Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 20 de julho de 2013
Guiné 63/74 - P11857: Bom ou mau tempo na bolanha (20): O Cifra encontra os seus amigos (Tony Borié)
Vigésimo episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.
O Cifra e o seu amigo e companheiro Setúbal, cujo verdadeiro nome era Jeremias, por diversas vezes se encontraram. Este companheiro, regressado à Europa, entrou pelo ramo da restauração e teve um certo sucesso.
Continuaram a sua amizade durante o tempo em que que o então Cifra se manteve em Portugal, ainda trocaram cartas nos primeiros anos depois da emigração, mas o tempo tudo leva, e ficaram as recordações de pura amizade, daquele que foi amigo, companheiro e combatente.
Passado um algum tempo após regressar da Guiné, o Cifra, que nessa altura já era de novo o Tó d’Agar, vindo a pé da sua aldeia no vale do Ninho d’Águia até ao Santuário de Fátima, cumprindo uma promessa de sua mãe Joana, por ter chegado são e salvo a Portugal, em determinada localidade onde pernoitou, querendo saber onde podia dormir e comer, dirige-se a uma praça de táxis.
Vendo um táxi, com o condutor lá dentro, a dormir sobre o volante, bate na porta do carro tentando acordar o homem para lhe pedir a informação. Qual foi o seu espanto quando deparou com o Curvas, alto e refilão.
Agora chamava-se senhor Manuel Silva, e era sócio do Trinta e Seis, que por sua vez se chamava senhor António Laranjeira.
Eram proprietários de dois carros de aluguer, naquela praça, que tinham adquirido com a ajuda dos pais do Trinta e Seis, que agora se chamava senhor António Laranjeira, e para o qual, ao empenharem as suas terras, tinham mostrado documentos num banco local, de que tinham posses, e não precisavam de nenhum empréstimo. Só assim o referido banco, depois de lhes hipotecar todos os seus bens, se disponibilizou a financiar a compra dos referidos carros de aluguer, ficando com a posse das terras e dos carros até ao pagamento final, cobrando-lhes todos os juros e despesas de documentação.
Mas continuando, ao ver o Cifra, que agora era o Tó d’Agar, o Curvas, que agora era o senhor Manuel Silva, levanta-se dentro do carro, bate com a cabeça no tejadilho, sai para fora do carro, abana a cabeça duas vezes, fecha e abre os olhos outras tantas vezes, e diz muito alto:
- Filho da puta! Querem ver que tenho que matar alguém!. Ah, és tu, oh Cifra! Devo de estar a sonhar!
E deu-lhe um abraço tão forte, que lhe ia partindo as costelas. Os três, o Curvas que agora era o senhor Manuel Silva, o Trinta e Seis que agora era o o senhor António Laranjeira, e o Cifra que agora era o To d’Agar, passaram quase toda a noite na farra, e já altas horas da manhã, caminhando os três por uma ruela, a caminho da casa do Trinta e Seis que agora era o senhor António Laranjeira, onde o Cifra que agora era o To d’Agar, ia dormir, ouvem alguém gritar de uma janela, no segundo andar:
- São horas de chegar a casa, meu vadio? Sabes que estou grávida, e estou em cuidados contigo?
Era a Lizete, esposa do Curvas, que agora era o senhor Manuel Silva, que o chamava, e era prima do Trinta e Seis que agora era o senhor António Laranjeira, com quem andou de namoro e se casaram, com um banquete a preceito, onde a Lizete, no dia do casamento, toda vaidosa, olhava o marido que levava uma medalha cruz de guerra ao peito, e que finalmente tinha uma família. E o seu marido, o Curvas que agora era o senhor Manuel Silva, responde, com uma voz rouca:
- Só descanso quando os matar a todos e não ficar um único vivo! Lembram-se do Madragoa, do Bóia, do Vouzela, do Madeira, daquele outro que era da Serra da Estrela, e não me recorda o nome, daquele paraquedista, que antes de morrer, pediu para lhe darem um tiro e acabarem com ele, pois não suportava a agonia das dores? Maldita guerra, que não me sai do pensamento!
E o Trinta e Seis que agora era o senhor António Laranjeira, diz numa pausa, em que o amigo pára de chorar:
- E tantos e tantos portugueses e africanos que lutaram uns contra os outros e morreram sem terem nada a ver com esta maldita guerra.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 16 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11847: Bom ou mau tempo na bolanha (19): O 1.º Cabo Fialho da CCAÇ 616 (Toni Borié)
Guiné 63/74 - P11856: Memória dos lugares (238): Canjambari 1972 (1) (Manuel Lima Santos)
Fotografias enviadas pelo nosso camarada Manuel Lima Santos (ex-Fur Mil Inf.ª na açoriana CCAÇ 3476 - "Os Bebés de Canjambari", Canjambari e Dugal, 1971/73) para a série Memória dos lugares.
Canjambari, 1972 > Entrada do aquartelamento
Canjambari para Jumbembem
Canjambari > Animal de estimação
Canjambari > Aquartelamento
Canjambari > Capela com a imagem do Senhor Santo Cristo
Canjambari > Defesa exterior > Valas
Canjambari > Dia de Ronco
Canjambari > Foguetão 122mm
____________Nota do editor
Último poste da série de 14 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11839: Memória dos lugares (237): Bafatá, o seu velho cinema, a sua história, as suas gentes, os seus fantasmas... Bafatá Filme Clube, documentário (78') de Silas Tiny, produção da Real Ficção, brevemente em DVD (Fernando Gouveia)
sexta-feira, 19 de julho de 2013
Guiné 63/74 - P11855: Notas de leitura (503): "Guinea-Bissau - alfabeto", um alfabeto de grande beleza (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Abril de 2013:
Queridos amigos,
É um álbum com imagens espantosas, encerra um cadinho de todas aquelas belezas e valores que podemos observar.
Por um lado, parece estar registado um povo perene, nos seus princípios e atitudes onde pesam o sentido do clã, da família, da ancestralidade; por outro lado, há uma atmosfera, um quase sentimento de que as coisas se podem transformar, que vale a pena participar, que vale a pena acreditar.
Sinto-me feliz por ter achado esta beleza numa das mais acessíveis cavernas de Ali Babá, a Feira da Ladra. Carlos Lopes, uma das grandes figuras da intelectualidade guineense, deixa-nos aqui textos da realidade guineense à altura dos sonhos que ele guardou para o seu país.
Um abraço do
Mário
Guiné-Bissau: Um alfabeto de grande beleza
Beja Santos
Em 1984, uma ONG italiana, GVC – Grupo Voluntariato Civile, com texto do escritor Carlos Lopes e financiamento da Comissão Europeia, produz um álbum magnífico, Guiné-Bissau, alfabeto. Carlos Lopes explica na nota introdutiva: “O trabalho que vos propomos é uma tentativa de traduzir em imagens, tanto fotográficas como escritas, uma realidade social ímpar. Os temas do nosso alfabeto de imagens passa em revista as candências desta coletividade. Não se quis fazer apologias fáceis nem propagandear o que quer que fosse. Tentamos compreender as razões da perpetuação do longo equilíbrio que preside às relações de produção existentes no país, nas suas multifacetadas formas, de expressão do poder ou de afirmação étnica”.
E que escolhas de letras do alfabeto? Arroz, Brakundadi, Cabral Ka Muri, Desenvolvimento, Etnia, Fome, Germinação, Homem-Grande, Independência, Juventude, Kaabú, Luta, Mindjer, Nô Terra, Organização, Poder, Quarto Ano, Resistência, Saúde, Tabanca, Unidade, Vida.
Arroz, porque é o alimento-base, está presente em todas as conjeturas e figura no ativo de todas as conjunturas, é a atividade agrícola fundamental;
Brankundadi, porque no passado tudo dependia do branco, o indígena devia colaborar com o europeu e a sua inteligência, o branco tinha um intermediário importante, o assimilado, mas a política, o poder, era uma questão dos brancos;
Cabral Ka Muri, é a melhor homenagem que se pode fazer ao fundador do PAIGC, ele dizia: “Sou um simples africano que quis salvar a sua dívida para com o seu povo e viver a sua época”;
Desenvolvimento, porque é o grande sonho da Guiné-Bissau, país economicamente insignificante para quem todos os apelos ao desenvolvimento não são poucos;
etnia, porque é o ponto de partida para os destinos da coletividade, todos estes grupos étnicos têm uma riqueza cultural espantosa, ainda hoje pasto para muitos equívocos, o risco tribal continua a assolar a Guiné-Bissau;
Fome, vive-se sob o espectro da escassez, de que a fome é apenas um momento agudo, qualquer pequena oscilação que afete o mínimo, põe tudo em questão, porque o mínimo é o essencial;
Germinação, porque as crianças são sempre o futuro à espreita, Cabral chamava-lhe “as flores da nossa luta”, as crianças são as implacáveis testemunhas do nosso quotidiano;
Homem-Grande, ele representa a garantia vivia da perenidade da cultura, é uma biblioteca viva, o que ouviram contar é para transmitir, como amadureceram, tudo fazem por tornar o passado na levedura do futuro;
Independência, foi aqui que desaguou uma corrente chamada a consciência nacional que trazia a promessa de reconverter a operação e difundir as oportunidades até então feitas promessa;
Kaabú, já havia mundo quando aqui aportaram os colonizadores, os Djidius ensinam que o Gabú se estendia do rio Gâmbia ao rio Grande na Guiné-Bissau, englobando assim a Gâmbia, o Casamansa e o interior da Guiné-Bissau, o Kaabú é o orgulho pelos ancestrais, pelas muitas verdades a descobrir;
Luta; palavra mágica na Guiné-Bissau, simboliza laços de sangue, sofrimentos anónimos, a doação da própria vida para se chegar à liberdade;
Mindjer, mulheres desgastadas, nossas mães, autoras da germinação, agricultoras, obrigadas à submissão pela tradição;
Nô Terra, porque se passou da etnia à nação de guineenses, o sonho de Cabral era de que a pluralidade étnica se transformasse no cimento da nova República;
Organização, aspirava-se nos tempos da luta a que organização transformasse a realidade, suscitasse o prazer de saber, porque organizar só é possível após conhecer, calcular, experimentar;
Poder, a promessa era de que todo o poder vem e vai para o povo daí a participação popular para se chegar a uma sociedade de coesão dinâmica, depois o poder perverteu-se, passou para as mãos de alguns que recorrem à dominação, afligindo aqueles a quem era prometida a libertação;
Quarto Ano, ainda havia sonhos, de aumentar a produção, de liquidar o desemprego, de praticar a justiça social, veio a secessão e depois a apatia, a ascensão de uma clique que se constituiu beneficiária da riqueza produzida;
Resistência, é ter consciência, é a reivindicar teimosamente os princípios, é aquela boa obstinação que se transforma em património material e imaterial;
Saúde, é a raiz do desenvolvimento para a melhor educação, predispõe para o trabalho que é a fonte da riqueza, saúde materno-infantil, saúde para erradicar moléstias como a doença do sono e os tracomas;
Tabanca, o ponto de partida que como diz um poeta, quando a lama se transforma em adobe/ o Sibe vira armação/ a palha em cobertura/ e o Crintim se torna cerca,/ é a Morança que nasce/ fruto de um trabalho coletivo,/ lugar onde habitam os homens/ das profundezas do País;
Unidade, uma das catapultas para a luta armada, para se chegar à coesão, sem a qual é impossível fazer avançar o mais lindo dos projetos, uma unidade dinâmica e que a todos irmana;
Vida, um somatório complexo de inquietações e de alegrias, de anseios, realizações, por vezes frustrações, e tem-se mais vida quanto mais ela se espalha à nossa volta em construção…
A quem se destinaria este álbum, tão benfazejo, tão esperançoso? O livro em si não dá resposta, as imagens são exaltantes, documentam, são para apreender, entender e fazer entender. Muito provavelmente, foi encarado como um álbum para formadores e também para estrangeiros interessados na cooperação. Talvez. Carlos Lopes não se escondeu em nenhuma neutralidade, fez com que todas estas imagens se transformassem aos nossos olhos como sérias advertências. Por exemplo quando fala da mulher socorre-se de um poema de José Carlos Schwartz a propósito das mulheres abandonadas pelos combatentes quando chegaram à cidade e se amestraram no conforto:
Apili
Apili, Apili, Apili
sempre perto do marido
homem, homem corajoso
combatente do povo.
Mas os TUGAS arrumaram a bagagem
para regressarem ao seu país,
os combatentes entraram na cidade
o marido de Apili também.
O marido de Apili entrou,
entrou procurando nova esposa
que saiba entrar e saiba sair.
Apili ficou só
com as recordações do sofrimento,
da fome, das aflições.
Mas Apili, não percas a coragem
a verdade do partido não se perde
a não ser na boca dos mal intencionados.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 18 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11853: Notas de leitura (502): "Guineidade e Africanidade", por Leopoldo Amado - uma outra leitura (2) (Francisco Henriques da Silva)
Queridos amigos,
É um álbum com imagens espantosas, encerra um cadinho de todas aquelas belezas e valores que podemos observar.
Por um lado, parece estar registado um povo perene, nos seus princípios e atitudes onde pesam o sentido do clã, da família, da ancestralidade; por outro lado, há uma atmosfera, um quase sentimento de que as coisas se podem transformar, que vale a pena participar, que vale a pena acreditar.
Sinto-me feliz por ter achado esta beleza numa das mais acessíveis cavernas de Ali Babá, a Feira da Ladra. Carlos Lopes, uma das grandes figuras da intelectualidade guineense, deixa-nos aqui textos da realidade guineense à altura dos sonhos que ele guardou para o seu país.
Um abraço do
Mário
Guiné-Bissau: Um alfabeto de grande beleza
Beja Santos
Em 1984, uma ONG italiana, GVC – Grupo Voluntariato Civile, com texto do escritor Carlos Lopes e financiamento da Comissão Europeia, produz um álbum magnífico, Guiné-Bissau, alfabeto. Carlos Lopes explica na nota introdutiva: “O trabalho que vos propomos é uma tentativa de traduzir em imagens, tanto fotográficas como escritas, uma realidade social ímpar. Os temas do nosso alfabeto de imagens passa em revista as candências desta coletividade. Não se quis fazer apologias fáceis nem propagandear o que quer que fosse. Tentamos compreender as razões da perpetuação do longo equilíbrio que preside às relações de produção existentes no país, nas suas multifacetadas formas, de expressão do poder ou de afirmação étnica”.
E que escolhas de letras do alfabeto? Arroz, Brakundadi, Cabral Ka Muri, Desenvolvimento, Etnia, Fome, Germinação, Homem-Grande, Independência, Juventude, Kaabú, Luta, Mindjer, Nô Terra, Organização, Poder, Quarto Ano, Resistência, Saúde, Tabanca, Unidade, Vida.
Arroz, porque é o alimento-base, está presente em todas as conjeturas e figura no ativo de todas as conjunturas, é a atividade agrícola fundamental;
Brankundadi, porque no passado tudo dependia do branco, o indígena devia colaborar com o europeu e a sua inteligência, o branco tinha um intermediário importante, o assimilado, mas a política, o poder, era uma questão dos brancos;
Cabral Ka Muri, é a melhor homenagem que se pode fazer ao fundador do PAIGC, ele dizia: “Sou um simples africano que quis salvar a sua dívida para com o seu povo e viver a sua época”;
Desenvolvimento, porque é o grande sonho da Guiné-Bissau, país economicamente insignificante para quem todos os apelos ao desenvolvimento não são poucos;
etnia, porque é o ponto de partida para os destinos da coletividade, todos estes grupos étnicos têm uma riqueza cultural espantosa, ainda hoje pasto para muitos equívocos, o risco tribal continua a assolar a Guiné-Bissau;
Fome, vive-se sob o espectro da escassez, de que a fome é apenas um momento agudo, qualquer pequena oscilação que afete o mínimo, põe tudo em questão, porque o mínimo é o essencial;
Germinação, porque as crianças são sempre o futuro à espreita, Cabral chamava-lhe “as flores da nossa luta”, as crianças são as implacáveis testemunhas do nosso quotidiano;
Homem-Grande, ele representa a garantia vivia da perenidade da cultura, é uma biblioteca viva, o que ouviram contar é para transmitir, como amadureceram, tudo fazem por tornar o passado na levedura do futuro;
Independência, foi aqui que desaguou uma corrente chamada a consciência nacional que trazia a promessa de reconverter a operação e difundir as oportunidades até então feitas promessa;
Kaabú, já havia mundo quando aqui aportaram os colonizadores, os Djidius ensinam que o Gabú se estendia do rio Gâmbia ao rio Grande na Guiné-Bissau, englobando assim a Gâmbia, o Casamansa e o interior da Guiné-Bissau, o Kaabú é o orgulho pelos ancestrais, pelas muitas verdades a descobrir;
Luta; palavra mágica na Guiné-Bissau, simboliza laços de sangue, sofrimentos anónimos, a doação da própria vida para se chegar à liberdade;
Mindjer, mulheres desgastadas, nossas mães, autoras da germinação, agricultoras, obrigadas à submissão pela tradição;
Nô Terra, porque se passou da etnia à nação de guineenses, o sonho de Cabral era de que a pluralidade étnica se transformasse no cimento da nova República;
Organização, aspirava-se nos tempos da luta a que organização transformasse a realidade, suscitasse o prazer de saber, porque organizar só é possível após conhecer, calcular, experimentar;
Poder, a promessa era de que todo o poder vem e vai para o povo daí a participação popular para se chegar a uma sociedade de coesão dinâmica, depois o poder perverteu-se, passou para as mãos de alguns que recorrem à dominação, afligindo aqueles a quem era prometida a libertação;
Quarto Ano, ainda havia sonhos, de aumentar a produção, de liquidar o desemprego, de praticar a justiça social, veio a secessão e depois a apatia, a ascensão de uma clique que se constituiu beneficiária da riqueza produzida;
Resistência, é ter consciência, é a reivindicar teimosamente os princípios, é aquela boa obstinação que se transforma em património material e imaterial;
Saúde, é a raiz do desenvolvimento para a melhor educação, predispõe para o trabalho que é a fonte da riqueza, saúde materno-infantil, saúde para erradicar moléstias como a doença do sono e os tracomas;
Tabanca, o ponto de partida que como diz um poeta, quando a lama se transforma em adobe/ o Sibe vira armação/ a palha em cobertura/ e o Crintim se torna cerca,/ é a Morança que nasce/ fruto de um trabalho coletivo,/ lugar onde habitam os homens/ das profundezas do País;
Unidade, uma das catapultas para a luta armada, para se chegar à coesão, sem a qual é impossível fazer avançar o mais lindo dos projetos, uma unidade dinâmica e que a todos irmana;
Vida, um somatório complexo de inquietações e de alegrias, de anseios, realizações, por vezes frustrações, e tem-se mais vida quanto mais ela se espalha à nossa volta em construção…
A quem se destinaria este álbum, tão benfazejo, tão esperançoso? O livro em si não dá resposta, as imagens são exaltantes, documentam, são para apreender, entender e fazer entender. Muito provavelmente, foi encarado como um álbum para formadores e também para estrangeiros interessados na cooperação. Talvez. Carlos Lopes não se escondeu em nenhuma neutralidade, fez com que todas estas imagens se transformassem aos nossos olhos como sérias advertências. Por exemplo quando fala da mulher socorre-se de um poema de José Carlos Schwartz a propósito das mulheres abandonadas pelos combatentes quando chegaram à cidade e se amestraram no conforto:
Apili
Apili, Apili, Apili
sempre perto do marido
homem, homem corajoso
combatente do povo.
Mas os TUGAS arrumaram a bagagem
para regressarem ao seu país,
os combatentes entraram na cidade
o marido de Apili também.
O marido de Apili entrou,
entrou procurando nova esposa
que saiba entrar e saiba sair.
Apili ficou só
com as recordações do sofrimento,
da fome, das aflições.
Mas Apili, não percas a coragem
a verdade do partido não se perde
a não ser na boca dos mal intencionados.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 18 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11853: Notas de leitura (502): "Guineidade e Africanidade", por Leopoldo Amado - uma outra leitura (2) (Francisco Henriques da Silva)
Guiné 63/74 - P11854: Parabéns a você (603): José Santos, ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 3326 (Guiné, 1971/73)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 17 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11848: Parabéns a você (603): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf.º da CART 3492 (Guiné, 1971/74) e José Manuel Pechorro, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19 (Guiné, 1971/73)
Nota do editor
Último poste da série de 17 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11848: Parabéns a você (603): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf.º da CART 3492 (Guiné, 1971/74) e José Manuel Pechorro, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19 (Guiné, 1971/73)
quinta-feira, 18 de julho de 2013
Guiné 63/74 - P11853: Notas de leitura (502): "Guineidade e Africanidade", por Leopoldo Amado - uma outra leitura (2) (Francisco Henriques da Silva)
1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, Có, Mansabá e Olossato, 1968/70; ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999), com data de 16 de Julho de 2013:
Segue a 2.ª parte da minha análise crítica do livro de Leopoldo Amado.
Cpts amigos
Francisco Henriques da Silva
(ex-Alf. Mil. de Infª.
C.Caç. 2402,
ex-embaixador de Portugal em Bissau 1997-1999)
"Guineidade e Africanidade"
(parte 2 de 2)
É interessante registar a posição de Leopoldo Amado relativamente ao regresso de “Nino” Vieira em 2005, que saúda, como grande árbitro da polarização entre facções castrenses, antevendo os perigos de uma crescente militarização e consequente instabilidade do país, nestes termos: “Ante a excessiva politização da sociedade castrense e da sua propensão de assunção do poder pela força, acredito que Nino Vieira, como chefe carismático e histórico das forças armadas guineenses, possa ter um papel de moderação perante as profundas clivagens” (p. 143). Para além de outros argumentos apresentados em prol do regresso de Nino à Guiné-Bissau o autor preconiza o julgamento “justo e imparcial” do ex-Chefe de Estado.
Estas posições de L. Amamdo foram objeto de grande controvérsia, dividindo-se os bissau-guineenses em reações pró e contra. Atente-se, por exemplo, numa entre muitas: “Nino Vieira não é senão um criminoso nato com as mãos sujas de sangue, com decisão consciente de dar mais primazia ao poder do que verdadeiramente construir a Guiné-Bissau.” (Carlos Mussa Embaló citado a pp. 151). Apesar de todas as “máculas”, registadas antes e no decurso da guerra civil – e não são poucas – o autor considera que o regresso de Nino Vieira é desejável, na medida em que o processo não pode excluir quaisquer guineenses e que o ex-PR pode pôr “a sua experiência e as suas potencialidades positivas ao serviço da paz e do desenvolvimento” (p. 154).
Quanto à organização do poder político e ao debate da representatividade, o autor salienta, em várias passagens da sua obra, a importância da representação do poder tradicional, na esteira de outros compatriotas seus, permitindo assim articular o rural e o urbano, o moderno e o tradicional, o direito positivo e o consuetudinário. Este rumo não só atenuaria tensões internas mas, se bem levado à prática, constituiria um processo democrático sui generis adaptado à situação da Guiné-Bissau. Penso que é um ponto que merece adequada reflexão e que poderá constituir um guia para a futura organização do Estado da Guiné-Bissau. Aliás, mutatis mutandis e guardadas as devidas proporções trata-se de uma ideia já defendida na época colonial por António de Spínola, porém com outras roupagens – os chamados Congressos do Povo.
Uma outra preocupação invocada com fundada razão nos textos de Leopoldo Amado [foto à esquerda] consiste na temática das Forças Armadas e dos serviços de segurança, “mormente o indissociável e recorrente problema da corrupção e o uso da violência gratuita” (p. 224). Problemas que não só afetam a imagem do país, mas influenciam-no negativamente, quer interna, quer externamente.
Relativamente ao assassinato de Amílcar Cabral, o autor considera que o plano de proclamação do Estado da Guiné-Bissau tenha constituído a causa imediata. É uma tese plausível, mas que necessita de ser arguida. Quanto à “autoria moral” e sem embargo dos norte-americanos considerarem em documentos seus que se estava “perante um feudo entre mulatos das ilhas de Cabo Verde e africanos do continente” (o que é citado a p. 228), “desvalorizando incompreensivelmente”, segundo Leopoldo Amado, a “directa participação da PIDE-DGS e das autoridades coloniais portuguesas no vil acto”, para o autor “é possível hoje provar-se” que a quem mais directamente interessava a eliminação física de Cabral figurava inquestionavelmente a PIDE-DGS e as autoridades coloniais portuguesas (cfr. p. 228). Neste particular, manifestamos uma opinião contrária: com efeito, em nosso entender, a morte de Cabral não interessava a Spínola, pois aquele era o único interlocutor válido a ser encetado um verdadeiro e consequente processo negocial de paz entre as duas partes beligerantes. Por outro lado, não existem quaisquer registos escritos nos arquivos da PIDE-DGS que de algum modo refiram a hipotética eliminação física de Cabral ou que sustentem de essa tese, directa ou indirectamente. Nesta matéria, que eu saiba, as teorias são as mais diversas, mas não existem, nem podem por isso ser apresentadas, quaisquer provas e o mistério quanto à autoria moral do assassinato permanece.
É curiosa e historicamente do maior interesse a evolução dos movimentos pró-independência que surgem nos anos 50, do MING (Movimento Nacional para a Independência da Guiné) ao MLG (Movimento de Libertação da Guiné) que está na origem do PAI, que se transformaria, numa fase ulterior, no PAIGC. Aliás, Leopoldo Amado refere que “a reivindicação a posteriori da paternidade do Pindijiguiti por parte do PAI(GC) só se pode compreender na medida em que tanto o MLG como o PAI partilhavam, indistintamente, o mesmo espaço político, a mesma clientela...” (p. 245), subsistindo uma certa confusão quanto à divisão de águas entre os dois, isto nos finais da década de 50. É igualmente relevante – e um facto que eu desconhecia – a distribuição de panfletos em Cantchungo, em Bissau e a sua própria afixação no estabelecimentos comerciais e postes de iluminação da capital, logo em 1960.
No que respeita à guerra colonial/luta de libertação, concorro com a tese defendida pelo autor de que o “PAIGC perseguia objetivos políticos e nunca agendou a possibilidade de derrotar militarmente o Exército português , obedecendo sempre as diferentes estratégias militares e as correspondentes tácticas aos objectivos políticos.” Sublinho os termos.
Não posso deixar de terminar voltando a frases duras que infelizmente e com grande pena minha definem a Guiné-Bissau de hoje, cito o autor “O Estado faliu. Faliu financeiramente, mas igualmente faliu nos princípios e na acção, ou melhor, na inacção, pois não se faz nada, literalmente nada, e, pior que isso, nada nem ninguém deu ainda inequívocas mostras de possuir ideias, estratégias e vontade política susceptíveis de reverter este estado de coisas” (p. 284)
A vontade e a capacidade de mudança, a meu ver, estão inteiramente nas mãos dos bissau-guineenses.
Pelas razões apontadas e inúmeras outras que poderia acrescentar e atenta a falta de livros e publicações sobre a Guiné-Bissau de hoje é indispensável a leitura de “Guineidade e Africanidade” de Leopoldo Amado para tentarmos compreender esse país que tem de quebrar definitivamente as correntes que o amarram a soluções inconvenientes e perigosas.
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Nota do editor
Poste anterior de 17 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11851: Notas de leitura (501): "Guineidade e Africanidade", por Leopoldo Amado - uma outra leitura (1) (Fernando Henriques da Silva)
Segue a 2.ª parte da minha análise crítica do livro de Leopoldo Amado.
Cpts amigos
Francisco Henriques da Silva
(ex-Alf. Mil. de Infª.
C.Caç. 2402,
ex-embaixador de Portugal em Bissau 1997-1999)
"Guineidade e Africanidade"
(parte 2 de 2)
É interessante registar a posição de Leopoldo Amado relativamente ao regresso de “Nino” Vieira em 2005, que saúda, como grande árbitro da polarização entre facções castrenses, antevendo os perigos de uma crescente militarização e consequente instabilidade do país, nestes termos: “Ante a excessiva politização da sociedade castrense e da sua propensão de assunção do poder pela força, acredito que Nino Vieira, como chefe carismático e histórico das forças armadas guineenses, possa ter um papel de moderação perante as profundas clivagens” (p. 143). Para além de outros argumentos apresentados em prol do regresso de Nino à Guiné-Bissau o autor preconiza o julgamento “justo e imparcial” do ex-Chefe de Estado.
Estas posições de L. Amamdo foram objeto de grande controvérsia, dividindo-se os bissau-guineenses em reações pró e contra. Atente-se, por exemplo, numa entre muitas: “Nino Vieira não é senão um criminoso nato com as mãos sujas de sangue, com decisão consciente de dar mais primazia ao poder do que verdadeiramente construir a Guiné-Bissau.” (Carlos Mussa Embaló citado a pp. 151). Apesar de todas as “máculas”, registadas antes e no decurso da guerra civil – e não são poucas – o autor considera que o regresso de Nino Vieira é desejável, na medida em que o processo não pode excluir quaisquer guineenses e que o ex-PR pode pôr “a sua experiência e as suas potencialidades positivas ao serviço da paz e do desenvolvimento” (p. 154).
Quanto à organização do poder político e ao debate da representatividade, o autor salienta, em várias passagens da sua obra, a importância da representação do poder tradicional, na esteira de outros compatriotas seus, permitindo assim articular o rural e o urbano, o moderno e o tradicional, o direito positivo e o consuetudinário. Este rumo não só atenuaria tensões internas mas, se bem levado à prática, constituiria um processo democrático sui generis adaptado à situação da Guiné-Bissau. Penso que é um ponto que merece adequada reflexão e que poderá constituir um guia para a futura organização do Estado da Guiné-Bissau. Aliás, mutatis mutandis e guardadas as devidas proporções trata-se de uma ideia já defendida na época colonial por António de Spínola, porém com outras roupagens – os chamados Congressos do Povo.
Uma outra preocupação invocada com fundada razão nos textos de Leopoldo Amado [foto à esquerda] consiste na temática das Forças Armadas e dos serviços de segurança, “mormente o indissociável e recorrente problema da corrupção e o uso da violência gratuita” (p. 224). Problemas que não só afetam a imagem do país, mas influenciam-no negativamente, quer interna, quer externamente.
Relativamente ao assassinato de Amílcar Cabral, o autor considera que o plano de proclamação do Estado da Guiné-Bissau tenha constituído a causa imediata. É uma tese plausível, mas que necessita de ser arguida. Quanto à “autoria moral” e sem embargo dos norte-americanos considerarem em documentos seus que se estava “perante um feudo entre mulatos das ilhas de Cabo Verde e africanos do continente” (o que é citado a p. 228), “desvalorizando incompreensivelmente”, segundo Leopoldo Amado, a “directa participação da PIDE-DGS e das autoridades coloniais portuguesas no vil acto”, para o autor “é possível hoje provar-se” que a quem mais directamente interessava a eliminação física de Cabral figurava inquestionavelmente a PIDE-DGS e as autoridades coloniais portuguesas (cfr. p. 228). Neste particular, manifestamos uma opinião contrária: com efeito, em nosso entender, a morte de Cabral não interessava a Spínola, pois aquele era o único interlocutor válido a ser encetado um verdadeiro e consequente processo negocial de paz entre as duas partes beligerantes. Por outro lado, não existem quaisquer registos escritos nos arquivos da PIDE-DGS que de algum modo refiram a hipotética eliminação física de Cabral ou que sustentem de essa tese, directa ou indirectamente. Nesta matéria, que eu saiba, as teorias são as mais diversas, mas não existem, nem podem por isso ser apresentadas, quaisquer provas e o mistério quanto à autoria moral do assassinato permanece.
É curiosa e historicamente do maior interesse a evolução dos movimentos pró-independência que surgem nos anos 50, do MING (Movimento Nacional para a Independência da Guiné) ao MLG (Movimento de Libertação da Guiné) que está na origem do PAI, que se transformaria, numa fase ulterior, no PAIGC. Aliás, Leopoldo Amado refere que “a reivindicação a posteriori da paternidade do Pindijiguiti por parte do PAI(GC) só se pode compreender na medida em que tanto o MLG como o PAI partilhavam, indistintamente, o mesmo espaço político, a mesma clientela...” (p. 245), subsistindo uma certa confusão quanto à divisão de águas entre os dois, isto nos finais da década de 50. É igualmente relevante – e um facto que eu desconhecia – a distribuição de panfletos em Cantchungo, em Bissau e a sua própria afixação no estabelecimentos comerciais e postes de iluminação da capital, logo em 1960.
No que respeita à guerra colonial/luta de libertação, concorro com a tese defendida pelo autor de que o “PAIGC perseguia objetivos políticos e nunca agendou a possibilidade de derrotar militarmente o Exército português , obedecendo sempre as diferentes estratégias militares e as correspondentes tácticas aos objectivos políticos.” Sublinho os termos.
Não posso deixar de terminar voltando a frases duras que infelizmente e com grande pena minha definem a Guiné-Bissau de hoje, cito o autor “O Estado faliu. Faliu financeiramente, mas igualmente faliu nos princípios e na acção, ou melhor, na inacção, pois não se faz nada, literalmente nada, e, pior que isso, nada nem ninguém deu ainda inequívocas mostras de possuir ideias, estratégias e vontade política susceptíveis de reverter este estado de coisas” (p. 284)
A vontade e a capacidade de mudança, a meu ver, estão inteiramente nas mãos dos bissau-guineenses.
Pelas razões apontadas e inúmeras outras que poderia acrescentar e atenta a falta de livros e publicações sobre a Guiné-Bissau de hoje é indispensável a leitura de “Guineidade e Africanidade” de Leopoldo Amado para tentarmos compreender esse país que tem de quebrar definitivamente as correntes que o amarram a soluções inconvenientes e perigosas.
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Nota do editor
Poste anterior de 17 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11851: Notas de leitura (501): "Guineidade e Africanidade", por Leopoldo Amado - uma outra leitura (1) (Fernando Henriques da Silva)
Guiné 63/74 - P11852: Tabanca Grande (405): Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518, Galomaro, 1973/74 (Tertuliano n.º 624)
1. Vamos abri alas e receber o nosso camarada e novo tertuliano, o ex-Alf Mil Médico, Rui Vieira Coelho, que integrou o BCAÇ 3872 e o BCAÇ 4518 (Galomaro, 1973/74), que com a preciosa colaboração do nosso camarada Mário Vasconcelos passa a integrar o grupo, já grande, do "serviço de saúde" do nosso Blogue.
2. Vamos recordar como foi feito o convite ao Dr. Rui Vieira Coelho para intergrar a nossa tertúlia.
(i) - Depois de publicarmos os três primeiros postes da série "Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho", que esperamos tenha continuidade, enviei no dia 5 de Julho passado a seguinte mensagem ao nosso camarada Mário Vasconcelos, por intermédio de quem aquelas memórias chegaram ao Blogue.
Caro camarada Mário Vasconcelos
Muito obrigado pelo envio das memórias do Dr. Rui Vieira Coelho. Por favor faz-lhe chegar esta mensagem.
Caso ele concordasse, sem lhe dar mais trabalho, já que está por "demais" apresentado, por ti e pelo Juvenal Amado, nós podíamos oficializar num poste da série Tabanca Grande a sua adesão formal à tertúlia.
Se ele tiver endereço electrónico que nos possa franquear para contactos futuros, mando-mo por favor.
Ficamos à espera da sua resposta.
Para ambos um abraço do camarada ao dispor
Carlos Vinhal
(ii) - No passado dia 9 recebemos a resposta do camarada Mário Vasconcelos:
Caro camarada,
Estive ao telefone com o Dr Rui Vieira Coelho e conversei sobre a sua entrada na tertúlia. Ficou muito grato pelas vossas palavras de incentivo e veria com agrado a sua participação oficializada na Tabanca Grande.
Quanto à forma de participação com textos e/ou fotografias, como não faz o uso informático para além de leitura ou impressão, pede-me que faça de mim um posto de transmissões, minha especialidade militar, e portanto assim o farei.
Quando houver material enviar-vos-ei.
Como pedem o seu email, falei e não vê inconveniente de vos fornecer. Normalmente quem os recepciona é a sua esposa e depois transmite-lhe as informações. De qualquer modo podereis usar o meu, que eu também lhe faço chegar as notícias.
Aquele abraço para todos vós.
Mário Vasconcelos
Guiné > Zona leste > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ 3872 ( Galomaro, 1971/74) > Pessoal de saúde de prevenção no decorrer de uma operação.
3. Recordemos o que disse o nosso camarada Juvenal Amado sobre o Dr. Rui Vieira Coelho e sobre o Dr. Pereira Coelho:
[...]
Em Galomaro foi substituído [o Dr. Pereira Coelho] pelo dr. Vieira Coelho, que ficou connosco até ao fim da comissão.
Também este médico deixou amigos e o respeito dos soldados que com ele privaram ou dele necessitaram.
O dr Pereira Coelho e o dr Vieira Coelho evitaram muitos problemas de saúde e actuaram firmemente, evacuando camaradas quando assim era exigido, por essas razões ficaram na memória de todos nós.
Se não estou em erro, no tempo do 3972 o médico sediado na sede do batalhão prestava serviço médico às companhias operacionais, não tendo porém a certeza se o Saltinho não seria assistido por médico de Bambadinca.
Bem hajam por isso.
Juvenal Amado
Guiné > Zona leste > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ 3872 ( Galomaro, 1971/74) > O enfermeiro Catroga, prestando à população civil cuidados de enfermagem comunitária, ou "em ambulatório"
Fotos: © Juvenal Amado (2013). Todos os direitos reservados.
4. Comentário do editor:
Caro Dr. Vieira Coelho
Muito obrigado por ter aceitado o nosso convite para se juntar a nós.
Os primeiros três postes da suas memórias, já publicados, como outros de autoria de camaradas pertencentes aos Serviços de Saúde, dão-nos uma visão diferente da guerra em África. Os nossos médicos, os nossos enfermeiros e, os nossos anjos caídos, literalmente, do céu, as nossas enfermeiras paraquedistas, desempenharam um papel da maior importância para a manutenção da nossa saúde física e mental, não fazendo mais, nos casos mais graves, porque era humanamente impossível. Disso temos a certeza.
Todos vimos como, em detrimento do vosso descanso, percorriam as tabancas para se inteirarem das condições de saúde das populações, que junto às fronteiras se estendia às dos países limítrofes que ao nosso lado recorriam atraídos pela vossa competência.
Injecção aqui, penso mudado ali, palavras de conforto mais à frente, a vossa dedicação ao próximo foi muito para além do que vos era exigido.
Ficamos na expectativa do envio de mais das suas memórias.
Ao terminar quero deixar-lhe um abraço de boas-vindas em nome dos editores e da tertúlia em geral.
Fica aqui também o nosso agradecimento ao camarada Mário Vasconcelos que sabemos continuará a ser o elo entre o Dr. Vieira Coelho e o Blogue.
Carlos Vinhal
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Nota do editor
Último poste da série de 13 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11835: Tabanca Grande (404): Manuel Lima Santos, ex-Fur Mil Inf.ª da CCAÇ 3476 - "Os Bebés de Canjambari" - Guiné, 1971/73 (Tertuliano n.º 623)
quarta-feira, 17 de julho de 2013
Guiné 63/74 - P11851: Notas de leitura (501): "Guineidade e Africanidade", por Leopoldo Amado - uma outra leitura (1) (Francisco Henriques da Silva)
1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, Có, Mansabá e Olossato, 1968/70; ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999), com data de 15 de Julho de 2013:
Meus caros amigos e ex-camaradas de armas,
O nosso comum amigo Mário Beja Santos - no meu caso amigo de há quase 50 anos! - elaborou uma recensão, em duas partes, ao excelente livro do nosso confrade Leopoldo Amado, "Guineidade e Africanidade" (ver aqui e aqui).
Decidi de algum modo completar essa recensão com uma análise minha, sublinhando outros aspectos não focados pelo Mário, mas que se me afiguram igualmente relevantes. Porém, concentro-me mais na Guiné-Bissau contemporânea e nas imensas dificuldades de construção do país sobre o qual se colocam inúmeros pontos de interrogação e que, seguramente, não se dissiparão tão cedo.
A temática da guerra e da literatura da guerra também me interessa, como é óbvio - ou não tivesse por lá andado por lalas e bolanhas, quer no chão mancanha, quer nas matas do Morés - mas neste momento, entendo que a temática da construção ou se se quiser da própria "criação" do país é um assunto das maiores importância e actualidade e, neste particular, as tarefas são ciclópicas, porque, na prática, falta tudo ou quase tudo para se atingir a meta.
À semelhança do Mário divido também o meu texto em duas partes.
Com os meus cumprimentos cordiais e amigos
Francisco Henriques da Silva
(ex-Alf. Mil. de Infª. C.Caç. 2402,
ex-embaixador de Portugal em Bissau 1997-1999)
"Guineidade e Africanidade"
A minha leitura do livro de estudos, crónicas, ensaios e outros textos de Leopoldo Amado [foto à direita], sob o rótulo abrangente, algo enigmático e ambicioso de “Guineidade e Africanidade”, cobrindo um vastíssimo período histórico, desde a literatura colonial até aos nossos dias, incidiu mais nos aspectos contemporâneos da sociedade bissau-guineense e menos nos factores históricos, designadamente nos relativos à guerra colonial/luta de libertação nacional, uma vez que se trata de um tema amplamente glosado por inúmeros autores e incontornável quando nos referimos ao nascimento conturbado e sangrento da Guiné-Bissau, com repercussões em todo o então espaço colonial português e, antes do mais, no próprio Portugal, como se sabe. Li, evidentemente, e com as maiores atenção e interesse toda a obra, mas dado que o meu colega e amigo, Mário Beja Santos, abordou na sua recensão desta colectânea de escritos de Leopoldo Amado o tema em apreço, limitar-me-ei a fazer apenas duas ou três referências de passagem à temática da chamada “guerra de África”.
O trabalho a que se propõe o autor consiste, no fundo, num exercício de reflexão em que nos apresenta escritos de natureza muito diversa em momentos também muito diferentes da sua vida e da vida do seu país e com estados de espírito igualmente variáveis. Podemos dizer que há de tudo um pouco desde a crónica ao ensaio, passando pelo relato de pendor jornalístico, pela análise política profunda ou pela emissão de opiniões sobre determinados eventos. Neste labor intelectual de indubitável mérito, o autor procura sempre ser rigoroso e objetivo, mas, como dizia, não deixa de exprimir em vários dos seus textos estados de alma e opiniões, digamos, musculadas sobre personalidades e acontecimentos no seu país de origem.
Começo por referir dois aspectos que me suscitaram em particular a minha atenção e sobre os quais vou, desde logo, exprimir juízos críticos (construtivos, obviamente), mas que se me afigura deverem ser devidamente aferidos pelo autor: em primeiro lugar, não há nenhum texto em que se defina com clareza os conceitos de guineidade e africanidade – estas questões poderão ser despiciendas para os bissau-guineenses, para os africanos cultos em geral ou para os estrangeiros (não africanos, entenda-se) interessados e familiarizados com estas matérias, mas não o são, seguramente para o público em geral; em segundo lugar, os textos relativos ao século XXI – alguns são peças do maior interesse – param de uma forma algo abrupta em 2008 e nós sabemos que, mês após mês, para não dizer dia após dia, os acontecimentos se sucedem incessantemente a um ritmo por vezes galopante e cujo fluxo, como se sabe, altera a vida política, económica e social da Guiné-Bissau. Estes são os meus reparos principais. Assim, a meu ver, seria importante, como nota introdutória, uma clara definição conceptual da temática que o autor se propõe tratar e em que termos o vai fazer e, por outro lado, são necessários esclarecimentos sobre a evolução mais recente da Guiné-Bissau, mesmo que assumam a forma de meros relatos jornalísticos, opiniões conjunturais ou incluso de apontamentos pessoais.
Estas questões são tanto mais importantes quanto sabemos que nos dias que correm e mercê do fluir vertiginoso dos acontecimentos o país está em constante e acelerada mutação.
Não vamos entrar no debate académico sobre a tipologia do Estado da Guiné-Bissau que interessa sobretudo a especialistas, mas que tem ampla repercussão na opinião pública, na medida em que as conclusões são via de regra muito polémicas e provocam as mais vivas reacções emotivas, em especial por parte dos visados, ou seja por parte dos cidadãos dos Estados classificados. Nesta matéria, vou ser muito claro, não só concordo parcialmente com o que refere Leopoldo Amado – que considera em vários dos seus textos que, não está em causa somente o processo democrático... mas a própria sobrevivência do país; qualifica a Guiné-Bissau como um Estado refém de si próprio, (p. 61); um Estado falhado (p. 143) e inclusive propõe a assunção pelas Nações Unidas de uma administração transitória do país (o que na prática significa a suspensão pura e simples da soberania – p. 146), admite que “o Estado faliu quase completamente e, mesmo que assim não fosse, ainda não deu mostras de possuir nem ideias e nem vontade política de ir fazendo alguma coisa com recursos próprios” (p. 277) vou porém mais longe numa asserção que espero clara e que, aliás, consta do meu livro recentemente publicado: “A Guiné-Bissau pode formalmente ser considerada um Estado, com bandeira e hino próprios, com fronteiras reconhecidas internacionalmente, com instituições que pretensamente funcionam (ou não) e com assento na ONU, todavia não se me afigura que estejamos perante um Estado, na verdadeira acepção e dignidade intrínseca da palavra. Deparamos, antes, com uma “entidade caótica ingovernável” - na formulação de Oswaldo de Rivero (Vd. "Crónicas dos (des)feitos da Guiné”, p. 521) Compreendo, pois, muito bem os gritos de alma de Leopoldo Amado e como amigo da Guiné-Bissau sinto-me no direito de não só corroborar as opiniões expressas, mas também de exprimir os meus sentimentos sobre a matéria.
São importantes as fortes denúncias do autor às propostas alterações à lei da nacionalidade, no Verão de 1999, uma vez terminada a guerra civil, ou seja a chamada regra dos dois avós guineenses para a assunção de altos cargos do Estado que L. Amado polemiza com abundância de argumentos qualificando-a de racista e tribalista. Com efeito, nos termos desta lei, Amílcar Cabral, se fosse vivo, não poderia de jure candidatar-se à chefia do Estado, atenta a sua ascendência cabo-verdiana, o que é significativo.
Considero interessante a adjectivação e/ou qualificação que o autor faz de certas personalidades, instituições e acontecimentos da vida bissau-guineense: por exemplo, o regime de Nino Vieira é qualificado de “despótico” (p. 30); a “cultura da matchundade” (ou seja, os “matchos” que se afirmam pela razão da força e não pela força da razão – p. 62); o “administrativo – colonial-sanguinário Honório Barreto” (p. 35), um tanto contraditoriamente com outras referências menos abonatórias constantes da obra, “Nino” Vieira acaba por ser definido em termos encomiásticos como militar e como político, sem embargo de se lhe apontar defeitos na gestão do Estado e de ter cometido erros políticos graves (pp. 141 a 143); o PAIGC é definido, quando da ascensão à independência como “partido único de matriz revolucionária anticapitalista e autocrático” (p. 169); o consulado do PRS de Kumba Ialá, na sequência das eleições de 1999, para o autor “reforçou a tendência de definhamento do papel do Estado” (p. 176), o controverso Rafael Barbosa – ex-líder do PAIGC, que terá aderido ao ideário spinolista, ao tempo da guerra - é considerado por Leopoldo Amado um “extraordinário nacionalista” (p.255)
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 15 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11841: Notas de leitura (500): "As Ilhas Afortunadas, um estudo sobre a África em transformação", de Basil Davidson (Mário Beja Santos)
Meus caros amigos e ex-camaradas de armas,
O nosso comum amigo Mário Beja Santos - no meu caso amigo de há quase 50 anos! - elaborou uma recensão, em duas partes, ao excelente livro do nosso confrade Leopoldo Amado, "Guineidade e Africanidade" (ver aqui e aqui).
Decidi de algum modo completar essa recensão com uma análise minha, sublinhando outros aspectos não focados pelo Mário, mas que se me afiguram igualmente relevantes. Porém, concentro-me mais na Guiné-Bissau contemporânea e nas imensas dificuldades de construção do país sobre o qual se colocam inúmeros pontos de interrogação e que, seguramente, não se dissiparão tão cedo.
A temática da guerra e da literatura da guerra também me interessa, como é óbvio - ou não tivesse por lá andado por lalas e bolanhas, quer no chão mancanha, quer nas matas do Morés - mas neste momento, entendo que a temática da construção ou se se quiser da própria "criação" do país é um assunto das maiores importância e actualidade e, neste particular, as tarefas são ciclópicas, porque, na prática, falta tudo ou quase tudo para se atingir a meta.
À semelhança do Mário divido também o meu texto em duas partes.
Com os meus cumprimentos cordiais e amigos
Francisco Henriques da Silva
(ex-Alf. Mil. de Infª. C.Caç. 2402,
ex-embaixador de Portugal em Bissau 1997-1999)
"Guineidade e Africanidade"
A minha leitura do livro de estudos, crónicas, ensaios e outros textos de Leopoldo Amado [foto à direita], sob o rótulo abrangente, algo enigmático e ambicioso de “Guineidade e Africanidade”, cobrindo um vastíssimo período histórico, desde a literatura colonial até aos nossos dias, incidiu mais nos aspectos contemporâneos da sociedade bissau-guineense e menos nos factores históricos, designadamente nos relativos à guerra colonial/luta de libertação nacional, uma vez que se trata de um tema amplamente glosado por inúmeros autores e incontornável quando nos referimos ao nascimento conturbado e sangrento da Guiné-Bissau, com repercussões em todo o então espaço colonial português e, antes do mais, no próprio Portugal, como se sabe. Li, evidentemente, e com as maiores atenção e interesse toda a obra, mas dado que o meu colega e amigo, Mário Beja Santos, abordou na sua recensão desta colectânea de escritos de Leopoldo Amado o tema em apreço, limitar-me-ei a fazer apenas duas ou três referências de passagem à temática da chamada “guerra de África”.
O trabalho a que se propõe o autor consiste, no fundo, num exercício de reflexão em que nos apresenta escritos de natureza muito diversa em momentos também muito diferentes da sua vida e da vida do seu país e com estados de espírito igualmente variáveis. Podemos dizer que há de tudo um pouco desde a crónica ao ensaio, passando pelo relato de pendor jornalístico, pela análise política profunda ou pela emissão de opiniões sobre determinados eventos. Neste labor intelectual de indubitável mérito, o autor procura sempre ser rigoroso e objetivo, mas, como dizia, não deixa de exprimir em vários dos seus textos estados de alma e opiniões, digamos, musculadas sobre personalidades e acontecimentos no seu país de origem.
Começo por referir dois aspectos que me suscitaram em particular a minha atenção e sobre os quais vou, desde logo, exprimir juízos críticos (construtivos, obviamente), mas que se me afigura deverem ser devidamente aferidos pelo autor: em primeiro lugar, não há nenhum texto em que se defina com clareza os conceitos de guineidade e africanidade – estas questões poderão ser despiciendas para os bissau-guineenses, para os africanos cultos em geral ou para os estrangeiros (não africanos, entenda-se) interessados e familiarizados com estas matérias, mas não o são, seguramente para o público em geral; em segundo lugar, os textos relativos ao século XXI – alguns são peças do maior interesse – param de uma forma algo abrupta em 2008 e nós sabemos que, mês após mês, para não dizer dia após dia, os acontecimentos se sucedem incessantemente a um ritmo por vezes galopante e cujo fluxo, como se sabe, altera a vida política, económica e social da Guiné-Bissau. Estes são os meus reparos principais. Assim, a meu ver, seria importante, como nota introdutória, uma clara definição conceptual da temática que o autor se propõe tratar e em que termos o vai fazer e, por outro lado, são necessários esclarecimentos sobre a evolução mais recente da Guiné-Bissau, mesmo que assumam a forma de meros relatos jornalísticos, opiniões conjunturais ou incluso de apontamentos pessoais.
Estas questões são tanto mais importantes quanto sabemos que nos dias que correm e mercê do fluir vertiginoso dos acontecimentos o país está em constante e acelerada mutação.
Não vamos entrar no debate académico sobre a tipologia do Estado da Guiné-Bissau que interessa sobretudo a especialistas, mas que tem ampla repercussão na opinião pública, na medida em que as conclusões são via de regra muito polémicas e provocam as mais vivas reacções emotivas, em especial por parte dos visados, ou seja por parte dos cidadãos dos Estados classificados. Nesta matéria, vou ser muito claro, não só concordo parcialmente com o que refere Leopoldo Amado – que considera em vários dos seus textos que, não está em causa somente o processo democrático... mas a própria sobrevivência do país; qualifica a Guiné-Bissau como um Estado refém de si próprio, (p. 61); um Estado falhado (p. 143) e inclusive propõe a assunção pelas Nações Unidas de uma administração transitória do país (o que na prática significa a suspensão pura e simples da soberania – p. 146), admite que “o Estado faliu quase completamente e, mesmo que assim não fosse, ainda não deu mostras de possuir nem ideias e nem vontade política de ir fazendo alguma coisa com recursos próprios” (p. 277) vou porém mais longe numa asserção que espero clara e que, aliás, consta do meu livro recentemente publicado: “A Guiné-Bissau pode formalmente ser considerada um Estado, com bandeira e hino próprios, com fronteiras reconhecidas internacionalmente, com instituições que pretensamente funcionam (ou não) e com assento na ONU, todavia não se me afigura que estejamos perante um Estado, na verdadeira acepção e dignidade intrínseca da palavra. Deparamos, antes, com uma “entidade caótica ingovernável” - na formulação de Oswaldo de Rivero (Vd. "Crónicas dos (des)feitos da Guiné”, p. 521) Compreendo, pois, muito bem os gritos de alma de Leopoldo Amado e como amigo da Guiné-Bissau sinto-me no direito de não só corroborar as opiniões expressas, mas também de exprimir os meus sentimentos sobre a matéria.
São importantes as fortes denúncias do autor às propostas alterações à lei da nacionalidade, no Verão de 1999, uma vez terminada a guerra civil, ou seja a chamada regra dos dois avós guineenses para a assunção de altos cargos do Estado que L. Amado polemiza com abundância de argumentos qualificando-a de racista e tribalista. Com efeito, nos termos desta lei, Amílcar Cabral, se fosse vivo, não poderia de jure candidatar-se à chefia do Estado, atenta a sua ascendência cabo-verdiana, o que é significativo.
Considero interessante a adjectivação e/ou qualificação que o autor faz de certas personalidades, instituições e acontecimentos da vida bissau-guineense: por exemplo, o regime de Nino Vieira é qualificado de “despótico” (p. 30); a “cultura da matchundade” (ou seja, os “matchos” que se afirmam pela razão da força e não pela força da razão – p. 62); o “administrativo – colonial-sanguinário Honório Barreto” (p. 35), um tanto contraditoriamente com outras referências menos abonatórias constantes da obra, “Nino” Vieira acaba por ser definido em termos encomiásticos como militar e como político, sem embargo de se lhe apontar defeitos na gestão do Estado e de ter cometido erros políticos graves (pp. 141 a 143); o PAIGC é definido, quando da ascensão à independência como “partido único de matriz revolucionária anticapitalista e autocrático” (p. 169); o consulado do PRS de Kumba Ialá, na sequência das eleições de 1999, para o autor “reforçou a tendência de definhamento do papel do Estado” (p. 176), o controverso Rafael Barbosa – ex-líder do PAIGC, que terá aderido ao ideário spinolista, ao tempo da guerra - é considerado por Leopoldo Amado um “extraordinário nacionalista” (p.255)
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 15 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11841: Notas de leitura (500): "As Ilhas Afortunadas, um estudo sobre a África em transformação", de Basil Davidson (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P11850: Efemérides (135): No dia 13 de Julho de 2013, a Senhora da Hora homenageou os seus combatentes da Guerra do Ultramar (Carlos Vinhal)
1. No passado sábado, dia 13 de Julho de 2013, na Senhora da Hora, Concelho de Matosinhos, foi prestada homenagem aos Combatentes do Ultramar, naturais da freguesia, caídos em campanha, aos que entretanto faleceram e aos que ainda vivos lutam pelo direito ao reconhecimento do sacrifício exigido pela Pátria num dos períodos mais complicados da sua História. Para o efeito foi descerrada uma lápide colocada numa das rotunda da cidade, a que foi dado o nome de Rotunda do Combatente.
O programa começou pelas 11h45 com o hastear da Bandeira Nacional no Edifício da Junta de Freguesia da Senhora da Hora.
(Foto enviada ao Blogue pela Liga dos Combatentes)
Seguidamente os presentes deslocaram-se para a confluência das Ruas do Sobreiro, Estação Velha e 4 Caminhos, onde foi construída recentemente um rotunda, agora designada como Rotunda do Combatente.
Ao acto assistiram largas dezenas de pessoas que contou também com a presença das autoridades civis e militares representativas do Concelho: Presidente da Câmara Municipal de Matosinhos, Dr. Guilherme Pinto; Presidente da Junta de Freguesia da Senhora da Hora, senhor Valentim Campos; Presidente do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, TCor Armando Costa e CMDT Vítor Manuel Martins dos Santos, Comandante da Zona Marítima do Norte. Entre a assistência destacavam-se os ex-combatentes, alguns deles ostentando a sua boina.
Primeiro momento, o da Bênção do Memorial, a cargo do Senhor Padre Amaro Gonçalo.
(Foto: Tv Senhora da Hora, com a devida vénia)
Momento em que foi de depositada uma coroa de flores na base do Memorial, a cargo do senhor Major Art.ª Ref Simões Duarte, ex-combatente da Guiné.
(Foto: Tv Senhora da Hora, com a devida vénia)
(Foto: Tv Senhora da Hora, com a devida vénia)
Sentida homenagem aos nossos camaradas senhorenses que não voltaram, com o Toque aos Mortos, executado pelo Terno de Clarins presente.
(Foto enviada ao Blogue pela Liga dos Combatentes)
O ex-combatente José Augusto, que na Senhora da Hora muito tem lutado em favor dos seus camaradas, declamou dois poemas, um deles, o conhecido "O Menino de sua Mãe" de Fernando Pessoa.
(Foto: Tv Senhora da Hora, com a devida vénia)
(Foto: Tv Senhora da Hora, com a devida vénia)
Porventura o momento mais tocante da cerimónia foi proporcionado pelo nosso camarada e tertuliano do Blogue, Fernando Santos, que leu o poema de sua autoria, "Desespero".
(Foto: Tv Senhora da Hora, com a devida vénia)
Com a devida vénia à Tv Senhora da Hora
O senhor TCor Armando Costa, Presidente do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes no uso da palavra.
(Foto: José Fernando Santos Ribeiro)
O Presidente da Junta de Freguesia da Senhora da Hora, senhor Valentim Campos falando aos presentes
(Foto: José Fernando Santos Ribeiro)
(Foto: José Fernando Santos Ribeiro)
De acordo com a ordem protocolar, encerrou as alocuções o senhor Presidente da Câmara Municipal de Matosinhos, Dr. Guilherme Pinto.
(Foto: José Fernando Santos Ribeiro)
(Foto: José Fernando Santos Ribeiro)
O programa foi encerrado com a actuação do Grupo Coral da Senhora da Hora que interpretou o Hino Nacional, acompanhado pelo público que emoldurava a rotunda.
Bonito de ver a Bandeira Portuguesa que se manteve naquela janela durante todo o cerimonial
(Foto: Tv Senhora da Hora, com a devida vénia)
Bonito de ver a Bandeira Portuguesa que se manteve naquela janela durante todo o cerimonial
(Foto: Tv Senhora da Hora, com a devida vénia)
Duas perspectivas da Rotunda do Combatente com os assistentes em seu redor
Fotos: Carlos Vinhal
____________Nota do editor
Último poste da série de 1 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11782: Efemérides (134): Monumento aos Combatentes do Ultramar em Olhão, foi inaugurado no passado dia 16 de Junho (Henrique Matos)
Guiné 63/74 - P11849: Os nossos médicos (66): Não fui evacuado para a Metrópole mas acompanhei três evacuações, duas via TAO, incluindo um Super Constellation de carga, transformado em enfermaria, oriundo de Moçambique, com militares quase todos portadores de queimaduras provocadas pelas granadas de 'fósforo' (J. Pardete Ferreira)
1. Com data de 15 de junho último, aqui vai uma mensagem do J. Pardete Ferreira, em complemento de uma outra já aqui publicada, na véspera (*):
Obrigado, caro Luís Graça,
Provavelmente o erro foi meu mas a instrução no HMP era de 6 semanas e não de 6 meses [, como por lapso informei,], englobando ainda algumas idas ao HMDIC (Hospital Militar de Doenças Infecto-Contagiosas), perto da Ajuda.
Ao que eu informei, devo acrescentar sobre os "reinspeccionados", médicos que estavam isentos de Serviço Militar ou que já tinham uma certa idade: a sua recruta era mais "soft" e era feita na EPC [, Escola Prática de Cavalaria,] em Santarém; iam preferencialmente para os Hospitais, havendo, igualmente, quem integrasse os Batalhões.
Respondo agora ao teu questionário:
1 - Já me pronunciei e hoje mandei um Post-Scriptum.
2 - a) No meu Batalhão, três médicos. No barco (2 Batalhões) 6 médicos + dois de rendição individual, para o HM 241.
b) Eu saí logo do meu Batalhão e segui para o CAOP1, outro foi para Aldeia Formosa e mais tarde para o HM 241 e foi substituído por outro colega.
c) No meu Batalhão, Madureira, Morais Sarmento e Pardete Ferreira. O substituto foi o Bigote e eu fui substituir o Bessa, juntando-me ao Fernando Maymone Martins. Quem me substitui no CAOP1 foi o Gouveia.
d) Eu precisei de Consultas de ORL, por causa do meu Clesteatoma, de Medicina Interna e de Fisioterapia, porque me "lembrei" de fazer uma neuropraxia do radial direito. Estando em Bissau e não podendo operar, andei a prestar assistência às Unidades do exército sediadas em Bissau.
e) Nunca estive internado, mas na sede do CAOP1 havia enfermaria.
f) Respondida em e).
g) Não fui evacuado para a Metrópole mas acompanhei três evacuações, duas via TAO, um Militar e uma civil atropelada por um Jeep Militar e um avião Super Constellation de carga, transformado em enfermaria, vindo de Moçambique, que já tinha tido duas ou três avarias. As camas e os lugares eram de lona, e eram quase todos portadores de queimaduras provocadas pelas granadas de "fósforo". Duas Enfermeiras Pára-quedistas vieram também: a Maria Arminda, que já vinha de Moçambique, e a Aura Teles que entrou em Bissau.
Acrescento que em Cacheu, detectei uma cardiopatia num Cabo Maqueiro que evacuei para Bissau e depois foi evacuado pela Metrópole e que a Junta considerou inapto para o Serviço Militar... e os colegas dele diziam que não podia estar doente porque era o mais "operacional" de todos...
f) Em Teixeira Pinto havia um Hospital Civil e uma Maternidade à nossa guarda. No Cacheu os civis eram vistos pelo médico militar mas num Posto separado. Em Csió, no Bachile e em Jeta e em plena picada na desmatação, era tudo junto. Era o médico militar quem tratava de praticamente toda a População Civil.
Sempre pronto a recordar embora já com 42 a 44 anos passados sobre os acontecimentos.... envio-te um grande abraço, extensivo a todos os Combatentes e, particularmente aos Tabanqueiros (*).
Pardete Ferreira
PS - A 1 de Julho, tivemos, aqui em Setúbal o 16º emncontro da Malta do HM 241 (63 presentes, alguns acompanhados de familiares. A 30 de Julho estarei nas Comemorações do 26º Aniversário da Associação de Pára-quedistas de Setúbal, que vai ser Condecorada pela Câmara Municipal. E já que estamos a falar em Condecorações, a semana passada a minha mulher foi Condecorada pelo Governo Francês com o grau de "Chevalier de l'Ordre des Palmes Académiques".
2. Outra mensagem do J. OPardete Ferreira, com data de 18 de junho último:
É natural que no início da Guerra houvesse um Médico por Companhia mas os recursos em médicos foram-se esgotando. Assim, no meu tempo, iam três por Batalhão e já se recorria aos "reinspeccionados".
b) Eu saí logo do meu Batalhão e segui para o CAOP1, outro foi para Aldeia Formosa e mais tarde para o HM 241 e foi substituído por outro colega.
c) No meu Batalhão, Madureira, Morais Sarmento e Pardete Ferreira. O substituto foi o Bigote e eu fui substituir o Bessa, juntando-me ao Fernando Maymone Martins. Quem me substitui no CAOP1 foi o Gouveia.
d) Eu precisei de Consultas de ORL, por causa do meu Clesteatoma, de Medicina Interna e de Fisioterapia, porque me "lembrei" de fazer uma neuropraxia do radial direito. Estando em Bissau e não podendo operar, andei a prestar assistência às Unidades do exército sediadas em Bissau.
e) Nunca estive internado, mas na sede do CAOP1 havia enfermaria.
f) Respondida em e).
g) Não fui evacuado para a Metrópole mas acompanhei três evacuações, duas via TAO, um Militar e uma civil atropelada por um Jeep Militar e um avião Super Constellation de carga, transformado em enfermaria, vindo de Moçambique, que já tinha tido duas ou três avarias. As camas e os lugares eram de lona, e eram quase todos portadores de queimaduras provocadas pelas granadas de "fósforo". Duas Enfermeiras Pára-quedistas vieram também: a Maria Arminda, que já vinha de Moçambique, e a Aura Teles que entrou em Bissau.
Acrescento que em Cacheu, detectei uma cardiopatia num Cabo Maqueiro que evacuei para Bissau e depois foi evacuado pela Metrópole e que a Junta considerou inapto para o Serviço Militar... e os colegas dele diziam que não podia estar doente porque era o mais "operacional" de todos...
f) Em Teixeira Pinto havia um Hospital Civil e uma Maternidade à nossa guarda. No Cacheu os civis eram vistos pelo médico militar mas num Posto separado. Em Csió, no Bachile e em Jeta e em plena picada na desmatação, era tudo junto. Era o médico militar quem tratava de praticamente toda a População Civil.
Sempre pronto a recordar embora já com 42 a 44 anos passados sobre os acontecimentos.... envio-te um grande abraço, extensivo a todos os Combatentes e, particularmente aos Tabanqueiros (*).
Pardete Ferreira
PS - A 1 de Julho, tivemos, aqui em Setúbal o 16º emncontro da Malta do HM 241 (63 presentes, alguns acompanhados de familiares. A 30 de Julho estarei nas Comemorações do 26º Aniversário da Associação de Pára-quedistas de Setúbal, que vai ser Condecorada pela Câmara Municipal. E já que estamos a falar em Condecorações, a semana passada a minha mulher foi Condecorada pelo Governo Francês com o grau de "Chevalier de l'Ordre des Palmes Académiques".
2. Outra mensagem do J. OPardete Ferreira, com data de 18 de junho último:
É natural que no início da Guerra houvesse um Médico por Companhia mas os recursos em médicos foram-se esgotando. Assim, no meu tempo, iam três por Batalhão e já se recorria aos "reinspeccionados".
Os médicos chegaram a ser mobilizados com 53 anos de idade, como o Falecido Dr. Rui de Brito, Cardiologista no Porto e o Dr. Botelho e Melo, Oftalmologista em Ponta Delgada.
É verdade, igualmente, que, não existindo especialistas em número suficiente, fossem chamados para o desempenho destas, médicos com grau mais avançado na carreira médica ou até por conhecimento ou prémio no final da comissão. Naturalmente estes factos implicavam rotação e distribuição pois havia a pretensão de não existirem zonas muito desprotegidas. O Antero da Palma Nunes, Oftalmologista em Faro, por exemplo, foi Médico de Batalhão, foi Médico da equipa itinerante de Estomatologia e Oftalmologista do HM 241.
Alfa Bravo
José Pardete Ferreira
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 14 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11704: Os nossos médicos (47): Qual era a dotação médica de um batalhão ? Três médicos por batalhão, diz-nos o ex-alf mil méd J. Pardete Ferreira (CAOP1, Teixeira Pinto; HM 241, Bissau, 1969/71)
(...) Questões:
(i) Quantos médicos seguiram com o vosso batalhão, no barco ?
(ii) Quantos médicos é que o vosso batalhão teve e por quanto tempo ?
(iii) Lembram-se dos nomes de alguns ? Idades ? Especiallidades ?
(iv) Precisaram de alguma consulta médica ?
(v) Estiveram alguma vez internados na enfermeria do aquartelamento (se é que existia) ?
(vi) Foram a alguma consulta de especialidade no HM 241 ?
(vii) Foram evacuados para a metrópole, para o HMP ?
(viii) Tiveram alguma problema de saúde que o vosso médico ou o enfermeiro conseguiu resolver sem evacuação?
(ix) O vosso posto sanitário também atendia a população local ?
(x) (E se sim, o que é mais que provável:) Há alguma estimativa da população que recorria aos serviços de saúde da tropa ?...
(**) Último poste da série > 15 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11843: Os nossos médicos (65): Fui uma vez ao HM 241, em Bissau, por problemas com os dentes, mas a experiência foi negativa, o dentista era bom para arrancar dentes a elefantes... (Alcides Silva, CCS / BART 1913, Catió, 1967/69)
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