segunda-feira, 4 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23138: Recordando o Salgueiro Maia, que eu conheci, o meu comandante, bem como os demais bravos da minha CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (José Afonso) - Parte I: Um cartão pessoal... para a história: "Sinto-me feliz não só pelo acontecimento, mas por me permitir ter vingado todas as injustiças que nos fizeram na Guiné", disse-me ele, agradecendo um telegrama de felicitações, enviado logo a seguir ao 25 de Abril de 1974




Reprodução de um cartão pessoal, manuscrito, de Salgueiro Maia, ex-comandante da CCav 3420 (Bula, Mansoa, Pete, Farim, Binta, Bissau, 1971/73, 1971/73), agradecendo ao José Afonso, seu ex-fur mil, do 3º Gr Comb, o telegrama que este lhe enviara, felicitando-o pela sua participação no golpe militar do 25 de Abril de 1974 e pelo sucesso do movimento dos capitães... Documento s/d, mas próximo do 25 de Abril de 1974, talvez maio de 1974.(*)

Salgueiro Maia voltara, entretanto, à unidade de origem, a  EPC - Escola Prática de Cavalaria, em Santarém. Repare-se que ele ainda utilizou papel da sua ex-companhia, tendo por timbre, cortado por um traço, o brasão da CCAV 3420, "Os Progressistas", sediada em Bula, SPM 1898.

O nosso camarada José Afonso, ou José Baptista Afonso, por sua vez,  é bancário, reformado da CGD, dividindo, em 2009, o seu tempo entre Castelo Branco, de donde é natural, e o Fundão, onde trabalhou e tinha residência.. Não temos notícias suas desde esse ano. Nasceu em 1949, e deixou de ter o endereço de email que tinha. Não temos o seu nº de telemóvel.


Teor do cartão, sem data:

 [ Ao canto superior esquerdo, Brasão  da CCAV 3420, Os Progressistas, SPM  1898 (Particular)]:

"Caro amigo: Só agora tenho tempo de agdecer o agradável telegrama. Sinto-me feliz não só pelo acontecimento, mas por me permitir ter vingado todas as injustiças que nos fizeram na Guiné. Do pessoal da Comp[anhia] guardo as melhores recordações mesmo depois de fazer o balanço dos maus bocados. Um dia que nos encontremos poderemos esclarecer muitas situações.

"Há pouco esteve aqui o ex-fur[riel] Gomes. O 1º [sargento] Beliz mandou vir e foi  expulso do curso para oficial mas deve agora [depois do 25 de Abril] ser readmitido. O 1º Pascoal continua aqui [na EPC, Santarém] como dantes.

"Sem mais, um abraço do amigo ao dispor. (Ilegível)"


 [A foto acima é, de  há muito,  um ícone,  foi tirada pelo grande fotógrafo português Alfredo Cunha, no 25 de Abril de 1974: é apenas um detalhe da foto original. Cortesia de Wikipedia.] 

Foto (e legenda): © José Afonso (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guião da CCAV 3420 (Bula, 1971/74). 
Coleção de Carlos Coutinho, com a devida vénia


1. O capitão Salgueiro Maia, de seu nome completo Fernando José Salgueiro Maia (Castelo de Vide, 1 de julho de 1944 - Santarém, 3 de abril de 1992), ficará na história de Portugal como um dos nossos heróis do séc. XX.

Passado quase meio século depois do 25 de Abril de 1974, e trinta depois da morte do mais famoso capitão de Abril, parece haver hoje um amplo consenso na sociedade portuguesa sobre o seu lugar na história da nossa Pátria. 

O homem que comandou a coluna de cavalaria que veio de Santarém, cercou os ministérios do Terreiro do Paço e levou Marcelo Caetano a render-se no quartel do Carmo, sede da GNR, é um exemplo das melhores virtudes pátrias que pode ter uma militar: coragem (física e moral), serenidade, bom senso, liderança, abnegação, honestidade intelectual, coerência, amor à república, amor à Pátria...

Mas não nos compete, a nós, blogue, escrever aqui "hagiografias" (Nem biografias, não somos historiadores.) Para nós, foi um dos nossos camaradas na Guiné (regressado em outubro de 1973), e isso basta, não nos podendo todavia esquecer, muito menos ignorar ou escamotear, que ele se irá distinguir depois pelo seu papel, decisivo, nobre, orajoso e impoluto, no 25 de Abril de 1974. 

Morreu, precocemente, aos 47 anos, vítima de cancro. Quiçá amargurado, pelas injustiças de foi vítima, sobretudo por parte do poder instituído, não apenas militar como político.




José Baptista Afonso, ex-fur mil at cav, 3º Gr Comb,
CCAV 3420 (1971/73). Natural de Freixail de Cima, Castelo Branco,
tem casa também no Fundão onde trabalhou, 
e conhecia o nosso saudoso Torcato Mendonça.


2. Vamos, por estes dias, recordar a  ação do cap Salgueiro Maia, nomeadamente na Guiné, enquanto comandante da CCav 3420 (Bula, Mansoa, Pete, Farim, Binta, Bissau, 1971/73, 1971/73). E sobretudo a partir dos testemunhos de quem o conheceu no CTIG. 

Infelizmente só temos um representante da CCAC 3420 na Tabanca Grande: o nosso camarada José Afonso (fotos acima), de resto um excelente contador de histórias.

E começamos justamente pela reprodução de um cartão pessoal, escrito pelo Salgueiro Maia, já depois do 25 de Abril de 1974, talvez em Maio, enviado ao José Afonso que o havia felicitado  pela acção na Revolução dos Cravos (documento acima reproduzido).

Nas neste primeiro poste de homenagem a este homem da nossa geração e nosso camarada da Guiné, de que muito nos orgulhamos,  é bom sabermos algo mais sobre a CCAV 3420 que ele comandou. 

Depois iremos repescar algumas das histórias do José Afonso sobre o Salgueiro Maia e outros bravos da CCAV 3420, esperando, por outro lado, que ele, José Afonso,  volte a dar notícias,  o que não acontece há muitos anos (desde, pelo menos, 2009).

PS - Já pusemos as notícias em dia, e tenho o atual endereço de email, além de "carta branca" para republicar as suas histórias do Salgueiro Maia e dos demais bravos da CCAV 3420.


Ficha de unidade > Companhia de Cavalaria n.º 3420

Identificação:  CCav 3420

Unidade Mob: RC 4 - Santa Margarida

Cmdt: Cap Cav Fernando José Salgueiro Maia

Divisa: "Progressistas" - "Perguntai ao Inimigo Quem Somos"

Partida: Embarque em 04Jul71; desembarque em 09Jul71 | Regresso: Embarque em 030ut73


Síntese da Actividade Operacional

Após realização da IAO, de 12Jul71 a 06Ag071, no CMI, em Cumeré, seguiu em 11Ag071 para Bula, a fim de efectuar o treino operacional e render a CCav 2639.

Em 29Ag071, iniciou a actividade de intervenção e reserva do BCaç 2928, substituindo a CCav 2639 a partir de 20Set71, e actuando nas regiões de Choquemone, Cuboi, Ponta Matar-Ponate e outras, bem como nas acções de contrapenetração e na segurança e protecção dos trabalhos da estrada Bula-Binar,

De 05Mai72 a 08Jul72, foi deslocada para Mansoa, em reforço do BCav 3852, com a missão principal de garantir a segurança e protecção dos trabalhos da estrada Mansoa-Namedão-Bissorã, recolhendo a Bula quando os trabalhos atingiram Namedão e voltando à dependência do BCaç 2928 e depois do BCav 8320/72.

Em 09Jul72, rendendo a CCaç 2789, assumiu a responsabilidade do subsector de Pete, com destacamentos em Ponta Consolação e Capunga, com vista à execução e controlo dos trabalhos de construção, dos respectivos reordenamentos e promoção socioeconómica das populações. 

Em 07Dez72, assumiu, em acumulação, por saída do CCaç 3328 e extinção do subsector de Ponta Augusto Barros, a responsabilidade daquela zona de acção, mantendo a sede em Pete e guarnecendo então os destacamentos de João Landim, Capunga e Mato Dingal.

Em 23Mai73, foi substituída nos reordenamentos pela 1ª Comp/BCav 8320/72 e seguiu, em 25Mai73, para Farim e depois para Binta, a fim de reforçar as forças do COP 3 empenhadas no início dos trabalhos da reabertura do itinerário Binta-Guidage; em 29Jun73, foi rendida nesta missão pela CCav 3568, recolhendo então a Bissau.

Em 30Jun73, substituiu no sector de Brá a CArt 3521, ficando integrada no dispositivo e manobra do COMBIS, a fim de garantir a segurança e protecção das instalações e das populações da área.

Em 30Set73, foi substituída no subsector de Brá pela CCaç 3476, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa n." 99 - 2ª Div/4ª  Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pp. 515/516
_________

Nota do editor: 

7 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Desde novembro de 2015, pelo menos, que o mail do José Afonso deixou de estar ativo:

josebaptistaafonso1949@gmail.com

Ando a saber notícias dele no Fundão... Na Net não há nada... Ele deve ter-se reformado da Caixa Geral de Depósitos, agência do Fundão, por volta de 2006 (ano em que nos descobriu e contactou).

Era ele que organizava os convívios da Companhia, a CCAV 3420.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Quem é vivo, sempre aparece. Acabei de falar com ele ao telemóvel. Uma longa conversa... Agora é agricultor, em Freixial de Cima, Castelo Branco. E usa outro endereço de email. Vai organizar no dia 28 de maio, em Abrantes, mais um convívio da companhia. É o 20º que ele organiza. O Maia organizou três, em vida. Gostei muito de falar com ele.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

E contou-me mais histórias do Maia... de Bula, de Capunga, de Bissau... Percebo agora melhor o respeito que tinham por ele os seus homens. Porque era recíproco: ele defendia sempre os seus homens, das arbitrariedades dos senhores oficiais superiores... (A CCav 3420, "independente", estava adida a uma batalhão em Bula...).

No último dia em Bissau, antes do regresso à metrópole, fez uma almoço com as praças, no Pelicano (se bem percebi), a companhia é que pagou. E à noite jantou com os graduados... Perderam o último autocarro para os Adidos (que levava a malta que ia ao cinema), ficaram à espera de táxis, perto da Praça do Império e do palácio do Governador... A cantar canções "proibidas" na época... Alguns já com um grãozinho na asa... Mas quem tinha voltado a vestir o camuflado para socorrer Guidaje, merecia tudo...É bom lembrar essa história que não vem nos livros da CECA...

Eduardo Silva disse...

Realmente também perdi todo o contacto com o camarada José Afonso. Embarquei com ele e restantes membros da C.Cav.3420 sob o comando do nosso saudoso Cap. Salgueiro Maia. Sou o Ex-furriel Eduardo Silva. Estive com a C. Cav. 3420 durante cerca 5 meses até que por ordem do General Spínola, muitos Alferes e Furriéis foram chamados para ingressarem num treino de integração nas tropas Africanas. Esse treino teve lugar em Bolama. Dali segui para o K3 a 3Km sul de Farim. Também fiz a protecção à construção da estrada em Mansoa, onde reencontrei a minha companhia de origem e o meu Cap. Salgueiro Maia. Nessa altura eu estava integrado na C.C 3, companhia de Africanos. Apenas os Furriéis, Alferes, Sargentos e Cabos de transmissões e Maqueiros eram brancos. Findo esse trabalho regressei ao K3 e dali fui para Bigene onde fiquei até ao fim da comissão. Tempos difíceis. Um grande abraço a todos os camaradas da Tabanca Grande.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Eduardo, obrigado pelo teu comentário. Vou-te pôr em contacto com o José Afonso: nº de telemóvel e endereço de email.

Por outro lado, gostava de te convidar para integrar a nossa Tabanca Grande. Precisamos de malta, como tu, que andou nas companhias africanas: tu da CCAÇ 3, eu na CCAÇ 12...Vou-te mandar também o contacto do ex-alf mil A. Marques Lopes, que esteve na CCAÇ 3. Lisboeta, mas mora em Matosinhos. É um histórico do nosso blogue. Um abraço. Luis

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Do Maia, do Salgueiro Maia, do Capitão Salgueiro Maia, o que recordo, para além do seu insubstituível e decisivo papel durante as movimentações militares nos acontecimentos do 25 de Abril de 1974, foi ter sido o "instrutor de granadas" durante o meu 1º Ciclo do CSM em Santarém.
Nessa época impressionou-me o à-vontade com que falava e manuseava aquelas "coisinhas". Era convincente.
E foi por isso que não estranhei ver, pelo menos no filme que pretende retratar os acontecimentos referidos, ele dirigir-se ao encontro do famigerado Pato na Rua do Arsenal, com a "sua granada" e a sua determinação para dialogar, mas também para o que "desse e viesse".

Hélder Sousa

Unknown disse...

Camaradas,

Fiz parte dessa CCav., como Alferes Miliciano, de Set72 a Dez72, tendo sido responsável pelo destacamento de Pete (cerca de 1,5 meses) e estive noutro destacamento no outro lado do Chocomane, de que não me recordo do nome. Fui colocado na CCav 3420 depois de ter regressado à Guiné após evacuação para a metrópole. Era originário da Cart 3321 que estava sedeada em Cuntima (Farim) e terminei a minha comissão em Dez72. Contactei o falecido Salgueiro Maia talvez uma dezena de vezes, no máximo.

No período de Pete lembra-me que o acampamento de Balantas Bravos, penso que eram assim designados, tinham armadilhas/bombas para serem utilizadas em Bissau, escondidas dentro de bidons de cereal e que foram por nós resgatadas.

Luís Bentes, ex-Alferes Miliciano