sábado, 12 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22990: Os nossos seres, saberes e lazeres (491): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (37): Óbidos, diferentes povos, presenças régias, rico maneirismo, restauros e omissões (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Dezembro de 2021:

Queridos amigos,
Há riscos que se correm quando se visita um lugar histórico e não se tem a faculdade de olhar sem ver o que está por detrás das alterações arquitetónicas e urbanísticas. Há evidentemente vestígios da vila medieval em Óbidos, basta percorrer a Rua Direita, foi sempre a coluna vertebral da povoação. O que é mais evidente é período quinhentista e seiscentista, não é por acaso que se volta a visitar o Museu Municipal e a esplêndida Igreja Matriz, marcada por uma obra-prima do Renascimento e a pintura do pai de Josefa d'Óbidos e dela própria. Mas é tanta a riqueza, há tanto para olhar sabendo ver, que um dia destes voltaremos a este magnífico lugar onde a Rainha D. Leonor veio chorar a morte do seu único filho.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (37):
Óbidos, diferentes povos, presenças régias, rico maneirismo, restauros e omissões

Mário Beja Santos

É sempre um prazer voltar a Óbidos: a tal fortificação que parece assentar num castro celta, por aqui houve mouros e judeus e cristãos, depois da conquista pelos portugueses; mirar as suas torres, percorrer as suas muralhas, determo-nos na Porta da Vila, encimada pela inscrição “A Virgem Nossa Senhora foi concebida sem pecado original”, deambular por ruas tortuosas, visitar os seus templos, em particular a Igreja de Santa Maria, bisbilhotar vestígios do passado, portais góticos ou janelas manuelinas, andar de lupa em riste à procura de cruzes, azulejos, insculturas, a peregrinação é fértil. Desta feita, entra-se para a visita com um trabalho publicado sobre arquitetura e urbanismo referente aos séculos XVI e XVII, de autoria de Teresa Bettencourt da Câmara, dissertação de mestrado, edição de 1989, da autarquia e da Imprensa Nacional – Casa da Moeda, e volta-se ao museu municipal à procura que o novo olhar propicie novas surpresas.
Castelo de Óbidos
Porta da Vila

Fala-se da vila medieval, seguramente que o foi, mas o que hoje se oferece ao visitante tem fundamentalmente a ver com edificações dos séculos XVI e XVII, os múltiplos restauros depois do terramoto de 1755 e das intervenções proporcionadas pela Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais em 1952. Em jeito introdutório à sua tese de mestrado, Teresa Câmara refere a presença de grandes maciços calcários a dominar a paisagem, acrescentando que “Em épocas não muito recuadas toda a zona ribeirinha desde Óbidos até Leiria era constituída por terrenos recentemente conquistados ao mar, que originaram novos espaços de cultura e de floresta e até povoações como Peniche, Baleal e Alfeizeirão. Situada numa colina despida e seca, que contrasta fortemente com a zona plana que a rodeia, de grande riqueza florestal e solo fértil, a vila de Óbidos tem a protege-la ventos e pestes um dos grandes maciços estremenhos: a serra de Montejunto”. Fala-se muito da Rainha D. Leonor e menos da Rainha D. Catarina que, beneficiou largamente a vila de Óbidos, oferecendo-lhe o aqueduto, um enorme progresso.
Mas que não se pense que os tempos medievais não foram marcantes, obviamente que foram, dada a excecional posição defensiva de Óbidos, as suas muralhas foram refeitas por reis da primeira dinastia, como mais tarde D. Manuel, D. João III e D. João IV. Mas é irrecusável que o que o visitante tem à mostra é mais resultado das transformações urbanísticas operadas a partir do século XVI até às grandes operações de restauro datadas de 1952. Segue-se com prazer as descrições que a mestranda faz das alterações da Rua Direita, o pelourinho e o chafariz, a praça que envolve a igreja de Santa Maria, de que um pouco mais à frente iremos falar. E permita-me o leitor que nesta Rua Direita entre para de novo visitar riquezas artísticas que tanto aprecio, com eles as partilhando.

Aqueduto de Óbidos e da Usseira, é aqui que está a mãe d’água, três quilómetros que custaram 32 mil cruzados à Rainha D. Catarina de Áustria
Museu Municipal, fundando em 1970. Foi a casa onde viveu pintor Eduardo Malta, que a cumulou de azulejaria e obras de arte. A coleção de arte testemunha a ação das colegiadas religiosas e o enriquecimento cultural marcado por encomendas a alguns dos maiores nomes da Arte Portuguesa. Destaca-se a coleção de pintura dos séculos XVI e XVII, onde constam obras de André Reinoso e Josefa d’Óbidos.
Escultura de São João Baptista
Uma natureza morta assinada por Josefa d’Óbidos
Lamentação sobre o Cristo morto, por Josefa d’Óbidos
Um belíssimo retrato
A mulher de Eduardo Malta pintada pelo artista
Crucifixo indo-português
Interior da igreja de Santa Maria, foi transformada em Mesquita durante a ocupação dos mouros. O interior é revestido de azulejos atribuídos a Gabriel del Barco. Igreja profusamente decorada com quadros de pintores locais. Os quadros nas paredes atribuem-se ao pintor obidense Baltazar Gomes Figueira (pai de Josefa d’Óbidos). As oito pinturas sobre madeira, no altar-mor, são do pintor, também obidense, João da Costa.
No altar colateral sul, há 5 pinturas assinadas por Josefa d’Óbidos, veja-se este pormenor.
Pormenor do altar-mor, quadros de Baltazar Gomes Figueira
Túmulo de D. João de Noronha, alcaide de mor de Óbidos, obra executada em pedra de Ançã, este túmulo é considerado das primeiras e mais belas obras do Renascimento Português. A autoria do trabalho é polémica, há quem o atribuía a João de Ruão ou a Nicolau de Chanterenne
Pormenores do teto da igreja de Santa Maria de Óbidos

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22970: Os nossos seres, saberes e lazeres (490): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (29): Numa Lisboa de fronteira, soluções ousadas com gente saloia e corrida de touros (Mário Beja Santos)

12 comentários:

Valdemar Silva disse...

"A Virgem Nossa Senhora foi concebida sem pecado original", o mesmo aconteceu a Jesus Cristo, aquilo é que era uma família. Santa Ana e São Joaquim, avós de Jesus, eram estéreis mas naquela tempo havia um Espirito Divino que resolvia o assunto.
E diz a avó Chica 'minino aqui no blogue não fala de religião'

Em quase todas as obras de Josefa d'Óbidos aparecem boninas, flores singelas brancas, amarelas ou encarnadas. Em túmulos etruscos e noutras esculturas romanas aparecem esculpidas estas flores, assim como numa escultura gótica tardia da Sé do Funchal.
Por causa destas boninas, que também são representadas nas cerâmicas de João Franco, da aldeia do Sobreiro, tive com ele uma conversa com um final esquisito. Conversamos disto e daquilo e eu 'então o mestre também põe boninas nas seus trabalhos como a Josefa d'Óbidos nas pinturas', ele não devia ter gostado da minha comparação e respondeu 'se quiser beba uma ginjinha' apontando para a garrafa sem me dirigir mais palavras.

Acontece-me cada uma...

Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Fernando Ribeiro disse...

Porque é que se diz e se repete que a Igreja de Santa Maria de Óbidos foi transformada em mesquita durante a ocupação dos mouros? Para que isso acontecesse, ela teria que ser anterior à chegada dos mouros, ocorrida no séc. VIII, mas não há nada na igreja que sugira tal coisa. Basta compará-la com uma outra igreja que (essa sim!) é anterior à chegada dos mouros. Refiro-me ao Núcleo Visigótico do Museu Regional de Beja, instalado na antiga Igreja de Santo Amaro, na cidade de Beja, que é ela mesma visigótica, garantidamente. Comparem-se os capitéis da Igreja de Santa Maria de Óbidos com os da ex-Igreja de Santo Amaro de Beja:

https://cm-beja.pt/util/imgLoader2.ashx?img=/upload_files/client_id_1/website_id_1/Beja/Igreja%20de%20Santo%20Amaro%20%20Museu%20Visig%C3%B3tico%20(2)111.JPG

Os capitéis apresentam alguma semelhança? Nenhuma. Zero. Não digam, então, que a Igreja de Santa Maria de Óbidos já foi mesquita, porque não foi. Ela só foi construída depois da conquista de Óbidos aos mouros.

João Rodrigues Lobo disse...

Gostei desta publicação sobre a minha terra, Óbidos, que na passada terça feira visitei e onde onde estive em alguns lugares mencionados dos quais tenho inúmeras recordações. Espero pela continuação para "conferir" a história desta bela vila.
Um obidense ou "toupeira".

Valdemar Silva disse...

'....Cerca de 1570 o edifício ameaçava ruína, talvez devido às sequelas de um terramoto anterior e, a 15 de Agosto de 1571 (dia da Assunção de Nossa Senhora), foi iniciada a sua completa reconstrução, com procissão e grande aparato religioso, "prosseguindo as obras sob a proteção da Rainha D. Catarina e do Prior D. Rodrigo Sanches, clérigo espanhol, esmoler-mor da Rainha e figura de grande prestígio na corte de Carlos V. Desta campanha resulta a sua configuração atual, com provável risco do arquiteto régio António Rodrigues […]. Cerca de um século depois, sofre novas obras de beneficiação, por iniciativa do Prior Doutor Francisco de Azevedo Caminha, que redecora a igreja através de um programa artístico de gosto barroco – teto, azulejos e telas das naves"....'

Quer isto dizer que as colunas existentes na nave central da Igreja poderão não ser as mesmas à data do casamento do menino D. Afonso V, em 1444, que seriam provavelmente as erigidas/já existentes na conquista por D. Afonso Henriques?

Valdemar Queiroz

Fernando Ribeiro disse...

Meu caro Valdemar,
Para se mudarem as colunas da nave da igreja, seria preciso demolir praticamente tudo. As colunas são fundamentais para a própria estrutura do edifício. Sem elas, não existe nave, nem telhado, nem nada. Quando muito, apenas restarão as paredes exteriores. Estas, sim, poderiam ter sido aproveitadas de um templo anterior, mas, por si sós, elas não definem a igreja.

Há um aspeto importante a refutar a teoria de conversão de uma igreja em mesquita: os mouros permitiram que os cristãos e os judeus vivendo nos seus domínios continuassem a praticar a sua própria religião nos seus próprios templos. Não era prática comum dos mouros converter igrejas ou sinagogas em mesquitas.

Existia uma numerosa comunidade no Al Andaluz (a Ibéria árabe), que era árabe na língua e na cultura, mas que não era muculmana; era cristã. Eram os chamados moçárabes, que tinham as suas próprias igrejas, os seus próprios sacerdotes e até os seus próprios bispos.

Na Lisboa árabe, nomeadamente, havia um bispo moçárabe, logo cristão, o qual foi morto pelos... cristãos durante a conquista... cristã comandada por D. Afonso Henriques. Naquele tempo, os fundamentalistas não eram os islâmicos; eram os cristãos, com o seu espírito de cruzada.

João Rodrigues Lobo disse...

Após ler comentários acima, sugiro a procura de pesquisa histórica pois parece-me que opiniões pessoais,(embora legitimas) não são de todo as mais correctas.
Tanto quanto pesquisei A Igreja Matriz de Santa Maria é, e copio da obra que a seguir indico,
" É sem dúvida o templo mais importante e mais belo, o que justifica seja descrito com mais pormenor, com mais carinho, testemunha de muitas vivências". " ...passa por ser uma construção visigótica do século VIII, transformada em mesquita no tempo dos mouros e restituida ao culto cristão, após a reconquista". " O edifício actual, templo de rara beleza, tem sofrido ao longo dos anos restauros importantes, um dos quais em 1571..."
Publicação : Óbidos Vila Museu por Joaquim da Silveira Botelho, Edição da Câmara Municipal de Óbidos.
Obrigado Mário Beja Santos pelos excelentes temas que nos traz pra nos "cultivar um pouco mais.
João Rodrigues Lobo (Com muito orgulho de ser obidense)

Valdemar Silva disse...

Caro Fernando Ribeiro, o nosso blogue de camaradas da Guiné tem destas coisas: até se fica a saber que no tempo dos mouros os cristãos tinham as suas igrejas próprias.
É sabido que os cristãos da reconquista passaram a fio de espada toda convivência de mouros, cristãos e judeus de quatro séculos. Não esqueçamos que na ajuda à reconquista havia crentes mercenários a destruir, chacinar e rapinar os bens das gentes existentes.
E, com certeza, foi a fio de espada e de picareta que foram utilizadas as pedras das mesquitas para a construção ou "adaptação" de igrejas cristãs.
Realmente não há vestígios categóricos de construção visigótica anterior na Igreja de Santa Maria, embora toda a literatura sobre o tema seja afirmativa desse facto. Já sobre a Igreja de São Gião, numa zona costeira próximo da Nazaré, também catalogada como sendo de origem visigótica, tem havido novas descobertas a atribuir de origem asturiana. Sabe-se lá se a de Santa Maria também tenha essa origem.
Outro pormenor é Igreja de Santiago, de estilo gótico de três naves, junto ao Paço, mandada construir 30 anos mais tarde, em 1186, por D. Afonso II. Estaria a Igreja de Santa Maria a ser reconstruída?

Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Boa tarde, A igreja de São Tiago do Castelo foi construída sobre as ruínas e destroços do que tinha sido edificado por D. SANCHO I,Em 1186, e totalmente destruído pelo terramoto de 1975.Deste templo gótico de três naves ainda resta o antigo adro. A reconstrução actual de arquitectura banal, deve-se ao Alcaide-mor e Conde de Óbidos e tem pouco interesse.
Apenas se destaca, inclusa no retábulo do altar-mor, pintura em madeira, representando S. Tiago maior, peça da segunda metade do século XVII e de autor desconhecido.
É bastante interessante, para mim, investigar a história da vila de Óbidos e seus monumentos. Até me permito sugerir uma visita cultural.
Até breve.
João Rodrigues Lobo

Fernando Ribeiro disse...

O que eu escrevi sobre a origem visigótica da Igreja de Santa Maria pode ser uma opinião pessoal, mas ela tem razão de ser e, pelos vistos, não estou só, como se pode ler a seguir:

«A Igreja Paroquial de Santa Maria ou Igreja Matriz é a principal igreja da Vila e foi mandada erigir imediatamente após a conquista de Óbidos aos Mouros, em 1148, sendo a primeira pedra do templo consagrada por São Teotónio, prior de Santa Cruz de Coimbra.»

- Página da Freguesia de Santa Maria, São Pedro e Sobral da Lagoa na internet, http://www.jfsmariapedrosobral.pt/artigo1.php?pagina=Descobrir&subpagina=Monumentos&seccao=Monumentos&titulo=Igreja_Paroquial_de_Santa_Maria

João Rodrigues Lobo disse...

Correcto o que diz sobre a Igreja de Santa Maria,mas incompleto, p.f. deve-se ler o parágrafo seguinte da página que menciona. A interpretação do comentário é legítima mas, lei-a-se o site do Património Cultural em www.patrimoniocultural.gov.pt e também todos os sites que falam deste monumento.
"Em 1148 D.Afonso Henriques terá restaurado o culto cristão na mesquita" A palavra "terá" tem o significado que tem, e que poderá ser interpretado como dúvida.Mas as restantes datas são de considerar.
João Rodrigues Lobo

Valdemar Silva disse...

Rodrigues Lobo
Evidentemente que foi D. Sancho I, fiz confusão.
Em tempos ouvi dizer que aos habitantes de Óbidos, além de obidenses também lhes chamavam olidenses. É verdade?

Valdemar Queiroz

João Rodrigues Lobo disse...

Boa tarde, a designação olidense julgo terá nascido em Óbidos no Pará, Brasil. Creio que nunca foi utilizada em Óbidos Portugal, mas talvez os muitos visitantes brasileiros que se vêem por cá o possam dizer.
Somos é toupeiros ou toupeiras segundo a lenda , durante um cerco a Óbidos.
João Rodrigues Lobo