domingo, 16 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2651: História de vida (10): A Luta Incessante de António Teixeira Mota (Carlos Vinhal)


António Teixeira Mota
Autor do livro Luta incessante
Edição de autor no ano de 2005
Neste livro, conta como conseguiu trazer de Angola para Portugal o corpo de seu pai



Algumas notas pessoais:

Curso Superior de Engenharia de Máquinas nos Pupilos do Exército,
Pós-Graduado em Marketing pelo Instituto Português de Administração de Marketing e em Master in Business Administration (MBA) pela Universidade Fernando Pessoa.
Trabalha desde 1988 numa empresa multinacional petrolífera.


A luta incessante de António Teixeira da Mota

Por Carlos Vinhal

Quando tanto se fala da trasladação dos nossos camaradas mortos em campanha, que por diversos motivos ficaram sepultados em terras africanas, vem a propósito falar de um caso exemplar, tanto a nível de acção como de concretização.

Justino Teixeira da Mota, 2.º Sargento de Transmissões embarcou no navio Vera Cruz, com destino a Angola, em 12 de Agosto de 1961, integrado na CCAÇ Esp. 266. Era casado, pai de um menino com dois meses de vida (o António) e de uma menina um pouco mais velha. Quis o destino que num acidente de viação, em 18 de Outubro de 1962, perto de Maquela do Zombo, perdesse a vida.



2.º Sargento de Transmissões Justino Teixeira da Mota da CCAÇ Esp 266




Em 27 de Outubro de 1962, o Comandante da CCAÇ 266, então capitão Ramiro Alves Correia de Oliveira, escreve à família comunicando o triste desenlace e após as palavras de circunstância, diz ficar a aguardar ordem da família para proceder à trasladação do corpo.

Entretanto, em 23 de Outubro já o Ministério do Exército através do Depósito Geral de Adidos (DGA)–Serviço de Passagens e Embarque avisava a família dos trâmites legais para habilitação a pensão de preço de sangue e trasladação do corpo.

Aqui começavam os problemas, pois num telegrama do mesmo Comandante do DGA, com data de 27 de Outubro, era pedido à família que para se proceder à trasladação, era necessário que fosse efectuado um depósito de 10 contos ou indicar um fiador idóneo. Que faz uma viúva com dois filhos de tenra idade nos braços? Por carência económica da família esta não procede à respectiva trasladação.


Recorte de um jornal que noticiava a morte do 2.º Sargento Mota




Telegrama onde a família é avisada de que terá de fazer um depósito de 10 contos para se proceder à trasladação do corpo



Passaram anos, o pequenino António faz-se rapazinho e, sendo filho de um Sargento, entra nos Pupilos do Exército onde se faz homem.

Lá, é contactado (reconhecido pelo nome e apelido que exibe na sua roupa) pelo então Sargento Velez, que lhe diz ter sido companheiro de seu pai na Campanha da Índia.

O Sargento Velez foi para o António, nas suas próprias palavras, durante algum tempo, o pai que nunca teve e que nunca conheceu.

Seguindo o percurso normal da vida, sai dos Pupilos e mais tarde cumpre o serviço militar como Aspirante a Oficial Miliciano. Nestes anos todos de convivência militar, conhece muita gente e movimenta-se com à vontade neste meio.

A vida foi correndo, enquanto o António mantinha um desejo secreto de recuperar o corpo de seu pai. Em 1995 a família recebe um convite, extraordinário, para participar no 13.º almoço/convívio da CCAÇ 266 a realizar em Lagoa no Algarve, nesse ano aberto aos familiares dos camaradas falecidos.

Em conversa telefónica com o capitão Fernando Brito Ramos, antigo companheiro de quarto de seu pai, recebe a confirmação de que o seu progenitor tinha sido encerrado, aquando da sua morte, numa urna de chumbo, para a eventualidade da sua trasladação imediata. Que estava sepultado no cemitério de Maquela do Zombo. Mais ficou a saber que os camaradas tinham mandado fazer uma lápide em mármore para identificar a sepultura, onde constava o seu nome e as datas de nascimento e de falecimento e as palavras “Homenagem de seus Camaradas”.

O António fez saber ao capitão Brito Ramos o desejo antigo de trazer para Portugal o corpo de seu pai. Precisava da sua ajuda. Foi-lhe respondido que o melhor seria pedir ajuda ao antigo Comandante da CCAÇ 266, o agora Coronel Ramiro de Oliveira.

No dia do convívio, o António em conversa com o antigo Comandante da CCAÇ Esp 266, ficou a saber que nunca os camaradas de seu pai tiveram conhecimento de que a trasladação não se tinha efectuado por dificuldades económicas da família. Tinha ficado no ar, entre eles, a ideia de que esta, pura e simplesmente, se tinha desinteressado.

Desconhecia o Coronel Ramiro de Oliveira também a existência do tal telegrama que exigia os 10 contos, pois se disso tivesse conhecimento na altura, entre os militares da Companhia teriam arranjado o dinheiro suficiente para o transporte dos restos mortais do Sargento Teixeira da Mota para a Metrópole.

Naquela hora ficou decidido tudo se fazer para se proceder à trasladação.

Para iniciar o processo, era preciso confirmar no cemitério de Maquela do Zombo se a campa estava em bom estado de conservação e devidamente assinalada, mas isto passa-se no auge da guerra civil em Angola entre o Governo regular e o movimento da UNITA, sendo que Maquela do Zombo era área controlada por este movimento.

Para não alongar muito a narrativa, conseguiu-se através de meios militares, contactar um Major búlgaro, de nome Alexander Alexandrov, comandante do Destacamento de Observadores Locais das Nações Unidas de Maquela do Zombo, integrado na UNAVEM (Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola), que se deslocou ao cemitério local para identificar e localizar a sepultura.

Assim o fez, elaborando e enviando relatório pormenorizado, acompanhado do mapa da cidade, planta do cemitério com o túmulo assinalado e algumas fotografias ao então Coronel João Afonso Bento Soares, seu superior hierárquico e Comandante da UNAVEM, que por sua vez encaminhou estes elementos para Lisboa.




Nesta foto o CEM da UNAVEM Coronel João Afonso Bento Soares junto à campa de Justino Teixeira da Mota, acompanhado de autoridades civis e militares de Maquela do Zombo.


Em 13 de Maio de 1995, António encontra-se de novo com o Coronel Ramiro de Oliveira e inteira-se dos elementos enviados a partir de Angola.
Daqui até ao Natal nada se fez.

Com a vinda a Portugal do Coronel Bento Soares, na quadra natalícia, acertaram-se os pormenores incluindo a entrega de uma procuração da família para a este Oficial Superior poder actuar livremente em Angola.

No dia 9 de Março de 1996 procedeu-se finalmente à exumação dos restos mortais do Sargento Justino Teixeira da Mota, que ficaram em Luanda, na Igreja do Carmo, até ao regresso definitivo a Portugal no dia 10 de Abril.

Finalmente, em 16 de Abril de 1996, quase 35 depois de ter embarcado para Angola, o Sargento Justino Teixeira da Mota regressa à sua terra natal, Amarante, onde o seu corpo finalmente repousa em paz no cemitério de Travanca.

Na freguesia onde nasceu, tem o seu nome registado em toponímia, tendo sido dado a um largo existente, o nome “Largo Sargento Justino Teixeira da Mota”, numa homenagem da Junta de Freguesia de Mancelos e da Câmara Municipal de Amarante.

Sua esposa, seus filhos, outros familiares e amigos poderão agora visitá-lo sempre que queiram.

Abstive-me de contar os pormenores que dão ao livro o seu principal interesse. Muita Fé, coincidências e ajudas inesperadas, de tudo é composta esta história que foi a concretização do sonho do António.

Hoje com mais de quarenta anos de idade, com família constituída, transmite a quem com ele fala, um sentimento de paz e harmonia interior, próprio de quem concretizou um sonho de menino.

Nem todos os sonhos são possíveis de realizar. Este, felizmente foi.



Capa do livro "Luta Incessante" onde António Teixeira Mota conta em pormenor como conseguiu resgatar o corpo de seu pai

Fotos (e legendas): © António Teixeira Mota  (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


António não quis guardar só para ele tanta alegria. Assim publicou em 2005 o livro "Luta Incessante" onde narra, ao pormenor, o seu esforço e o das pessoas que o ajudaram a trazer o seu pai para junto da família.

Parte da sua própria vida enquanto aluno dos Pupilos do Exército é também aflorada.

No fim presenteia o leitor com belíssimos poemas dedicados a seu pai que calam fundo a quem os lê, porque o sentimento de tristeza e saudade que emanam, não deixam ninguém indiferente. Deixo ao acaso, porque a escolha é difícil, quatro poemas.

Luta incessante

Nesta luta incessante
De te procurar
Também luto contra moinhos de vento,
Também com a minha espada
Desfaço castelos que existem no ar...
Nesta luta incessante
De te procurar
Vou continuar de luto
Até vencer
A minha luta de te encontrar...

Se pudesse

Se pudesse
Fazer a vida voltar atrás
E fazer com que tudo fosse diferente...
Se pudesse
Manter aquele barco parado no cais
Anular a tua viagem a Maquela
E não deixar tudo aquilo acontecer...
Ah, se pudesse
E se me fosse possível alterar o teu destino;
Regressava de novo ao ventre dela
E voltaria a nascer
Para ser outro menino.

Os teus amigos

Os teus amigos
Aqueles que te conheceram
Possuem de ti, algo para me dar.
Eu vou guardando dos teus amigos
As palavras, que me ajudam a ver
E a te encontrar.

A tua estátua

Fecho os olhos,
E com o que guardo do teu espólio
Com as palavras que ouvi
Ditas por outros,
Com o pouco que tenho
Com tudo aquilo que nunca vi;
Fecho os olhos
E faço uma estátua de ti...


Foi para mim um privilégio conhecer pessoalmente e conversar com o António Teixeira da Mota.
Li o seu livro, que aconselho vivamente, e fiquei mais rico interiormente.

Obrigado António

Carlos Vinhal

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