sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3949: Ser solidário (28): Dar Vida Sem Morrer, com a Catarina Furtado no Gabu (Torcato Mendonça)


III Congresso da Comunidade Médica de Língua Portuguesa, V Congresso Nacional do Médico Interno, XIV Congresso Macional de Medicina: Os Médicos e o Desenvolvimento Humano. O Direito à Saúde, que futuro ? > Lisboa, Centro de Congressos de Lisboa, 19-21 de Fevereiro de 2009 > Algumas imagens dos slides da Conferência “Medicina e Desenvolvimento dos povos - Objectivos do Milénio”, por Luís Gomes Sambo, médico angolano (Director Regional para África - OMS) > A Saúde é um elemento central da estratégia das Nações Unidas, End Poverty 2015 (Acabar com a Pobreza até 2015) e nos Objectivos do Desenvolvimento do Milénio > Segundo a Organização Mundial de Saúde (2006), mil e cem mulheres da Guiné-Bissau morrem, de parto, por cada 100 mil nados-vivos; 203 crianças morrem antes dos 5 anos, por cada 1000 nados-vivos (era de 280, em 1980)... (LG)

Imagens: Luís Graça (2009)



1. Mensagem de ontem, do Torcato Mendonça, Fundão (e que foi Alf Mil, CART 2339, Fá e Mansambo, 1968/69):


Espero que tenham visto as imagens dramáticas [de situações por ] que o Povo da Guiné está a passar.

Foi na RTP 1, logo a seguir ao Telejornal (*). Não há palavras, neste momento, ou, eu não tenho palavras para descrever o que vi, o que senti, o que continuo a sentir.

Aquela Gente, no meio do nada, no meio do drama ainda sorri. A mulher vai parir sem um ai, sem um lamento. Á pergunta do porquê, o médico responde:
- As mulheres são preparadas psicologicamente, é uma questão cultural.

As estradas desapareceram...Eu conheci Bafatá a Nova Lamego (Gabu), eu conheci as ruas de Bissau, o Palácio do Governador, eu conheci...paro, esfrego a cara e, agora sim, sinto uma revolta tremenda. Estou a escrever e porventura vocês viram e sentiram como eu. Vocês, tal como eu, sentem aquele Povo como nosso, no sentido de irmão, de parte de nós, do nosso passado.

Porra, porquê? Porque acontece aquilo? Ou nós sabemos...???

Por isso um contentor de toneladas, o pessoal que em solidariedade para lá foi são, para todo aquele sofrimento gota de água. Mas são heróis na solidariedade, na amizade, na dádiva.

Enquanto via o documentário, passaram-me imagens do passado, estabeleci comparações...não digo nada mais. Doi-me demasiado a cabeça e sei a causa.

Mas, apesar do que se passa no nosso País, aqueles nossos irmãos da Guiné têm que ser ajudados. Para eles, para vós, para todos os que ainda acreditam na solidariedade vai um abraço fraterno do,

Torcato
______________

Notas de L.G.:

(*) Programa "Dar Vida sem Morrer"

Origem: Portugal - 2008
Duração: 50m
Produção: Até ao Fim do Mundo
Realização: Catarina Furtado
Com: Catarina Furtado

Próximas exibições: RTP África, 2009-03-05, 21:00h

Sinopse: Catarina Furtado, embaixadora da Boa Vontade, acompanha a reconstrução de unidades hospitalares na Guiné-Bissau.

O Ministério da Saúde da Guiné-Bissau, em parceria com FNUAP - um dos principais parceiros do Ministério na área da saúde reprodutiva - implementaram um projecto que visa reforçar os Cuidados Obstétricos de Urgência nas regiões de Oio e Gabu, na Guiné-Bissau.

Uma série de 4 documentários que se centram nas regiões de Oio (196 mil habitantes) e Gabu (172 mil habitantes). Em cada programa Catarina Furtado dá a conhecer o avanço das obras, de que forma este projecto vai beneficiar as populações locais, as suas expectativas e modo de vida e os profissionais de saúde relacionados com o projecto.

Mortalidade materna, mortalidade infantil, falta de profissionais de saúde na área da obstetrícia, infra-estruturas degradadas, falta de equipamentos, de medicamentos são alguns dos temas a abordar. (**)

Fonte: RTP > Vd. vídeo de apresentação (1' 20'')

Documentários ilustram taxa de mortalidade infantil na Guiné-Bissau. Em cada mil crianças que nascem são 138 as que morrem. Um projecto conjunto da ONU e do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento está a tentar alterar esta situação, contando com a RTP.

(**) End Poverty 2015 / Erradicar a pobreza 2015

Objectivo 1: Erradicar a pobreza extrema e a fome

Meta 1. Reduzir para metade, entre 1990 e 2015, a proporção de população cujo rendimento é inferior a um dólar por dia

Meta 2. Reduzir para metade, entre 1990 e 2015, a proporção de população afectada pela fome

Objectivo 2: Atingir o ensino primário universal

Meta 3. Garantir que, até 2015, todas as crianças, de ambos os sexos, terminem um ciclo completo de ensino primário.

Objectivo 3: Promover a igualdade de género e a capacitação das mulheres

Meta 4. Eliminar a disparidade de género no ensino primário e secundário, se possível até 2005, e em todos os níveis de ensino, o mais tardar até 2015
Objectivo 4: Reduzir a mortalidade infantil.

Meta 5. Reduzir em dois terços, entre 1990 e 2015, a taxa de mortalidade de crianças com menos de 5 anos.

Objectivo 5: Melhorar a saúde materna

Meta 6. Reduzir em três quartos, entre 1990 e 2015, a taxa de mortalidade materna.

Objectivo 6: Combater o HIV/SIDA, a malária e outras doenças

Meta 7. Até 2015, parar e começar a inverter a propagação do HIV/SIDA

Meta 8. Até 2015, parar e começar a inverter a tendência actual da incidência da malária e de outras doenças graves

Objectivo 7: Garantir a sustentabilidade ambiental

Meta 9. Integrar os princípios do desenvolvimento sustentável nas políticas e programas nacionais e inverter a actual tendência para a perda de recursos ambientais.

Meta 10. Reduzir para metade, até 2015, a percentagem de população sem acesso permanente a água potável.

Meta 11. Até 2020, melhorar significativamente a vida de pelo menos 100 milhões de habitantes de bairros degradados.

Objectivo 8: Criar uma parceria global para o desenvolvimento

Meta 12. Continuar a desenvolver um sistema comercial e financeiro multilateral aberto, baseado em regras, previsível e não discriminatório.

Meta 13. Satisfazer as necessidades especiais dos Países Menos Avançados.

Meta 14. Satisfazer as necessidades especiais dos países sem litoral e dos pequenos Estados insulares em desenvolvimento.

Meta 15. Tratar de forma integrada o problema da dívida dos países em desenvolvimento, através de medidas nacionais e internacionais, por forma a tornar a sua dívida sustentável a longo prazo.

Meta 16. Em cooperação com os países em desenvolvimento, formular e aplicar estratégias que proporcionem aos jovens trabalho condigno e produtivo.

Meta 17. Em cooperação com as empresas farmacêuticas, proporcionar o acesso a medicamentos essenciais a preços acessíveis, aos países em desenvolvimento.

Meta 18. Em cooperação com o sector privado, tornar acessíveis os benefícios das novas tecnologias, em especial das tecnologias de informação e comunicação.

Fonte: CPLP Comunidade dos Países de Lingua Portuguesa > Objectivos de Desenvolvimento do Milénio

Guiné 63/74 - P3948: FAP (14): Um dia rotineiro na Base Aérea nº 12, em Bissalanca (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, 1972/74)

Guiné > Bissalanca > BA12 > O Ten Pilav Miguel Pessoa (1972/74). O Miguel foi o primeiro piloto de Fiat G-91 a ser abatido por um Strela (em 25 de Março de 1973, sob os céus de Guileje) (1). Efectuou mais de 400 missões no TO da Guiné. Esteve 4 meses em Lisboa, hospitalizado, a seguir à queda do seu Fiat.

Foto: © Miguel Pessoa (2009). Direitos reservados


1. Mensagem de Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanaca, 1972/74):

Luís: Aqui vai um texto para o blogue, se quiseres publicá-lo. Podes pensar que soa a romance barato, mas foi a maneira que arranjei de exorcisar os meus fantasmas, sem falar deles directamente...
Abraço, Miguel


2. FAP (14) > UM DIA ROTINEIRO NA BA12
por Miguel Pessoa

O mecânico acompanha-me enquanto faço a inspecção de 360º ao Fiat G-91 estacionado na placa, na BA12. Sinto a ansiedade habitual nos últimos voos. Também não admira - quando sabemos que vamos encontrar fogo de anti-aérea e possíveis Strela, é natural que fiquemos preocupados.

Como tem vindo a ser habitual, a tensão dá-me voltas ao estômago enquanto continuo a inspecção exterior ao avião. Parece que tenho vontade de vomitar mas nada sai. Tento disfarçar, que o mecânico continua ao meu lado e ninguém gosta de dar parte de fraco ao pé dos outros.

Mas os antecedentes não ajudam muito... Já fui ao charco uma vez e não gostei. E o problema é que matematicamente tenho as mesmas hipóteses que os outros de ser abatido - não me parece lá muito justo! Só voltei à Guiné há poucas semanas e a readaptação tem sido difícil; é muito penoso para mim recordar o tempo que estive sozinho no mato, depois da minha ejecção, sempre na iminência de ser apanhado à mão, por isso é natural que esteja preocupado.

Aliás, também os mecânicos andam preocupados. É grande a sua responsabilidade - o avião tem que funcionar que nem um relógio, o armamento não pode falhar, a Martin-Baker (*) tem que funcionar se tudo o resto correr mal - nenhum quer ser responsável pela perda de um piloto.

Logo hoje, que era o meu dia de folga! Bom, nesta bagunçada nada é garantido e temos que ser adaptáveis às mudanças... Mas a Esquadra foi solicitada para uma série de missões importantes que podem contribuir para diminuir o fluxo de pessoal e material que se interna na Guiné, vindos do exterior. Se resultar, poder-se-á reduzir a intensidade das flagelações aos nossos aquartelamentos; este esforço já se prolonga há dois dias e todos juntos não somos demais.

Neste momento sou o oficial mais antigo (um tenente!) a seguir ao Comandante de Esquadra, por isso, como oficial de operações (nome pomposo!) cabe-me a mim indicar os pilotos para as missões. Naturalmente, o meu nome tem que aparecer lá (o exemplo tem que começar por nós) e a folga, paciência!, fica para outro dia.

O avião está OK, o armamento pronto, como normalmente - o pessoal da linha não falha, como de costume - e eu dirijo-me para a escada para ocupar o meu lugar no cockpit - controlo um último espasmo e, enquanto subo a escada verifico, penduradas nela, as diferentes cavilhas de segurança que o mecânico retirou.

Coloco o capacete, o mecânico ajuda-me a colocar os cintos. Percorro com os olhos o check-list para confirmar que fiz todos os procedimentos correctamente antes de pôr em marcha. O chefe da formação, no avião ao meu lado, faz sinal com a mão para pormos em marcha. Primo o botão do cartucho de arranque do motor, este começa a rodar e estabiliza nas rotações normais. Executo os restantes procedimentos, acciono a descida da canopy (**) e faço sinal ao mecânico para tirar os calços das rodas.

Tudo OK! Aumento as rotações do motor para sair do estacionamento e inicio a rolagem do meu avião atrás do outro, fazendo antes um aceno de despedida ao mecânico que me deu a saída.

Toda a excitação acumulada anteriormente parece abandonar-me. Estou ali só, dentro do avião, controlando os meus medos de modo a que não interfiram com o cumprimento da missão. Temos de esquecer tudo e concentrarmo-nos totalmente no voo que temos pela frente, vigiando o espaço à nossa volta, tentando detectar alguma ameaça para o nosso ou para os outros aviões.

Finalmente estamos no ar e dirigimo-nos para o alvo definido no briefing antes do voo. Tudo corre normalmente e sinto uma estranha sensação de calma que contrasta com o nervosismo anterior. Os Tigres da Esquadra 121 estão no ar para mais uma missão de rotina nos céus da Guiné...


Miguel Pessoa
(Cor Pilav Ref)
_______

Notas do autor

(*) Cadeira de ejecção do Fiat G-91 R4

(**) Cobertura da cabina

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Notas de L.G.:

(1) Vd. postes de:

19 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1675: 28 de Março e 5 de Abril de 1973: cinco aeronaves da FAP abatidas pelos toscos mísseis terra-ar SAM-7 Strella (Victor Barata)

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G91

29 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3816: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (5): Strelado nos céus de Guileje, em 25 de Março de 1973 (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav)

31 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3825: FAP (2): Em cerca de 60 Strelas disparados houve 5 baixas (António Martins de Matos)

1 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3826: FAP (3): A entrada em acção dos Strella, vista do CAOP1, Mansoa, Março-Maio de 1973 (António Graça de Abreu)

4 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3839: FAP (4): Drama, humor e... propaganda sob os céus de Tombali (Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref)

9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3859: FAP (6): A introdução do míssil russo SAM-7 Strela no CTIG ( J. Pinto Ferreira / Miguel Pessoa)

(2) Vd. último poste da série FAP > 16 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3904: FAP (13): Nha Bolanha, o Ramos, o Jorge Caiano, o Manso, o corta-fogo do AL III, Bissalanca... (Jorge Félix)

Guiné 63/74 - P3947: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (6): Luís Graça, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)

Comentários e mensagens do Luís Graça, ex-Fur Mil Henriques, ex-jornalista, CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Maio de de 1969/Março de 1971); foi instrutor e comandante de secção num companhia de soldados fulas; colaborou com o saudoso jornalista de O Jornal, Afonso de Praça (ex-Alf Mil, em Angola) na organização das Memórias da Guerra Colonial, no início da década de 1980; o Afonso dei-me a entender que O Jornal foi pressionado, na época, por gente do Conselho da Revolução, a fechar esta secção incómoda... De qualquer modo, foi uma louvável e pioneira inciativa daquele já extinto e saudoso semanário.

Aproveito para recordar que ficaram lá com montes de cartazes, fotografias e documentos que eu tinha cedido temporariamente para a organização de uma exposição sobre a Guerra Colonial que nunca chegou a ver a luz do dia... O Afonso morreu em 2001. A Visão é herdeira de O Jornal.

Legendas das fotos (acima):

(À esquerda) Guiné > Zona Leste > Contuboel> CCAÇ 12 > Junho de 1969 > Furriéis Levezinho e Henriques, no oásis de paz que era então Contuboel, no bem-bom da instrução de especialidade dada aos nossos queridos nharros da futura CCAÇ 12 (na altura CCAÇ 2590)... No fim da instrução, passado um meio e meio, a companhia, em farda nº 3 (!), estava a levar porrada da grossa, em Madina Xaquili... Em Contuboel, havia tempo para tudo, até para brincadeiras estúpidas ou tão inocentes como esta simulação de um catana a exercer o seu mister no delicado pescoço de um tuga... (LG)

Foto: © António Levezinho (2006). Direitos reservados

(À direita) Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Finete, regulado do Cuor > 1969: Destacamento de milícias e aldeia em autodefesa de Finete, junto ao Rio Geba. Na foto, o furriel miliciano Henriques e dois dos soldados africanos da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, do 4º Grupo de Combate, o Soldado Arvorado (mais tarde promovido a 1º cabo) José Carlos Suleimane Baldé e o Soldado Umarú Baldé, apontador de morteiro 60. Umaru, o Puto, na foto, de pé, de cachimbo: na época teria 16 ou 17 anos

Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados


1. Pois é, à força de aparecerem em letra de forma, à força de serem repetidas até à exaustão, há ideias feitas, preconceitos, estereótipos, que se tornam ‘verdades’... Oficiais, oficiosas...

Além disso, é sempre abusivo fazer generalizações: terror, desespero, massacres, napalm... Só conheci o TO da Guiné, em 1969/71. E para mais, durante o consulado spinolista. Reconheço que tenho o meu bocadinho de inferno, na terra, em vida... De qualquer modo, seria abusivo, da minha parte, falar de Angola e de Moçambique, e dos seus teatros de guerra, das especifidades do terreno, da organização e da estratégia do IN... Enfim, seria abusivo pôr tudo no mesmo saco: 1961, 1971... No caso da Guiné, por exemplo, Schulz e Spínola...

É preciso contextualizar a guerra, e dar-lhe a dimensão sócio-antropológica, do quotidiano, que não vem nos relatórios, nas estatísticas, nem sequer nos arquivos, nem nos livros de história... É pena que o jornalista da Visão não tenha tido tempo, ao menos, de visitar o nosso blogue...

Sabemos do que falamos, não sei se o jornalista Luis Almeida Martins sabe do que fala... Refiro-mo à experiência de guerra, vivida, no TO da Guiné... Se calhar nem tem que saber, para falar do Spínola, que é uma figura que já faz parte da nossa história...

Tudo isto para te dizer, meu querido Vasco da Gama (o de Cumbijã, não o da Índia), que entendo e partilho a tua indignação. Mais uma razão para, parafraseando o slogan do nosso blogue, "não deixarmos que sejam os outros a contar a nossa história por nós"...

É que quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto... Neste caso, parece que nos querem tirar, não um, mas muitos pontos...

2. Reforço o que disse algures, como editor (porra, também sou gente!):

"Que imagem vamos passar aos nossos filhos e netos ? Nós fomos combatentes, não fomos assassinos!" - parece ser a reacção natural de qualquer um dos nossos camaradas que são veteranos da guerra da Guiné, e que partilham os valores consagrados no nosso blogue...

Por sinal, por ironia, por coincidência ou não, o artigo da Visão, evocativo dos 35 anos do livro do Spínola, Portugal e o Futuro, surge na mesma semana em que camaradas generosos e solidários como o António Camilo (Lagoa), o José Moreira (Coimbra) ou o Xico Allen (Matosinhos / Porto), e mais umas dezenas de outros, ex-combatentes na sua maioria da guerra colonial, seguem, por terra, em caravana, a levar ajuda humanitária a (e a matar saudades de) um povo que nós consideramos irmão...

Que me perdoem os jornalistas portugueses, mas eu não vi a grande imprensa (rádio, televisão, jornais) - com excepção de alguns jornais regionalistas, como o Diário As Beiras, de Coimbra - dedicar um bocadinho da sua preciosa atenção a esta expedição humanitária nem aos seus preparativos, aos meses e meses de trabalho, anónimo e voluntário, e que exemplifica bem o que é o melhor do povo português, o seu sentido de nobreza, compaixão, generosidade, ecumenismo e solidariedade. Andamos todos distraídos com a crise... (que é sobretudo de valores!).

PS 1 - Não posso esquecer aqui o Carlos Fortunato, o Carlos Silva e o resto da malta da Ajuda Amiga (da região de Lisboa), que seguem de avião este fim de semana, a caminho de Bissau, também em missão humanitária e turismo de saudade. Para todos eles, que são os melhores de todos nós, aqui vai um Alfa Bravo do tamanho deste pequeno grande Portugal.

Amigos e camaradas, "partam mantenhas" com aquele povo gentil que não guarda ressentimentos nem ódios do tempo em que nos combatemos uns aos outros, portugueses e guineenses contra outros guineenses (mas também contra alguns portugueses, alguns cubanos, alguns caboverdianos)...

PS 2 - Escreve-me telegraficamente o Zé Teixeira, da Tabanca de Matosinhos, ontem, às 14h59, alvoraçado:

"Mensagem do Zé Manel. 'Estamos a almoçar em Gabú. Estas pessoas são maravilhosas. Estou muito feliz'.

"Falei com ele de seguida. Está emocionado com o acolhimento de pessoas que nunca viu na vida, pois nunca esteve em Gabú. Abraço. José Teixeira"


3. Mail enviado ao Director da Visão:

Caro director da Visão:

Sou leitor, de longa data, da Visão e editor do blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Fui objectivamente um combatente do exército colonial português, comandei soldados fulas. Fui actor crítico e testemunha atenta. Sofri violentas emboscadas, no mato, com algumas dezenas de baixas (entre mortos e feridos graves). Tive acidentes de viação em acções militares. Voei, com a minha GMC, debaixo de uma mina anticarro. Fizémos e interrrogámos prisioneiros. Aprisionámos população civil do PAIGC...

É pena que o Luís Almeida Martins (que assinou o artigo 'Portugal e o passado' da Visão, nº 833, de 19 a 25/2/09), não tenha tempo, ao menos, de visitar, de vez em quando, o nosso blogue... Sabemos do que falamos, não sei se o jornalista sabe do que fala... Refiro-mo à experiência de guerra, vivida, no TO da Guiné, o nosso Vietname... Se calhar nem tem que saber, para falar do Spínola, que já morreu e já faz parte da nossa história... Agora o jornalista não pode confundir combatentes com assassinos.

Atenciosamente, Luís Graça


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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 26 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3943: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (5): Quero exprimir a minha revolta (Fernando Franco)

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3946: Tabanca Grande (123): Ricardo Almeida Teixeira, bazuqueiro do 1.º Pelotão/CART 3494/BART 3873 (Xime e Mansambo, 1971/74)

1. Mensagem de Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74, com data de 18 de Fevereiro de 2009:

Assunto: O Ricardo Teixeira pertenceu à CART 3494

Para publicar se acharem que tem algum interesse.
Castro


2. Mensagem/resposta de LG para Sousa de Castro, com conhecimento a CV, com a mesma data:

Obrigado, camarada nº 2, o mais antigo, comigo, dos membros da nossa Tabanca Grande.

O Carlos Vinhal vai apresentar o teu amigo.
Diz ao teu amigo que já pode ver o filme da Diana Andringa e do Flora Gomes, em duas partes, através do sítio Guerra Colonial (1961-1974), alojado em endereço próprio: http://www.guerracolonial.org/.


3. O Ricardo Teixeira pertenceu ao 1.º Pelotão da CART 3494, comandado pelo Alf Mil Carneiro, Fur Mil Godinho, Fur Mil Ferreira entre outros, era o homem da Bazuca.

Curiosamente foi este Pelotão apanhado pelo macaréu, em 10 de Agosto 1972, onde desapareceram três homens.

Devido a ter espetado um prego no pé, não participou nessa Operação. Conta até uma pequena estória sobre o que lhe aconteceu (*).

É imigrante em França, enviou-me uma mensagem a pedir o filme "AS DUAS FACES DA GUERRA" já comprou os bilhetes de avião para estar presente com sua esposa, pela primeira vez, no XXIV Convívio da CART 3494, a realizar no dia 13 de Junho de 2009, em VAGOS. Encontrou-nos no blogue do Luís Graça & camaradas da Guiné.

António M. S. Castro


(*) Conta Ricardo Teixeira:

No site falavas nos que morreram no rio Geba em 10 de Agosto 1972, JOSÉ MARIA DA SILVA E SOUSA, MANUEL SALGADO ANTUNES e ABRAÃO MOREIRA ROSA.

Pois esses três homens eram do meu pelotão. (1.º Pelotão)
A esse respeito, tenho uma pequena estória a contar.

Na véspera desse acidente eu estava de serviço de limpeza ao Quartel, a certa altura a viatura já tinha muito lixo e eu subi acima para o calcar.
Azar meu, por um lado e sorte por outro, espetei um prego num pé que inchou muito, a pontos de não o poder pousar no chão.

Dia 10 vou ao médico a Bambadinca na coluna que vai a Bafatá, ao chegar ao quartel soube do acontecimento. A mando dos superiores do meu Pelotão, o José Maria da Silva e Sousa, levou a minha bazuca, o meu cinto com faca e 4 granadas de mão.
Tudo isto para dizer, que o ter espetado o prego no pé, foi a minha salvação! Se não lá tinha eu ido pró maneta. Há males que dão para bem! (eu encontro-me dentro desta situação).

Dias depois fui chamado à Secretaria para dar baixa do meu material (o que o José M. S. Sousa tinha levado). Ao mesmo tempo um dos sargentos, deu-me um pequeno pincel e uma latita de tinta, e mandou-me escrever numa mala de madeira a direcção do José Maria da Silva Sousa, SÃO TIAGO DO BOUGADO – TROFA, se a minha memória está boa, era esta a direcção do nosso camarada.

Sem mais, aqui fica o meu muito obrigado por tudo aquilo que tens feito por todos nós.

Um forte abraço do Teixeira e até breve.


3. Comentário de CV:

Caro Ricardo Teixeira, bem-vindo à nossa Tabanca Grande.
Tens a responsabilidade de ter sido apadrinhado pelo Tertuliano n.º 2 do nosso Blogue. Será que nos vais contar a tua experiência como ex-combatente da Guiné?

Sempre admirei os bazuqueiros, porque tinham de transportar uma arma demasiado grande para progredir, muitas vezes, pelo meio de densa vegetação e, quando chegava a hora de dar tiro era um problema arranjar um local minimamente aberto para fazer o disparo e que ao mesmo tempo não pusesse em causa a integridade física do apontador. Ser municiador também não era pera doce.

Cá ficamos à espera das tuas histórias. Deixo-te um abraço.
CV

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3923: Tabanca Grande (122): João Carlos Silva, ex-Cabo Especialista da Força Aérea Portuguesa (1979/82)

Guiné 63/74 - P3945: Convívios (97): Pessoal da CCAÇ 2679, na Pérola do Atlântico no dia 2 de Maio de 2009 (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, (Bajocunda, 1970/71, com data de 26 de Fevereiro de 2009:

Caro Chefe, queridos editores,
Prezo-me, orgulhosamente, das atenções recebidas na Tabanca Grande, deste local de encontro onde se valorizam os homens e se cultiva a camaradagem. Com estes mesmos pressupostos, hoje divulgo a próxima festa de confraternização da CCaç 2679, que foi mobilizada no BII-19, e cumpriu deveres em Piche e Bajocunda, nos idos de 70 e 71.

Vai ser no FUNCHAL, no próximo dia 2 de Maio, em local a designar, que realizaremos o almoço de camaradagem, aberto a familiares. Depois, e durante uma semana, é nossa intenção desbravar os interstícios da ilha, por trilhos e levadas, recorrendo à mochila para carregar alguma água e alimento. Mas também seremos turistas, e abancaremos em apraziveis lugares de refeiçoar, e dançaremos à noite nas melhores e piores "boites", tudo em homenagem à amizade camarada, ao esplendor da vida que acabámos por merecer.

Mas também haverá lugar para reflexão sobre os companheiros afectados e os já desaparecidos, com quem nós, os safos, convivemos com frequência, e os que têm fé religiosa vão celebrar adequadamente.

Peço, por isso, a divulgação através da Tabanca Grande, e forneço os seguintes contactos:

Dinis - 913 673 067; Morais - 914 668 476.
Na Madeira podem contactar:
o Gonçalves de Machico; o Rodrigues, o Valentim, o Canelinhas ou o Teotónio Andrade, no Funchal.

Abraços fraternos
José Dinis
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3937: Convívios (95): Pessoal do BCAV 3846 e Companhia Independente, dia 15 de Março de 2009 em Ortigosa - Leiria (Delfim Rodrigues)

Guiné 63/74 - P3944: Bibliografia de uma guerra: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (IV): Mafra e Tomar (Julho 1964/Abril 1965)


Vídeo promocional (1' 15'') da D. Quixote, editora de Braço Tatuado (2008), da autoria do nosso camarada Cristóvão Aguiar.
Cortesia da editora.

Cristóvão de Aguiar

Licenciado em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, tem-se revelado um escritor de mérito, a avaliar pelos prémios recebidos: Ricardo Malheiros da Academia das Ciências de Lisboa, pela "Raiz Comovida"; Grande Prémio da Literatura Biográfica APE, pela "Relação de Bordo" e o Prémio Nacional Miguel Torga, pelo livro"Trasfega".

Foi agraciado em 2001 pelo senhor Presidente da República com a Ordem do Infante D. Henrique. Na sua obra contam ainda outros títulos: Ciclone de Setembro, Grito em Chamas, Passageiro em Trânsito, O Braço Tatuado, Marilha, Com Paulo Quintela À Mesa da Tertúlia, A Descoberta da Cidade e outras histórias, Emigração e Outros Temas Ilhéus, e a tradução de A Riqueza das Nações, de Adam Smith. Em 2005 foi homenageado pelos quarenta anos de vida literária pela Faculdade de Letras em conjunto com a Reitoria da Universidade de Coimbra, publicando o livro "Homenagem a Cristóvão de Aguiar - 40 anos de vida literária".


Fonte: Universidade de Coimbra > Imprensa da Universidade > Galeria de Autores > Cristóvão de Aguiar


Diário de Guerra,
de Cristóvão de Aguiar

Enviado por José Martins (ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70).

Revisão e fixação do texto: vb


Julho, 13, 1964

Como os instrutores nunca ministraram um curso tão comprido, não sabem que mais hão-de dar.

Andamos a re­petir o que fizemos na re­cruta. Aplicação militar, ordem unida, crosses, obstáculos, rastejar, percursos fan­tas­mas, in­s­trução nocturna, o raio.

A grande novidade é darem os instruen­dos al­gumas aulas de ginástica para irem treinando as vozes de co­mando. Hoje coube-me a mim dar a minha, na parada. O meu vozeirão chegou ao convento. Al­guns amanu­enses vieram às janelas para ver o que estava acon­te­cendo. No final da aula, o comandante de pelo­tão chamou-me e disse-me que tinha uma voz invejável. Prometeu-me que me da­ria uma boa classi­fica­ção nessa alínea.

Julho, 18

O que são as coisas! Nunca gostei de melão

Quando estava na Ilha, nem o cheiro dele podia suportar. Meu Avô Anselmo (que hoje faria anos se fosse vivo) bem que in­sistia co­migo para que experimentasse. Dizia-me que devia começar pela meloa, que era me­nos cus­toso. Qual quê! Dava-me vontade de lançar tudo quanto tinha e não tinha no estô­mago. Aqui, no refeitório da unidade, têm dado todos os dias me­lão à sobre­mesa. Ao princípio, e julgando que não insistissem muito, dava a minha parte ao camarada que se sentava ao pé de mim. Ficava sem so­bremesa, o que me deixava um buraquinho no estômago. E pus-me a pensar na minha fobia. Até que hoje re­solvi experimentar. Que tivesse o meu camarada de armas santa paciência. Provei a medo. E gostei tanto, que, em meia tarde, quando saí do quartel, fui com outros comprar melões a um lugar de fruta. Fo­mos depois comê-los para o quintal de uma tasca. Foi um fartote. E ve­nham-me cá dizer que na tropa não se aprende nada!

Agosto, 28

Terminei o meu primeiro curso.

Amanhã é a entrega das armas e ala bote para Coimbra passar umas férias até ser colocado numa Unidade para dar instrução. Durante este longo curso apanhei chuva, árvores em flor, sol de estorricar os miolos, Agosto sem cheiro sequer a mar.

Sofrimento, suor, medo, espe­ranças logo abortadas. E com umas seguras noções de como se engraxa o calçado, e se muda de farda várias vezes ao dia, e alguns conhecimentos sobre a Pátria, virtudes militares, granadas, inimigo, armas automáticas – obtive a minha carta de curso...

No fim, os homens que entraram já não eram os mesmos. Nas conversas, em casa, no café com os camaradas, saía-nos da boca uma virtude militar com o mesmo à vontade com que toda a gente se peidava na caserna. Esta foi para alguns mais aplicados, ou com o cérebro mais bem lavado, um verdadeiro campo de treino, depois da instrução do dia: passos à frente e à retaguarda, meia volta volver, continências como mandam as re­gras, vozes de comando...

Terminou hoje a primeira fase da escola de virtudes. Bebe­deiras de fictícia alegria, com a tristeza ferindo, subtil, certos gestos e sentidos, ga­lões ensopados em whisky, como manda a praxe militar... E fica a EPI de Mafra, a casa-mãe da Infantaria (Entrada para o Inferno), aguardando, na sua adiposa arquitec­tura conventual, mais magotes de jovens cadetes para tentar fa­zer deles máquinas com o pensamento estrangulado no fundo opaco do crânio. Mas muitos resistem e conti­nuam sendo jovens, embora tristes e abstractos.

Agosto, 29

Fui promovido a aspirante a ofi­cial mil­i­ciano (isto é, trouxe os galões comigo e enfiei-os, já fora de Mafra, nas platinas do dól­men), mas já sei que fui colocado no Regimento de Infantaria 15, em Tomar.

Te­nho de me apre­sen­tar em meados de Setembro, numa segunda-feira, e só então po­derei usar os ga­lões, mas hoje quis entrar em Coimbra já promovido e de facto apa­nhei algumas conti­nências pela rua. Tinha pedido para ir para o Batalhão Inde­pen­dente 18, acanto­nado na freguesia dos Arrifes, na Ilha. Não calhou.

Talvez por­que vou ser mobili­zado muito em breve. Até à minha apresenta­ção em Tomar, vou go­zar umas fé­rias nesta Coimbra de­serta. Na República não há quase nin­guém. Al­guns de férias, nas Ilhas, outros já na guerra, como o José Bretão e o Viri­ato Ma­deira, ambos na Guiné e ou­tros como eu, quase a partir. O calor é muito. De dia não se pode sair de casa. À noite, dou grandes passeios pela fresca, jun­tamente com um rapaz da Terceira, o Helder Gomes, que está a preparar-se para o exame de aptidão à Uni­versidade. É interessante conver­sar com ele. Noto que me tem muito respeito, não sei se por ser oficial do exército, se por ser terceiranista da Universi­dade e ele simples para­quedista, isto é, nem bicho nem ca­loiro, segundo a praxe académica.

Tomar, Setembro, 14

Apresentei-me ao coman­dante da uni­dade.

Den­tro de dias, vou principiar a dar uma recruta em substituição de um aspi­rante, perten­cente a um Batalhão de Caçadores com des­tino a An­gola, que se encontra de baixa. O comandante desse contingente, um tenente-coronel muito aprumado e de pinguelim, tem um ar de lunático e parece de uma tropa de outro tempo.

Enshy;contrei dois açoria­nos na unidade. O capitão Moniz e um cabo mil­ici­ano, o Pedro Jácome Correia. Três ilho­tas neste mar de terra e oliveiras. Não há ainda instalações para oficiais no quartel novo, que ainda se não acabou de construir. E no velho estão já lotadas. Tive de ar­rendar um quarto, que fica na rua da sinagoga.

Setembro, 30

O comandante do regimento mandou-me cha­mar ao gabi­nete.

Fiquei assustado. Depois de lhe ter pedido licença para en­trar, ele, depois de desfazer a continência, disse-me com bons modo:
- Soube que o nosso aspi­rante acamarada com um cabo mili­ciano e até se tratam por tu; quero infor­má-lo que tal atitude é contra o Regulamento Militar.

Nem justificando-me que se tratava de um con­ter­râ­neo e colega de Liceu, o homem se demoveu. Vem no regu­la­mento!

Dezembro, 15

A minha companhia tem o número oito­cen­tos e destina-se a Cabo Verde, Ilha do Sal.

Acho que é muita sorte para um homem só.

Coimbra, Dezembro, 22

Cheguei de Tomar em meia tarde, ainda a tempo de comprar a "Praça da Canção", que saiu ontem ou anteontem, mas que já os­ten­ta, na capa, a data de 1965.

Foi o Antero Dias quem me deu a novidade. Fui com ele jantar ao Texas da baixinha e a seguir viemos para a República, onde es­tive até al­tas horas a ouvi-lo ler em voz alta o livro do Manuel Alegre do primeiro ao úl­timo verso. Ele declama tão bem e com tamanha força expres­siva, que fiquei arre­piado por dentro e por fora. Como não houvesse mais poe­mas, principiámos de novo.

Ficámos com a sensação de que nos encontráva­mos perante uma poesia tão diferente daquela que estávamos habitua­dos, revolucionária e lírica ao mesmo tempo, com uma lingua­gem poética tão encan­tatória, que nos encheu o íntimo não sei de que energia e entu­siasmo. Dava vontade de sair por aí tocando os sinos que cada homem tem no cora­ção. É livro para ser proibido pela PIDE. Felizmente, está a edição prestes a esgo­tar-se, se­gundo me disse o livreiro. É natural que os esbirros não cheguem a tempo.

Coimbra, Dezembro, 24

Natal passado com a família cor­sária, com vinho abundante para afogar não sei que saudade im­pertinente.

Não consigo arrancá-la do pensamento. E nestes dias lem­brados ainda pior. Não sei que nome hei-de dar a este ardume que me corrói as vísceras como um ácido forte. Não, não quero sequer pensar que seja o que neste instante estou pen­sando!

Hospital Militar de Coimbra, Fevereiro, 26 de 1965

Dei entrada de urgência neste hospital.

Apendicite aguda. Fui operado ontem de manhã. Anestesia só da cin­tura para baixo. Dei conta de tudo. Depois de uma aula de aplicação mili­tar, em que pus o meu pelotão de língua de fora e completamente enlameado, como eu, que era sempre o primeiro a demonstrar o que queria que os homens fizessem, sobre­veio-me o castigo, dores de barriga insuportáveis. Vim de am­bulância de Tomar para Coimbra e aqui estou numa cama de hospital. Há pouco veio-me ver o Antero Dias.

Março, 4

Cabo enfermeiro

Como não me permitiram que saísse do hospi­tal para ir dar uma volta, chamei o cabo enfermeiro, dei-lhe uma nota de vinte escudos e disse-lhe que ia guindar o muro das traseiras. Nem esperei pela reacção dele. No fim e ao cabo, era ou não era seu superior hierárquico? E, com a breca, a ginástica de apli­ca­ção militar sempre havia de servir para alguma coisa de préstimo.

Abril, 6

Afinal, a minha companhia vai para a Guiné.

O co­man­dante recebeu hoje um rádio urgente a anunciar a mu­dança. Olhámos uns para os ou­tros como condenados à morte. Só o capitão é que aparentemente se não des­caiu. É a vida que escolheu. E eu que já tinha comprado sabonetes es­peci­ais para a água salo­bra da Ilha do Sal!
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Notas de vb:

Último artigo do Diário de Guerra, do Cristóvão de Aguiar em

5 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3843: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (III): Mafra, Maio/Junho de 1964



Guiné 63/74 - P3943: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (5): Quero exprimir a minha revolta (Fernando Franco)

1. Mensagem do nosso camarada Fernando Franco, ex-1.º Cabo Caixeiro do Pelotão de Intendência (PIAD), Cufar, 1973/74, com data de 26 de Fevereiro de 2009:

Amigos, há muito que ando afastado de escrever algo, mas não de visitar o nosso blogue e não fosse um conselho do meu psiquiatra, que em vez de me alienar de tudo sobre a Guiné, deveria fazer o contrário, porque me ia sentir e dormir melhor, se tal me agradasse como vinha acontecendo.

Como tal aqui estou revoltado, para me juntar a tantas outras vozes indignadas, com o que se escreve sobre nós , ex-combatentes.

Falam e escrevem como tivessem, alguma vez, sentido na pele o medo de morrer ou ficar mutilado, numa guerra que nos impuseram e a que não fugimos, simplesmente enfrentámos cada um à sua maneira... E como escreve o Mário Fitas, “fomos combatentes e não assassinos”.
Escreverem sobre as noites e dias sucessivos que passámos em alerta máximo nos ataques, patrulhas, colunas militares ou outras operações sempre com os nossos mil sentidos a funcionar em pleno, isso não merece a pena falar ou escrever, pois será que alguma vez aconteceu?

Apesar de ter sido um felizardo em relação a outros camaradas que frequentam o nosso blogue, digo bem alto e escrevo que passei por alguns momentos desses e que ainda hoje me atormentam com noites mal dormidas, momentos de solidão e má disposição, enfim igual a tantos outros camaradas que sofrem, ainda na pele, todos esses momentos nas nossas mentes.
Cada um tenta superar esses momentos de crise duma forma ou doutra e todos temos a certeza, os que estivemos na guerra “não fomos assassinos mas sim combatentes”.

Um abraço para todo o pessoal da Tabanca Grande
Fernando Franco

OBS: Negrito da responsabilidade do editor
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3942: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não asssassinos (4): Compreendo o que vos vai na alma (Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P3942: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (4): Camaradas, sei o que vos vai na alma (Virgínio Briote)

1. Mensagem de Virgínio Briote, nosso co-editor, ex-Alf Mil Comando, CCAV 489/BCAV 490, Cuntima, e CCmds, Brá, 1965/67, com data de 25 de Fevereiro de 2009:

Caros Luís, Carlos e Camaradas,

[Negrito, do editor, C.V]


Compreendo bem o que vos vai na alma. Quem deu o corpo e a alma por aquele Portugal de então, a troco de cigarros e cerveja (e uísque, para os mais favorecidos), sente-se ofendido, no seu mais íntimo, por tão apressada crónica.

E, no entanto, a opinião do Luís Almeida Martins, embora muito à tona (duas páginas também não davam para muito mais e, ainda por cima, com marcianos no filme), não me parece totalmente incorrecta. Massacres e acidentes de viação, são, na referida crónica, os aspectos mais discutíveis.

Massacres, é a palavra que mais nos dói e é injusta, felizmente, para a grande maioria de nós. Mas houve-os, comprovadamente. Para referir apenas dois: o assassinato dos "majores" e acompanhantes, no chão Manjaco, na Guiné, e o "Wiriamu", em Moçambique, ocorreram. Luís Cabral, Aristides Pereira e Pedro Pires referiram-se a esse facto com uma frase simples: era guerra, tratava-se de guerra.

O alferes de "Wiriamu", acidentalmente cmdt da CCmds e responsável pela operação, confessou-o para as câmaras. Pediu perdão às vítimas. Senti-me envergonhado quando o ouvi descrever como tudo se processou. Um jovem de 20 e poucos, com a mesma idade dos seus camaradas, com um historial de baixas na companhia... compreendi-o, mas confesso-vos que não fiquei orgulhoso.

Foram casos que não fazem exemplo, dirão muitos e eu também, mas existiram vítimas. Embora raros, casos desses fazem parte da guerra. E a guerra é um charco, quanto mais nos metemos nele, mais sujos ficamos.

Que as baixas eram mais devidas a minas fortuitas e a acidentes de viação... Não posso falar por Moçambique nem por Angola. O tipo de guerra era similar, diferentes eram o IN, as características do território e as populações. Da Guiné, temos, entre nós, infelizmente, gente mais habilitada para falar de como o IN se comportava no terreno. Apenas acrescento: é verdadeiramente invulgar que, sujeitos a uma guerra a sério, com testemunhas que, ainda hoje estão vivas e que trazem no corpo as marcas da luta, os INs de então sintam uns pelos outros uma compreensão e amizade tão grande.

Acima de tudo, da crónica do Almeida Martins, o que ressalta, para mim, é que reflecte a visão dos que têm, acima de tudo, privilegiado a chamada opinião politicamente correcta, a de que aqueles povos estavam submetidos a uma ocupação, que, embora histórica, lhes parece ilegítima.
Massacres só houve de um lado, pelo que depreendo da crónica. Não é novidade, é uma opinião recorrente, temo-la ouvido estes anos todos. E têm todo o direito, como qualquer um de nós, de expressar o seu ponto de vista. Diferente, para mim, é que, no seu afã de defenderem ou justificarem esse ponto de vista, deixam passar para último plano o que de melhor Portugal tem tido ao longo da sua História, os seus Soldados. Foi com eles que este pequeno País se fez e se tem mantido, há quase mil anos.

Mas este Portugal, da pena do articulista de que estamos a falar, é o que estamos a viver. Não sei é se há muita gente que gosta dele. Eu não.

Um abraço do
Briote
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3941: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (3): Mário Fitas, aliás, Mamadu (CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)

Guiné 63/74 - P3941: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (3): Mário Fitas, aliás, Mamadu (CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)

1. Do nosso camarada Mário Fitas - de seu nome completo, Mário Vicente Fitas Ralhete -, alentejano danado, natural de Elvas, residente em S. Pedro do Estoril, Cascais, homem de fé e de coragem, homem de sete ofícios e talentos, que foi puto, gandulo, vagabundo e Mamadu na Região de Tombali, Cufar, ex-Fur Mil Op Esp, que pertenceu aos temíveis dos Lassas, a CCAÇ 763, 1965/66...

É autor de dois livros, de fundo autobiográfico, sobre a guerra colonial da Guiné, Putos, Gandulos e Guerra (2000) e Pami Na Dondo, a guerrilheira (2005); criador de uma notável personagem, uma mulher guineense, balanta, exemplo de grande coragem e dignidade, a quem ele deu o nome de Pami Na Dondo.


Caro pessoal da Tabanca Grande

Não há crise?... Uma porra! Há e é de valores!

Andei aqui a rodilhar, para não ultrapassar as 60 palavras. Mas estou preparado, se lhe não agradar, não escrevem.

Mas pelo menos disse ao sr. Luís Martins (*), que tinha pena de ele não me ter acompanhado nas e bolanhas da Guiné, e convidei-o a visitar o blogue LuisGraça& CamaradasdaGuiné - vamos ver é se contam uma palavra - para ver se aprende alguma coisa.

É claro que estou em consonância com toda a Tabanca. E aqui se vê como aquela linda Terra une a malta, independentemente das sensibilidades.

Força, Tabanqueiros! Aqui se escreve e aqui se diz o que estes... ia largar uma morteirada Alentejana, mas... Não vale a pena!

Também morrem! Julgam que ficam cá para semente? És barro e à terra voltarás.

Em frente! Vamos para o milhão!

Hoje ainda mais forte não só do Cumbijã, mas de todos os rios da Guiné o Veterano Abraço,

Mário Fitas
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Os Alentejanos são Assim:
Sugestão para encher a caixa de correio da "Visão"

Texto:

Exmo sr. Director da Revista Visão

Favor transmitir, ao Exmo. Sr. "JORNALISTA" Luís Almeida Martins, a tristeza que se apoderou de mim, por o referido Sr. não me ter acompanhado, nas matas, bolanhas, lalas e rios da Guiné.

Com os desejos de grandes reportagens como a efectuada por Luís Almeida Martins.
Com os melhores cumprimentos,

Um turista na Guiné

Mário Fitas

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Resposta ao artigo de Luís Almeida Martins, sobre a Guerra (Colonial)

Pena não sermos companheiros nas matas, bolanhas, e rios Sul da Guiné, Cufar, CCAÇ 763! Era comandante do (PAIGC) o actual presidente da GUINÉ-BISSAU! Tivemos (7) mortos (53) feridos em combate.

Deveria ler "Pami na Dondo, a Guerrilheira", comentado por René Pélissier, "Guerres Australes et Guerres Coloniales" . Visite o Blogue LuísGraça&CamaradasdaGuiné, a verdade sobre a Guerra, por aqueles que nela participaram. Mário Fitas (...)

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior desta série > 26 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3940: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (2): J. Mexia Alves, ex-Alf Mil (Xitole, Mato Cão, Mansoa)

Guiné 63/74 - P3940: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (2): J. Mexia Alves, ex-Alf Mil (Xitole, Mato Cão, Mansoa)

1. O primeiro de mais de 3 dezenas de comentários e mensagens que suscitou o poste do Vasco da Gama (*), desta feita enviada pelo nosso camarigo J. Mexia Alves (hoje, à esquerda; ontem, à direita):

O Joaquim Mexia Alves que organizou o nosso último encontro (Monte Real, 2008), vive na Marinha Grande. É autor de letras e cantor de fado. Quando menino e moço, esteve na Guiné e na zona leste (Sector L1) e também na região do Óio (1971/73)... Recorde-se o seu historial de playboy, gozando as delícias do sistema: Depois de Bolama, veio com a sua CART 3942 para o Xitole, comandou, como Alf Mil Op Esp, o Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e esteve ainda, na parte finald a sua comissão, na CCAÇ 15 (Mansoa).

Caros Camarigos

Não sei quem é o sr. Luís Almeida Martins e nem me interessa!

Quando as coisas me tocam cá por dentro, confesso que me irrito, será lá o tal “stress da guerra” como já me disseram, e respondo desabridamente.

Hoje neste país qualquer sujeito escreve nos jornais e revistas porque tem umas ideias sobre umas coisas e vai daí decide expor as suas teorias.

É verdade que muitas baixas foram devidas a acidentes, não só de viação, mas de armas de fogo, mas com certeza e também de emboscadas e ataques e flagelações.

Reduzir a guerra a umas bombas de napalm e a umas aldeias montadas por nós, é de quem não faz ideia do que está a dizer, nem faz ideia do que se passou.

"massacres como armas ditadas pelo desespero."... Será o desespero de quem escreve uma merda destas.

Não seria grave para mim, pois quem escreve tal coisa apenas merece a minha total indiferença, mas nós temos filhos e netos e esses têm obrigação de saber que nós não andámos numa “guerra do Raul Solnado”.

Não vou escrever para a Visão, porque “tão ladrão é o que vai à vinha como o que fica a vigiar”, ou seja, aquela revista há-de ter um director que tem por obrigação dar um mínimo de credibilidade àquilo que na mesma é escrito.

Mas não tenham dúvidas, meus camarigos, isto faz parte de uma “estratégia”, agora que começou a falar-se mais nos ex-combatentes.

Dêem a vida pela Nação, mas não chateiem! Há dinheiro para almoços e jantares, prémios de administrações e quejandos, mas não há para os desgraçados que andaram por África a combater.

Sabem porquê? Porque eles afinal não estiveram na guerra, não houve combates frontais, foram apenas baixas de acidentes e minas!!!!

Não peço nada para mim, mas exijo para aqueles que ainda não dormem e têm os seus sonhos povoados de gritos e explosões, para aqueles que ainda não conseguem dominar as suas irritações, para aqueles que ainda não conseguem ter uma vida familiar estável.

Estes “escritores” não merecem o meu desprezo!

Abraço a todos camarigos e levantemo-nos decididamente, porque todos não somos demais para lutar por aqueles que tendo estado connosco ainda precisam da nossa ajuda.

Joaquim Mexia Alves
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3935: O Spínola que eu conheci (2): O artigo da Visão e o meu direito à indignação (Vasco da Gama)

Guiné 63/74 - P3939: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (III) Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos

1. Mensagem do Vasco da Gama, que reside na Figueira da Foz, e foi Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74

BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - III

Sr. Jornalista (*)

Antes que se digne responder a alguém do nosso blogue e, se tiver postura moral para tal, faça-o em sentido, pois toda esta malta que ronda os sessenta anos, são os velhinhos da geração mais sacrificada de Portugal a quem portanto o sr. jornalista, os srs. governantes, os srs. banqueiros, os srs. políticos em geral, e os outros srs. que por aí pululam, devem o maior respeito!

Não sei o seu nome, não sei a sua idade, mas de uma coisa eu tenho a certeza: não pertence à minha geração. Vª. Exª., como eu detesto a palavra Vª.Exª., não sabe sequer o significado da palavra solidariedade, difícil de escrever, difícil de ler e ainda mais difícil de praticar, mas que é apanágio e privilégio da minha geração que combateu na Guiné!

Vª Exª não confunda regimes políticos nem cabos de guerra nem exageros pontuais, com os combatentes da Guiné, nem com a guerra que travámos.

Vª Exª não pode afirmar que a maior parte das baixas se deveram a desastres de viação ou ao rebentamento de minas.

Vª Exª não pode ignorar as centenas e centenas de mortos em combate.

Vª Exª. não pode ignorar as centenas de deficientes que a guerra colonial provocou.

Vª Exª não pode ignorar os lares desfeitos pela guerra.

Vª Exª não pode ignorar o sofrimento de muitos de nós, onde eu me incluo, que ainda hoje acorda pela madrugada dentro aos gritos, julgando estar no inferno da Guiné.

Exijo que Vª Exª se curve perante a memória dos mortos em combate da Companhia de Cavalaria 8351 que eu comandei na Guiné (**);

exijo que Vª. Exª. respeite os mortos da minha Companhia que, feridos em combate, vieram a falecer em Portugal;

exijo que Vª Exª. respeite os meus camaradas que não resistindo aos pesadelos do pós – guerra se vieram a suicidar;

exijo que Vª Exª respeite toda a minha geração de combatentes da Guiné: O vento sopra a nosso favor, pois sabemos para onde ir. Estive, como outros camaradas, para ignorar o seu escrito, mas ignorar os factos não os altera, por isso erguendo as mãos ao céu exclamo: Que Deus nos proteja dos medíocres!

Queria ainda dizer a Vª Exª que camaradas meus chegarão dentro de dois dias àquele país onde lutaram – A Guiné Bissau - , numa missão humanitária de auxílio às crianças do povo irmão! Que linda reportagem daria se jornalistas como Vª Exª. se interessassem por tais eventos… O vosso silêncio a este respeito ficará para outra altura…

Gostaria ainda de mostrar uma fotografia tirada em 12 de Maio de 1974!

Como podem verificar, soldados da CCav 8351, Os Tigres do Cumbijã, aguardam juntamente com elementos do grupo de milícias, o início de um terrível “massacre” a duas cabras do mato e a não sei quantas galinhas, na comemoração do nascimento da primeira alma no Cumbijã. O padrinho foi o Vasco e a menina chama-se Fatmata Gama. O Dotô Carvalho, de Mampatá [, que vai integrado na Missão Humanitária - Memórias e Gente, 2009, que deve chegar amanhã à Guiné-Bissau], foi portador de duas fotografias e desejo do fundo do coração que a consiga encontrar algures na Guiné.


Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCav 8351 (1972/74), Os Tigres do Cumbijã > 12 de Maio de 1974 > Malta da companhia e da milícia local festejam o nascimento da Fatmata Gama, a primeira criança a nascer no Cumbijã, no Cantanhez. O padrinho foi o Vasco da Gama (aqui na foto, de óculos escuros, bigode, sentado, ao centro direita).

Foto: © Vasco da Gama (2009). Direitos reservados

Para todos os meus camaradas e amigos da Guiné, um pequeno poema [, de Pablo Neruda] :



Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser um ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.

Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas.

Pablo Neruda


Nós fomos, camaradas da Guiné!

Um abraço fraterno do

Vasco da Gama
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3935: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (II): O artigo da Visão e o meu direito à indignação

(**) Vd. último poste da série > 15 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3898: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (8): Maio de 1973 na vida da CCAV 8351 - (Parte I)

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3938: Brasões, guiões ou crachás (7): Pelotão Independente de Morteiros 912 (Santos Oliveira)



Pelotão Independente de Morteiros n.º 912

Unidade de Mobilização:
R I 2 – Abrantes

Partida: Embarque em 13 de Outubro de 1963; desembarque em 18 de Outubro de 1963
Regresso: Embarque em 28 de Outubro de 1965

Como Pelotão Independente, foi substituir o Pel Mort 19, em Tite, ficando adido aos BCaç 237/599 e, pelos finais da Comissão, ao BCaç 1860.

Participou, com uma Secção, na OPERAÇÃO TRIDENTE e, após o seu término, aí permanecendo até 18 de Julho de 1964, havendo sido, posteriormente, rendida por uma outra Secção e que prolongou, no tempo, o apoio da CCaç 557 e, após a rotação desta, a CCaç 728, que ocupavam a Posição de Destacamento, na parte norte, no local denominado Cachil (Ilha do Como) conforme o determinado pelo Comandante Militar.

Destacam-se, ainda participações, durante 4 meses, desta última Secção em Cufar onde cooperou e apoiou as CCav 703 e CCaç 763.

Regressada a Tite, desembaraçou a CCaç 797 na sequência do Golpe de Mão a Bissilão, onde esta CCaç se encontrou em situação muito delicada e desfavorável.

Do grosso do Pelotão de Morteiros, além de diversas participações em Operações colectivas (S. João, Nova Sintra, Aldeia Nova, Iusse, etc.), destaca-se a construção e defesa do Destacamento de Jabadá e vários acantonamentos no Destacamento do Enxudé, ponto crucial no abastecimento por via fluvial.

Santos Oliveira (*)
Ex-2.º Srgt Mil Armas Pesadas
Pel Mort 912
Como, Cufar e Tite, 1964/66

19FEV09
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(*) Vd. último poste de 11 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3874: Blogoterapia (90): Natal é quando o Homem quiser (Santos Oliveira)

Vd. último poste da série de 14 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3622: Brasões, guiões ou crachás (6): BART 2917 e 2924, BCAÇ 507 e 512, CCAV 1484, Pel Caç Nat 52 e Pel Mort 4574 (José Martins)

Guiné 63/74 - P3937: Convívios (96): Pessoal do BCAV 3846 e Companhia Independente, dia 15 de Março de 2009 em Ortigosa - Leiria (Delfim Rodrigues)


1. No próximo dia 15 de Março vai acontecer mais um Encontro do Batalhão de Cavalaria n.º 3846, mais Companhia Independente. Este ano comemoram o 36.º aniversário do seu Regresso.

O Almoço será servido no Restaurante "Quinta do Paúl", sito na Estrada Nacional 109 em Paúl - Ortigosa - Leiria.

2. Deixo a Ordem de Serviço, da responsabilidade da Comissão organizadora.

Guiné 1971/73

10 de Fevereiro de 2009

Batalhão Cavalaria 3846
Companhia Independente

Caros amigos

Aos 15 dias do próximo mês de Março do corrente ano de 2009, ficam convocados todos aqueles que pertenceram ao BCav 3846, mais a Companhia Independente para se apresentarem às 12 horas de Domingo, no Restaurante “Quinta do Paul“ sito na Estrada Nacional 109 – Paúl – Ortigosa - Leiria a fim de festejar o 36.º aniversário do regresso das terras da Guiné.


Assustaram-se com esta ordem de serviço? Não vale a pena, isto foi só uma brincadeira, pois após 36 anos a organizar este convivio acho que já temos direito a brincar um pouco e que nos desculpe o Comandante Oliveira Guimarães por este abuso de autoridade.

Mas vamos ao que nos interessa, isto é, o nosso Capelão celebrará uma missa nesse local às 12 horas, onde serão recordados todos aqueles que nos deixaram.

Em seguida realizar-se-à o já tradicional almoço, onde nós esperamos encontrar um novo número de participantes (mais de 150 pessoas). Ainda recordo o desafio que no ano passado alguém ter sujerido de se apresentarem aqueles que sabem tocar algum instrumento musical ou saibam cantar, ou ilusionismo ou qualquer outro tema interessante para nos dedicarem esses tais dotes.

No fundo o que nós queremos é que esteja muita gente, tudo corra bem, e saibamos viver estes momentos bem dificeis com muita alegria e amizade pois é com esse sentido que nós realizamos esta festa.

Um bem haja para todos, um até já.

Os preços praticados serão os seguintes:

Crianças entre os 5 e 10 anos - 14,00 Euros
Para todos os restantes - 28,00 Euros

Para qualquer dúvida ou esclarecimento necessário poderão contactar:

Alberto Toscano – 912 381 293 – albertotoscano@sapo.pt

Carlos Conceição (Xina) 919 489 378 – carlos_m_novoa@hotmail.com

Ten Cor Bernardino Laureano – 966 452 001 - laureano@netmadeira.com

Telefone do Restaurante - 244 613 438

A confirmação da presença deverá ser feita até 8 de Março.

Esperamos poder contar com a presença de todos vós neste dia e até ao nosso encontro, resta-nos desejar uma boa viagem.

Um forte abraço
Toscano, Xina; Laureano, Capelão
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3841: Convívios (94): Pessoal do BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71), no dia 7 de Março de 2009 em Arganil (César Dias)

Guiné 63/74 - P3936: Bibliografia de uma Guerra (43): 14.º Volume da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (V. Briote)

"Comandos - Grupos Iniciais"


Lançamento do 14º Volume da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961/74)

Dia 10 de Março, às 18h00

Museu Militar de Lisboa

Apresentação a cargo do General A. Soares Carneiro e do Coronel Cmd Jorge Graça, Cmdt do Centro de Tropas Cmds.



Para conhecimento dos antigos Cmds da Guiné e de todos os Camaradas, que queiram e possam estar presentes.
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Nota de vb:
1. Artigo relacionado em
16 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3903: A Compª de Cmds do CTIG, 1965/66. Artigo do General Garcia Leandro na Revista Mama Sume. V. Briote
2. Último artigo da série em
17 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3907: Bibliografia de uma guerra (42): Escritor Combatente: "A Geração do Fim" (Mário Beja Santos)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3935: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (II): O artigo da Visão e o meu direito à indignação

1. Mensagem do Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74:


Neste texto a seguir, o nosso camarada, figueirense exerce o seu direito à indignação...

PORRA! NÃO QUERO NEM PEÇO NENHUM RECONHECIMENTO, MAS NÃO ADMITO SER OFENDIDO.



BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO II > AINDA O POSTE 3925 (*)


[Bold, a cor, da responsabilidade do editor, L.G.]

Comandante Luís Graça,

Sempre preferi o silêncio dos bastidores à luz da ribalta e, para o meu gosto, estou a aparecer demasiadas vezes.

Obrigado pela publicação do meu pobre e singelo comentário (**), mas a singeleza é sinónimo de sinceridade, que tanto prezo e tento manter em tudo o que faço.

Quando hoje reli o comentário do nosso camarada Torcato, que não tenho o prazer de conhecer pessoalmente, comentário esse que referi no texto que te enviei e que me ajudou a escrevinhá-lo na parte que diz respeito ao Gen Spínola, fiquei com a pulga atrás da orelha no que diz respeito a uma citação que ele retira da revista Visão. Como não tinha lido a Visão e a tinha procurado, sem êxito, por Buarcos, pedi a pessoa amiga que fizesse o favor de me enviar o referido texto. Vou completar a citação que o nosso camarada Torcato faz, dando à luz todo o parágrafo:

“ Raramente havia combates frontais, sendo as explosões de minas e os acidentes de viação as principais causas das baixas entre as tropas portuguesas, que recorriam à concentração das populações em aldeias estratégicas, ao uso de napalm e até mesmo aos massacres como armas ditadas pelo desespero.”

Caros camaradas: de que estamos à espera para reagir a um texto destes que diz preto no branco que, para além dos ralis que fazíamos e que pelos vistos provocavam imensas vítimas com os despistes dos nossos bólides, para além de umas minas que explodiam de quando em vez, fomos também assassinos que recorriam a massacres e ao napalm?


Como é possível ficarmos indiferentes a baboseiras destas, se nos lembrarmos de todos os mortos que tivemos em combate, dos camaradas que ficaram estropiados para toda a vida, da fome, do frio, dos paludismos, das condições desumanas em que vivemos, do sacrifício do abandono das nossas famílias, da interrupção dos estudos que poucos retomariam, de famílias desfeitas, de empregos perdidos…


Ataque-se o regime, ataquem-se os governantes de então, ataquem-se os grandes comandantes militares, mas não belisquem nem a honra nem a dignidade dos que eram obrigados a ir combater.

PORRA! NÃO QUERO NEM PEÇO NENHUM RECONHECIMENTO, MAS NÃO ADMITO SER OFENDIDO.

Por favor, camaradas, alguém com capacidade de escrita ensine a esta gente o quão importante foi a nossa geração.

Temos escritos magníficos no nosso blogue; há que juntá-los, há que os publicar, há que os divulgar para fora do nosso círculo, se não por nós, que seja feito em memória dos nossos camaradas mortos em combates frontais!

Um abraço, nervoso, do camarada e amigo

Vasco

2. Comentário de L.G., editor:

Os amigos e camaradas que queiram comentar o texto da Visão, assinado por Luis Almeida Martins (é sempre aconselhável lê-lo primeiro, na íntegra), e em especial o polémico parágrafo citado pelo Vasco da Gama (i), poderão fazê-lo, directamente, no nosso blogue, mas também poderão enviar uma mensagem para o Correio dos Leitores, daquele semanário.

A mensagem a enviar deverá conter até 60 palavras (no máximo), além do vosso nome, morada e tefefone. Deve ser enviada por mail. O endereço electrónico da Visão é: visao@edimpresa.pt

A revista sai às quintas-feiras.

(i) O parágrafo completo é o seguinte (pp. 50-51):

"Principiada em Angola em 1961, a guerra colonial na sua nova faceta menos tribal e politicamente mais organizada estendera-se à Guiné em 1963 e a Moçambique em 1964. Não de tratava de uma guerra de frentes, mas de uma intrincada sucessão de acções de guerrilha, difícil de travar e desafiadora de qualquer planificação eficaz. Raramente havia combates frontais, sendo as explosões de minas e os acidentes de viação as principais causas das baixas entre as tropas portuguesas, que recorriam à concentração das populações em aldeias estratégicas, ao uso de napalm e até mesmo aos massacres como armas ditadas pelo desespero."



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Que imagem vamos passar aos nossos filhos e netos ? Nós fomos combatentes, não fomos assassinos! - é a reacção generalizada dos veteranos da guerra da Guiné, a este excerto de um artigo ("Portugal e o passado"), de Luís Almeida Martins, evocativo dos 35 anos da publicação do livro de Spínola, Portugal e o Futuro , na edição da revista Visão, desta semana (nº 833, 19 a 25 de Fevereiro de 2009, pp. 50-51)...

Na mesma semana, por ironia, em que há algumas dezenas de homens e até de mulheres, ex-combatentes da guerra colonial (na sua maioria), que seguem, por terra, em caravana, do Porto, de Coimbra e de Portimão, a levar ajuda humanitária a (e a matar saudades de) um povo que eles consideram irmão...

Não vi a imprensa de Lisboa (rádio, televisão, jornais) dedicar 30 segundos ou um parágrafo sequer a este pequeno grande evento, que culmina meses e meses de trabalho, anónimo e voluntário, e que é bem revelador do sentido de nobreza, compaixão, generosidade, ecumenismo fraternidade e solidariedade de um povo... Não são as sobras dos ricos que eles levam em contentores que já seguiram por mar, mas sim artigos essenciais que fazem muita falta às crianças da Guiné-Bissau, na sua maioria material escolar, didáctico e sanitário... E até um parque infantil, o primeiro de Bissau, vai ser montado desta vez! (LG).







Visão nº 833, de 19 a 25 de Fevereiro de 2009 > Artigo de Luís Almeida Martins, "Portugal e o passado" (pp. 50-51). O nosso camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CART 8351 (Cumbijã, 1972/74), não gostou do que o jornalista escreveu, a propósito do quotidiano da guerra colonial:

"Raramente havia combates frontais, sendo as explosões de minas e os acidentes de viação as principais causas das baixas entre as tropas portuguesas, que recorriam à concentração das populações em aldeias estratégicas, ao uso de napalm e até mesmo aos massacres como armas ditadas pelo desespero."...

 
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Notas de LG.:

(*) Vd. poste de 23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3925: Efemérides (16): Portugal e o Futuro, de António Spínola, um best-seller há 35 anos

(**) Vd. poste anterior desta série de 24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3929: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (I): Antes que me chamem spinolista...

Guiné 63/74 - P3934: Expedição Humanitária 2009 (6): Já na Mauritânia, a caravana deverá chegar 6ª feira, dia 27 (Carlos Marques dos Santos)


Título e foto da página 7 do Diário As Beiras, de 24 de Fevereiro de 2009.

O nosso camarada e querido amigo Carlos Marques dos Santos que andou pelo sector de Bambadinca, Zona Leste, entre 1968 e 1969, sendo Fur Mil da CART 2339 (juntamente, entre outros, com o Torcato Mendonça, outro querido membro da nossa Tabanca Grande) está a acompanhar, a partir da sua Coimbra natal, a Expediçõ Humanitária 2009 (*) que há-de chegar a Bissau dentro de dois ou três dias.

Eu sei quanto o Carlos gostaria de ir ao lado do Zé Moreira, do Xico Allen e dos demais participantes. É, de resto, um homem do caravanismo, professor de educação reformado... A saúde, porém fala mais alto...

O Carlos acaba de nos mandar um recorte do Diário As Beiras, edição de hoje, com uma peça do Vitor Garcia que está em contacto telefónico com a caravana. Eis um relato do que ele escreveu, na edição de hoje:

"O calor já se faz sentir e o cansaço aumenta. Mas a vontade de continuar e chegar à Guiné-Bissau é maior. Depois das dunas de Marrocos, a Mauritância espera a expedição humanitária".

Citando um dos membros da organização, o Fernando Ferreira, o jornalista diz que a expedição (Missão Humanitária - Memórias e Gente, 2009) deverá chegar à Guiné-Bissau na próxima sexta-feira, ou seja, oito dias depois da partida. "Aí , vai distribuir 25 toneladas de proutos de primeira necessidade. Sete jipes, uma carrinha e mais de duas dezenas de pessoas compõem a expedição".




Imagens: Diário As Beiras / Recortes digitalzados e enviados por Carlos Marques dos Santos (2009) /Edição: L.G.

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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 22 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3924: Expedição Humanitária 2009 (5): Ei-los que partem, do Largo da Portagem, Coimbra... a caminho de Bissau (José Moreira)

Guiné 63/74 - P3933: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (4): Cenas, pouco edificantes, de caserna, que não contarei...

Guiné-Bissau > Bissau, capital do país. Planta da cidade, pós-independência.

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.

1. Mensagem de Cristina Allen, através da sua filha Joana Santos:

Caro Luís Graça,

Junto mais um texto da minha mãe para o Blogue.
Em breve, ela sairá de Bissau, mas eu ainda não acredito.

Um abraço,

Joana


2. Um agradecimento e ... um poema a Bissau (*)

por Cristina Allen

A Vasco da Gama, Luís Graça, Jorge Cabral, Torcato Mendonça, Mário Fitas e Alberto Branquinho,


Vocês são demasiado elogiosos.

Tinha preparado, para este Blogue, um texto hilariante sobre a perseguição nocturna a um coronel, que punha gravata para o jantar, me piscava um olho velhaco e, numa noite em que o Mário se ausentara, entrou, no meu quarto, em cuecas. Tantos anos volvidos sobre o caso, não acho que seja assim tão engraçado.

É que, a esse tempo, o homem teria a idade do meu pai e, nos dias de hoje, já sou mais velha do que ele então seria. Também entrava nessa história o Carlos D’Orey, um amigo que morreu de abandono.

Portanto, nada de graças. Em vez desse texto, mais uma visão de Bissau, da qual não consigo ainda partir.


Bissau, a menos bela,
te cantarei bela
em cada esquina.
Bissau, como te vi,
luzeiro e sombra densa,
Bissau da paz
e luta ardente,
Bissau benvinda,
oculta para sempre.

E se, em sonhos,
farrapos de mim
por ti e só por ti ainda gritam,
são coisas da lembrança,
cidade adormecida,
entre a morte e a vida
bem cumprida,
delgado fio pendente…

E, da suprema traição,
que tão bem viste,
o espanto e a ira,
na tua cor esbatidos,
mais brandos tos retorno,
em meus olvidos,
Bissau, a menos bela,
que cantarei mais bela
em cada esquina.


Cristina Allen
Fevereiro de 2009

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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores da série:

9 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3713: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (1): Just married...

8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3850: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (2): Quarto, precisa-se, por favor!

19 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3913: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (3): Quanta chuva, Mário ?