Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 22 de fevereiro de 2009
Guiné 63/74 - P3923: Tabanca Grande (122): João Carlos Silva, ex-Cabo Especialista da Força Aérea Portuguesa (1979/82)
Caro Carlos Vinhal,
Após algumas hesitações, aproveito a oportunidade dada por vários Posts para responder ao vosso convite/desafio para integrar a Tabanca Grande. Assim, envio uma fotografia do tempo militar enquanto Cabo Especialista e outras duas actuais. A militar foi tirada num FIAT G-91 T-3 (versão de treino com dois lugares) na BA6 Montijo por volta de 1981, das actuais uma foi tirada na BA2 Ota, 29 anos depois no mesmo local da foto do meu pelotão na recruta, mas infelizmente sem os restantes companheiros (através do blog Especialistas da BA12 percebi que era da praxe tirar essas fotografias em todas as recrutas).
Fui voluntário para a FAP com 17 anos em Junho de 1979 (2.ª/79), tendo tirado a Especialidade de Mecânico de Material Aéreo (MMA), Recruta e Curso na BA2 Ota.
Posteriormente fui colocado na BA6 Montijo na Esquadra 301 Jaguares como Mecânico de FIAT G-91, onde estive até sair da FAP, 3 anos depois. Tive uma passagem de 3 meses pela BA4 Lajes em 1980 com os FIAT.
Feitas as apresentações, agora os tais Posts que acima referi. Destaco o P3885 (2) e o P3887 (3). O primeiro pela enorme satisfação em ver reconhecida a valorosa acção dos elementos da FAP na Guiné, por essa nobre instituição ADFA e pela carga simbólica que a mesma implica. Louvo também as diversas mensagens relativas às Enfas. Pára-Quedistas quanto à necessidade da sua inclusão nessa homenagem. O segundo pela mensagem franca, pura, bonita, emocionante dirigida pelo ex-Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho ao Cor Pilav Miguel Pessoa.
Adicionalmente, lendo atentamente os Posts mais recentes do Ten Gen António Matos, do Cor Art Nuno Rubim e do Cor Art Coutinho e Lima sobre o dossiê Guiledje, vários pensamentos me ocorrem. O primeiro é o de que sem dúvida foi uma situação de guerra muito complicada em que os intervenientes passaram momentos muito difíceis e nem sempre com o apoio necessário. Depois, fico pasmado como é possível existirem versões tão diferentes dos mesmos acontecimentos. Pessoalmente não considero que a versão aérea ou a vivência do ar versus a versão terrestre ou a vivência terrestre seja menos correcta ou verdadeira, e vice-versa, considero que ambas terão vantagens e desvantagens, por isso até deveriam ser complementares. Não consideram uma mais valia importante a informação obtida por esses dois prismas? Não seria a informação mais completa e correcta? Não poderia permitir uma melhor actuação e eficácia?
Leio e releio e, seguramente que os intervenientes são pessoas de bem, por isso mesmo é–me difícil entender tanta discrepância. Consigo identificar algumas respostas pouco claras que não invalidam afirmações feitas e consigo encontrar contradições que poderiam dar azo a novas questões, originando um sem fim de mensagens e por ventura uma difícil conclusão.
Estando de fora (por não ter vivido esses acontecimentos), mas não pouco interessado em relação ao que esses acontecimentos representaram na História do meu País e na vida dos nossos ex-Combatentes, tenho pena que não se consiga ter uma visão comum sobre os mesmos factos, mas, como dizia o José Dinis num comentário ao meu anterior P3844 (1), "...isso continuará a ser o resultado dos diferentes olhares, das diferentes maneiras como os vimos, como os entendemos, ou como ouvimos falar deles.". Eu acrescentaria e o resultado de diferentes conhecimentos dos dados que originaram que determinada acção tivesse sido conduzida de uma determinada forma (o que a tornará por vezes ininteligível para outros envolvidos).
Parece-me claro que, também como vamos aprendendo na vida, ninguém é dono da verdade absoluta. Também me parece claro e parafraseando o Cor Pilav Miguel Pessoa no seu P3816 (4) "… que isto de combater, cada um fá-lo da maneira que pode e sabe, e nas funções para que está mais habilitado.". Eu pessoalmente acredito que todos fizeram o melhor que estava ao seu alcance em cada momento em que foram chamados a intervir.
Considero muito importante que se possa saber destes diferentes pontos de vista, pois para além de ser revelador de sã liberdade de expressão, permite a quem está realmente interessado, um conhecimento mais abrangente, completo e porque não mais verdadeiro desses acontecimentos.
Ao preparar esta mensagem, li hoje o P3911 (5) do Cor Pilav Miguel Pessoa confirmando, para mais, as suas 400 missões mesmo com 4 meses de interregno. Também referindo que as do Ten Gen Pilav António Matos terão sido mais. É obra e como creio que não tenham sido só eles, realmente não foi deixar de voar após Strela. Seguramente passaram a fazê-lo de forma diferente, originando uma percepção também diferente para quem necessitava do apoio que vinha do Ar. Especialmente na fase mais complicada do conflito para todos os envolvidos.
Desculpem-me o atrevimento de opinar, se calhar de forma tão superficial, sobre tão delicado tema, mas, creiam que o faço por genuíno interesse em informar-me sobre tantos esforços e perigos passados por esta geração de ex-Combatentes ao serviço de Portugal.
"De Nada a Forte Gente se Temia" – Lema da Esquadra 301 Jaguares
Saudações Especiais
João Carlos Silva
MMA,
Jaguares (FIAT G-91)
2ª/79
João Carlos Silva na Base Aérea do Montijo, quando Especialista da FAP
João Carlos Silva, na actualidade, na Base Aérea da OTA
2. Comentário de CV
Caro João, obrigado por teres aceite o nosso convite. É um prazer enorme ter entre a macacada, tropa de elite como a FA e a Marinha.
Peço-te que não te coíbas de fazer qualquer comentário que aches oportuno, porque como se infere das tuas palavras, mesmo entre os intervenientes há pontos de vista diferentes, logo quem não viveu os acontecimentos poderá ter uma visão mais clara e desapaixonada.
Claro que reparaste que nos estamos a tratar já por tu, o que é normal entre camaradas. Idades, antigos postos e condição social, não são para aqui chamados.
Deixo-te o abraço fraterno em nome da tertúlia e votos de que estejas entre nós o mais tempo possível. Somos um pouco mais velhos (menos novos), mas isso não impede uma sã convivência.
CV
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Notas de CV:
Vd. os seguintes postes:
(1) de 5 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3844: FAP (5): Reflexões sobre o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (João Carlos Silva)
(2) de 13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3885: FAP (10): Obrigado, Tenente Piloto Aviador Pessoa (J. Casimiro Carvalho, CCAV 88350, Piratas de Guileje)
(3) de 13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3887: Iniciativas da ADFA em Lisboa (Luís Nabais)
(4) de 29 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3816: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (5): Strellado nos céus de Guileje, em 25 de Março de 1973 (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav)
(5) de 18 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3911: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (1): Em 1995, confirmaram-me que o local da cerimónia foi mais a sul (Miguel Pessoa)
Vd. último poste da série de 20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3916: Tabanca Grande (121): Giselda Antunes Pessoa, ex-Enfermeira Pára-quedista (Agosto de 1970 / Maio de 1974)
sábado, 21 de fevereiro de 2009
Guiné 63/74 - P3922: Blogoterapia (92): A guerra nunca acaba para aqueles que se bateram em combate (Luís Borrega)
Boa tarde
Parto mantenha com todos vós LG, VB e CV.
Ontem fui a Lisboa tratar de assuntos pessoais e como é costume fui com o meu camarada Ex-Fur Mil MA da CCav 2748/BCav 2922 (Companhia de Canquelifá), Luís Filipe da Encarnação, que me acompanhou sempre no Serviço Militar: Recruta e Especialidade, ambas em Santarém (e com Salgueiro Maia com a patente de Tenente e Comandante do meu Esquadrão), Curso de Minas e Armadilhas em Tancos, formação do BCav 2922 em Estremoz, depois em Companhias diferentes ele para Canquelifá e eu para Piche. Depos em 1972 indigitados para irmos para CIM de Bolama dar Minas e Armadilhas. Hoje reformados da mesma Instituição Bancária, aproveitamos para irmos almoçar com bastante frequência e todos os dias falamos ao telefone a comentar o que é publicado na Tabanca Grande.
Isto vem a propósito de toda as vezes que nos encontramos irmos ao Largo de S. Domingos falar com os guineenses. Eu aproveito e vou desenferrujar o meu fula, pergunto pelo pessoal de Cambor e de Piche. Ainda não tive a sorte de localizar nenhum. Já me disseram que ao fim de semana há muitos, destas tabancas, na Estação da CP na Damaia. Hei-de lá ir.
Tenho constatado que há muitos ex-Comandos Africanos, Milícias e todos eles guardam religiosamente os antigos papeis militares portugueses.
Alguns tem-me confidenciado que teria sido melhor Portugal ter continuado na Guiné. Tenho sido sempre bem recebido. Ontem tive um encontro gratificante com o irmão do meu amigo de Canquelifá (na altura furriel) Alferes Comando Aliu Sada Candé, condecorado com Cruz de Guerra, fuzilado após a independência em Bambadinca
Muitos conhecem as minhas referências de Cambor (Cherno Al Hadj Mamagari Djaló) e de Piche (Duarte Embaló, Comandante do Pel Mil e o meu guia predilecto Amejara).
Desculpem estes devaneios, mas nenhum dos combatentes, que teve a sorte de regressar do Ultramar, jamais foi e será o mesmo.
A Guerra nunca acaba para aqueles que se bateram em combate !!!
Alfa Bravo para vós.
Luis Borrega
OBS:-Negritos da responsabilidade do editor
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 12 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3880: Blogoterapia (91): Eu, Ranger, me confesso: todos iguais, todos diferentes (Paulo Salgado / Magalhães Ribeiro)
Guiné 63/74 - P3921: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (8): Um poema chinês do Séc. VIII com dedicatória à malta de Matosinhos (A. Graça de Abreu)
O A. Graça de Abreu, "em traje comunista", em Shanghai.
Fotos: © António Graça de Abreu (2009). Direitos reservados
Os Seres, Saberes e Lazeres (8) > Du Fu (712-770), um poeta chinês, e a nossa Guiné (*)
por António Graça de Abreu (**)
Há umas três semanas atrás, quando da apresentação do site da Guerra Colonial, da Associação 25 de Abril, na Academia Militar, disse ao nosso comandante e tertuliano-mor Luís Graça que me diluo pelos dias atarefado, assoberbado com as esplendorosas dificuldades de traduzir mais um dos maiores poetas da China, de nome Du Fu (leia-se Tu Fu).
Esta é a minha quinta tradução, depois dos Poemas de Li Bai (701-762), Poemas de Bai Juyi (774-846), Poemas de Wang Wei (701-761) e Poemas de Han Shan (sec. VIII), todos editados em Macau, excepto o último que aguarda publicação.
Mas o que é que isto ver com a nossa Guiné?
Du Fu, o poeta que agora traduzo, nasceu em 712. A primeira parte da sua vida estendeu-se por uma existência de simples e depurados prazeres, anos requintamente vulgares. Depois, a partir de 750 e até 765 - Portugal então não existia, andávamos às voltas com os visigodos nos espaços que hoje são Aveiro, Santarém, Beja, etc. - o império chinês viveu uma das mais cruentas guerras da sua História. Du Fu testemunhou tudo isso.
A China contava com 56 milhões de almas, e nesse período, as rebeliões, os grandes combates, (chegavam a morrer cem mil homens numa só batalha!), mais a fome e a miséria do povo provocaram 12 milhões de mortos.
Qualquer semelhança com a nossa guerra da Guiné é estulta e insensata, quer dizer, está demasiado longe das realidades que vivemos em África.
Mas, com muitos séculos de permeio, homens made in China ou made in Portugal, todos somos gentes do mundo.
Traduzi o mês passado mais um poema de Du Fu, falecido em 770, e lembrei-me dos nossos camaradas da Guiné, e do álcool que então bebíamos às pázadas, era o nosso modo bem português de, fodidos, refodidos, “dar de beber à dor”.
Fernando Pessoa (1883-1935) dizia: “Boa é a vida, mas melhor é o vinho.” Como a nossa vida não era boa, o álcool era excelente.
Leiam o poema de Du Fu escrito em 754, e digam-me se estas palavras já com treze séculos têm ou não a ver connosco, camaradas da Guiné. E, mais importante do que todas as guerras, têm ou não a ver com a amizade que nos une.
Este (meu) poema de Du Fu (712-770), vai com dedicatória para os camaradas da Tabanca de Matosinhos.
Um forte abraço, meus amigos!
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Bêbado, uma canção
Muitos ascenderam ao topo da hierarquia,
tu, meu amigo, continuas a padecer ao frio.
Nas grandes mansões, empanturrados com iguarias,
tu, meu amigo, mal consegues uma malga de arroz.
A tua filosofia, um coração cristalino, pouca ambição,
o teu talento, superior ao dos letrados do passado.
Respeitado pela tua virtude, condenado, sem glória,
a deixar o teu nome para além dos séculos.
És um rústico que não é desta terra,
de cabelos finos, motivo de mofa e zombaria.
Queres arroz, vais ao celeiro imperial,
obténs ainda cinco colheres por dia,
mas se queres abrir o coração,
vem ter comigo, meu amigo.
Quando ganho umas tantas moedas,
cuido de ti, vamos gastá-las em vinho.
Que nos interessa a pompa, o luxo, as cortesias,
somos gente simples, descuidada e livre!...
Meu mestre, enchemos, bebemos as taças até ao fim,
em silêncio na noite da Primavera.
Lá fora, a chuva fina como flores
caindo dos telhados, apagando as lanternas.
Entoamos cânticos, animados, iluminados
por espíritos a montante, a jusante do rio.
Para quê pensar tanto no destino?
Sim, a fome, e por túmulo, uma vala qualquer.
Outrora, um grande poeta lavava canecas de vinho,
um ilustre letrado lançou-se de uma torre.
Quem somos nós, no fim de tudo?
Melhor retirarmo-nos cedo, voltar a lavrar a terra,
cuidar dos telhados de colmo, dos caminhos, do musgo.
Os ensinamentos de Confúcio, afinal para que servem?
Sábio, salteador de estradas, todos regressam ao pó.
Para quê tanta tristeza, tanto queixume?
Estamos vivos, vamos beber umas taças de vinho.
Du Fu (712-770)
(tradução: António Graça de Abreu)
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Notas de L.G.:
(*) Vd. últimpo poste da série > 7 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3579: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (7): A Toque de Caixa, com o Abílio Machado, ex-baladeiro de Bambadinca (Luís Graça)
(**) O António Graça de Abreu nasceu no Porto, em 1947, tendo-se licenciado em Filologia Germânica. É também Mestre em História pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.
Entre 1977 e 1983 leccionou Língua e Cultura Portuguesa nas Universidades de Pequim e Shanghai. Investigador da presença portuguesa na China, foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação Oriente.
Tem uma dúzia de livros publicados na área da Sinologia, da poesia e dos estudos luso-chineses. Vive no Estoril. É actualmente professor, na Escola de Ensino Secundário José Saramago, em Mafra. Disse-me recentemente que ia (ou estava a) tratar da reforma.
Traduziu para português O Pavilhão do Ocidente (1985), teatro clássico chinês, e os Poemas de Li Bai (1990) - Prémio Nacional de Tradução do Pen Club Português e da Associação Pirtuguesa de Tradutores, 1991 - , além dos Poemas de Bai Juyi (1991) e Poemas de Wang Wei (1993). É autor de China de Jade (1997), China de Seda (2001), Terra de Musgo e Alegria (2005) e China de Lótus (2006).
Na área da história, é co-autor de Sinica Lusitana, vol. I e II, (2000 e 2003). Escreveu também a biografia de D. Frei Alexandre de Gouveia, Bispo de Pequim, (1751-1808), Lisboa, Universidade Católica, 2004.
Pertenceu, entre 1996 e 2002, à direcção da European Association of Chinese Studies (Heidelberg e Oxford). Também eccionou Sinologia na Universidade Nova de Lisboa (1986/88) e no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (1997/99).
Como alferes miliciano, teve uma visão privilegiada da escalada da guerra da Guiné, entre 1972 a 1974, a partir do CAOP 1 a que pertenceu (Teixeira Pinto ou Canchungo, Mansoa e Cufar). Dessa sua experiência, do seu diário e dos mais de 300 aerogramas que escreveu, resultou o seu 12º livro, Diário da Guiné - Lama, Sangue e Água Pura, lançado em 2007. (Lisboa: Guerra e Paz, Editores. 2007. ISBN: 9789898014344. Preço: € 22.
Na resposta a um pergunta sobre os seus heróis, do famoso questionário de Proust, conduzido pelo PEN Clube Português de que é sócio, o António respondeu:
- Os soldados que morreram a meu lado na guerra da Guiné. (***).
Li Bai, poeta chinês do Séc. VIII (701-762), é um dos seus poetas preferidos, a par de Camões e de Wang Wei.
É casado com uma médica chinesa, de quem tem um filho, hoje estudante universitário. A mulher da sua vida não é, pois, a mesma a quem escreveu centenas de aerogramas quando estava na Guiné.
Tive o grato prazer de conhecer pessoalmente em 28 de Abril de 2007, em Pombal, no 2º encontro da nossa tertúlia. Depois disso, temos já nos encontrámos várias vezes. O António autografou-me e ofereceu-me boa parte dos seus livros, distinção que me honra, como camarada e amigo. Disse-me, na altura em que o conheci, que não desejava voltar à escrita sobre a guerra da Guiné, o que não é inteiramente verdade, já que o António tem sido um atento leitor do nosso blogue e um activo colaborador.
(***) Vd. Pen Clube Português > 30 PERGUNTAS A PARTIR DO QUESTIONÁRIO DE PROUST:
1. O que é para si a felicidade absoluta?
R- Paz, serenidade, amor
2. Qual considera ser o seu maior feito?
R- A minha tradução dos Poemas de Li Bai (701-762), Prémio Nacional de Tradução1990.
3. Qual a sua maior extravagância?
R- Amar.
4. Que palavra ou frase mais utiliza?
R- Não sei.
5. Qual o traço principal do seu carácter?
R- Generosidade, ingenuidade.
6. O seu pior defeito?
R- Teimosia.
7. Qual a sua maior mágoa?
R- Amores desavindos
8. Qual o seu maior sonho?
R- Amores não desavindos.
9. Qual o dia mais feliz da sua vida?
R- Aldeia Branca, início de Junho de 1985.
10. Qual a sua máxima preferida?
R- Se conheces, actua como homem que conhece, se não conheces, reconhece que não conheces. Isso é conhecer. (Confúcio disse!)
11. Onde (e como) gostaria de viver?
R- Canedo, Vila da Feira, numa casa sobranceira a um regato, na floresta com a mulher da minha vida.
12. Qual a sua cor preferida?
R- Verde.
13. Qual a sua flor preferida?
R- Lírios, rosas.
14. O animal que mais simpatia lhe merece?
R- O panda.
15. Que compositores prefere?
R- Beethoven, Mozart, Débussy.
16. Pintores de eleição?
R- Greco, Leonardo, Miguel Ângelo, Goya, Ingres.
17. Quais são os seus escritores favoritos?
R- Eça, Camilo, Cao Xueqin,
18. Quais os poetas da sua eleição?
R- Camões, Li Bai, Du Fu, Wang Wei.
19. O que mais aprecia nos seus amigos?
Honestidade, alegria de viver.
20.Quais são os seus heróis?
R- Os soldados que morreram a meu lado na guerra da Guiné.
21. Quais são os seus heróis predilectos na ficção?
R- Becky, de Tom Sawyer, (Mark Twain), Bao Yu do Sonho do Pavilhão Vermelho de Cao Xueqin (sec. XVIII).
22. Qual a sua personagem histórica favorita?
R- D.João II.
23. E qual é a sua personagem favorita na vida real?
R- Wang Hai Yuan.
24. Que qualidade(s) mais aprecia num homem?
R- A honestidade, a coragem, a lealdade.
25. Que qualidades mais aprecia numa mulher?
R- As mesmas, mais a beleza.
26.Que dom da natureza gostaria de possuir?
R- Uma enorme aptidão para ler e falar bem chinês.
27. Qual é para si a maior virtude?
R- A honestidade.
28. Como gostaria de morrer?
R- Em paz, de repente, concluídos todos os grandes trabalhos.
29. Se pudesse escolher como regressar, quem gostaria de ser?
R- Um grande mandarim chinês do século XVIII.
30. Qual é o seu lema de vida?
R- Amar, trabalhar, descansar.
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009
Guiné 63/74 - P3920: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (2): Opção inicial, uma tabanca algures no sul, segundo Luís Cabral (Nelson Herbert)
Assunto - Madina do Boé (**)
Caro Luís e Virgínio
Não creio na minha óptica ser muito difícil precisar as coordenadas do local, onde a 24 de Setembro de 1973 se proclamou a independência da Guiné Bissau, em Madina de Boé. Digo isto pelo simples facto do local ter sido - num dos últimos dois anos, se não me falha a memória - palco central das comemorações de mais um aniversário da data e de alguns dos protagonistas do acto fazerem ainda parte do mundo dos vivos.
Recordo entretanto que, numa das conversas mantidas com um dos comandantes guineenses da guerrilha do PAIGC, por sinal na altura exilado em Cabo Verde, na sequência do Golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980 (***), foi-me dito que inicialmente Madina de Boé esteve longe dos planos do PAIGC, como local adequado para a proclamação da independência do território. E mais que a primeira opção teria sido inclusive uma tabanca ou área na altura controlada pela guerrilha, no sul do territorio.
E recentemente em conversa com o antigo presidente guineense, Luís Cabral, foi-me de facto onfirmada essa versão. Só que, traído pela memória, Luís Cabral não me soube precisar com exactidão, a referência da tabanca em questão.
No que tange a Madina de Boé, insiste na ideia de que, como opção acabou por ter o seu efeito-surpresa, por não ter sido a escolha inicial.
Terá sido ? Será essa uma das plausíveis justificações para que o local não tivesse sido alvo de bombardeamentos da aviação portuguesa ?
Mais uma acha na fogueira!
Mantenhas
Nelson Herbert
Journalist-Editor / Editor e Jornalista
Voice of America / Voz da América
Washington, DC, USA
________________
Notas de L.G.:
(*) Vd. postes de:
16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2652: Guineenses da diáspora (3): Nelson Herbert, o nosso Correspondente nos EUA (Virgínio Briote)
30 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P3004: PAIGC: Op Amílcar Cabral: A batalha de Guileje, 18-25 de Maio de 1973 (Osvaldo Lopes da Silva / Nelson Herbert)
(**) Vd. poste de 18 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3911: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (1): Em 1995, confirmaram-me que o local da cerimónia foi mais a sul (Miguel Pessoa)
(***) Organizado por João Bernardo Vieira, Nino, contra o Presidente Luís Cabral (n. 1931), que foi derrubado, e seguiu para o exílio em Portugal.
Guiné 63/74 - P3919: Dicas para o viajante e o turista (8): Uma ida às terras de Mampatá (António Carvalho e Manuel Reis)
Caro Manuel Reis
Estive em Mampatá, Cart 6250, entre 1972 e 1974.
Inaugurámos Colibuia por volta de Maio de 1973 e lembro-me de estar lá e ouvir os ataques a Guilege. Colibuia Cumbidjã e Nhacobá são topónimos da Guiné que nunca esquecerei. Espero rever esses e outros lugares daquela região do Tombali, muito brevemente pois partirei para lá no dia 20 de Fevereiro.
Muito gostaria que viesses almoçar com rapaziada da Guiné (ex-combatentes) no próximo dia 11 ou 18 ao restaurante Milho Rei a Matosinhos.
António Carvalho
2. Mensagem de Manuel Augusto Reis com data de 9 de Fevereiro, dirigida a Luís Graça:
Olha Luís já precisava de uma mensagem destas depois de tanta pancada! Agora vou falar com o Carvalho.
Amigo Carvalho:
Gostava de compartilhar convosco um dos vossos almoços. Mas de momento não me é possível, há compromissos asumidos que terei de respeitar.
Gostava de ir convosco no dia 20 até às tuas terras de Mampatá. Parávamos lá sempre que íamos à água a Aldeia Formosa (outros tempos).
Gostava também de saber como organizam as vossas idas à Guiné. Já lá estive, mas não vi o que desejava ver. Tive pena de não poder ir a Colibuia e a Cumbijã, mas serviço é serviço.
Vais encontrar gente boa, que te vão receber bem. Eles, os africanos, nutrem por nós portugueses um carinho muito especial. É nisto que sinto orgulho em ser português, que nos distingue dos outros povos colonizadores. Não é pela guerra, ou pela nossa valentia, é pela nossa postura. Como soubemos estar e como, ainda hoje, estamos.
Deves ter um programa bem delineado. Uma sugestão apenas: Se puderes fazer a picada de Mampatá até Cacine, leva uma máquina de filmar e/ou de fotografar. Tens imagens fabulosas, principalmente na zona Porto Banana. A picada há 5 anos era boa.
Uma boa estadia. Depois diz alguma coisa.
Um abraço
Manuel Reis
Ex-Alf Mil
CCAV 8350
Guileje
__________
Notas de CV:
(*) António Carvalho ex-Fur Mil Enf da CART 6250, Mampatá, 1972/74, membro da Tabanca de Matosinhos que todas as quartas-feiras se reune no Restaurante Milho Rei, em Matosinhos.
(**) Vd. poste de 8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3853: Apontamentos sobre Guileje e Gadamael (Manuel Reis) (3): Lágrimas no desarmamento dos milícias de Cumbijã, em Agosto de 1974
Vd. último poste da série de 29 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3812: Dicas para o viajante e o turista (7): Viagens pelo sul da Guiné-Bissau (Patrício Ribeiro)
Guiné 63/74 - P3918: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (10): Bula-Janeiro de 1971
Amigo Vinhal
Segue mais uma estória de “Viagem à volta das minhas memórias” que relembra situações de um mês atribulado.
Um abraço extensivo ao Luís e ao Virgínio e a toda a Tertúlia
Luís Faria
Bula – Janeiro de 1971
O Natal de 1970 passei-o ao relento com o meu 2.º GComb, saboreando a ração de combate, sob um manto de estrelas vigilantes como nós, numa emboscada preventiva a um inimigo que nesse noite e dia não compareceu.
O Dezembro findou e sem que tenha qualquer lembrança da Passagem do Ano, entrei no Janeiro de 1971 com mudanças na Força, tendo o 4.º GComb sido deslocado para Teixeira Pinto logo nos primeiros dias, com missão de protecção (creio) à construção da estrada Teixeira Pinto - Cacheu. E com ele lá foram o Fontinha, o Chaves e outros amigos e companheiros.
Por Bula fiquei com a restante 2791, na rotina das emboscadas de segurança e patrulhamentos de intercepção, nas laterais da estrada Bula - S. Vicente e outras.
Tudo corria normalmente até que no dia 19 de Janeiro a coluna auto que transportava o GComb da CCaç 2790 (GComb do Alf António Matos) é emboscado, creio que ao K12 da estrada de S. Vicente, causando a morte a um Furriel e dois Soldados da Companhia açoriana e o segundo morto extemporâneo e sem nexo da 2791, o Soldado Condutor Auto que conduzia a viatura, António Ferreira. Era a segunda morte, estúpida, da Companhia no curto espaço de um mês!
Não sei se por causa deste acontecimento, o meu 2.º GComb é enviado na noite seguinte para Ponta Matar com objectivo de interceptar o grupo In que não teria passado para Choquemone.
O pessoal sai, outra vez os olheiros e a bicha de pirilau percorre a distância durante a noite sem luar até ao K10 (julgo) onde inflectimos para oeste, em direcção a Ponta Matar.
Não tínhamos ainda chegado à orla da mata e começa o embrulho. Na altura ia a meio do Grupo o que não era normal e o espassamento do pessoal era curto por causa da visibilidade na noite. Ouvia as chicotadas e alguns clarões dos disparos. Os tiros eram baixos, estávamos em campo praticamente aberto e eles estavam na orla da mata. O pessoal ripostou como pode, orientando-se pelos clarões dos disparos.
Acabado o confronto e com um ferido ligeiro que não obrigou a evacuação, há que reunir e pedir ao Comando ordem para abortar a operação, pois considerávamos que a continuar íamos de certeza ter problemas prolongados e muito graves. Por fim o Comando aceitou, abortou-se a operação e regressámos ao quartel.
Nessa tarde e como de tantas outras vezes, fui dar uma volta pela Vila e beber umas cervejas no Silva onde às tantas, no meio de uma conversata um civil referindo-se à nossa operação diz mais ou menos isto:
- Então logo Furié vai p’ra lá outra vez?! - Não liguei, estava em conversa da treta.
Regressado ao quartel, sigo os rituais normais, umas leituras, uns toques de viola, umas conversas com os amigalhaços, até que chega a hora do briefing onde me é e ao Castro comunicada a ordem de preparar o Grupo para à noite arrancarmos de novo para a zona de Ponta Matar! Do subconsciente passou ao consciente a boca da tarde: - Logo vai p ’ra lá outra vez! Fiquei estupefacto e encara… como era possível?! E contei o que se tinha passado. Reclamei, protestei, argumentei… mas sem resultados. Eram ordens do Comando… e passada uma dúzia de horas de termos regressado, lá sai de novo o 2.º Grupo em direcção a Braque, Belibar e Ponta Matar (por inclusão considerava-as matas de Ponta Matar) com o objectivo de patrulhamento, detecção de acampamentos, intercepção do IN que andava na zona, com intuito eventual de passagem para Sul ou preparação de ataque a Bula.
Era uma operação arriscada, pois concerteza iriam estar à nossa espera. Os cuidados foram redobrados e os soldados nada sabiam da conversa, pois não era preciso mais aviso do que o que acontecera umas horas antes. A entrada na mata fez-se por sitio diferente e a corta-mato
Estas matas eram, ao que lembro, muito mais densas do que as do Choquemone, com zonas arbustivas em que os ramos se entrelaçavam de tal maneira que era praticamente impossível penetrar, entremeadas por embondeiros de grande porte e árvores normais para além do capim que muitas vezes era mais alto do que nós. Nelas estive em zonas onde o sol quase não entrava, e a lembrança do cheiro a que eu chamava cheiro a formigas mortas, ainda hoje me estimula a pituitária.
Entrados na mata, o corta-mato cauteloso continua sempre que possível e quando o amanhecer chega, já estamos bem embrenhados na vegetação sem haver sinal de termos sido detectados nem de presença IN.
A evaporação da humidade do solo é bem visível, formando uma espécie de neblina. Os sentidos estão alerta e atentos ao ambiente envolvente. Sempre que se pressente algo, pára-se, observa-se, escuta-se, por vezes aproveita-se para comer algo da ração, já que nas operações não fazíamos estacionamento. O Choquemone tinha-nos ensinado!
Numa dessas paragens, a manhã já ia alta, grande parte do patrulhamento está feito e estou sentado entre as raízes(?) de um embondeiro (cabaceira). Ouço um tiro próximo à minha esquerda, logo de seguida um outro. O pessoal ficou em silencio absoluto. Chamo o Augusto (o meu sobrinho por ser mais baixo, olhos azuis, cabelo loiro e bigode estilo o meu) e digo-lhe:
- Consegue trepar a essa árvore? - Tendo assentido, disse-lhe para o fazer, ver o que se passava e caso começassem os tiros para descer de imediato. Ouço outro tiro, desta vez mais longe e pela minha frente, no sentido da nossa progressão. O Augusto não vê ninguém e desce. Estou convencido que detectaram tardiamente o trilho da nossa entrada e patrulham. Instantes depois arrancámos seguindo na direcção do último tiro e nada encontrámos, nada aconteceu.
Inflectimos em direcção à estrada para regresso e começa o fogachal de que a única coisa que recordo é de ter sido com grande intensidade e pela primeira vez ter distinguido as morteiradas a caírem próximas.
Não tivemos feridos e do IN não vi vestígios. Mais tarde, talvez por informações, soube que tinham sofrido nas duas operações mortos e bastantes feridos?!
Regressado ao quartel, reentro na rotina e assim ando até 28 de Janeiro, dia em que o Urbano me concede a tal balda por doença (!?!) que me permite um dia de descanso.
Nesse mesmo dia o quartel é flagelado com 6 foguetes 122 que não atingem o objectivo e caem na zona da pista, por detrás do quartel. Às peripécias deste dia farei referência mais tarde.
Um abraço a todos
Luís Faria
Bula - Luís Faria em Ponta Matar
Foto: © Luís Faria (2009). Direitos reservados.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 10 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3867: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (9): Periquito quase depenado
Guiné 63/74 - P3917: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (4): Não cobiçar a mulher do próximo
Caro Carlos
Envio esta história, de um africano que foi surpreendido pelo seu melhor amigo.
Sabia bem, quando chegava o silêncio, com a noite já adiantada e sem vontade de dormir, ir até à entrada principal saborear um cigarro, ver o pouco ou mesmo escasso movimento na estrada e conversar um pouco com o camarada que lá estava fazendo a guarda ao hospital.
Entre as 6 horas da tarde e as 6 da manhã, a guarda era feita por militares vindos dos Adidos.
Numa dessas noites, pelas 0h30, estando tudo em silêncio e nem sequer havendo movimento de viaturas na estrada, avistámos, vindo do lado de baixo pela berma direita da estrada, um vulto cambaleando. Comentámos:
-Grande bebedeira que aquele traz.
Quando já estava quase perto de nós, tenta atravessar a estrada em nossa direcção mas… a meio pára, lentamente começa a enfraquecer das pernas, aproximo-me dele, meto meu braço por baixo do dele e a mão nas costas para o amparar, surpresa, minha mão se ensopa num liquido quente e viscoso ficando toda vermelha. Pergunto:
- Que foi isto?
- Foi o meu melhor amigo.
Colocado numa maca e levado para dentro, se veio a ver que o amigo o tinha condecorado com uma catanada que lhe atravessou as costas do ombro direito à cintura esquerda, (/) vamos lá, meio X.
Quem tinha amigos assim, na sua ausência, não devia ir à tabanca deles meter a foice em seara alheia.
Talvez a companheira deste amigo fosse a mais perita em exercícios sexuais e ele foi apanhado a fazer flexões.
Depois de tratado, foi transferido para o Hospital Civil.
Quando teve alta, não sei se voltou à tabanca para acabar o trabalho ou se foi para o amigo lhe completar a letra.
Um abraço
António Paiva
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Vd. último poste da série de 22 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3775: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (3): Ir a Mansoa, não é perigoso?
Guiné 63/74 - P3916: Tabanca Grande (121): Giselda Antunes Pessoa, 2.º Srgt Grad Enfermeira Pára-quedista (Guiné, 1972/74)
A ex-Enf Pára-quedista Giselda Antunes recebendo das mãos do, então CEMFA, General Taveira Martins, um Diploma de agradecimento e reconhecimento pelos serviços prestados em prol dos combatentes feridos em combate, e não só. Esta homenagem que ocorreu em 20 de Junho de 2006, foi feita a TODAS as Enfermeiras Pára-quedistas, com a entrega de diplomas individuais.
Diploma de agradecimento entregue à Srgt Enf Pára-quedistas pelo CEMFA, devido ao serviço que prestou à FAP entre Agosto de 1970 e Maio de 1974.
Guiné-Bissau > 1995 > Giselda Antunes Pessoa entre os despojos do Império Fotos: © Miguel Pessoa (2009). Direitos reservados.
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Nota do editor CV:
Vd. último poste da série de 17 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3908: Tabanca Grande (120): José Carmino Videira Azevedo, ex-Soldado Cond Auto Rodas da CCAV 2487/BCAV 2868 (Bula, 1969/71)
Sobre as enfermeiras pára-quedistas ver poste de: 20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3914: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (1): Uma brincadeira (machista...) em terra dos Lassas (Mário Fitas)
Guiné 63/74 - P3915: Cancioneiro do Cantanhez (1): De Cafal Balanta a Cafine, Cobumba, Chugué, Dugal, Fatim... (Manuel Maia)
Fotos: © Manuel Maia (2009). Direitos reservados
Texto enviado por Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine (1972/74)
por Manuel Maia (**)
34
O grupo, sem alferes, foi comandado
por Maia, o mais antigo graduado,
na zona onde actuavam fuzileiros.
Com Zé Maria,Moura e os rapazes
mostrámos ser também assaz capazes,
ao nível dos melhores entre os primeiros...
35
Um dia, Paiva, furriel Cafal,
tentado p´lo viçoso laranjal
avança resoluto p´ros citrinos...
Com dois soldados, sacos carregados,
a tiro logo ali são atacados,
salvando-lhes os fuzas seus destinos...
36
Corria a madrugada e um fogachal,
estremecendo arame de Cafal,
semeia o medo e o caos de repente.
Passado instante a malta então reage,
põe cobro ao grande arrojo, vil ultraje,
e expulsa do sector a turra gente...
37
P´ra registar estudos fluviais,
Marinha requereu que junto ao cais
Terríveis protegessem seu pessoal.
De noite,ao serviço da secção,
Barbosa levou tiro de raspão,
por ter cigarro aceso em breu total...
38
Cafine era o local, que foi criado,
por este grupo, mais sacrificado,
para alojar orquestra(i) p´ra chegar.
Começa ali a saga tabancal
com chapa/zinco, adobe tinto a cal,
reordenando as gentes do lugar...
(i) pessoal que não ia ao mato
39
Já fartos de gazela estilhaçada,
trouxemos p´ro quartel uma manada,
de vacas inimigas para abate.
Tão logo, via rádio uma mensagem,
obriga a soltar gado na pastagem
p´ra lá da tal bolanha, onde há combate...
40
Psícola foi termo conhecido
p´ra referir acções em que o sentido
visava dar aos afros importância...
Não raro, exageros se cometem
que as posições da tropa comprometem
esvaziando à ideia, a relevância...
41
Reconheceu Bissau o empenhamento
na luta feita guerra e sofrimento,
daí o prémio DUGAL, merecido.
Com grupo no CHUGUÉ, outro em FATIM,
´speramos comissão chegar ao fim,
felizes por saber dever cumprido...
42
Depois de nove meses/sacrifício,
vivendo ou vegetando(?) em tal suplício,
na terra onde a fartura era de balas.
As casas chapa/zinco construídas
p´ras gentes das aldeias destruídas,
seriam a razão p´ra fazer malas...
43
P´ra trás ficava tudo que era horrendo,
buraco, casa/campa, algo tremendo,
da sub-humana vida experimentada.
CAFAL, a sensação mais dolorosa
jogados para zona mais perigosa,
na frente da bolanha atribulada...
44
Saídos do inferno de CAFAL,
rumamos,p´ra CAFINE,em zona igual,
dois grupos p´ra COBUMBA, uma outra frente.
Chegados a FATIM vimos o céu,
que o CHUGUÉ, certamente também deu,
e o DUGAL emprestou, seguramente...
45
Na hora de partir, já eminente,
desgraça surgiria,em acidente,
p´ra todos nós da forma mais brutal...
buscando últimas prendas na cidade,
partiram, moderada velocidade,
uns quantos furriéis,para seu mal...
46
Foi junto a NHACRA, rádio emissora,
soltou-se o banco em tão maldita hora,
no asfalto AFONSO e LIMA caem sós.
Enquanto o transmontano se finou,
co´a morte açoreano ´inda lutou,
p´ra se apagar dois dias logo após...
47
Roubados de entre nós pela má sina,
de forma tão marcante,e repentina,
lembrá-los deixa os olhos rasos de água.
Um ar sereno e calmo AFONSO tinha,
enorme coração LIMA detinha,
tristeza, choros, raiva, a nossa mágoa...
48
Nem tudo correu bem, infelizmente,
morrendo quatro tão precocemente,
bem novos para estarem de partida.
A crise de asma um deles sucumbia,
enquanto alcoolizado outro fugia,
desastre aos outros dois roubou a vida...
49
Varreram-se, já, nomes da memória
p´ra deles ter registo nesta história
que foi a nossa, grada mas sofrida...
assim, requeiro a todos o favor
de fornecerem dados com rigor
lembrando uma ocorrência, bem vivida...
50
Foi PRATA a comandar grupo primeiro,
LINDORO no segundo a timoneiro,
ALMEIDA do seguinte a tomar norte.
No quarto é de OLIVEIRA a condução,
justiça leva ALMEIDA e chega então,
um pira p´ra africana,antes do FORTE...
51
BARRADAS, GINJA, são profissionais,
milicianos todos os demais
sargentos desta nossa companhia...
CASEIRO, VIOLANTE, AFONSO, ANTUNES,
dos p´rigos lá do mato estão imunes,
à banda dão fulgor, categoria...
52
CORTEZ ruma a Bissau, cunha é TRANSPORTE,
NAVEGA tem na escuta a mesma sorte,
na urbe encontra ALMEIDA o paradeiro.
Um curso de tabanca p´ro FRAGOSA,
a paz da secretária MARTINS goza,
dos negros,professor,foi o CORDEIRO.
53
RIBEIRO,pira calmo e recatado,
TEIXEIRA, um brincalhão endiabrado,
de paciência feito o ZÉ MARIA.
São LIMA e MOURA dois homens de mato,
tal como o BRITO, embora mais novato,
no MAIA, a irreverência contagia...
[Oitava decassilábica]
Olhando a vida à volta do passado,
imposição/catarse necessária,
revejo,a breve instante emocionado,
AFONSO (ii), mente sã e libertária
da guerra interventor mas desfasado...
ao lado em postura solidária,
ANTUNES enfermeiro brincalhão,
e LIMA (iii), um enorme coração.
(ii) Afonso, furriel miliciano de transmissões morto em acidente na semana da partida.
(iii) Lima, furriel miliciano de Op Esp, morto em acidente na semana da partida.
Antunes, furriel miliciano enfermeiro, morto em acidente pouco depois da chegada
_________
Notas de L.G.
(*) Vd. poste de 13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3886: Tabanca Grande (118): Manuel Maia, ex-Fur Mil, o poeta épico da 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72 , o Camões do Cantanhez
(**) 14 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3890: Tabanca Grande (119): Apresentação de Manuel Maia ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (Guiné, 1972/74)
Guiné 63/74 - P3914: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (1): Uma brincadeira (machista...) em terra dos Lassas (Mário Fitas)
Guiné > Região de Tombali > CCAÇ 763 (2 de Março de 1965/1o de Novembro de 1966) > Os Lassas, como eram, conhecidos, usaram cães de guerra (creio que foi a primeira e única experiência no CTIG) e eram comandados por um famoso cabo de guera, o leão de Cufar, Cap Costa Campos. Foram a última unidade de quadrícula (leia-se: tropa-macaca) a meter os pés no Cantanhez. Depois deles é preciso esperar pela tentativa, em Novembro/Dezembro de 1972, de reocupar esta mítica mata, a jóia da coroa do PAIGC.
Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/66) > Uma enfermeira pára-quedista no meio dos Lassas... O ex-Alf Pil Al III, Jorge Félix, membro da nossa Tabnaca Grande, identificou esta enfermeira, como sendo a Ivone.
Fotos: © Mário Fitas(2008). Direitos reservados.
O Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCaç 763, Cufar, 1965/66, é autor de duas obras, de conteúdo autobiográfico, Putos, Gandulos e Guerra e Pami, Na Dondo a Guerrilheira (*), fortemente marcadas pelas sua dura e rica experiência, tanto militar como humana, na Região de Tombali. Tem sido um entusiástico e empenhadíssimo membro da nossa Tabanca, com um coração do tamanho do seu Alentejo, além de um homem dos sete ofícios e talentos (**).
Aqui vai a mensagem mais recente que me mandou:
Luís, tendo em atenção o que se tem escrito no Blogue sobre a FAP e resultante do extraordinário relacionamento da CCAÇ 763 com o pessoal da Força Aérea e da Marinha, bem como dos nossos Anjos, as Enfermeiras Pára-quedistas que muito passaram por Cufar, anexo um naco de Putos, Gandulos e Guerra onde se pode verificar o reconhecimento dos Lassas, e um pouco de brincadeira, tão necessária por vezes naquele isolamento.
Dou conhecimento também ao Victor Barata, não só por ele ter identificado o Pilav Ribeiro, do T6 aterrando com o motor gripado em Cufar, bem como o seu Parelha, mas também como agradecimento aos Melec que acompanhavam os Pilotos nas evacuações de mortos e feridos. Para as nossas enfermeiras, a brincadeira em terra dos Lassas.
Já há aí fotos de pessoal da FAP e de enfermeiras pára-quedistas que passaram por Cufar. Noutros e-mail, mandarei algumas que não sei se serão repetição. Para todos, sem distinção nem majoração que passaram por aquela Terra, o abraço de sempre do tamanho do Cumbijã. Mário Fitas .
Pois, é, Mário, vou aproveitar a tua embalagem para dar início a uma série que fica aberta à publicação de testemunhos e depoimentos sobre as enfermeiras pára-quedistas que serviram no CTIG. Um abraço do tamanho do Geba. L.G.
Capa do livro de Mário Vicente,
Putos, Gandulos e Guerra .
Ed. de autor (Cucujães, 2000).
Em louvor da Força Aérea e da Marinha,
por Mário Fitas
(...) Mais Audaz localiza tudo e faz duas picagens. Vagabundo rádio sintonizado com o ar, ouve nitidamente o tenente piloto dizer:
- Só vejo malta a rebolar... estou a atingir em cheio... vou picar novamente e gastar os últimos roquetes.
E assim faz, aparecendo por sobre o tarrafo do lado do cais, o piloto faz nova picagem e sobe sobre a mata de Caboxanque.
Ficamos suspensos por momentos, pois o piloto informa:
- Fui atingido, vou tentar aterrar em Cufar! (***)
Corações pequeninos ouvimos que o Mais Audaz tinha conseguido. O avião a tocar o solo da pista de Cufar e o motor a gripar. O aparelho tinha sofrido dezassete impactes, um dos quais perfurara o depósito do óleo esvaziando-o por completo.
O contacto com o IN continua forte. Alertadas, entretanto chegam a Vedeta e duas LDM e com o seu auxílio o IN foi reduzido ao silêncio.
Soube-se depois, e ficará gravada na história dos Lassas, que tínhamos tido à nossa espera, no caminho que dava acesso ao cais de Caboxanque, nada menos nada mais que uma Companhia do Exército Popular, comandada pelo Comandante Nino.
Obrigado Alfa, FAP e Marinha, pois estaríamos feitos em merda se não fosseis vós.
Nunca será pouco enaltecer os amigos fuzos e marinheiros e aquilo que por nós fizeram com as suas lanchas e vedetas.
Aos pilotos e enfermeiras páras, bastará o conhecimento de Cufar para saberem como estamos gratos por tudo.
É claro que nem tudo foram rosas!
Havendo uma grande operação dos fuzos na zona de Cabedu, foi montado o posto de comando e evacuação em Cufar, derivado à sua bela pista.
Hospital de campanha montado, por escala os Vagabundos de Piquete; com o seu comandante furriel Mamadu, vestido à maneira do mato - calção e camisa de caqui, bota de lona e boina preta, sem divisas e, em vez de carregar com a G3, pistola à cinta caindo do cinturão à pistoleiro - faziam segurança às aeronaves estacionadas na pista.
Segurança montada, rendição feita e toda a malta almoçada, calor de rachar, toca de espreguiçar na maca do improvisado hospital de campanha. Juntam-se alguns soldados em volta de Mamadu e começam as anedotas e histórias da vida de cada um.
Tudo muito bem, só que o almoço no comando foi mais rápido do que se esperava.
Mamadu, delirando contar e ouvir uma anedotazinha, contava aquela do dramático caso do patrício que se queria suicidar e, subindo ao quinto andar do prédio, de lá gritava que estava farto da vida e que se iria mandar dali a baixo; o povoléu juntou-se todo à espera do desfecho do drama, quando a mulher do suicida em desespero gritou:
- Oh homem, não faças isso porque eu só te pus os cornos, não te pus asas!
Estava Mamadu e aquela malta toda na bagunçada, quando de repente aparece a enfermeira alferes pára.
Ao ver a malta por ali sentada, correu com a soldadesca toda. Mamadu, agora sentado na maca, também ele teve ordem de despejo para se pôr a andar. Verificando o protagonismo que a Sra. Alferes estava a tomar, o furriel resolveu também manter o seu. Deu-se então um diálogo interessante.
Mamadu desceu da maca e informou:
- Saiba Vossa Senhoria, meu alferes, que eu não vou abandonar esta posição, se há alguém que tenha de pedir autorização para permanecer neste local não sou eu, pois quem é aqui o responsável neste momento, é este maltrapilho do mato e que se apresenta a Vossa Senhoria, Furriel Miliciano Mamadu, comandante do Piquete com a responsabilidade total pela segurança desta tenda, bem como de todas as aeronaves que se encontram na pista. Não tenho as divisas nos ombros, porque no mato é adorno que não usamos. A boina preta está superiormente autorizada.
Grande discurso!...
A Sra. Alferes enfermeira sorriu e repostou:
- São todos iguais, têm todos a escola do vosso capitão!... Mas bem podia estar com roupa em condições!
- Saiba, a Sra., Meu alferes, que a minha lavadeira Miriam se encontra em Catió com montes de roupa à espera de portador, pelo que não posso ter a honra de lhe satisfazer o desejo. Mas, como sabe melhor do que eu, para morrer tanto faz estar de smoking como de camisa rota, o importante é estar lavada!
- Machistas de merda!
Foi a resposta que o furriel recebeu. Tinha razão a alferes enfermeira!
Extractos de: Putos, Gandulos e Guerra, de Mário Vicente. Ed. autor, Cucujães, 2000. pp. 99-101
__________
Notas de L.G.:
(*) Vd. postes de 28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2593: Pami Na Dondo, a Guerrilheira , de Mário Vicente (11) - Parte X: O preço da liberdade (Fim)
(**) Vd. poste de 27 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3096: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (2): Pirogravuras, de Mário Fitas
(***) 16 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2443: Pami Na Dono, a Guerrilheira, de Mário Vicente (8) - Parte VII: O prisioneiro Malan é usado como guia (Mário Fitas)
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
Guiné 63/74 - P3913: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (3): Quanta chuva, Mário ?
Caro Luís Graça,
Remeto mais um texto que a minha mãe escreveu para o Blogue.
Ela lamenta que seja um pouco chocante. Mas foi assim que se passou.
Cumprimentos,
Joana
2. Em Bissau, controlado desespero (III)
Inquieta quietude
[Título e fixação do texto: Editores C.V. / L.G.]
Começaram as visitas. Primeiro, as minhas; depois, as dele, que tinha licença para ver-me em casa. Vivemos tardes de amor. E eu, sozinha, passava as manhãs na rua, comprando cajus e cocos no mercado, algumas folhas de cola, uma curiosidade.
Diziam que aquilo dava força e experimentei. Dava mesmo. Da experiência científica soltou-se um energético e solitário charleston (não há mais divertida – e difícil – dança de precário equilíbrio de pés, do corpo todo, aparentemente desconjuntado!). Nesse estado me encontrou, uma vez, a bajuda. Deitei-lhe a língua de fora. E ela abanou-me, empurrou-me para a casa de banho. E, no espelho, vi uma palhaça, de língua encarnada, que ria, ria… Bastava de loucuras. Lavei, escovei, o vermelhão fora-se. Mas, no meu sistema, dissipara-se a moleza tropical.
Claríssimas manhãs de Bissau.
Insomne, já nem dois comprimidos me ajudavam, atravessava as noites e, cedo, postava-me à janela que se abria sobre o pátio, aguardando a chegada da Joana. Dava-lhe escassas ordens e partia, buscando o sombreado das árvores, atenta à inigualável beleza dos nativos, fulas, futa-fulas, mandingas, os mais belos. Às sabadoras brancas, ao colorido dos panos femininos, ao comportamento dos periquitos e maçaricos, às crianças com os pequenos rostos manchados de tinha, às vozes agudas, às risadas, ao meu leproso. Não comprava nada, nada me induzia aos gastos em sedas libanesas.
Pessoas havia que já me conheciam:
-Corpo s’tá bom?
-S’tá bom.
Conhecera uma senhora cuja avó ainda fora animista. Decidi perguntar à minha bajuda Joana, manjaca era ela. Fui ao pátio, coloquei os dedos na terra, acariciei um cacto, abri os braços, fiz de pássaro… depois, o sinal da cruz:
– Eu, cristã… e tu? – um dedo no seu peito. E ela, muito séria, persignou-se:
- Avemaria... - disse.
Que sabia ela do significado daquela oração? Afinal, de animismo nada aprenderia, e só, muitos anos volvidos, assistiria a uma prática de culto animista, numa longínqua montanha da cadeia do Pamir…
De resto, outras coisas me ocupavam. Como matar a fome? Que cozinhar? Como chegar ao hotel, para jantar, fugindo aos assobios e a um provável beliscão da tropa branca?
Em breve, muito em breve, o Mário chegaria a casa. Faria transportar duas camas do Q.G. e armá-las-ia no meu quarto, com grande estrondo.
Andava inquieto, expectante.
A poucos dias do seu aniversário (31 de Maio), consegui, por intermédio de um vizinho, bacalhau. E foi, enquanto preparava o enorme pirex de arroz, receita longa e complicada, que, súbita, irrompeu a estação das chuvas. O Mário não estava.
Chovia em catadupas. Corri para a rua, molhei-me toda, voltei ao forno, a roupa a secar-se-me no corpo.
Trinta e um de Maio de 1970. Quanta chuva, Mário? Vinte e cinco.
Um dia, dois dias, quantos, antes que ele partisse? Não recordo. Na sua ausência, um outro amor crescera – Bissau, a suja, colorida, mal crescida cidade africana, o cinzento opaco do Geba, junto ao cais, o céu atravessado de helicópteros, suspensas notícias, indo e vindo, silêncio povoado pelo longínquo matraquear do medo.
Nela aprendi que o belo não é o perfeito, que o belo pode ser, também, o feio em ignota desmesura, estado de alma, inquieta quietude, inesperada transigência.
Mas foi, talvez, no segundo dia após o seu aniversário, que o meu marido começou, à noite, a tirar, de cima do armário, malas e sacos (“Eh, menino, esse saco é meu!”, perdi-o). Atirava, lá para dentro, roupas, os livros, os discos, todos os seus pertences. Olhava, espantada, o renascer da obsessão. Que dormisse eu, disse. Ele iria muito cedo. Virou-se para a parede, adormeceu. Mas eu, não.
E muito, muito cedo, já vestida, ao canto da janela, aguardava o dia. Ele enfiava o camuflado, bem passado. Corri à casa de banho, arrebatei a gilette, o creme de barbear, a pasta, o pente, a água-de-colónia que lhe dera. Saco adentro! Um beijo de raspão na face do "adorado amor”. Corri atrás dele, batera com a porta, não a abriria eu.
Despi-me de novo, sem fome. Dois comprimidos de Vesparax chegariam? Chegaram. E fez-se noite.
Não dera por nada, por ninguém. Arrastei-me, ensonada, até à cozinha. O interminável bacalhau, lá estava ele, no frigorífico. E, com o pano dos tachos sobre a mesa, a colher de sopa na mão, comi-o gelado, de dentro do pirex. Lá iria, de novo, o meu manjar para o frio.
Peguei num livro, atirei-o contra a parede.
Há coisas que nos ficam na memória. Essa de me levantar e afagar a capa do livro é uma delas. E, depois, outra: as luzes apagaram-se, calou-se a ventoinha. Tacteando, lá descobri o copo e os comprimidos. Dois? Três? – Já não sei.
Foi só com o barulho da porta da entrada, que alguém parecia querer deitar abaixo, que acordei.
- Joana - gritava - A porta. O meu… o meu….
Não era capaz de me lembrar de como se dizia “roupão”. Mas a bajuda, certeira, percebeu e atirou-mo, saiu correndo, abriu a porta.
Ali estava, já tarde, na soleira, o Alexandre, boininha debaixo do braço, prazenteiro.
- Então o que era aquilo? - perguntava, e eu:
- Que dia é hoje? Quando é que o Mário foi?- E ele:
- Ontem, não te lembras? Feriste-te nos pés?
Não, não me tinha ferido. Olhei de relance para os pés e para o chão da sala. Sangue. Deve ter percebido alguma coisa que eu não entendia. Queria que chamasse a Inês? O David?
- O David - concordei.
Disse-me que era tempo de voltar para Lisboa, que ia tratar, quanto antes, da passagem. Estava eu de acordo? Estava.
Em que logro me deixara escorregar de alma e corpo inteiros? Onde era essa cidade de Bolama, que me fora vagamente prometida? O talvez? Que fazia eu ali? Impunha-se-me a lealdade: se o meu marido voltara para donde viera, seria porque não podia fazê-lo de outro modo.
Entretanto, a minha gente já se mexia em reboliço. A bajuda e a engomadeira tiravam lençóis, lavavam o chão, mas, na casa de banho, ainda havia mais pegadas. Talvez tivesse sido esse o primeiro dos meus abortos espontâneos.
Uma perda é o impossível, sem remédio.
Breves, os cinquenta e três dias estavam a chegar ao fim.
Cristina Allen
Fevereiro de 2009
__________
Nota de CV:
Vd. postes da série de:
9 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3713: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (1): Just married...
e
8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3850: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (2): Quarto, precisa-se, por favor!
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
Guiné 63/74 - P3912: Iniciativas da ADFA em Lisboa (2): Em busca das Enfermeiras Pára-quedistas (Luís Nabais / Victor Barata)
Mensagens trocadas nos dias 13 e 15 de Fevereiro de 2009:
2. De Luís Nabais para o nosso Blogue:
Carlos:
Quero agradecer o empenho que puseste na minha mensagem (*).
O impacto foi muito maior do que eu/nós esperávamos, mas uma coisa ressalta e que eu/nós não podemos deixar de sentir e concordar.
Todos, mas todos, têm falado nas ex-enf paraquedistas, na altura um número reduzidíssimo pelo que tenho lido, mas que ninguém deixa de referenciar.
Assim, faz um aditamento para serem/ou nos contactarem, já que só temos o contacto de uma, senhora já com alguma idade, mas que nos escreveu uma carta extremamente enternecedora, e a quem iremos contactar para se juntar a nós brevemente num almoço pessoal.
Agradeço uma vez mais o teu empenho e o do Luis (que espero ver breve por lá)
Abraço
Luis Nabais
3. Mensagem de Luís Nabais com data de 15 de Fevereiro de 2009, dirigida ao nosso camarada Victor Barata, Especialista da Força Aérea, que mantém vivo e actuante a página Especialista da Base Aérea 12, Guiné 65/74.
Assunto: Homenagem aos Pilotos e Mecânicos da FAP que estiveram na Guiné
Caro Barata:
Como verás abaixo, vou pedir ao Carlos Vinhal e Luís Graça a publicação no nosso blog do que escreveste, e que, podes crer, me/nos tocou (falo por todos aqueles que devem a vida às vossas acções).
Quero que saibas que a ideia não é só minha. O Presidente da Delegação de Lisboa, Francisco Janeiro, foi quem primeiro falou no assunto, e nós Direcção, agarramos a ideia com unhas e dentes, para concretizar.
O Carlos Vinhal vai com certeza compor e publicar, do facto espero que não te ofendas pelo pedido de publicação na íntegra.
Tens o meu mail, sabes a morada da ADFA, tens o blog... estarás sempre em casa, se e quando apareceres.
Falaremos mais
Abraço e Bem-Hajas pela força que nos deste.
Luis Nabais
4. Na mesma mensagem vinha para o nosso Blogue:
Caro Carlos:
Começo a ficar "vaidoso" com a aceitação da ideia.
Vamos ter gente.
Levanta-se-nos o problema de não ter contacto com as enfermeiras paraquedistas (afinal elas voavam com estes homens que queremos homenagear), mas aí, o nosso blog pode por certo, ajudar.
Peço-te que publiques e aguardar mais contactos.
Como podes ver, o Barata já disse presente, de uma forma que me tocou profundamente, e vai tocar por certo todos aqueles que lerem isto.
Abraço Carlos, e vamos em frente nesta ideia de agradecer àqueles que nos evacuaram, tantas vezes debaixo de fogo.
Luis Nabais
5. Fica agora a mensagem a que se refere o camarada Luís Nabais
Assunto: Homenagem aos Pilotos e Mecânicos da FAP que estiveram na Guiné.
Companheiro Luis Nabais.
Sou Victor Barata editor do Blog "especialistasdaba12.blogspot.com", espaço este que foi criado por pilotos e especialistas da Força Aérea que operaram na Guiné.
Ao ver o Blog do Luís Graça, onde também pertenço como Tertuliano, li o teu email no intuito da ADFA homenagear-nos!
Pois Companheiro, a emoção apoderou-se de mim ao sentir o vosso reconhecimento pela nossa árdua missão.
Não resisti e de imediato reproduzi e comentei no nosso blog o seguinte:
Nós, ADFA, estamos e pensar fazer um almoço/homenagem aos antigos pilotos e mecânicos de aeronaves, que estiveram na Guiné.
Podes publicar, para saber se há interessados? Pensamos que seja em Abril.
É nossa intenção fazê-lo em Lisboa na sede da ADFA.
O Chefe da Força Aérea vai estar lá também, e tenho já confirmados alguns nomes, alguns ex-comandantes da TAP!
A data ainda não está definida, embora apontemos para um sábado Abril.
Quero também informar que já temos mais um psiquiatra a trabalhar connosco (dois, agora), que poderão fazer consultas "particulares" (o preço será informado aquando da marcação, caso não tenham ADME), e também Clínica Geral.
Claro que, recordo novamente, não tendo ADM, a consulta será por inteiro, mas são 30€ (com estacionamento e almoço, agora a 4,50 €).Estou/estamos a envidar esforços para ter muito brevemente estomatologia.
Tentaremos, logo que possível, acordos com ADSE ou outras entidades - não ainda -, infelizmente, mas garanto brevidade!
Abraço
Luís Nabais
VB:Companheiros da ADFA, representada pelo Luís Nabais, com alguma surpresa e emoção até, que lemos e publicamos esta vossa iniciativa.
Surpresa porque sempre, e ainda hoje, o pessoal da FAP é alvo de diversas opiniões extremamente injustas por parte de muitos que cujo o objectivo da sua participação no TO eram, à época, era defender o seu gabinete e os respectivos escudos, os pesos se calhar nem precisavam deles para a vida que faziam... Em contrapartida, reconheço a angustia e o desespero que existiu muitas vezes que era solicitada a nossa presença e esta não era correspondida, obrigando-vos a criarem uma opinião revoltante em relação a nós.
Só não fizemos o que não pudemos. Muitas evacuações foram feitas em condições que vós próprios (ADFA) sabem melhor que ninguém, pondo em risco a nossa própria vida, para salvar a dos outros que infelizmente muitas vezes não valeu de nada e outras que deixou as marcas que muitos de vós ostentam hoje!
Os pilotos, em que condições forneciam o apoio a aéreo?
Recordam-se, certamente, numa semana do ano de 1973, quantos perderam a vida!?
A geografia da Guiné,cujo ponto mais alto +/- 400m é Madina de Boé, o que equivale a dizer que quando uma aeronave descolava de Bissalanca era visível em todo o território, não tinhas árvores ou trincheiras para nos refugiarmos, enfim, os companheiros em terra precisavam de nós.
Pois bem, Luís, se permites, e como os últimos são sempre os primeiros, esqueceram-se de integrar nessa homenagem aquelas cujo o seu empenho na Guerra da Guiné foi louvável, aquelas que salvaram muitas vidas, aquela meia dúzia de pessoas que não tinha mãos a medir, ao ponto de uma delas ter perdido a vida, talhada pelo hélice de um DO 27, quando se preparava para salvar a vida dos outros, AS NOSSAS ENFERMEIRAS PARAQUEDISTAS!
Não podem ser esquecidas, Luís!
O Nosso Bem Haja.
Peço-te desculpa, mas estas verdadeiras COMPANHEIRAS DE GUERRA, não podem ser esquecidas neste evento.
Luís, dispõe do nosso/teu blog para o que achares oportuno, tudo faremos para que o vosso desejo seja um êxito.
Aguardo um teu comentário a isto e o que queiras publicar no Blog.
Saudações Aeronáuticas
Victor Barata
Guiné > Bissau > Bissalanca > BA12 > A chegada do hospital, em maca, do Ten Pilav Miguel Pessoa. Do lado direito, a Enf Pára-quedista Giselda Antunes. Foto do Srgt Coelho, da secção fotográfica da BA12.
6. Comentário de CV:
Caros camaradas Tertulianos, quem tiver conhecimento do paradeiro de alguma das senhoras Enfermeiras Paraquedistas, verdadeiros Anjos da Guarda, que literalmente desciam dos céus para nos auxiliar nos momentos mais trágicos das nossas jovens vidas, façam favor de contactar o Luís Nabais ou o Victor Barata.
A iniciativa da ADFA é louvável e os deficientes, mais que ninguém, reconhecem o quanto valiosa foi a acção dos nossos camaradas das Força Aérea onde se incluem, por voarem, os Pilotos, Mecânicos e Enfermeiras Pára-quedistas. Não podemos contudo esquecer, os Especialistas que em terra tudo faziam para manter operacionais as aeronaves.
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3887: Iniciativas da ADFA em Lisboa (Luís Nabais)
Guiné 63/74 - P3911: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (1): Em 1995, confirmaram-me que o local da cerimónia foi mais a sul (Miguel Pessoa)
Guiné-Bissau> Picada de Cheche-Gabu > 1998 > Quase trinta anos depois da retirada de Madina do Boé, em 6 de Fevereiro de 1969, ainda eram brutalmenmte vísiveis os sinais das emboscadas e das minas que fizeram do triângulo do Boé (Cheche, Beli e Madina) um verdadeiro cemitério para os homens e as suas máquinas de guerra... Fotos tiradas pelo Xico Allen na viagem, de 1998, que fez à Guiné, tendo percorrido entre outras a estrada de Quebo (Aldeia Formosa) - Madina do Boé - Cheche- Gabu (Nova Lamego)...
Fotos: © Xico Allen (2006). Direitos reservados.
1. Mensagem do Miguel Pessoa (na foto à esquerda, ao lado da esposa , Giselda Antunes), com conhecimento ao António Matos, ambos ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74:
Assunto - Madina do Boé [ 24 de Setembro de 1973]
[Bold a cor, da responsabilidade do editor L.G.]
Caro Luís:
Tendo em atenção os comentários já surgidos ao poste sobre a declaração da independência da Guiné-Bissau (*), apenas posso deixar-te aqui algumas ideias, pois a memória por vezes prega-nos partidas e a documentação existente é pouca ou nenhuma (o que é o meu caso pessoal).
Os registos na caderneta de voo, pelo menos naquela época, limitavam-se a referir o modelo e matrícula do avião, o tipo de missões efectuadas (ATIP, BOP, RFOT, etc.), o local de descolagem e aterragem e o tempo de voo efectuado nas diversas condições de tempo (contacto com o terreno, por instrumentos, etc).
No caso do Fiat, que por norma descolava e aterrava na BA12, apareceria na caderneta BA12-BA12-Local (nem aparece a localização dos objectivos). Essa parte era objecto de um relatório de missão, em que se relatava o local, a acção desenvolvida, os resultados obtidos, os comentários achados adequados.
Ora, esses relatórios eram entregues nas Operações do GO1201, analisados nas Informações do Grupo Operacional e disseminados pelos pilotos naquilo que fosse importante reter. Após o 25 de Abril, quando se começou a antever a retirada das nossas forças da Guiné, grande parte desse material foi destruída - daí a dificuldade que hoje temos em reconstruir um determinado acontecimento daquela época.
É por isso que, quando se fala de Madina do Boé, temos dificuldade em rever o nosso papel nessa data (digo temos porque estive a falar com o António Matos sobre este assunto).
De uma coisa tenho a certeza: Naquela data não se bombardeou a zona do antigo aquartelamento, o que me parece lógico, dadas as implicações que um eventual massacre entre a assistência poderia ter a nível internacional. Naquele período fizeram-se reconhecimentos fotográficos na área, não se tendo detectado quaisquer movimentos (de guerrilheiros ou de população).
Tenho missões registadas na minha caderneta, em todos os dias à volta dessa data, mas não posso lembrar-me onde foram efectuadas - isso não ficou explicitado. E o mesmo se passa com o António (que, a propósito, me autorizou a falar em nome dele).
Recordo-me que próximo dessa data se preparou uma missão com forças terrestres (paraquedistas? operações especiais?) que foram colocadas na zona de Madina, não tendo referenciado ninguém no local (lembro-me que alguém teve a iniciativa de levar uma faiança das Caldas, que deixou no terreno com uma dedicatória para um importante guerrilheiro do PAIGC).
Na visita que fiz ao Guileje, em 1995, em conversa com uma figura importante do PAIGC, foi-me confirmado que o local da cerimónia não tinha sido propriamente em Madina do Boé (por ser facilmente referenciado) mas mais a sul - fiquei com a ideia que esse "mais a sul" seria até para lá da fronteira.
Sem pretender botar sapiência cá para fora, limitei-me a tentar dar alguns esclarecimentos sobre este período importante da História da Guiné - da nossa História e da do lado oposto. Se vires algum préstimo nestas linhas, publica-as.
Um abraço. Miguel Pessoa
PS 1 - Um particular para ti:
Depois de ter lido referências às cerca de 400 missões que tinha feito na Guiné como comprovativo do esforço que a Força Aérea fez na Guiné, antes e depois do Strela, fiquei com receio de ter exagerado no número, embora o tivesse na cabeça como referência. Como sabes, por vezes uma declaração errada pode afectar a credibilidade de tudo o que dissemos antes (por mais verdadeiro que fosse).
Já descansei a alma, pois entretive-me a contar as missões efectuadas na minha caderneta de voo - 408 (o que está de acordo com a minha afirmação inicial), 409 se contarmos com o voo em que fui abatido (por pudor, não registei na caderneta os 20 ou 25 minutos que estive no ar no dia 25MAR73, pois parece-me que, para contar como missão, é de bom tom devolver o avião no fim do voo...).
O número peca por pequeno, embora eu tenha 4 meses de atenuantes. De qualquer modo, o António Matos terá feito bastantes mais.
PS 2 - Por favor expurga deste texto tudo o que possas considerar melindroso ou possa pôr alguém em causa.
2. Comentário de L.G.:
Como tu próprio me disseste ao telefone, tu eras um simples tenente piloto aviador (tal como o António Matos). É bom lembrá-lo. Não tinhas que pensar globalmente, apenas localmente. Muitas das decisões, muitos dos actos e omissões, nossos e dos nosso IN de então, ainda estão (ou ficaram) no segredo dos deuses... Isso não nos impede de partilhar aquilo que sabíamos ontem e que sabemos hoje, tentando uns com os outros juntar as mil e uma peças do puzzle...
Muitos dirão que é um verdadeiro suplício de Sísifo, que nunca lá chegaremos, ao cume da montanha (neste caso, da verdade). Respondo: não estamos a competir com ninguém, a não ser contra o tempo (inexorável)... Estamos a lutar contra nós próprios e a ignorância dos outros, nossos contemporâneos, que nunca souberam onde ficaram o Cheche ou Madina do Boé. Já que lá estivemos, na Guiné, entre 1963 e 1974, queremos conhecer e compreender o que lá andámos a fazer, o como e o porquê... É natural, é legítimo, é o único direito que não nos podem roubar ou negar...
Há falhas na nossa memória individual, há grandes lacunas no conhecimento de muitos acontecimentos de que fomos actores ou testemunhas... Eu não estava lá em 24 de Setembro de 1973, mas já tinha pago o bilhete, sob a forma de trabalhos (es)forçados entre Maio de 1969 e Março de 1971, para ver o resto do filme...
Adorei, Miguel, essa do boneco das Caldas. Havia tugas com sentido de humor. Aliás, havia gajos com sentido de humor, de um lado e de outro. Temos, no nosso blogue, alguns grandes humoristas da guerra. Já aqui publicámos textos de antologia, como os do Jorge Cabral ("Cabral só há um, o de Missirá, e mais nemhum", diria o Corco Só, mítico guerrilheiro, morto em combate, comandante da base - barraca... - de Madina / Belel, um dos raros comandantes fulas do PAIGC, que deixava papéis nas árvores do Cuor, em 1969, com ameaças de morte ao nosso camarada Beja Santos)...
Obrigado, Miguel, obrigado, António, pelos vossos dois cêntimos para este novo dossiê... Há mais malta disposta a dar mais uns tantos cêntimos para este peditório... É pouco ? Não, é muito, é de gente generosa e solidária.... Que não nos falte, Miguel, o tempo e a pachorra. Ah!, já me ia esquecendo de te dizer: aprecio a tua honestidade intelectual... De facto, contabilizaste apenas (!) 408 missões (completas e bem sucedidas).
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Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 18 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3909: (Ex)citações (16): Por que é que a FAP não bombardeou Madina do Boé em 24/9/1973 ? (Luís Graça / A. Graça de Abreu)