris, desde o paralelo de 12º40’ de latitude Norte até ao paralelo de 11º40’ de latitude Norte. Ao Sul, a fronteira seguirá uma linha que partirá da foz do rio Cajet, situado entre a ilha Catack (que ficará para Portugal) e a ilha Tristão (que ficará para a França) e, conservando-se tanto quanto possível, segundo as indicações do terreno, a igual distância do rio Componi e do rio Cassini, depois do braço setentrional do rio Componi e do braço meridional do rio Cassini a princípio, e do rio Grande por fim, virá terminar no ponto de interseção do meridiano de 16º de longitude Oeste de Paris ou paralelo de 11º40’ de latitude Norte. Ficarão pertencendo a Portugal todas as ilhas compreendidas entre o meridiano do Cabo Roxo, a costa, e um limite meridional formado por uma linha que seguirá o talvegue do rio Cajet e se dirigirá depois para Sudoeste, seguindo o canal dos pilotos até atingir o paralelo de 10º40’ de latitude Norte com o qual se confundirá até ao meridiano do Cabo Roxo”. Outros dados relevantes do texto da Convenção era o reconhecimento que Portugal fazia do protetorado da França sobre os territórios do Futa-Djalon.
Do Artigo 4º constava a promessa de o governo francês reconhecer a Portugal o direito de exercer a sua influência soberana e civilizadora nos territórios que separam as possessões portuguesas de Angola e Moçambique, sob reserva dos direitos anteriormente requeridos por outras potências".
E começou assim a saga da determinação das fronteiras da Guiné. Primeiro, a missão de 1888. Na fronteira Sul não se levantaram problemas de maior na execução do acordo. Houve resistência em abandonar a praça de Ziguinchor, os residentes retardaram até 22 de abril de 1988. E surgiram divergências no traçado da fronteira Norte, a delegação francesa insistia que, sendo o Casamansa agora um rio francês, deveriam pertencer à França todos os territórios por ele banhados e propunha-se a substituição do Cabo Roxo por Ponta Varela como ponto de partida da linha de fronteira. A delegação portuguesa recusou, o Ministro dos Negócios Estrangeiros Português, Hintze Ribeiro, não cedeu, entretanto os conflitos nas zonas fronteiriças faziam sentir que era indispensável encontrar uma solução.
E começou assim a saga da determinação das fronteiras da Guiné. Primeiro, a missão de 1888. Na fronteira Sul não se levantaram problemas de maior na execução do acordo. Houve resistência em abandonar a praça de Ziguinchor, os residentes retardaram até 22 de abril de 1988. E surgiram divergências no traçado da fronteira Norte, a delegação francesa insistia que, sendo o Casamansa agora um rio francês, deveriam pertencer à França todos os territórios por ele banhados e propunha-se a substituição do Cabo Roxo por Ponta Varela como ponto de partida da linha de fronteira. A delegação portuguesa recusou, o Ministro dos Negócios Estrangeiros Português, Hintze Ribeiro, não cedeu, entretanto os conflitos nas zonas fronteiriças faziam sentir que era indispensável encontrar uma solução.
E eram conflitos que obrigaram a intervenção militar: o régulo de Firdu, no Casamansa, Mussá Maló, súbdito francês, invadiu territórios pertencentes ao distrito de Geba, ameaçou outros pontos como Farim. Em março de 1893, de novo Mussá Maló transpôs a fronteira portuguesa e pretendia atacar Geba. As populações viviam numa permanente agitação, até porque andava um oficial francês que dizia ter recebido instruções do governo do Senegal para levantar plantas nas circunscrições de Farim e Geba.
Era inadiável concluir a delimitação, procurar reconciliar os régulos desavindos e acabar com os desentendimentos entre Mussá Maló e os comandantes de Geba e Farim. Mas surgiram igualmente problemas na Fronteira Sul, na região de Cacine, houvera um conflito em Catak, território português por se encontrar ao norte da Ponta Cagete. Havia cenas lamentáveis de arrear e hastear a bandeira francesa, igualmente o comandante francês de Kantiafara atravessara a fronteira e ameaçara alguns chefes dizendo que aqueles territórios pertenciam à França.
E assim se chegou à missão de 1900. Os obstáculos estavam detetados, fundamentalmente a Norte. Mas sabia-se também que os franceses pretendiam estabelecer um posto militar no Componi. Aceitava-se a pretensão francesa de mudar a fronteira do Cabo Roxo para o Cabo Varela. Informava-se França de que estavam a ser colocados marcos na fronteira Sul. Como aumentavam as dificuldades por parte dos franceses e a missão portuguesa não tinha diretrizes nem poderes para tomar decisões, suspenderam-se as operações de delimitação. O governo francês apresenta uma proposta surpreendente: dar autorização aos delegados para fazerem cedências recíprocas do território que seriam depois sancionadas ou não pelos governos respetivos.
E assim se chegou à missão de 1900. Os obstáculos estavam detetados, fundamentalmente a Norte. Mas sabia-se também que os franceses pretendiam estabelecer um posto militar no Componi. Aceitava-se a pretensão francesa de mudar a fronteira do Cabo Roxo para o Cabo Varela. Informava-se França de que estavam a ser colocados marcos na fronteira Sul. Como aumentavam as dificuldades por parte dos franceses e a missão portuguesa não tinha diretrizes nem poderes para tomar decisões, suspenderam-se as operações de delimitação. O governo francês apresenta uma proposta surpreendente: dar autorização aos delegados para fazerem cedências recíprocas do território que seriam depois sancionadas ou não pelos governos respetivos.
Passa-se para a missão de 1901, demarca-se a fronteira sul e sudoeste, os ministros do Ultramar e dos Negócios Estrangeiros concordam que se dê validade à demarcação da parte Sul e Sudoeste da fronteira da Guiné. Estamos já numa outra missão, que decorreu de 1902 a 1903, os franceses levantavam dificuldade ao traçado na região Leste, procurava-se negociar um sistema de compensações territoriais recíprocas. E chega-se à aprovação das fronteiras Leste e Sul.
Tudo vai continuar na missão de 1904 e vale a pena aqui registar uma nota curiosa, Oliveira Muzanty (será mais tarde governador da Guiné) chega a Lisboa e elogia o procedimento do régulo de Gabú, fora muito atencioso com a comissão portuguesa, propõe que se cimente a amizade com o povo do Gabú e o diretor-geral do Ultramar aprova um presente constituído por um conjunto de artigos onde não faltava um talim de seda e ouro, uma espada antiga, uma caixa de guerra e baquetas, seis caixas de vinho espumoso, lenços de cor e de seda e até cobertores de algodão e de lã. O objetivo principal desta missão era a demarcação da fronteira entre o rio Cacheu e o Casamansa. Nesta fase dos trabalhos, ambas as missões concluem haver hostilidade das povoações Balantas da região do Casamansa e Cacheu, era preciso levar tropa. Sucede que o chefe Balanta não levantou qualquer obstáculo às missões e o chefe Balanta veio pedir a bandeira portuguesa que foi entregue durante uma cerimónia que causou admiração aos franceses.
Vamos ver seguidamente a missão de 1904 a 1905.
(continua)
Nota do editor
Último poste da série de 20 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22647: Historiografia da presença portuguesa em África (286): A história turbulenta da delimitação das fronteiras franco-portuguesas da Guiné (1): "A questão do Casamansa e a delimitação das fronteiras da Guiné", por Maria Luísa Esteves; edição conjunta do Instituto de Investigação Científica Tropical e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Lisboa, 1988 (Mário Beja Santos)
Vamos ver seguidamente a missão de 1904 a 1905.
(continua)
Carta da delimitação franco-portuguesa da Guiné, 1886, por E. Desbuissons, Paris
Carta da Colónia da Guiné, 1933
____________Nota do editor
Último poste da série de 20 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22647: Historiografia da presença portuguesa em África (286): A história turbulenta da delimitação das fronteiras franco-portuguesas da Guiné (1): "A questão do Casamansa e a delimitação das fronteiras da Guiné", por Maria Luísa Esteves; edição conjunta do Instituto de Investigação Científica Tropical e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Lisboa, 1988 (Mário Beja Santos)
1 comentário:
Mário Beja Santos escreveu:
...e a França desistia a nosso favor, no Zaire, do território de Massabi.
Onde está Zaire deve ler-se Cabinda. Ou então Congo, já que Massabi fica na fronteira com o Congo ex-francês, atual República do Congo, a que também chamam Congo-Brazzaville.
O nome Zaire designa uma província (ex-distrito) do norte de Angola e também foi dado pelo ditador Mobutu ao Congo ex-belga, atual República Democrática do Congo, a que também chamam Congo-Kinshasa.
Etimologicamente, a palavra Zaire é um aportuguesamento da palavra nzadi, que significa "rio" em quicongo, a língua do antigo reino do Congo.
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