quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22987: Fauna e flora (19): O grou-coroado ou "ganga" (em crioulo), uma ave que "matou a malvada" a alguns de nós, em tempo da guerra... Está agora ameaçada de extinção.

 

Guiné > Região de Bafatá > Sector L2 > Geba > CART 1690 (1967/69) > Destacamento de Banjara > 1968 > O abastecimento das NT era deficiente, pelo que se recorria aos "produtos naturais" da região, neste caso, à caça de aves como a "ganga" (em crioula) ou "grou-coroado" (em portugês) (*).



Guiné > Região de Bafatá > Sector L2 > Geba > CART 1690 (1967/69) > Destacamento de Banjara > 1968 >  A "ganga" é uma ave que, quando adulta, atinge um metro de comprimento e tem 1,60 metros de envergadura... Infelizmente, é um alvo fácil para os seus predadores (, incluindo os caçadores humanos)... 

Estima-se que a subpopulação da África ocidental ( B. p. pavonina ) tenha diminuído de 15.000-20.000 indivíduos em 1985 para 15.000 indivíduos em 2004... Para saber mais, ver o portal da   IUCN Red List of Threatened Species > Black Crowned Crane.. 



Guiné > Região de Bafatá > Sector L2 > Geba > CART 1690 (1967/69) > Destacamento de Banjara > 1968 > O destacamento não tinha população civil e era defendido por um pelotão da CART 1690. Distava 45 km de Geba. O ataque a Banjara, a 24 de julho de 1968, às 18h00, já aqui foi descrito há 17 anos atrás por A. Marques Lopes.

As instalações que se veem na foto pertenciam à antiga serração do empresário Fausto Teixeira ou Fausto da Silva Teixeira, um dos primeiros militantes comunistas a ser deportado para a Guiné, em 1925, dono de modernas serrações mecânicas aqui, em Fá Mandinga e em Bafatá, a partir de 1928, exportador de madeiras tropicais, colono próspero e figura respeitável na colónia em 1947, um dos primeiros a ter telefone em Bafatá, amigo de Amílcar Cabral, tendo inclusive ajudado o Luís Cabral a fugir para o Senegal, em 1960...

Este destacamento tinha apenas uma coluna de reabastecimento por mês, no máximo, mas chegava a estar mais de 2 meses sem alimentos frescos e sem correio. Não havia população civil, apenas militares. A çaça era um recurso...

Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Fonte: Guia das aves comuns da Guiné Bissau / Miguel Lecoq... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Monte - Desenvolvimento Alentejo Central, ACE ; Guiné-Bissau : Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas da Guiné-Bissau, 2017, p. 19. Ilustração de  EA - Ézio Almir) (Com a devida vénia...)


Ganga (crioulo)
Balearica pavonina (Lineu, 1758)
Grou-coroado (português) | N’ghanghu (balanta) | Eghatai (fula)
Comprimento  100 cm | Envergadura 190 cm

Ao contrário das aves apresentadas neste guia, a ganga é rara e localizada. Ocorre nos vales dos principais rios do país, de forma isolada ou em pequenos bandos, frequentando zonas de água doce pouco profunda, incluindo bolanhas. Devido à sua beleza e comportamento é frequentemente capturada e mantida em cativeiro. Está ameaçada de extinção. (**)


Prefácio

Alfredo Simão da Silva
Director-Geral do IBAP

A Guiné-Bissau está entre os dois sítios mais importantes para as aves aquáticas na África Ocidental, recebendo anualmente cerca de um milhão de aves migradoras provenientes da Europa. 

As aves aquáticas migradoras encontram nas zonas intertidais da Guiné-Bissau um ecossistema produtivo e rico em alimento. O Parque Natural dos Tarrafes do Rio Cacheu, com os seus extensos mangais, é exemplo de um destes ecossistemas, razão pela qual foi reconhecido como sítio Ramsar (zona húmida de importância internacional) e como IBA (área importante para as aves). 

A simbiose e interdependência entre as aves e os recursos marinhos estão patentes no Rio Cacheu, sendo as aves um dos indicadores ecológicos mais importantes que certificam a saúde do ecossistema do mangal neste parque.

A paixão crescente e visível pelas aves na Guiné-Bissau iniciou-se nos anos 1980 com a formação dos primeiros quadros nacionais nesse domínio, apoiada por programas e/ou projectos de conservação da natureza e da biodiversidade. Neste âmbito, a contagem mundial das aves aquáticas começou a ser realizada sistematicamente no país e é acompanhada da constituição paulatina de um banco de dados nacional sobre as aves e o reforço de capacidades. 

Entretanto, fruto deste trabalho, foram sendo publicados a nível nacional, regional e internacional, documentos científicos importantes sobre as aves da Guiné-Bissau. A elaboração do presente guia das aves comuns da Guiné-Bissau, enquadra-se exactamente no espírito da estratégia nacional para as áreas protegidas e a conservação da biodiversidade (2014-2020), designadamente, o pilar estratégico monitorização das áreas protegidas, conhecimento e valoração da biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas, e divulgação e sensibilização.

Este livro, dirigido sobretudo às acções de educação ambiental e à formação de jovens quadros no domínio da avifauna, é também um excelente manual de comunicação e de campo útil para outros actores. Este guia vai permitir aos amantes da natureza conhecerem melhor uma boa parte das aves que ocorrem nas áreas protegidas da Guiné-Bissau contribuindo para o reforço do conhecimento das espécies de aves no país.

Efectivamente, este pequeno guia é produto também da recolha e da sistematização de informação realizada desde há alguns anos a esta parte em diversas áreas protegidas. Por outro lado, é também um subsídio concreto para que a Guiné-Bissau possa dispor no futuro de uma publicação científica e mais completa sobre a avifauna. Esta ambição faz parte dos grandes desafios a médio prazo do Departamento de Monitoria e Conservação da Biodiversidade do Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas (IBAP).
 
___________

Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 9 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22983: Adeus, Fajonquito (Cherno Baldé): Parte IV: A morte da ave-real mensageira, que já não canta, no triângulo de vida de Canhánima, Kru-ghaak! Kru-ghaak! Banenguél wilti! (... "A árvore da vida floriu!")

10 comentários:

Hélder Valério disse...

A essa bela ave estará reservado o destino de tantas outras espécies (animais e também vegetais) que o Homem, na desregulação do seu envolvimento com o meio ambiente, vai irremediável e irresponsavelmente condenando à extinção.
Dificilmente o sentido das coisas será mudado, a menos que....
Mas os tempos não estão de feição.
Hélder Sousa

Antº Rosinha disse...

A fauna selvagem nos palopes começou a ver o seu fim efetivo com a entrada das G3 e Kalashes em abundância.

E mesmo com a saída das G3, continua a haver sempre armas.

Ficará em breve, apenas uma ou outra reserva de caça para turistas em África, e os jardins zoológicos na Europa.

Em 1961 em Angola, ainda havia regiões absolutamente virgens, enormes extensões sem acessos de estradas e onde os habitantes apenas tinham zagaias e flexas e usavam armadilhas à sua maneira ancestral.

Verdadeiros cús de judas (paraísos) durante séculos ou milénios, transformados em infernos para caça e humanos de um ano para o outro.

Nesses lugares nunca se tinha cometido qualquer colonização, nem boa nem má.

Os leões ainda se aproximavam das cubatas afugentados pelo ladrar dos cães e gritos e barulho das pessoas.





Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

A historia desta ave real é extraordinaria. Grou Coroado (portugues), Ganga (Crioulo), Cungha (Biafada), Epatai (Futa-fula), Gueloghal (Fula-Gabu), é uma ave exotica de rara beleza quando vista na natureza, nas planicies africanas.

Todavia, o que a imagem mostra nao deve ser a mesma coisa, na realidade, parece mas nao é a mesma ave. Esta que mostram as imagens nao tem a mesma beleza nem o mesmo efeito no espirito das gentes da nossa regiao Oeste africana. por agora nao me ocorre o nome, mas é uma ave considerada de mau agoiro. Vejam a cabeça (mais grossa e sem a coroa), o bico e as pernas (mais curtas).

As crenças tradicionais davam a esta ave um poder maléfico a qual nunca se devia cruzar em certas circunstancias, sobretudo para aqueles que iam tratar de assuntos importantes para a sua vida e/ou vida da familia e da comunidade, muito menos mata-la para consumo.

Quem o encontrasse no caminho devia fazer volte-face e recomeçar tudo de novo, inclusive tomar banho a fim de esconjurar o mal devido a vista do passaroco do azar, como lhe chamavam.

Outra recomendaçao incrivel que se dava as pessoas que a encontrassem, era fazer o possivel e o impossivel para obriga-la levantar voo e desta forma esconjurar o mal. Ainda me lembro de cenas hilariantes quando, estando na floresta a cuidar do gado, tentavamos obriga-las a levantar voo e elas nao queriam e era uma correria doida atras do bicharroco que é bastante pesado e nao consegue voar longe. Normalmente vivem em casal e raramente em grupos de mais de dois.

Como dizia a minha avo quando os via a jogar a bola: "Coitados destes brancos (crianças grandes) que nao sabem nem o que é a vergonha (pudor) nem o que é tana (proibido) e vivem felizes da vida.

Abraços,

Cherno Baldé

Anónimo disse...

PS/ O nome da ave deve ser Calau africano, é uma ave que vive nas savanas arbustivas.

Cherno Baldé

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno, és capaz de ter razão... Não deve ser uma "ganga", mas sim um o tal calau africano, de que se falas... Vê o guia das aves que, creio, te mandei... Está aqui disponível em formato pdf:

https://www.monte-ace.pt/site/GuiaAves-PNTC_WEB.pdf

Alma-de-Beafada (cr)
Bucorvus abyssinicus
Calau-da-Abissínia (pt), Tuluk (ba), Hulititau (fl)
Comp 100 cm

(...) É uma ave rara e espectacular. O seu grande tamanho e plumagem tornam-na inconfundível.

Observa-se aos casais ou em pequenos grupos familiares, enquanto caminha
lentamente no solo à procura de insectos, de répteis, de aves e de anfíbios.

Frequenta vários tipos de savana, podendo também encontrar-se dentro da floresta aberta.

Reproduz-se apenas a cada três anos. Apesar da falta de conhecimento actual, suspeita-se que poderá estar ameaçada de extinção na África ocidental. (...)

Fonte: Fonte: Guia das aves comuns da Guiné Bissau / Miguel Lecoq... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Monte - Desenvolvimento Alentejo Central, ACE ; Guiné-Bissau : Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas da Guiné-Bissau, 2017, p. 39.

Vd. também aqui, na Wikipédia:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Calau-grande

https://pt.wikipedia.org/wiki/Calau

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Um animal que é "monogâmico" e só se reproduz de três em três anos, tem uma estratégia evolucionária... suicida. Como nós, portugueses...LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Realmente o Cherno tem razão o calau é mais feio e, segundo os povos da Guiné Bissau mais "sinistro" mas nem por isso tem menos direito à vida... Deve ser tão raro que já ninguém o vê. LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Na cultura popular portuguesa também há aves sinistras, de mau agoiro... São de rapina, noturnas, como o moucho, a coruja... Ou associadas à morte como o corvo... Um tema interessante, a explorar. LG

Anónimo disse...

Caro amigo Luis Graça,

Sempre que nos referimos as crenças, interditos, tabus e preconceitos dos povos antigos ou indigenas, fazemo-lo com um sorriso de compreensao quando nao de algum menosprezo, como se fossem crenças desprovidas de qualquer sentido e fruto da ignorancia da época.

Mas, no caso desta companhia do ex-Alferes Marques Lopes (CCAC 1690_1967/69) que esteve em Geba e nos destacamentos de Banjara e Cantacunda, que sistematicamente faziam do Calau o seu petisco preferido nao teriam pisado o risco vermelho ?

Sabemos pelo seu historial no CTIG que a sua passagem pela Guiné foi das mais tragicas, nomeadamente, nos seus destacamentos de Banjara e Cantacunda. E lendo alguns postes sobre a mesma no blogue, constatei que o emblema do Batalhao ou da companhia (CCAC 1690) era nem mais nem menos uma ave muito parecida ao Calau de que gostavam de petiscar.

E a questao é: Seria uma simples coincidencia ou o prenuncio do que viria a acontecer ao longo da comissao. Nao esquecer que em Abril de 1968, em Cantacunda, mais do que um azar, aconteceu uma das maiores tragédias da guerra com a morte de um soldado (a sentinela) e a prisao de 11/12 outros que, em Novembro 1970 serao libertos durante a operaçao Mar-Verde, tendo a lamentar a morte de alguns deles durante o cativeiro.

Eu sei que nao é agradavel, nem politicamente correcto, falar destas coisas, mas aconteceram e fazem parte da historia da guerra colonial na Guiné.

Abraços,

Cherno Baldé

Patricio Ribeiro disse...

Amigos,
Informo, que o meu amigo Alfredo Simão da Silva, faleceu há poucos anos de doença incurável. Era à época, presidente da ONG UICN, tinha substituído há pouco tempo o Nelson Dias.

O Miguel Lecoq continua pela Guiné, percorre diariamente o país, com os seus binóculos pendurados ao pescoço.

Nos últimos 25 anos, foram feitos muitos estudos por alguns investigadores portugueses, (sobre a passarada, como eu lhes costumo dizer). E alguns receberam prémios internacionais sobre estes trabalhos.

Inicialmente o António Araújo, depois o Miguel Lecoq, que por sua vez criaram uma equipa de diversos investigadores guineenses.
Todos continuam a fazer investigação, para o IBAP e para outros organismos.