Desde 1975 tomaram o nome de Quedas de Calandula
1. Em mensagem do dia 4 de Agostoo de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, desta vez dedicada ao "retornado" Laurindo Arriaga.
BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 16
LAURINDO ARRIAGA, O RETORNADO
PARTE I
Nasceu em 1927, junto à povoação ribeirinha de Arnelas, com o nome de Laurindo Ferreira Pedrosa, mas logo ficou conhecido coma alcunha de Arriaga, herdada do pai, Manuel Ferreira Carvalho. O Manel Arriaga era casado com a Maria de Oliveira, ambos agricultores na Quinta do Casalinho. Mudaram-se para a Quinta de Rio do Lobo, onde permaneceram.
O pai Manel apanhou a alcunha de Arriaga ainda era adolescente. Entusiasmado com a efervescente e anormal movimentação política de então, chamava a atenção a sua forte simpatia pelo primeiro Presidente da República Portuguesa, Dr. Manuel de Arriaga, que tanto admirava.
Esse Grande Presidente, nascido no Faial, manifestou-se na oratória, nas letras e na política, mas afirmou-se pelo seu comportamento humano e como republicano e democrata. Filho de gente rica, fidalga, burguesa e monárquica, teve de trabalhar para continuar a estudar em Coimbra, quando lhe foi retirado o apoio por se manifestar activamente na luta política a favor da república e da democracia.
“Manuel José de Arriaga Brum da Silveira e Peyrelongue (Horta, Matriz, 8 de julho de 1840 — Lisboa, 5 de março de 1917) foi um advogado, professor, escritor e político de origem açoriana. Grande orador e membro destacado da geração doutrinária do republicanismo português, foi dirigente e um dos principais ideólogos do Partido Republicano Português. A 24 de agosto de 1911 tornou-se no primeiro presidente eleito da República Portuguesa, sucedendo na chefia do Estado ao Governo Provisório presidido por Teófilo Braga. Exerceu aquelas funções até 29 de maio de 1915 e é recordado em centenas de nomes de ruas e praças.” (Fonte: Wikipédia)
Manuel Carvalho e Maria Oliveira ”faziam” as terras da Quinta do Rio de Lobo, em Olival. Naqueles tempos era muito difícil sobreviver à luta pelo sustento familiar e, ao mesmo tempo, pagar as rendas ao senhorio. Por mais que se esforçassem, a Quinta não produzia rendimento para tanto encargo.
O Laurindo não queria aceitar tanto esforço familiar, não compensado. Gostaria de ir para a escola primária, mas a ajuda do seu trabalho na lavoura tornara-se imprescindível.
Por volta dos anos 40, ali perto de Olival, fervilhava de crescimento industrial a pequena freguesia de Crestuma, muito favorecida pelo Rio Douro como importante via fluvial e pelo aproveitamento da energia hidráulica produzida pelas quedas do Rio Uíma, ali perto da sua foz no Douro. Nessa altura, destacavam-se as indústrias têxtil, metalúrgica e do papel.
A Companhia de Fiação de Crestuma continuava a sua expansão e já muito longe das suas origens (1754). Tornara-se num pequeno império. Dava trabalho a largas centenas de pessoas ligadas e aí se especializavam e faziam carreira na indústria têxtil. Na sua origem dedicara-se ao fabrico de arcos de ferro para os pipos e, noutra fase, funcionou como fundição.
Também dava ocupação a lavradores, no aproveitamento dos vastos terrenos aráveis, adjacentes. Outra actividade permanente que ocupava muita gente era a do alargamento de instalações fabris (e sociais) e na construção de muros de suporte das terras e na vedação de quase toda a Quinta.
O Laurindo convenceu o pai que poderia auxiliar mais a família indo para lá como ajudante dos pedreiros do Silva de Lever. E ficou lá alguns anos. Tal como o pai, foi muito gozado devido ao uso do apelido Arriaga. Se, por um lado, sentia algum orgulho por ser portador do apelido tão honroso, por outro, lado notava o ridículo a que era exposto, dado o extremo contraste com a ilustre personalidade.
De vez em quando lá ouvia ele:
- Ó Arriaga, vê se vais a Lisboa prender os teus amigos, aqueles filhos da puta que nos governam.
Ele era muito interessado em tudo que o rodeava. Falava pouco, mas teimava nas suas opiniões. Por ser analfabeto, perdia quase toda a credibilidade, até que um dia, num contacto mais alargado com um senhor que andava a apontar a obra e a colher as horas de trabalho, falaram na possibilidade de ele o ensinar a ler e a escrever minimamente.
E foi através de galos, galinhas, ovos e coelhos, que ia subtraindo lá em casa, que iniciou a sua aprendizagem escolar. Ávido de conhecimento, logo que juntou as letras, devorava tudo que pudesse ler. Então, nem parecia o mesmo. Até de poesia falava.
Quando regressava a Olival, tinha que passar por Fioso, no alto de Crestuma. Ali, no lugar dos Aidos havia uma família numerosa, conhecida por Os do Estrada. O Serrador Jaquim do Estrada era casado com a Deolinda, a “Mãe Linda”.Também eram conhecidos pela sua boa disposição e pelo gosto de cantar.
Por vezes, nesses regressos do trabalho pelo Regato de Soutelo e Vale da Cana, coincidia serem feitos ao mesmo tempo que uma das filhas do Joaquim do Estrada, que vinha da fábrica do papel do Tavares da Fontinha. Era a jovem Barbara Francisca Gonçalves (1925) que, apesar de introvertida, evidenciava muita beleza e simpatia.
E um dia, quando ela cantarolava, em jeito de marcha, “Ó Crestuma tecedeira”, o Laurindo acrescentou, na sua voz grossa: “Das fitas que nos enlaçam”. Olharam-se e continuaram em coro: “Dos apitos a vibrar dos operários que passam…” Era uma marcha musical muito em voga naquela fase das consoadas, em favor da construção da igreja nova de Crestuma. A letra era do famoso poeta local Eugénio Paiva Freixo (1919) e a música do compositor António Ferreira Alves (1915).
Casaram pouco tempo depois. Ficaram a viver lá na casa dos do Estrada. Amavam-se intensamente e tiveram logo o filho Manel. Poucos anos depois, nasceu o Toninho.
A vida estava difícil e o Laurindo queria melhor e o seu tempo parecia que lhe estava a fugir. Ouvia falar muito das boas oportunidades em Angola e viu esse escape como a melhor solução para o salto que ansiava para a sua vida.
Foi pedir uma declaração profissional ao Delegado do Sindicato, mas, com grande surpresa, este não o atendeu. O nome Arriaga não o abonava junto dos lacaios do Estado Novo.
Chegado a Luanda, sem habilitação profissional, conseguiu trabalhar de ajudante de motorista. Já com alguma prática, conseguiu tirar a carta de pesado profissional. E foi trabalhar como motorista, para as estradas do Huíla.
Curvas da Serra da Leba
Como não era essa a vida que desejava viver com a família por perto, aproveitou uma proposta para trabalhar numa fazenda agrícola, a Fazenda Dona Amélia, junto ao Pungo Andongo, perto de Cacuso.
Em pouco tempo, o Laurindo mostrou gratas qualidades e foi nomeado encarregado nessa Fazenda. Com a vida estabilizada, veio a Crestuma buscar a mulher e os dois filhos.
Viveu, então, alguns anos felizes. E foi ali que lhe nasceu o filho mais novo (27.09.1961). A cerca de 80 Km de Malange, onde a Bárbara esperava vir a ter a assistência médica desejável no parto, teve que se limitar à ajuda momentânea e inesperada da Mãe Nêga, uma velhinha muito experimentada na matéria. Mas a Bárbara, sempre serena, confiante e resistente, mostrou bem o calibre da sua raça.
Gratos às forças divinas, festejaram o baptismo do Zézito, precisamente no cume mais sagrado das Pedras Negras do Pungo Andondo, junto à Fonte dos Passarinhos, depois da cerimónia religiosa na capelinha.
Entretanto, convidaram o Laurindo para a grande Fazenda Cahombo, do grande empresário Manuel Vinhas, o dono da cerveja Cuca.
O Laurindo como anfitrião de um grupo de Furriéis que vieram ali caçar.
Estava no melhor das suas capacidades e gozando a estabilidade que sempre ansiou. Mandou “chamar” os cunhados Manuel, Joaquim e António (Neca, Quim e Tono).
O Neca, que era fundidor, ficou em Luanda e o Tono (carpinteiro) e o Quim (enfardador) foram se juntar ao Laurindo.
Faltava-lhe ainda concretizar um sonho: criar uma fazenda. E como conhecia bem a zona, chamou para sócios os dois cunhados, que ali viveram nessa fazenda. Deu-lhe o nome de Fazenda S. José, em homenagem ao filho mais novo, o 100% angolano. Tinha a água do Rio Céu e espaço arável mais que suficiente para o cultivo de girassol e de algodão. Caça também não faltava.
No seu início, o Laurindo construiu a casa com adobes de barro negro, feitos pelas suas próprias mãos e cobriu o telhado com chapas de zinco. Ainda sem casa, a família cozinhava à sombra de uma enorme figueira brava e dormia na carrinha Austin.
Esta carrinha viria a ser apelidada de “Carrelha dos Mausmosteiros”, em homenagem aos carros de bois que circulavam na rua da “Mãe Linda”, a matriarca da família dos “Do Estrada”. Já fora das picadas, a carrinha funcionou muito bem como galinheiro.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 27 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21115: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (16): A DGS boa ou má e outras siglas, ou Lembrando a resistência dos meus conterrâneos