sábado, 8 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4796: Estórias avulsas (14): O enfermeiro Lomelino (Alberto Nascimento)


1. O nosso Camarada Alberto Nascimento, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 84 (Bambadinca, 1961/63), enviou-nos a seguinte mensagem com data de 7 de Agosto de 2009:
Camaradas,

Tinha esta estória guardada e não a tinha ainda enviado por entender que, por se tratar de um episódio passado com outro camarada, devia no mínimo sondar a sua opinião e mesmo obter a sua autorização.



No ultimo almoço da companhia, recordámos o episódio em questão, que continua a motivar boas gargalhadas e o protagonista - enfermeiro Lomelino -, disse-me para avançar com a sua publicação.


Por isso aqui está:


O enfermeiro Lomelino
Em 1961, quando o nosso pelotão foi destacado para Farim e após uns dias de estadia no destacamento de Cavalaria, nos cederam para quartel um antigo armazém abandonado dentro da povoação, tratamos de adaptar o espaço às nossas necessidades, transformando-o em caserna.


O Lomelino, era o enfermeiro do meu pelotão, a quem todos reconheciam total competência no desempenho das funções inerentes à sua especialidade.


Ninguém hesitaria em pôr a “bunda” a jeito para uma pica, se fosse necessário, ou a tomar um medicamento por ele receitado para maleitas menos graves, embora o que ele mais receitava era o LM, que, já sabíamos, se não fizesse bem, mal também não fazia.


Além da assistência aos militares, quando lhe era solicitado, também dava apoio e tratamento da população civil. Então lá ia ele com o bornal cheio de ligaduras, drogas, seringas e agulhas, prevendo a teimosia de alguns Homens Grandes, que diziam que só a injecção fazia passar a dor, porque sentiam a picada. Comprimido não fazia efeito e nem o “fermeiro” Lomelino conseguia demovê-los desta ideia.


Se o meu Camarada era bom na sua “arte”, já na formação da vertente bélica, o Lomelino, um dia demonstrou uma grave falha e, das duas uma: ou lhe ensinaram muito pouco sobre armas, particularmente sobre a arma que lhe foi distribuída - uma pistola Parabellum -, ou ele esqueceu muito depressa, até porque, segundo nos dizia, a sua missão era tratar pessoas e não matá-las.

Outros tempos... em que eram prática comum a ética e o profissionalismo, que permitia falar assim.

Voltemos ao nosso enfermeiro Lomelino e ao seu esquecimento (ou distracção), da instrução que lhe fora prestada sobre os procedimentos de manuseamento de uma Parabellum.

Uma bela manhã, com vários militares dentro da caserna e os que tinham feito guarda durante a noite, ainda nos braços de Morfeu, o nosso bom camarada e óptimo enfermeiro, lembrou-se que estava na hora de fazer a limpeza da pistola.

Para isso muniu-se do material necessário e descontraído deitou mãos à obra, mas, distraído, esqueceu o procedimento mais básico para esta operação: tirar a munição que estava na câmara e o carregador.

Quando soou o primeiro tiro, uns olhavam espantados para o Lomelino enquanto outros já se tinham atirado para debaixo das camas, mas ao segundo tiro só o Lomelino ficou de pé com ar incrédulo a olhar para a pistola, que já tinha atirado para cima da cama.

Há homens com muita sorte. Um dos camaradas que depois da guarda dormia ainda com o camuflado vestido e o quico amarrotado debaixo da cabeça, veio mostrar os estragos que uma das balas fez no casaco e no quico.

As duas peças pareciam que tinham sido ratadas: o casaco, da cintura até à gola e o quico em vários pontos. A bala passou entre o cobertor e o corpo, e ele afirmou que não sentiu nada.

O Lomelino jurou solenemente que nunca mais ia pegar na pistola e cumpriu.

Nos destacamentos seguintes, não me lembro de o ter visto armado, nem mesmo em Bambadinca.

Por mim, considero a sua decisão demasiado drástica, bastava que passasse a limpar a pistola a, pelo menos, um quilómetro de distância do quartel.

Um Abraço,
Alberto Nascimento
Sold Auto da CCAÇ 84
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4795: Em busca de... (84): André Manuel Lourenço Fernandes, ex-Fur Mil não sabe o número da sua Companhia (José Martins/Carlos Vinhal)

1. Aproveitando algum tempo livre que os camaradas tertulianos vão dando este mês, estou a rebuscar mensagens antigas, que não pareça muito mal publicar agora.

Assim encontrei esta do nosso camarada André Manuel Lourenço Fernandes, ex-Fur Mil que esteve na Guiné.

Passo a transcrevê-la na integra:

27 de Abril de 2009 14:06
Para: Luís Graça
Assunto: Amigo

Estou perdido a minha memória está a ficar fraca tenho 60 anos através do meu BI de militar encontro (c.caç 3329) mas vou tentando encontrar a minha companhia e nada.

Mas vou dar algumas informações para tentar descobrir o meu nome é André Manuel Lourenço Fernandes fui furriel miliciano a minha companhia era açoriana a maioria da ilha terceira tive na Guiné não lembro bem os sítios, alguns nomes que recordo Bolama e Massamá entre 1970 e 1974 acho que vim um mês antes do 25 de Abril junto em anexo duas fotos uma do meu BI e outra com uma guineense.

Agradeço toda a ajuda gostava de contactar com eis camaradas!





2. Face a esta mensagem, consultei o José Martins:

Caro Zé
Este nosso camarada deve estar mesmo confundido. De acordo com as tuas listagens, não existe a CCAÇ 3329, mas sim a CART 3329. Açorianas aparecem as CCAÇs 3326, 27 e 28. Será a última a dele?
Refere Massamá, na Guiné, será Mansabá?
Vê por aí nos teus livros, pf.
Um abraço
Carlos


3. Esperando deste modo estarmos a avivar a memória do nosso camarada André Fernandes, aqui deixamos o resultado das pesquisas de José Martins:

Resultado de pesquisa, com base em dados bastantes difusos:

Nome – André Manuel Lourenço Fernandes

Com esta pista, só é possível encontrar a unidade em que foi mobilizado, recorrendo à caderneta militar, ou, em alternativa, a uma nota de assentos, que pode ser solicitada ao Arquivo Geral do Exército, sito em Lisboa na Estrada de Chelas

Pela leitura do cartão militar, foi incorporado em 6 de Janeiro de 1970, pelo que só poderia ter sido dado como pronto e em condições de ser promovido a 1.º Cabo Miliciano, no início do 2.º semestre de 1970.

Dar uma recruta e/ou formar Companhia, deve ter sido mobilizado para embarcar, em princípio, no início de 1971.

Subunidades mobilizadas nos Batalhões Independentes de Infantaria, nos Açores, a partir de 1971

Angra do Heroísmo – BII 17

Companhia de Caçadores n.º 3326


Comandante Cap Mil Inf José Carlos de Paula Carvalho

Embarque 21 de Janeiro de 1971

Regresso 7 de Janeiro de 1973

Localidades - Mampatá – Quinhamel – Ponta Vicente da Mata – Ome - Ondame


Companhia de Caçadores n.º 3327

Comandante Cap Mil Art Rogério Rebocho Alves

Embarque 21 de Janeiro de 1971

Regresso 07 Janeiro de 1973

Localidades - Brá – Bachile – Mata dos Madeiros – Teixeira Pinto – Bassarel – Calebisse – Chulame – Bissássema – Tite -


Companhia de Caçadores n.º 3328

Comandante Alf Mil Inf Agostinho de Almeida, Cap Inf Manuel Estêvão Martinho da Silva Rolão, Joaquim Humberto Rodrigues Teixeira Branco e Alf Mil Cav Luís Albano de Freitas Pereira

Embarque 21 de Janeiro de 1971

Regresso 7 de Janeiro de 1973

Localidades - Bula – Ponta Augusto Barros – João Landim – Mato Dingal – Cumeré.


Companhia de Caçadores n.º 3414

Comandante Cap Inf Manuel José Marques Ribeiro de Faria

Embarque 23 de Junho de 1971

Regresso 23 Setembro de 1973

Localidades – Bolama – Sare Bacar – Sora – Sare Aliú Sene – Cumeré – Brá

Fez escoltas a Farim – Binta – Guidage e Mansabá
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4784: Em busca de... (83): Companheiros de viagem para a Guiné em 25OUT66 (António Delmar R. Pereira)

Guiné 63/74 - P4794: Estórias do Juvenal Amado (20): Um tiro na Parada de Galomaro

1. Mais uma estória do nosso camarada Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74, enviada em mensagem de 30 de Julho de 2009.


UM TIRO NA PARADA DE GALOMARO

Tinha sido um dia cansativo.

Coluna para Bambadinca, carregar, descarregar em Cancolim e regresso contra o que era normal a Galomaro no mesmo dia.

Quem fazia segurança eram um Pelotão de uma Companhia independente, que esteve estacionado em Galomaro durante algum tempo. Não recordo no número dessa Companhia, mas sei que o meu conterrâneo Afonso fazia parte dela.

Tínhamos andado na escola primária juntos, mas depois a vida separou-nos para nos voltarmos a encontrar na Guiné.

Vínhamos completamente exaustos cheios de pó e de sede.

Deixei a viatura no parque e na palheta com o Afonso, dirigimo-nos através da Parada para a Cantina

Uma cervejinha sabia di mais.

Íamos conversando e ao mesmo tempo, eu fazia a manobra de desarme da G3 retirando a bala da câmara.

Nisto PUM!!!!!!!

Eu nem sabia donde tinha vindo o tiro. Incrédulo olhava para a minha espingarda, que ainda fumegava.

Tinha retirado a bala da câmara ainda com carregador posto, quando mandei a culatra à frente introduzi outra munição. Está bem de ver.

O tiro foi para o ar mas... dar um tiro daquela forma mesmo nas barbas do Coronel Castro e Lemos, era muito complicado.

Quando olhei para a porta da messe, já lá estava ele a abanar o pingalim.

O oficial de dia era o alferes Veiga. Veio identificar-me de imediato e mandou-me apresentar no dia seguinte.

- Estou lixado e ainda por cima tão perto das minhas férias - que já estavam marcadas para vir à Metrópole.

- Malvada sorte com tanto sítio para dar tiros tinha que ser ali.

Foram horas más, para além da vergonha de ter cometido um erro tão grave.

No dia seguinte lá me apresentei ao alferes Veiga, que me disse que era melhor eu ir falar com o Comandante e pedir desculpa do sucedido, pois a coisa estava bera.

Assim fiz. Barbeei-me e lá fui com o rabo entre as pernas, ter com o homem grande de Galomaro.

Chegado à porta do gabinete perfilei-me, fiz continência e falei com a voz mais segura, que pude arranjar no momento:

- Vossa Excelência, meu Comandante, dá-me licença?

- O que é quer o nosso Cabo?

- Meu Comandante, fui eu que dei o tiro ontem.

A cara tornou-se cinzenta, levantou-se com o pingalim na mão e com gestos ameaçadores veio direito a mim.

Pregou-me a maior descasca de que tenho memória e o pingalim roçava-me sem cessar, perigosamente, as orelhas e o nariz.

Ainda hoje me sinto admirado como não levei com ele, tal era a fúria do nosso Comandante.

Por fim mandou-me embora, não sem antes me dizer que não me pregava uma porrada, pois quase todos os oficiais tinham intercedido por mim.

Levei uns reforços à Benfica, mas quanto às benditas férias estavam salvas.

Juvenal Amado


Ten Cor Castro e Lemos numa coluna

Ten Cor Castro e Lemos, Lopes, Estufa, Sacristão e Alf Veigas

Fotos e legendas: © Juvenal Amado (2009). Direitos reservados.

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Vd. último poste da série de 3 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4770: Estórias do Juvenal Amado (19): O cabrito do nosso Comandante

Guiné 63/74 - P4793: História da CCAÇ 2679 (23): Questão bicéfala (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel M. Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 6 de Agosto de 2009:

Carlos,
Não vais de férias? Olha que esta malta não contemporiza. E eu também não, apesar da estima e do reconhecimento das tuas qualidades. Talvez por isso, se não tivesses qualidades... ia chatear outro.

Quero dizer que o que se segue, é mais um pedaço de história das andanças na Guiné.

Um abraço Tabancal.
J Dinis


História da CCAÇ 2679 - 23

Questão bicéfala


A fila de pirilau devia alongar-se pela picada fora, guardando as distâncias convenientes, e preservando a atitude de grupo organizado, não fosse o diabo tecê-las, que isto de guerra de guerrilha tem mais é que ver com a surpresa. À frente quatro picadores que batiam no chão sem vontade para ouvir um som diferente, ou de fazer aparecer uma latinha, cumpriam a tarefa de detectar algum engenho explosivo e traiçoeiro. Logo atrás seguia eu, como de costume, ora prestava alguma atenção à picagem, ora me distraía com as cores vivas da mata, com algum chamamento de aves, com o esvoaçar do pensamento até uma ramagem na Europa, o poiso sonhado. No alto, o sol inclemente atingia-nos com raios escaldantes.

Seguiam-me cinco homens alinhados convenientemente, provavelmente com os sentidos na mata e os pensamentos nos braços das namoradas. Mas depois, um quase longo espaço, quebrava a homogeneidade do pelotão, até divisar um grupinho. Dei indicação para prosseguirem com atenção, que já os alcançaria. Troquei graçolas com os que passaram por mim, e deixei-me ficar à espera do grupo. Alguns momentos, e aproximou-se o alferes, acompanhado por três elementos que o ladeavam, mais dois que o seguiam de perto, todos em amena cavaqueira. Mais afastados ainda, vinham quatro ou cinco com ar de velhos cansados, e que fechavam a contagem.

Bonito grupo de combate, pensei. À aproximação dos primeiros interpelei o pessoal porque é que vinham a chatear o nosso alferes, em vez de terem cuidado com a progressão em linha e com distâncias adequadas. "Vamos! A andar como deve ser!". Ainda ameacei umas biqueiradas naqueles cús manhosos e displicentes. O Lopes sorriu-me sem intervir.

Depois esperei pelos últimos e indignei-me com a bandalheira. Desculparam-se que os outros iam logo ali, e que os turras não se atreviam a meter connosco, como que a amenizar a situação, paleio que tinha o paradoxal efeito de me irritar. Com maus modos obriguei-os a seguirem-me para ocuparem a dianteira do pelotão.

Dias após, pela tarde, o alferes comunicou-me que não nos acompanhava para Tabassi, porque no dia seguinte teria que seguir para os reordenamentos. Depois passou a ser frequente não nos acompanhar e, até, não prevenir. Dava umas ordens ao pessoal, por vezes contrárias às que eu transmitia. Estas contradições e a sua ausência quase permanente, causavam algum mau estar e originavam conflitos que o pessoal explorava e eu tinha que resolver, por vezes a raiar o limite da paciência.

No meu diário registei várias vezes a crescente desorganização no seio do Foxtrot, e sentimentos antagónicos sobre o grupo. As coisas não corriam bem, decididamente.

Um dia, o ambiente azedou perante uma insistente imprecassão, relativa a uma contradição entre nós. Que cada cabeça, cada sentença, ou que cada um mandava pelo seu lado. Foi o transbordar do copo. Dirigi-me ao capitão que, inicialmente, quis desviar o assunto, adiar a resolução. Insisti que tinha que tomar uma atitude urgente, no próprio dia, que a situação era inaceitável para mim que, afinal, estava novamente só com o pelotão, mas com mais dificuldades no relacionamento. Até que o Trapinhos, como que baralhado, enfadado e displicente, mas a querer livrar-se de mim, perguntou-me, mais ou menos nestes termos: "Mas você não quer o alferes Lopes no pelotão?".

Respondi-lhe com a calma possível, que o alferes teria que fazer uma escolha, ou ficava nos reordenamentos sem interferir nos assuntos do pelotão, ou alinhava connosco, assumindo o comando e decidindo sobre a actividade e as pessoas, no sentido de harmonizar e homogenizar, no que me propunha dar colaboração. Comandante à distância é que não, dados os inconvenientes e incongruências já registadas.

Nesse dia o capitão referiu-me que o alferes era necessário para acompanhar as obras de reordenamento em curso em Amedalai, pelo que não voltámos a partilhar posições no Foxtrot. Ali se definiu o futuro.

Tive excelente cooperação, no que aos serviços no aquartelamento respeitava, na articulação e desempenho de funções, que me dispensava, a maioria das vezes, de andar a distribuir e controlar tarefas. Atingia-se a maturidade, e cada um sabia e assumia a sua responsabilidade perante o grupo. Os cabos passaram a ter um papel relevante e harmonizador. Eu passei a ter uma grande tranquilidade, com uma reserva de energia que extravasava para o grupo.


Movimento de pessoal no Foxtrot

Desde o inicio da comissão registaram-se as seguintes baixas ao efectivo:

- O alferes Guerra, por motivos disciplinares;
- O Firmo Fernandes por motivo de doença, e igualmente o António Cró;
- O furriel Azevedo por ter manifestado incapacidade cardíaca, passou a trabalhar na secretaria, sem substituição no pelotão, mas com o meu acordo, porque tínhamos feito entre os furriéis um pacto no sentido de regressarmos juntos;
- O António Jesus por incapacidade cardíaca deixou o pelotão e passou a tomar conta da cantina.
- Entretanto, o alferes Lopes, como vem do texto anterior, também não foi substituído. Nesta ocasião começam a notar-se baixas frequentes por doença, e o pelotão actuava com o efectivo mais reduzido.


O Pauleiro

A alcunha deriva do local de nascimento e crescimento, o Paúl do Mar, pequena aldeia de pescadores que se estende sobre uma estreita plataforma de calhau, na costa oeste da Madeira, entre o mar e a escarpa alcantilada, sem outras saídas que não fossem o mar, ou uma vereda que galga a encosta quase vertical e extensa, de cujo cume, as casas lá em baixo parecem poder apertar-se nos dedos da mão. Hoje possui acessos viários que permitem a circulação de viaturas a motor.

Começou a lida da pesca ainda menino. Na época não se sentia necessidade de dar aos filhos educação escolar, pelo que o Alfredito brincava na água, interessava-se pela faina e, menino ainda, começou a ajudar o pai.

O Paúl do Mar, localizado na costa sudoeste da Madeira é uma vila piscatória tradicional

Foto retirada do site da Revista Madeira Live, com a devida vénia


Só a tropa veio quebrar a rotina. Mas o menino fizera-se homem, magro e musculado, olhar vivo e curioso, com temperamento alegre e de trato fácil como convém aos homens do mar. Desempoeirado, arguto e ágil, o Pauleiro impunha-se pelas suas capacidades e camaradagem. A guerra não lhe metia medo, era como uma sucessão de vagas que haveria de passar, enfrentando-as de proa embicada.

A 2679 incorporou-o com destino à Guiné, e o Foxtrot deu-lhe conveniente acolhimento. Provavelmente deu ele mais ao pelotão, do que o pelotão a ele, tudo em doses equilibradas. Talvez se registe um empate. Mas o Pauleiro com a alegria que irradiava, com a aptidão para a mata e a voluntariedade mobilizadora dos primeiros tempos, distinguia-se e foi dos que mais contribuiram para a coesão e determinação do grupo.

A ele devo a vida, conforme terei que relatar em episódio mais tarde. E se com ele tive algumas poucas birras de teimosos, imediatamente as ultrapassávamos sem ressentimentos ou sequelas.

Acabou a tropa e rumou ao Curaçao em busca de melhores pesqueiros. Nessas costas marítimas derivou até ao Equador, onde constituíu família de cultura hispânica.

Julgo que é dono do seu barco. Telefonei-lhe pelo Natal há poucos anos, e atendeu-me a esposa, que em castelhano referiu que o Alfredito andava no mar, "volverá al final de la semana". Quando lhe falei mais tarde, não se lembrava de mim.

A mãe vivia só no Paúl, perto de uma filha, mas tem filhos dispersos pelo mundo, da Austrália ao Equador, com quem mantém ténues laços através de esparsa correspondência.

Alfredito, provavelmente, ainda sonha em juntar o mundo, inspirado pelo mar e as estrelas do hemisfério sul.

Esta foto aconteceu no regresso de uma ida à lenha e, da esquerda para a direita, vêem-se: Gonçalves com a mortífera moto-serra; Rodrigues, o conhecido Mama-Sono; Santos, o manteigueiro que infelizmente já nos deixou; Pauleiro com a G-3, Faria, um dos nossos cabos; com a camisa mal abotoada e sempre bem disposto, o nosso condutor alcunhado se Zip; malmente ataviado e armado em Cisco Kid, cá o je, autor da prosa; por fim, com outra G-3, o França, também já retratado.

Foto: © José Manuel M. Dinis (2009). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4759: História da CCAÇ 2679 (22): Falando sobre Bajocunda (José Manuel M. Dinis)

Guiné 63/74 - P4792: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (6): O “Rato” da CCAÇ 675, Binta - 1964/66

1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos a sua 6ª estória, com data de 05 de Agosto de 2009, a que deu o seguinte título:

O «Rato»

O 1º. Cabo Auxiliar Enfº. Martins não enganava... Tinha “pinta”!

Rapidamente deu nas vistas. Aprendia depressa e era um «desenrascado»... natural.



Aquele seu jeito vinha-lhe do berço. Esperto e mandado para a frente: para o bem e para o mal...


Pequeno de estatura, de olhos bem vivos, mexido e malandro q.b. .


Estava na vida militar como «peixe na água»:


Não era mais um. Dava a pele por um seu superior mas... não o pisassem...


Aquele era dos que se batia pelo seu Capitão mas... deixassem-no respirar!


A bem o Martins ia para todo o lado. A mal... era rijo e não vergava...


Foi um dos que na vida militar terá apanhado primeiro um castigo e só depois um louvor! Foi também um dos que “passou” (com nota alta) o exame que foi para todos a: «Operação Lenquetó»!


O autor e o “Rato” em Binta. Binta, Junho de 1965. Fotografia do autor.

No «baptismo de fogo» o Martins, ou melhor, «o Rato» (como já era então por todos conhecido e tratado) mostrou a sua raça e que... os homens não se medem aos palmos...


No «Diário» da Companhia a sua actuação foi descrita assim:


«... De salientar na emergência a coragem do Cabo Enfº. Martins que não abandonou o ferido em cima da viatura, gritando para o Claudino (o condutor) que continuasse a andar para o estacionamento».


Há que esclarecer que a viatura em causa transportava um ferido grave – o soldado Almeida, que veio a ficar cego de um olho – e que foi emboscada quando seguia - isolada – a caminho do aquartelamento.


Está claro que o «Rato» em cima da viatura e debaixo de fogo, chamou ao Claudino tudo... menos bom rapaz.


É que este, em desespero, abandonou momentaneamente a cabine para se abrigar do fogo inimigo. Foram os gritos e «os nomes feios» do Cabo Martins que o fizeram voltar ao volante do Unimog.


Terá sido o «Rato» que, com o seu exemplo e coragem, evitou males maiores.


Depois... ao longo dos meses... esteve sempre em todas.


No mato e no quartel.


Aprendeu a falar os dialectos nativos e... não tivessem pena dele.


Ninguém na Companhia «terá partido mais catota... » que o Cabo Enfº. Martins.


Generoso e valente como operacional. Malandro e desenrascado no quartel e... na tabanca!


Onde estava o «Rato» não passava desapercebido!


Quando não sabia... ”inventava” e como auxiliar de enfermagem transmitia confiança. Ia a todas e... não se atrapalhava. Era bom tê-lo por perto quando havia azar...


Vivia intensamente a “sua” Companhia.


O que o ex-Alferes Tavares conta da sua dor exaltada a quando da morte do soldado Nascimento no Hospital de Bissau demonstra isso mesmo.


«... Mal cheguei ao Hospital dei de caras com o «Rato».


Este estava no HM 241 a fazer tratamento de desparatização e logo que me viu gritou-me a má nova: Morreu o Nascimento. Estava agitadíssimo. Em cada três palavras dizia duas asneiras. Já não sei como mas... segui-o pelos corredores do Hospital e fui dar a uma sala onde estava um corpo coberto por um lençol. O «Rato» destapou o corpo e reconheci o corpo desnudado do Nascimento. Morto. Não tinha um pé.»


Mais uns meses e o Martins regressou à Metrópole cheio de sonhos.


Infelizmente não optou pelo retorno às (suas) origens.


A Tondela. A pequena vila e sede de concelho do distrito de Viseu.


À terra que o tinha visto nascer.


Ficou por Lisboa, pela grande cidade: E... perdeu-se!


Terá vivido em equilíbrio precário, na corda bamba e não encontrou nunca «terra firme»...


Visitou amigos da vida militar. Teve a ajuda de alguns.


Viveu em sobressalto. Em correria. Parecia adivinhar que a sua vida ia ser curta.


Numa visita à sua terra natal – a Tondela – morreu num acidente de motorizada.


Quando soube... chorei sentidamente o «Rato».


De quem fui superior directo na vida militar.


Como eu estimava o puto!


Depois do regresso da Guiné tive o «Rato» em Alcobaça, em casa dos meus Pais. Um fim-de-semana.


À noite, já o «Rato» estava deitado, a minha mãe quis saber se ele estava bem e se precisava de mais alguma coisa.


O «Rato» preparava-se para dormir sem pijama porque simplesmente... não o tinha.


Escondeu embaraçado a nudez do tronco com a roupa e respondeu à minha mãe que não, que estava tudo bem. Parecia um «menino» encabulado!


Lembro-me como se fosse hoje.


Raramente vi o «Rato» tão atrapalhado. O «Rato» irreverente, desenrascado, sem papas na língua... ficou sem palavras.


Tinha sido um menino que teria crescido sem amor e que não estava habituado a que o tratassem... tão bem!


É assim que o recordo.


O seu sorriso de embaraço frente a alguém que o tratava como a um filho.


O «Rato» deixou a vida cedo. Vida que viveu a correr.


Parecia adivinhar que a sua vida ia ser curta.


Recordo-o com muita saudade.


Se isso pode ser considerado como um bem... permaneceu desde então, desde sempre na minha memória, como um jovem, misto de “malandro” e de menino que terá crescido para a vida... com falta de amor.


O «Rato» foi...tudo isto.


Se tivesse vivido nos tempos de Asterix teria sido, com certeza, também um irredutível.


Que saudades eu tenho do sacana do puto!


Um abraço,
JERO
Fur Mil da CCAÇ 675


Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:


Vd. último poste da série em:


4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4779: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (5): “O Campo de Ourique” da CCAÇ 675, Binta - 1964/66)

Guiné 63/74 - P4791: Estórias do Mário Pinto (7): “Maria, a minha querida bajuda”


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, que foi Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71, enviou-nos mais uma estória:

Amigos e Camaradas,

Tinha o meu “carregador” cheio e uma bala na câmara, puxei a culatra atrás e os “tiros” começaram a sair.

Como tem sido hábito, ultimamente, tenho vindo a rebuscar os meus velhos textos de Mamapatá, que me têm avivado a memória e me têm transportado a esses meus anos de juventude, e tenho-os enviado para partilhar convosco no “nosso” blogue.

Acho que descobri uma fórmula mágica do rejuvenescimento.

Aqui vos envio mais uma das estórias que então memorizei:

"A MINHA QUERIDA BAJUDA"

Quando a minha companhia chegou a Mampatá, tudo era precário a começar pela inexistência de instalações, pelo que logo começamos, com o nosso habitual e engenhoso desenrascanço, a procurar abrigos em plena tabanca, com a complacência, mais ou menos consentida e com sinais de maior ou menor simpatia, dos naturais da localidade.

Depressa nos adaptamos àquele lugar e às condições rudes em que vivíamos. Aos poucos e a troco de algum “patacão”, lá fomos arranjando locais próprios, o mais possível a nosso jeito e satisfação mínimas, para as nossas futuras “moranças”.

No mercado de trabalho de Mampatá procuramos arranjar alguém, para nos lavar a roupa e, nalguns casos, " lavar o corpinho" como era conhecido o tratamento físico e mais íntimo na época.

Tive a sorte de conhecer a Maria - uma bajuda Fula, linda e limpa -, que me tratava da roupa e da minha “habitação”.

Ao princípio olhava-me de lado, com ar desconfiado e recatado, fruto evidente dos aconselhamentos das “Mulheres Grandes” e da doutrina da “religião de Alá”, que ela professava e que, logicamente, proibia as mulheres de conviverem com estranhos e, ou, de raça diferente.

A estes factos juntava-se a sua tenra juventude, dado ela ser ainda bajuda, pelo que a Maria se refugiava em curtos e imperceptíveis monossílabos, para responder às minhas perguntas.

Só conseguia desfrutar o seu arrebatador e lindo sorriso, quando lhe pagava os serviços prestados, ou lhe dava alguma prenda (ronco) que conseguia angariar.

Ainda hoje cismo, por não me conseguir lembrar onde desencantava o raio do “ronco”, com que periodicamente lhe dava as prendas…

Com o correr dos tempos e já integrados nos conceitos e hábitos dos naturais da aldeia, e com a confiança dos seus “Homens Grandes”, lá fomos abrindo as portas da confiança e do convívio mais intrínseco com aquela maravilhosa gente guineense.

A Maria bem como as restantes bajudas, também se foram tornando mais afáveis e cúmplices com a tropa ali estacionada.

Quem não via com bons olhos a coisa e começou a ficar preocupado, foi o nosso comandante, porque o pessoal começava a dar sinais de desejos “suspeitos”, pelas bajudas que por ali circulavam de maminhas rijas e ao léu.

Quando tive a infelicidade, ou a “sorte”, de ser ferido com uma bala num braço - que obrigou a ficar engessado e ao peito -, fiquei grande parte do tempo do restabelecimento em Mampatá.

Passei então os dias a divagar pela tabanca, onde os “Homens Grandes” me demonstravam um respeito enorme, como se eu tivesse sido protagonista de um grande feito.

A “minha querida” Maria nesse período sabe-se lá porquê, tornou-se mais assídua aos meus aposentos, ficando mais tempo que o habitual comigo e procurando ser amável e carinhosa, não temendo, como até ali receava, o falatório das “Mulheres Grandes”.

Para minha surpresa agradável, num qualquer dia radiante do ano de 1970, o inevitável aconteceu, a Maria - “minha” bajuda preferida -, entregou-se-me totalmente numa tarde infindável de prazer e luxúria sexual.

Parece que ainda hoje revejo e sinto aquele corpinho mais lindo e brilhante, na sua inebriante e magnética cor de ébano.

Ficávamos tardes inteiras a “fazer amor” e repartindo mil conversas próprias das nossas sadias e frescas juventudes.

Passada a surpresa inicial e sanados na prática os meus desejos mal contidos há bastante tempo no meu pensamento, comecei a reparar que a minha querida bajuda, não correspondia com qualquer tipo de sinal de prazer aos meus ímpetos amorosos, que eu julgava que deveriam ser exteriorizados e próprios da sua idade.

Questionei-a admirado, e ela esclareceu a minha ignorância (como leigo que sou dos ditames do Alcorão), que na sua condição de Fula, sendo a sua religião Islâmica, seguiam a tradição cumprindo o “fanado” (que consistia na ablação do clitóris da mulher), como rezava o seu livro religioso.

Por outras palavras, a mulher é completamente e sadicamente, destituída do prazer sexual, sendo este apenas e incrivelmente propriedade do homem.

Estranha religião esta - pensei e comentei eu.

Desde esse dia passei a respeitar mais a Maria, a minha lavadeira e amante que, durante este espaço de tempo da minha recuperação, foi minha muleta de sustentação de tempos que foram, para mim, muito problemáticos.

Num período curto de Férias que gozei na Metrópole, deixei a minha “morança” entregue à Maria, para que a mesma fosse cuidando dela...

Para meu espanto quando regressei a Maria já não estava em Mampatá, tinha casado com um “Homem Grande” de Bafatá, que a tinha vindo buscar, pagando o que o seu pai pediu, como era tradição ancestral na Guiné, para a levar com ele.

Fiquei transtornado e abalado com a situação, durante bastante tempo, até arranjar outra lavadeira - a Ahua.

Nunca mais a vi a Maria.

Lembro-me que antes de regressar a Portugal e quando estava a despedir-me das gentes de Mampatá, a sua mãe me dizer que ela tinha tido um filho. Rapidamente fiz as contas” ao tempo passado, desde que deixei de a ver, e verifiquei que não havia qualquer possibilidade de ser eu o pai.

Graças a Deus. Fiquei aliviado!

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Foto: © Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
__________
Notas de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

5 de Agosto de 2009 >
Guiné 63/74 - P4788: Estórias do Mário Pinto (6): “O Puto da Mancarra”

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4790: In Memoriam (30): França Soares, ex-Fur Mil da CCAÇ 3305/BCAÇ 3832, faleceu em 7 de Janeiro de 2009 (Os editores)

França Soares, ex-Fur Mil da CCAÇ 3305/BCAÇ 3832, Mansoa, Infandre e Braia, 1971/73, falecido em 7 de Janeiro de 2009.


1. Caros camaradas
Já pela noite, quando verificava as mensagens mais recentes, deparei com uma que me deixou profundamente triste.

Em resposta à minha mensagem colectiva de envio da lista actualizada de tertulianos do nosso Blogue, veio uma de Vasco Soares, filho do nosso tertuliano França Soares, a comunicar que ele tinha falecido no dia 7 de Janeiro passado.

França Soares (*) entrou para a nossa Tabanca, quando se apresentou na sua mensagem de 29 de Dezembro de 2007. Na verdade nunca participou activamente no Blogue, como tantos outros camaradas, mas nunca supusemos que ele nos tivesse deixado tão cedo.

E assim a Tabanca ficou mais vazia. O espaço livre de quem nos deixa é incomensuravelmente maior que o espaço que alguém ocupa quando entra.

Paz à sua alma.


O Fur Mil França Soares


2. Em nome da tertúlia enviei esta mensagem ao nosso amigo Vasco:

Caro Vasco
As nossas mais sinceras condolências pelo desaparecimento tão precoce de seu pai.
Lamentamos não termos sido informados na altura do falecimento do nosso camarada, mas compreendemos a posição da família, nem sempre sensível a estas coisas de velhos combatentes. Além de mais, nestas horas tão difíceis há um sem número de coisas bem mais importantes para tratar.

Vamos publicar ainda hoje um poste que será a última homenagem que faremos ao nosso camarada França Soares, que servirá também para comunicar à restante Tertúlia o seu falecimento.

Quando um de nós que desaparece, desaparece também um pouco da memória de uma guerra que marcou a nossa geração.

Transmita à restante família o nosso pesar pela perda do vosso entequerido, cujo nome continuará a ocupar o seu lugar na listagem dos tertulianos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Pelo ano em que o seu pai foi para a Guiné, vou considerar que ele terá nascido em 1949. Se assim não fôr, por favor mande o ano correcto do seu nascimento para eu corrigir.

Com os melhores cumprimentos
Carlos Vinhal
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2404: Tabanca Grande (48): França Soares, ex-Fur Mil da CCAÇ 3305/BCAÇ 3832 (Mansoa, 1971/73)

4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4780: In Memoriam (29): Manuel Canhão, ex-Fur Mil (Guiné, 1968/70), faleceu ontem, dia 3 de Agosto de 2009 (Jorge Teixeira)

Guiné 63/74 - P4789: (Ex)citações (36): As minhas lágrimas há muito secaram (Vítor Junqueira)

1. Mensagem de Vítor Junqueira (*), ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2753 - Os Barões, (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72, com data de 5 de Agosto de 2009:

Amigo Carlos,
Em anexo segue mais uma das minhas reflexões vespertinas, que sujeito ao teu veridicto.
Um abraço (especial) do,
VJ


2. Comentário ao Poste 4773 do J. Mexia Alves

Meu prezado amigo e camarada Mexia Alves:

A nossa relação vem de há pouco. Tenho pena, pois sinto que estaria mais rico se o fado da vida que tu escreves e cantas tão bem, nos tivesse proporcionado a convivialidade… que não tivemos!

Tenho a mania de que consigo percepcionar a aura que envolve a alma humana. A tua, espelha a imagem de um homem frontal, íntegro e sensível. Só por isso, e também porque falas um dialecto da nossa língua que, pelos vistos, poucos entendem, aqui estou eu a deixar um comentário ao teu post 4773 (**).

Dizes tu, Joaquim, que choras lágrimas de indignação e revolta, quando em certas circunstâncias, a tua consciência te atira à cara, o destino que nós portugueses, (i) responsavelmente, reservámos àqueles que foram dos nossos mais nobres, valentes e leais concidadãos. E muitos são-no ainda, pois embora trazendo no bolso um BI que indica outra nacionalidade, o coração continua português. Entre esses anónimos portugueses de alma, estarão antigos soldados teus, amigos que te protegiam e que protegeste, conforme escreves.

Não me foi dada a honra, como a ti, de comandar naturais daquele território. Mas tive a sorte de, em inúmeras ocasiões, os saber a meu lado empenhados no mesmo combate. Dominava-me então o sentimento de que em grande medida e graças a eles, a minha vida e segurança estavam em boas mãos. Hoje, como há quase quarenta anos, são credores do meu respeito e gratidão.

Por isso mesmo quero dizer-te, Joaquim, sem lágrimas porque as minhas há muito secaram quando com elas reguei a semente da raiva, que partilho a tua revolta quanto à indiferença com que colectiva e institucionalmente tratámos estas pessoas. E suas famílias.

Ainda não há muito tempo, acompanhei comovido através da televisão, a forma como a nação guineense se organizou para receber a visita de uma delegação nacional de alto nível. Nas manifestações populares de boas-vindas (merecemo-las?), muito povo. E no meio desse povo, alguns velhos soldados de caderneta militar na mão, delida e amarelada, mas a meus olhos com a força de um estandarte de guerra, tentavam aproximar-se das autoridades portuguesas com um único desejo: que os reconhecessem como antigos combatentes que dedicaram uma boa parte das suas vidas à nossa pátria e às suas FA, a quem juraram fidelidade. Como seria de esperar, a reacção foi mais uma vez, uma profunda e ostensiva indiferença. Pergunto-me se teria sido assim tão difícil estender a mão àquele punhado de homens, quando é público e notório que se distribuem euros e honrarias por tantos que se limitaram a fazer currículo mamando na teta da república.

Enquanto os que alimentaram a porca com o seu sangue, foram contemplados com o manto do opróbrio e a condenação mais ou menos sumária e explícita de que tiveram o que mereciam. Conforme já li, algures.

Para a grande maioria, é demasiado tarde, já não existe auxílio ou reparação possíveis. Por isso, e quanto àqueles que Deus já levou ou Lhe foram remetidos à força de bala, abandonados à sua sorte e alvos de vinganças cruéis e desnecessárias, peço ao Criador que os compense pela injustiça e indignidade com que Portugal os tratou. Para nós (todos), a penitência da eterna vergonha.

E não me venham os teóricos das guerras militarmente perdidas, das retiradas gloriosas, das descolonizações exemplares, justificar o injustificável. Conheço-lhes a cartilha. A dos tiques disto e daquilo, dos primarismos antidemocráticos, dos salazarismos bafientos ou das mentalidade neocolonialistas, entre as muitas tags que constam do seu repertório. Aqui trata-se apenas de dignidade, justiça e honra. Quando uma sociedade vira as costas a estes valores e assobia para o lado perante reivindicações como as destes nossos antigos camaradas, será que a prazo, vai ter pernas para ir a algum lado?

Um abraço do,
V. Junqueira

OBS: Negrito da responsabilidade do Editor
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4643: Blogoterapia (113): Saudades do blogue dos primeiros tempos, em que tudo se contava na primeira pessoa (Vítor Junqueira)

(**) Vd. poste de 3 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4773: Blogoterapia (119): Ainda choro e me revolto por todas as nossas mentiras... (Joaquim Mexia Alves, Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15)

Vd. último poste da série de 14 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4684: (Ex)citações (35): Milicianos ou do Quadro Permanente, todos fomos combatentes (Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P4788: Estórias do Mário Pinto (6): “O Puto da Mancarra”


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, que foi Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71, enviou-nos mais uma estória:

Amigos e Camaradas,

Ao rebuscar os meus velhos apontamentos dei com este velhinho texto, que achei, pelo interesse e dramatismo do seu conteúdo, dever partilhá-lo com toda a nossa Tabanca Grande e ao qual dei o título de:

"O PUTO DA MANCARRA"

As ruas de Bissau, invariavelmente, durante o dia e pelo entrar da noite, encontravam-se plenas de viaturas e gente civil e militar, num pintalgado de fardas da tropa portuguesa, trajes tradicionais africanos e outras vestimentas diversas, que emprestavam à paisagem daquela cidade, cenários de uma diversidade colorida mística, rara e atractiva.

Sós, ou em pequenos grupos, esta gente pululava pelas ruas e estabelecimentos, em permanente rodopio, ora atarefada a tratar das suas vidas, ora calma e serenamente a cumprir as suas habituais rotinas, que, regra geral, acabavam com uma rumagem a um dos vários cafés e esplanadas da cidade.

Um dos putos "reguilas" que gravitavam à nossa volta

Ali, sentados e saciando a sede, bebericando descansadamente a sua cervejinha, entre ruidosos burburinhos de risos e conversas, normalmente sobre acontecimentos e novidades dos pontos mais longínquos da Guiné, o pessoal era cercado pelos persistentes vendedores de ronco (1) e pelos incansáveis e simpáticos miúdos da mancarra (2), que negociavam os seus produtos em troca de alguns pesos (3).

O Mamadú Jaló era um desses putos, filho de uma mulher de origem “papel”, que vivia nos arredores da cidade e tinha uma irmã, que lavava roupa a alguns dos nossos militares em serviço no Quartel-General. Um dia essa sua irmã, perdeu-se de amores por um deles, nativo local, tendo engravidado e abalado na sua companhia para Bula.

O puto, com a partida da sua irmã, ficou a ser o único meio que podia sustentar a sua mãe, de origem “papel” e que todos os dias desesperava, na sua pobre Tabanca, pela falta de dinheiro indispensável à sua subsistência e do seu querido filho.

Desenrascado como era, o Mamadú procurou trabalho no cais de descarga de Pijiguiti onde, por “artes mágicas” durante o dia, ia surripiando nas descargas dos batelões, que à data eram propriedade da CUF, alguns vagos de amendoim torrado e salgado.

À noite, com o resultado obtido desse “produto desviado”, deambulava pelas ruas fracamente iluminadas de Bissau, de esplanada em esplanada, vendendo o “seu” amendoim torrado e salgado, aos inúmeros tropas que com ele brincavam.

Findos os seus precários trabalhos diários, o puto da mancarra contava o magro “patacão” (4) angariado, que mal dava para as despesas de sobrevivência do seu corpito magro e franzino, e, muito menos, para ajudar a sua tão necessitada mãe, que ele, melhor que ninguém sabia, o esperava na Tabanca com ansiedade.

A mãe ainda nova, vistosa e dona um corpo rijo, e bem feito, era então viúva de um homem mais velho, que com a morte do seu companheiro, que um dia a tinha trazido de Farim (sua terra natal), se viu de repente com dois filhos nos braços.

Claro que com estes atributos físicos era assediada por todos os homens, naturais e militares, mas nunca cedeu às pretensões de quem a procurava, apenas, para as tão desejadas “loucuras” de uma noite de amor.

Até que, um certo dia, fraquejou amorosamente e se entregou a um militar, que através de estudadas e manhosas artes de sedução, e promessas ludibriosas a conquistou. O que é certo, é que o “conquistador” depressa se fartou dela, ficando a desgraçada mulher novamente sozinha e dependente do parco pecúlio, que habitualmente auferia o seu filho, Mamadú Jaló.

Farta de lutar e desanimada pela sua má sorte e infelicidade, começou a “vender” o corpo aos homens que a procuravam, para as tais noites de prazer, tornando-se assim em mais uma prostituta do Pilão.

O Mamadú Jaló, nunca mais foi visto para os lados do Pijiguiti ou na venda de
Mancarra, havendo quem afirmasse que ele, ultimamente, era angariador de clientes para a sua mãe.

Duas tristes vidas que o destino marcou e obrigou, sem apelo nem compaixão, a baixarem ao mais baixo nível da condição humana, que é para muitos desamparados e desprotegidos, o complicado acto da sobrevivência.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Legenda:

(1) – Artesanato muito diversificado
(2) - Amendoim na Guiné e Cabo Verde
(3) – Escudos (antiga moeda portuguesa)
(4) – Dinheiro, porventos

Foto: © Eduardo Ribeiro (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

(*) O Mário Pinto transmitiu-me que tem vários textos deste género, que acabamos de ler sobre um dos putos giros e “chatos”, que pululavam à nossa volta na pequena e aconchegada cidade de Bissau, impingindo-nos “manga de ronco” e que eu considero mais uma "peçinha" complementar do infinito puzzle, que pretendemos seja o nosso blogue.

São pequenas e saudosas memórias (umas melhores, outras menos boas), que vão também contribuindo para as nossas delícias literárias.

Mais disse o Mário, que tem vindo a contar-nos estas estórias, que ele designa como pequenos ensaios, do livro que ele pretende escrever num futuro próximo.

Ficamos pois a aguardar ansiosamente a sua publicação.

(**) Vd. último poste da série em:

4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4777: Estórias do Mário Pinto (5): “O Palácio das Confusões” e o “Pilão”

Guiné 63/74 - P4787: Tabanca Grande (170): Carlos Adrião Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Bissau, Pirada, Bajocunda e Paúnca (1964/66)

1. Mensagem de Carlos Adrião Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66, com data de 4 de Agosto de 2009:

Bom dia amigos:

Chamo-me Carlos Adrião Geraldes, vivo em Viana do Castelo, tenho sessenta e oito anos e estive na Guiné como alferes miliciano nos anos de 1964 e 1966, integrado na Compª Art.ª 676.

Passei por Bissau, Pirada, Bajocunda e Paúnca onde permaneci mais tempo comandando o 1.º Grupo de Combate daquela Companhia, até ser rendido em Abril de 1966.

Desde essa época deixei de ter quaisquer contactos com os antigos companheiros.

Com esta oportunidade, que agora surge com o vosso blogue, espero conseguir melhores resultados.

Como tantos outros tenho dedicado o meu tempo de reformado a escrever as memórias da experiência africana e gostaria de as compartilhar com todos.

Junto duas fotos minhas, uma da Guiné e outra actual.

Até breve e muito obrigado por tudo.
Geraldes, C.


2. Comentário de CV:

Caro Carlos Geraldes,
Muito obrigado por quereres pertencer à Tabanca Grande.
Em boa hora o fazes, porque, como dizes, estás reformado e a escrever as tuas memórias de ex-combatente. Manifestas a tua vontade de as partilhares connosco. Ainda bem, porque a finalidade deste Blogue é precisamente recolher histórias e fotografias referentes à guerra da Guiné. Como poderás verificar temos já um razoável espólio de histórias contadas por ex-combatentes de todas as Armas e classes.

Esperamos começar a receber em breve textos teus para publicação.

Dizes que nunca mais tiveste contacto com os teus camaradas, mas curiosamente em Dezembro de 2008, dirigiu-se a nós o ex-Fur Mil Liberal Correia à procura de camaradas, referindo que já tinha feito uma tentativa, sem resultados, para te encontar.

Podes ler no nosso poste 3819 (*) o seguinte:

1. Mensagem de Liberal Correia, ex-Fur Mil da CART 676, com data de 4 de Dezembro de 2008:

Camaradas, as minhas saudações a todos da grande tabanca.

Fiz parte da Cart 676 com a patente (esta é forte) de Furriel Miliciano.
Estive em intervenção adestrito ao BCAÇ 600 de Abril a Setembro de 1964. Depois fomos colocados em Pirada, Bajocunda e Paunca.

Neste momento estou no estrangeiro e não tenho o meu arquivo comigo. Não poderei enviar fotos. Gostaria que me ajudassem a encontrar algum camarada da minha Unidade.
Como a malta foi mobilizada pelo RAP2 -Serra do Pilar - Gaia, a maioria é do Norte. Há uns anos encontrei o Primeiro Sargento Machado que era de Vila Real e três soldados mais o Vilaça da Póvoa de Varzim. Depois perdi o rasto. Procurei por duas vezes o Capitão (hoje Coronel) Álvaro Seco em Coimbra, mas nunca o consegui encontrar. Procurei também o Alferes Geraldes em Viana do Castelo e não consegui nada de concreto.
[...]

Já agora uma nota pessoal, para te dizer que, na minha opinião, moras numa das cidades mais bonitas de Portugal.

Guardo de Viana do Castelo algumas boas recordações e, porque a lei da morte mos foi subtraindo, já só tenho um familiar na Rua da Bandeira. A minha costela minhota terá por aí ainda uns primos, mas já desconhecidos, e como Esteves é o que há mais no Minho...

Voltando ao trabalho, deixo-te em nome dos editores e de toda a tertúlia um fraterno abraço de boas-vindas.

Teu novo camarada e amigo
Carlos E. Vinhal
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3819: Em busca de... (63): Camaradas e cadastro da CART 676 (Liberal Correia/José Martins)

Vd. último poste da série de 5 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4783: Tabanca Grande (169): António Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 2406/BCAÇ 2852, Olossato e Saltinho (1968/70)

Guiné 63/74 - P4786: Fauna & Flora (26): Make Love, Not War, ou as cobras que morreram na guerra a fazer amor (Rui Silva)

1. Mensagem de Rui Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67, com data de 4 de Agosto de 2009:

Caros Luís, Vinhal, Briote e M. Ribeiro:

Recebam um grande abraço mais votos de muita saúde, extensivos a todos os ex-combatentes da Guiné, ainda mais para aqueles que, de algum modo, ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

Segue uma pequena história para o capítulo Cobras (na Guiné), que julgo existir no Blogue (*).

Nas minhas memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa” também há uma pequena referência às cobras (apenas a foto seguinte e respectiva legenda) que deparamos na Guiné.


Numa das patrulhas de rotina feitas ao redor do quartel de Olossato, demos com 2 grandes cobras juntas (julgamos que em pleno acto sexual). Foram abatidas e o seu grande peso obrigou a que fossem arrastadas e puxadas até ao aquartelamento através de improvisadas tiras de ligaduras (gaze) da bolsa do enfermeiro


A história no texto seguinte é contada “à posteriori” com muito pouca margem de erro.

Fazia parte da nossa operacionalidade na zona de Olossato fazermos regularmente patrulhas a uma determinada distância e na periferia do aquartelamento.
Estas patrulhas visavam se o inimigo andaria por ali perto a fazer das dele: abrigos, ciladas, etc.

Certa vez numa patrulha que coube ser feita pelo meu Grupo de Combate e alguns indígenas, ouvem-se os da frente:

- Cuidado estão aqui 2 cobras! - Era o costume. Descansado ninguém andava, principalmente fora do arame farpado e então de vez em quando soava um alerta, normalmente vindo da frente da coluna. Desta vez tratavam-se de duas gigantescas cobras (giboias?) que se atravessaram no caminho da 816.

Logo de seguida ao grito de alerta, uma rajada de G3. Era assim, em tudo que mexia lá ia fogo, e logo de seguida outro arrepio não se fez esperar:

- Cuidado uma fugiu! - Para quem estava metido em capim alto, logo pensou (pensei eu): queres ver que ela vai escolher-me a mim?

Coração acelera e sangue não corre, até que passados alguns (longos) minutos alguém diz:

- Está aqui, Cuidado! - Há última sílaba outra rajada. E pronto a segunda cobra também foi abatida.

Uf! É cada sobressalto.

Então duas cobras encostadinhas uma à outra, a copularem naturalmente, e aparece um grupo de tugas a intrometer-se no acto e mais do que isso a liquidá-las de pronto?

Duplo crime: Não deixar amar e matar.

Bom, para as transportar só de arraste e então da bolsa do enfermeiro saíram tiras de gaze para puxá-las. Sei que havia a necessidade de revezamento no transporte de tão pesados que eram aqueles animais.

Houve mais casos com cobras e até lagartos de grande porte (Iguanas ?).

E quem não se lembra dos sardões (às dezenas) de peito azul a fazerem flexões no emaranhado dos troncos das palmeiras cortados e empilhados no chão.

Muitas das vezes quem nos safava eram os próprios indígenas: quando os víamos brincar com cobras logo víamos que dali não vinha azar, mas quando os víamos fugir e a ficarem brancos, por simpatia toca a correr também.

Então o que se passa, já depois de termos corrido atrás deles sem saber bem porquê. Foge Furriel cobra mata num minuto.

A reacção deles às cobras comandava o nosso procedimento imediato e em conformidade. Aparafusava eu: como ali, a santa ignorância se transformava em douto conhecimento de causa?

A cobra que eles mais temiam era uma comprida (1,5-2 metros) e delgada, aí uns 2-3 centímetros (mamba-negra?).

Uma vez vimos uma pendurada no ramo de uma árvore. Fizemo-la cair a tiro e depois um preto, com cuidado extremo e sem deixar ninguém aproximar-se, chegou perto dela e com a catana cortou-lhe a cabeça e de imediato enterrou-a. Não precisamos de perguntar nada…
__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes com datas de:

9 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4484: Fauna & flora (20): Histórias de grandes serpentes: da jibóia de 7 metros (Paulo Raposo) ao irã-cego (Clara Amante)

9 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4491: Fauna & flora (21): Surucucus (Lachesis muta muta) que cantavam nas praias dos Bijagós (Joaquim Mexia Alves)

11 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4512: Fauna & flora (23): “Por pouco não nos caçamos a nós próprios… em Cufar” (Santos Oliveira)

Vd. último poste da série de 17 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4543: Fauna & Flora (25): Cobras & Bichas (Manuel Maia)

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4785: Histórias de José Marques Ferreira (5): Rádio “Voz da Liberdade” também mentia!

1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, que foi Sold. Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré 1963/65, enviou-nos com data de 02 de Agosto de 2009, mais uma curiosa estória:

Caros Camaradas e Tertulianos;

As minhas estórias têm sido simples, sem “suspense” algum e sem pretensão de querer tirar o sono, ou relembrar macabras e catastróficas situações. Nada disso. A minha guerra foi outra, como aqui já disse.

Hoje a estória é sobre:

Rádio voz da liberdade também mentia!

Ingoré.

A primeira companhia a utilizar um território bem definido e delimitado na Guiné, mas demasiado extenso para tão pouca gente, foi a minha CCAÇ 462.

Muito agradeço ao camarada que fez uma lista das companhias, que passaram por Mansoa, onde a CCAÇ 462 está incluída, ao tempo - 1963-1965 –, por ter ido substituir, naquela localidade, uma secção.


Não havia lá nada, nem sequer as condições mínimas e indispensáveis para podermos sobreviver. Tudo teve que ser construído de raiz, a partir do… zero.

Mas a história que vos quero contar não é sobre este assunto, que apenas serviu para um pequeno intróito afim de lembrar aos meus caros camaradas, aquilo que foi dito nas minhas estórias anteriores.

Como militares, tínhamos sempre (e de que maneira diga-se) a guarda montada, em estratégicos postos de vigia, principalmente durante os períodos nocturnos.

Nesses períodos de vigia, para poder fazer “andar” os ponteiros dos relógios mais rapidamente, levávamos o nosso “receptor” (transístor – pequeno rádio -, que funcionava a pilhas), que se vendia às “carradas” na Guiné, geralmente da marca Hitachi.

Como eu sabia, antes de embarcar, da existência de uma emissora do IN – A voz da liberdade -, que emitia propaganda contra o regime de Salazar/Caetano, assim que as oportunidades surgiam, também eu a escutava, por motivos lógicos e óbvios sem levantar suspeitas, através de um auscultador (já usado naquela época), nos meus períodos de sentinela, nos tais postos de vigia.

Era por demais conhecida uma das vozes de “trovão” e determinada de um homem, chamado Manuel Alegre, na sua identificação mais abreviada, que por sinal era meu conterrâneo de concelho, e eu lá o ia ouvindo nas suas emissões a partir de Argel.

É claro que já não me lembro da maior parte do conteúdo, daquilo que ele ia dizendo nas suas emissões, mas há uma passagem naqueles anos idos de 63-65, em que ele noticiou um “facto” passado na Guiné, relativamente perto do local onde eu estava, de tal forma bombástico e terrível, que dificilmente esquecerei.

Dizia Manuel Alegre então numa das suas locuções que, dias antes na estrada Bula-Bigene-Bissorã, o PAIGC teria desencadeado forte ataque «ao exército colonial e do regime fascista» (era mais ou menos assim a sua definição), numa emboscada às NT, que provocou cerca de uma centena de mortes entre os nossos militares, entre outras “façanhas” menos bombásticas que o nosso pessoal teria também sofrido.

Quando ouvi aquilo, pensei com os meus botões: “Que grande mentira”. Mas, como estava ali sozinho e não podia desvendar o que acabava de ouvir naquela estação de rádio, por palavras do Manuel Alegre. Ainda por cima, havia muito pouco tempo em que eu tinha estado nas redondezas do local da noticiada mortandade, na mencionada estrada, e nada me constou acerca da anunciada “chacina” e da respectiva “operação” dos guerrilheiros IN.

Quero com isto dizer que se do nosso lado as coisas eram publicitadas e apresentadas da forma que mais convinha, do outro lado também se mentia sem despudor… se é que na guerra, mesmo daquele tipo, fosse obrigatório existir qualquer pudor…

O que era preciso, era impressionar e… desmotivar a outra banda.

E aí meus amigos, valia tudo!

Para todos um abraço,
J.M. Ferreira

Foto: © José Marques Ferreira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P4784: Em busca de... (83): Companheiros de viagem para a Guiné em 25OUT66 (António Delmar R. Pereira)

1. Mensagem de António Delmar Rodrigues Pereira, com data de 2 de Agosto de 2009:

Camarada Luís Graça.

Procuro camaradas da rendição individual que embarcaram para a Guiné no navio 'Alfredo da Silva' em 25 de Outubro de 1966; desembarque em Bissau em 03 de Novembro de 1966 e regressaram com embarque em Bissau no navio Niassa em 30 de Outubro de 1968; desembarque em Lisboa em 06 de Novembro de 1968.

Sendo leitor assíduo do blogue, é a primeira vez que me dirijo.

O meu nome é António Delmar Rodrigues Pereira e era conhecido, por alguns, por Delmar d'Âncora por, fazer uns desenhos e ter a mania das ciências e dos inventos, um camarada, por maldade, me comparou a Da Vinci.

Éramos cerca de oitenta camaradas e regressámos todos. Eu como alguns de nós, fomos combatentes do chamado ar condicionado dos quartéis e repartições de Bissau.

Bem Haja.

Cumprimentos.
António Delmar R. Pereira
adelmarodrigues@sapo.pt


Navio Alfredo da Slva

Navio Niassa

Fotos: © Navios Mercantes Portugueses. Com a devida vénia


Bissau, 1969 > Ponte Cais e Ihéu do Rei no Estuário do Rio Geba

Foto: © Carlos Silva (2009). Direitos reservados. Com a devida vénia

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4771: Em busca de... (82): Domingos Alves procura pessoal da CCAV 8352, Guiné 1973/74

Guiné 63/74 - P4783: Tabanca Grande (169): António Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 2406/BCAÇ 2852, Olossato e Saltinho (1968/70)

1. Mensagem de António Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 2406/BCAÇ 2852, Olossato e Saltinho, 1968/70, com data de 1 de Agosto de 2009:

Apresenta-se o ex-Alf Mil António Dias, CCAÇ 2406/BCAÇ 2852, Olossato-Saltinho, 1968/70.

Sou pira nestas andanças da net e desde já agradeço o esforço do camarada Henrique Matos, além da sua paciência para me iniciar nesta guerra.

Pois tive de ficar para a liquidatária e o Chefe da 7.ª Rep não me queria deixar vir de avião, pagando eu e o sargento a viagem.

Aguentei 8 dias e só depois de ameaças me deu o almejado OK. A minha Companhia já tinha embarcado há um mês!

Haverá mais estórias e fotos.

Cumprimento toda a Tabanca Grande
António Dias


2. Comentário de CV

Caro António Dias, bem-vindo ao Blogue do Luís Graça. Entra que a Tabanca tem muito espaço.

Como no teu caso, ultimamente estamos a ser contactados por imensos camaradas que só agora estão a aprimorar os conhecimentos de informática para poderem colaborar no nosso Blogue.

É muito positivo que o pessoal da nossa geração, principalmente aqueles cujas funções profissionais não exigiram trabalhar com estas maquinetas infernais, adquiram os conhecimentos mínimos para poderem navegar na internete, resolverem montes de problemas por esta via, e acederem ao um mundo de informação, doutro modo praticamente inacessível.

Na verdade, desde a democratização da acessibilidade à Internete, e a proliferação de Blogues especializados nas mais diversas matérias, cada um de nós, segundo os seus conhecimentos, por vezes empíricos, nos vamos familiarizando com esta tecnologia. Bonito de ver velhotes (ainda não é o nosso caso) mexendo no teclado e comunicando por meios que não entendem.

O nosso Editor Luís Graça, aproveitando a onda, criou este fenómeno de popularidade entre os ex-combatentes da Guiné, que já extravasa para além de nós, sendo este Blogue alvo de consulta por imensa gente curiosa ou estudantes de História.

Caro Dias, cá esperamos a tua colaboração. Obrigado por te dirigires a nós e quereres fazer parte da nossa tertúlia.

Recebe um abraço de boas-vindas da malta.

O camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Ver último poste da serie de 4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4778: Tabanca Grande (168): Armando Pires, ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã (1969/70)