"A Cristina chegou a 18 de Abril e praticamente nunca saiu de Bissau a não ser umas curtas visitas a Safim, Nhacra e Quinhamel. Não podíamos, evidentemente, ir passear a quaisquer teatros de operações. Durante os praticamente 20 dias que ela aqui viveu, visitámos as amizades feitas em Bambadinca e Bissau e fomos recebidos regularmente pelo David Payne, Emílio Rosa e mulheres. Não resistíamos à curiosidade de andar pelos mercados, ver artesanato e pequenas festas locais. Muitas vezes, o Cherno acompanhou-nos, insistia que não havia pausas no seu papel de guarda-costas".
Foto: © Beja Santos (2007). Todos os direitos reservados
1. Mensagem de Joana Santos, com data de 20 de Dezembro:
Ao cuidado de Luís Graça
A pedido da minha Mãe, Maria Cristina Allen, remeto o texto "De Bissau com Amor", destinado à Tabanca Grande.
Com os melhores cumprimentos,
Joana Beja Santos
Ao cuidado de Luís Graça
A pedido da minha Mãe, Maria Cristina Allen, remeto o texto "De Bissau com Amor", destinado à Tabanca Grande.
Com os melhores cumprimentos,
Joana Beja Santos
2. As Nossas Mulheres (2) > Bissau em Lisboa, com amor
por Maria Cristina Allen
[Revisão de texto e negritos: L.G.]
Caro Luís Graça,
Há mais de duas semanas, o António Gonçalves, meu conterrâneo e amigo de sempre, ex-alferes miliciano combatente na Guiné, telefonou-me dizendo que tinha visto o meu retrato no Blogue, que vem seguindo atentamente.
Foi com surpresa que lá me encontrei e sinto-me honrada por me ter feito membro da vossa Tabanca Grande (*).
[Revisão de texto e negritos: L.G.]
Caro Luís Graça,
Há mais de duas semanas, o António Gonçalves, meu conterrâneo e amigo de sempre, ex-alferes miliciano combatente na Guiné, telefonou-me dizendo que tinha visto o meu retrato no Blogue, que vem seguindo atentamente.
Foi com surpresa que lá me encontrei e sinto-me honrada por me ter feito membro da vossa Tabanca Grande (*).
Do coração lhe agradeço a gentileza das palavras que escreveu a meu respeito. Eu não fiz nada, limitei-me a disponibilizar os aerogramas e cartas que me enviou, durante quase dois anos, o ex-alferes miliciano Mário Beja Santos, meu noivo e marido, com o intuito de o ajudar, agudizando a memória e a perspectiva cronológica de factos que, em Lisboa, muitas vezes me deixavam, então (e, porque não dizê-lo?) estarrecida.
Penso que muitas mulheres da nossa geração guardarão espólios idênticos, testemunhos da guerra que, da Guiné, como de outras terras do mundo africano, vinham perpassadas do quotidiano da luta pela impossível conservação de um Império que se desmoronava.
Meritória obra sua, a da criação de um blogue que faz o exorcismo libertador dos fantasmas da memória de homens, que, agora, põem por escrito as suas experiências.
Os americanos foram muito mais lestos no salutar tratamento das marcas do seu Vietname, mas eles não tinham estudado, nos bancos da escola, a geografia de “províncias ultramarinas”, nem tinham ouvido propalar que a “Pátria era una e indissolúvel” e que “a Pátria não se discute”, nem que não valia a pena chorar os mortos se os vivos não o merecessem.
Quanto à Guiné, direito secular português o do comércio de ouro e escravos e da ocupação territorial, mas também secular o desleixo, que, em pleno século XX, revelava o subdesenvolvimento. Suponho que todos nós vimos os meninos de Bissau estudando à luz dos candeeiros de rua e afugentando mosquitos (não foi por acaso que Amílcar Cabral sonhou o seu sonho, ao qual os seus continuadores ainda não souberam concretizar o rumo).
Porém, para além das diferenças ideológicas e da controvérsia, que ainda hoje subsiste, quanto à justeza daquela guerra, ela foi nossa, atravessando as nossas vidas em plena juventude. Penso que ninguém que lá tivesse estado, voltaria o mesmo que fora.
Penso que muitas mulheres da nossa geração guardarão espólios idênticos, testemunhos da guerra que, da Guiné, como de outras terras do mundo africano, vinham perpassadas do quotidiano da luta pela impossível conservação de um Império que se desmoronava.
Meritória obra sua, a da criação de um blogue que faz o exorcismo libertador dos fantasmas da memória de homens, que, agora, põem por escrito as suas experiências.
Os americanos foram muito mais lestos no salutar tratamento das marcas do seu Vietname, mas eles não tinham estudado, nos bancos da escola, a geografia de “províncias ultramarinas”, nem tinham ouvido propalar que a “Pátria era una e indissolúvel” e que “a Pátria não se discute”, nem que não valia a pena chorar os mortos se os vivos não o merecessem.
Quanto à Guiné, direito secular português o do comércio de ouro e escravos e da ocupação territorial, mas também secular o desleixo, que, em pleno século XX, revelava o subdesenvolvimento. Suponho que todos nós vimos os meninos de Bissau estudando à luz dos candeeiros de rua e afugentando mosquitos (não foi por acaso que Amílcar Cabral sonhou o seu sonho, ao qual os seus continuadores ainda não souberam concretizar o rumo).
Porém, para além das diferenças ideológicas e da controvérsia, que ainda hoje subsiste, quanto à justeza daquela guerra, ela foi nossa, atravessando as nossas vidas em plena juventude. Penso que ninguém que lá tivesse estado, voltaria o mesmo que fora.
Apesar das cartas do Mário, das visitas aos seus soldados mutilados em Lisboa, e do bom humor ácido do Major Cunha Ribeiro, gravemente acidentado, eu não estava preparada.
Na cidade, a vida aparentemente almofadada e facilitada por amigos do Mário e também meus, nada podia ocultar os abafados ruídos de combate a quinze quilómetros de distância, nem a visão dos feridos e emocionalmente perturbados no Hospital Militar.
Na companhia do Mário ou sem ele (internado ou já em Bambadinca), andava em bolandas, com as malas, de casa de amigos para o hotel; do hotel para a casa de amigos.
Na cidade, a vida aparentemente almofadada e facilitada por amigos do Mário e também meus, nada podia ocultar os abafados ruídos de combate a quinze quilómetros de distância, nem a visão dos feridos e emocionalmente perturbados no Hospital Militar.
Na companhia do Mário ou sem ele (internado ou já em Bambadinca), andava em bolandas, com as malas, de casa de amigos para o hotel; do hotel para a casa de amigos.
Repito que não foi fácil ter vivido em Bissau. A noiva radiante, que o Mário descreve no segundo volume do seu Diário da Guiné, depressa murcharia. Permitiu a sorte que se formasse, como reduto de consolo, uma tabancazinha de gente amiga, em passagem ou residente, militar e civil.
Relembro esses amigos:
(i) Rdo. Pe Afonso Lopes (falecido): Franciscano, Prior de Bissau“:
A minha guerra”, disse-me, “é complicada: tenho clientes dos dois lados".
(ii) Capelão Militar Manuel Gonçalves:
Franciscano, meu colega de curso, passava, por vezes, em Bissau. Tirou a fotografia que está no Blogue e muitas outras. Roubava, para mim, mangos doces ao Prefeito Apostólico!
(iii) Dr. David Payne Pereira (falecido) e sua mulher, Isabel:
Médico em Bambadinca e, posteriormente, em Bissau. Ele e a Isabel foram meus padrinhos e cederam-nos, por uns dias, a sua casa.
(iv) Eng.º Emílio Rosa e sua mulher, Elzira:
Padrinhos do Mário, também nos albergaram.
(v) Dr. Alexandre Carvalho Neto e a então sua mulher, Inês Santa Clara Gomes:
Foi o mestre de cerimónia do nosso casamento. Secretário de Spínola, teria hoje muito para contar. A sua boinazinha xadrez foi uma constante presença auxiliadora nas minhas andanças.
(vi) Dr. Pedro Jordão e a sua então companheira, Milú:
Conhecia-o da Faculdade e, em Bissau, ele trabalhava com Otelo. Conseguiram a façanha de transportar para ali um piano de cauda!
(vii) Dr. Carlos Brancamp Freire d’Orey (falecido):
Meu companheiro de estudos, que partiu para Genève para estudar Ciências Políticas. Regressado, foi para a Guiné. Todos os meses vinha a Bissau para levantar o dinheiro do seu batalhão. Sempre esperando transporte, andava às voltas com o grande e precioso saco, chegando a dormir com ele debaixo da cabeça, no dormitório improvisado numa sala do hotel. Cheguei a guardar esse saco no armário do nosso quarto.
(viii) S.A. Xisto de Bourbon de Bourbon-Parma Deux Siciles:
Fotojornalista. Teve a gentileza de nos ceder o seu próprio quarto. Por estranho acaso, ao tratar com o Alexandre do meu bilhete de regresso, no gabinete que antecedia o gabinete do então Brigadeiro Spínola, ouvi-o ser despedido numa gritaria bilingue, entremeada de palavrões em português. Uma história de napalm.
(ix) Senhor Quito Fogaça e sua mulher, Fernanda:
Ele, natural de Bissau, fora companheiro de escola do Nino, e ela, minha conterrânea. Tiveram a imensa bondade de me ceder toda a sua casa como se fosse minha. Estranhamente, após a prisão de Pintozinho (e de mais dois homens de negócios de Bissau) também o Quito foi preso e, passados dias, guardado em casa. Jamais esquecerei este generoso casal.
(x) Senhor Benjamim Lopes da Costa (falecido):
Enfermeiro Militar e, já liberto da tropa, empregado numa farmácia, trazia-me mimos e visitava-me em casa dos Fogaça. Trouxe-me, uma vez, uma galinha-do-mato que me fugiu, quando a pensava já morta, de pescoço pendente pela porta aberta do pátio. Perseguia-a, correndo. Com dinheiro na mão, nem sempre encontrava géneros.
(xi) Joana, a minha querida "bajuda”:
Era manjaca, media quase dois metros, e inventámos, juntas, uma linguagem gestual misturada do crioulo dela. Viu-me, um dia, chorar, e embalou-me como se eu fosse uma criancinha. Quando lhe disse que ia partir, atirou-se para o chão, num choro convulso. Queria que a trouxesse. O seu nome soava-me tão bem que chamaria Joana à minha primeira filha.
Se alguém se lembrar de pessoas que citei nesta minha lista, que as recorde como, então, foram. Por elitista que, em parte, pareça, grandes e pequenos estiveram no mesmo barco que os senhores da guerra balançavam.
Caro Luís Graça, as histórias de amor a que alude morrem, por vezes, mas de nada me arrependo. Ainda hoje voltaria a subir as escadas da pequena Catedral de Bissau, mesmo que fosse, apenas, para viver o primeiro dia da “estação das chuvas”. Um trovão enorme e seco, torrentes de água lavando tudo e, à noite, a visão transcendental e única de um céu riscado de relâmpagos, na luz azul-turquesa, feérica e metálica, como se um deus antigo revelasse a sua ira e escrevesse “basta!” na caligrafia da natureza, solta em fúria.
Bem-haja, Luís Graça, por ter-me ajudado a libertar de uma memória que trazia dispersa e reprimida.
A todos os Camaradas do Blogue e a todos os que o seguem, um Feliz Natal e um 2009 menos carregado do que aquilo que esperamos. Afinal, a nossa geração viu muitas coisas.
Maria Cristina Allen
2. Mensagem enviado por editor L.G. à Joana Santos, filha de Mário Beja Santos e de Maria Cristina Allen, logo na volta do correio,
Joana:
Transmita, por favor, à sua querida mãe o meu profundo agradecimento pelo magnífico texto que ela me acaba de enviar, e que me emocionou. É um privilégio que muito nos honra e sensibiliza...
Há tempos tomei a liberdade de lhe reservar um lugar especial na nossa Tabanca Grande (figura na nossa lista, na letra C, como Cristina Allen, como pode comprovar ao ler os elementos estáticos do blogue que constam na coluna do lado esquerdo): afinal de contas, temos 'convivido' com ela, através das cartas e dos textos do seu pai (agora em livro) ao longo destes últimos dois anos... Não podia imaginar como ela receberia esta proposta, um pouco abusiva... Fico feliz por ela se sentir bem, entre 'velhos amigos'...e não como simples figurante ou adereço de um grande drama humano que foi aquela guerra...
O seu depoimento, sobre a sua passagem por Bissau, é valiosíssimo: poucas mulheres têm dado a cara, a inteligência e o coração, para vir dizer, em público, que também estiveram, nesses anos de brasa, no Vietname português... Seguramente que lhe fez bem rearrumar as peças desse puzzle... Para mim, e para os meus camaradas que fazem todos os dias, desde Abril de 2004, esta estranha blogoterapia - estranha para as suas mulheres e companheiros, os seus filhos, os seus netos, os seus concidadãos... - é um formidável estímulo, um tremendo desafio, uma belíssima recompensa...
Vou a caminho do Norte (onde passo o Natal) mas faço questão de, o mais rapidamente possível, ser eu, Luís Graça, a editar, a comentar e a publicar o texto da sua querida mãe, texto esse que é revelador de uma grande elegância, sensibilidade, maturidade e talento...
Bem haja, Joana, por ter trazido até nós a sua mãe. Ela dá voz a muitas mulheres, de um lado e do outro do conflito, cuja papel tem sido escamoteado ou ignorado na história desta guerra, que foi um negócio sobretudo dos homens (como continua a ser a própria literatura e historiografia da guerra)...
(i) Rdo. Pe Afonso Lopes (falecido): Franciscano, Prior de Bissau“:
A minha guerra”, disse-me, “é complicada: tenho clientes dos dois lados".
(ii) Capelão Militar Manuel Gonçalves:
Franciscano, meu colega de curso, passava, por vezes, em Bissau. Tirou a fotografia que está no Blogue e muitas outras. Roubava, para mim, mangos doces ao Prefeito Apostólico!
(iii) Dr. David Payne Pereira (falecido) e sua mulher, Isabel:
Médico em Bambadinca e, posteriormente, em Bissau. Ele e a Isabel foram meus padrinhos e cederam-nos, por uns dias, a sua casa.
(iv) Eng.º Emílio Rosa e sua mulher, Elzira:
Padrinhos do Mário, também nos albergaram.
(v) Dr. Alexandre Carvalho Neto e a então sua mulher, Inês Santa Clara Gomes:
Foi o mestre de cerimónia do nosso casamento. Secretário de Spínola, teria hoje muito para contar. A sua boinazinha xadrez foi uma constante presença auxiliadora nas minhas andanças.
(vi) Dr. Pedro Jordão e a sua então companheira, Milú:
Conhecia-o da Faculdade e, em Bissau, ele trabalhava com Otelo. Conseguiram a façanha de transportar para ali um piano de cauda!
(vii) Dr. Carlos Brancamp Freire d’Orey (falecido):
Meu companheiro de estudos, que partiu para Genève para estudar Ciências Políticas. Regressado, foi para a Guiné. Todos os meses vinha a Bissau para levantar o dinheiro do seu batalhão. Sempre esperando transporte, andava às voltas com o grande e precioso saco, chegando a dormir com ele debaixo da cabeça, no dormitório improvisado numa sala do hotel. Cheguei a guardar esse saco no armário do nosso quarto.
(viii) S.A. Xisto de Bourbon de Bourbon-Parma Deux Siciles:
Fotojornalista. Teve a gentileza de nos ceder o seu próprio quarto. Por estranho acaso, ao tratar com o Alexandre do meu bilhete de regresso, no gabinete que antecedia o gabinete do então Brigadeiro Spínola, ouvi-o ser despedido numa gritaria bilingue, entremeada de palavrões em português. Uma história de napalm.
(ix) Senhor Quito Fogaça e sua mulher, Fernanda:
Ele, natural de Bissau, fora companheiro de escola do Nino, e ela, minha conterrânea. Tiveram a imensa bondade de me ceder toda a sua casa como se fosse minha. Estranhamente, após a prisão de Pintozinho (e de mais dois homens de negócios de Bissau) também o Quito foi preso e, passados dias, guardado em casa. Jamais esquecerei este generoso casal.
(x) Senhor Benjamim Lopes da Costa (falecido):
Enfermeiro Militar e, já liberto da tropa, empregado numa farmácia, trazia-me mimos e visitava-me em casa dos Fogaça. Trouxe-me, uma vez, uma galinha-do-mato que me fugiu, quando a pensava já morta, de pescoço pendente pela porta aberta do pátio. Perseguia-a, correndo. Com dinheiro na mão, nem sempre encontrava géneros.
(xi) Joana, a minha querida "bajuda”:
Era manjaca, media quase dois metros, e inventámos, juntas, uma linguagem gestual misturada do crioulo dela. Viu-me, um dia, chorar, e embalou-me como se eu fosse uma criancinha. Quando lhe disse que ia partir, atirou-se para o chão, num choro convulso. Queria que a trouxesse. O seu nome soava-me tão bem que chamaria Joana à minha primeira filha.
Se alguém se lembrar de pessoas que citei nesta minha lista, que as recorde como, então, foram. Por elitista que, em parte, pareça, grandes e pequenos estiveram no mesmo barco que os senhores da guerra balançavam.
Caro Luís Graça, as histórias de amor a que alude morrem, por vezes, mas de nada me arrependo. Ainda hoje voltaria a subir as escadas da pequena Catedral de Bissau, mesmo que fosse, apenas, para viver o primeiro dia da “estação das chuvas”. Um trovão enorme e seco, torrentes de água lavando tudo e, à noite, a visão transcendental e única de um céu riscado de relâmpagos, na luz azul-turquesa, feérica e metálica, como se um deus antigo revelasse a sua ira e escrevesse “basta!” na caligrafia da natureza, solta em fúria.
Bem-haja, Luís Graça, por ter-me ajudado a libertar de uma memória que trazia dispersa e reprimida.
A todos os Camaradas do Blogue e a todos os que o seguem, um Feliz Natal e um 2009 menos carregado do que aquilo que esperamos. Afinal, a nossa geração viu muitas coisas.
Maria Cristina Allen
2. Mensagem enviado por editor L.G. à Joana Santos, filha de Mário Beja Santos e de Maria Cristina Allen, logo na volta do correio,
Joana:
Transmita, por favor, à sua querida mãe o meu profundo agradecimento pelo magnífico texto que ela me acaba de enviar, e que me emocionou. É um privilégio que muito nos honra e sensibiliza...
Há tempos tomei a liberdade de lhe reservar um lugar especial na nossa Tabanca Grande (figura na nossa lista, na letra C, como Cristina Allen, como pode comprovar ao ler os elementos estáticos do blogue que constam na coluna do lado esquerdo): afinal de contas, temos 'convivido' com ela, através das cartas e dos textos do seu pai (agora em livro) ao longo destes últimos dois anos... Não podia imaginar como ela receberia esta proposta, um pouco abusiva... Fico feliz por ela se sentir bem, entre 'velhos amigos'...e não como simples figurante ou adereço de um grande drama humano que foi aquela guerra...
O seu depoimento, sobre a sua passagem por Bissau, é valiosíssimo: poucas mulheres têm dado a cara, a inteligência e o coração, para vir dizer, em público, que também estiveram, nesses anos de brasa, no Vietname português... Seguramente que lhe fez bem rearrumar as peças desse puzzle... Para mim, e para os meus camaradas que fazem todos os dias, desde Abril de 2004, esta estranha blogoterapia - estranha para as suas mulheres e companheiros, os seus filhos, os seus netos, os seus concidadãos... - é um formidável estímulo, um tremendo desafio, uma belíssima recompensa...
Vou a caminho do Norte (onde passo o Natal) mas faço questão de, o mais rapidamente possível, ser eu, Luís Graça, a editar, a comentar e a publicar o texto da sua querida mãe, texto esse que é revelador de uma grande elegância, sensibilidade, maturidade e talento...
Bem haja, Joana, por ter trazido até nós a sua mãe. Ela dá voz a muitas mulheres, de um lado e do outro do conflito, cuja papel tem sido escamoteado ou ignorado na história desta guerra, que foi um negócio sobretudo dos homens (como continua a ser a própria literatura e historiografia da guerra)...
Um bj para si e para a sua mãe. Espero que um dia destes nos possamos conhecer pessoalmente. Um terno e doce Natal para a Joana e para a Cristina.
PS - Dou conhecimento, directo, da nossa troca de mensagens aos meus co-editores, CV e VB. Esta é, de resto, a caixa de correio electrónico da nossa Tabanca Grande, administrada pelos três, tal como o blogue.
3. Comentário de L.G.:
A escassas horas da consoada de 2008, aqui na Madalena, Vila Nova de Gaia, ao pé das minhas mulheres (e dos meus homens), não posso deixar, a pretexto do texto da Cristina que me tocou - nos tocou, a todos nós, camaradas da Guiné - de fazer um simples referência a outro momento alto que aconteceu aqui, no nosso blogue, no dia 22 de Dezembro: refiro-me ao poste do Virgínio Brite, justamente sobre as "nossas mulheres" (***).
As palavras que ele põe na boca do seu alter ego, o Alf Mil Comando Gil Duarte, todos nós gostaríamos de as ter escrito... O VB sabe dar um toque muito especial, intimista, delicado, sedutor, à sua escrita quando fala das mulheres... É um homem, contido, mas de grande sensibilidade e inteligência emocional, que de vez em quando nos surpreende com belíssimos textos... Este não pode deixar de ser evocado no dia da apresentação, à nossa Tabanca Grande, da Cristina Allen, uma das "nossas mulheres" que também esteve casada com a Guiné (com a particularidade, seguramente rara, de se ter casado, em tempo de guerra, em Bissau, com um camarada nosso, com quem partilhou a breve lua de mel que as circunstâncias então permitiram).
Tomo a liberdade de transcrever aqui dois ou três páragrafos, em homenagem a ele, o nosso querido amigo e co-editor VB, e a elas, as nossas mulheres...
"As nossas Mulheres. As que nos acompanharam desde os bancos das escolas. Que viveram, com a Cruz na parede das salas, com o olhar severo e crítico dos Pais, sempre presentes ao jantar, e o olhar benevolente e compreensivo das Mães, presentes o dia todo.As nossas Mulheres. Amantes, de beijos roubados às portas das casas, de um sôfrego respiro de ânsias e desejos difíceis de esconder.As nossas Mulheres. Que nos acompanharam com linhas escritas com lágrimas, em aerogramas de saudade e esperança numa vida que diziam estar, mesmo aqui, ao lado da esquina, amanhã, o mais tardar. De tão jovens, algumas não aguentaram tanta separação. Quem lhes leva a mal, que a vida é curta e a Guiné estava tão longe.
"As nossas Mulheres. Que nos recolheram, exaustos de uma vida tão mal vivida, e nos ensinaram de novo a vivê-la.
"As nossas Mulheres. Que foram dando à luz e criando, quantas vezes sós, os filhos de uma geração desperdiçada, tantas vezes com os companheiros ausentes e desinteressados.Às nossas Mulheres, às que estiveram nos Terreiros do Paço a receberem medalhas e a todas as Mulheres da nossa geração, que de uma ou outra forma, compartilharam a nossa vida" (...).
_________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 8 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3422: O Tigre Vadio, o novo livro do Beja Santos (2): O exemplar nº 1, autografado, dedicado à malta do blogue
(...) "Penso que é chegada a altura de homenagear aqui a Cristina Allen, a ex-esposa do nosso camarada Beja Santos, e mãe das suas duas filhas. Foi graças à preservação e à posterior cedência das cerca de 500 cartas e areogramas que ele lhe mandou, que o nosso amigo e camarada Mário Beja Santos pôde escrever este e o anterior livro sobre a sua experiência humana e militar na Guiné (1968/70). Ao longo de dois anos, a Cristina esteve de tal maneira presente no nosso blogue, que vamos agora ter saudades dela, e sentir o vazio que será a sua ausência no futuro. Para compensar ou prevenir essa perda, tomo a liberdade de anunciar que é uma honra, para nós, tê-la como membro da nossa Tabanca Grande. Seja bem vinda, Cristina!" (...)
(**) Boa parte do livro do Beja Santos, Diário da Guiné: 1969-11970: O Tigre Vadio (Lisboa: Cícrculo de Leitores; Temas & Debates, 2008), gira à volta da Cristina Allen e as peripécias do seu casamento, em Bissau, com o Beja Santos...
Vd. postes de:
21 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2123: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (2): Não te esqueças de me avisar que já sou teu marido
29 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2595: Operação Macaréu à Vista - II PARTE (Beja Santos) (22): Meu amor, vai acabar entre nós este Oceano!
28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2693: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos (25): A festa do meu casamento, 7 de Fevereiro de 1970
4 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2720: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (26): Cartas de amor e de amizade
27 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2797: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (29): Lá estarei em Bissalanca à tua espera!
30 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2902: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (33): A correspondência epistolar na véspera do meu casamento
27 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2990: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (36): Um memorável batuque, em Bissau, na Mãe de Água, em honra da Cristina
6 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3027: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (37): Com baixa psiquiátrica, no Hospital Militar de Bissau
11 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3048: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (38): No HM241, em Bissau, voando sobre um ninho de jagudis
21 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3078: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (39): Adeus, até ao meu regresso
(***) Vd. poste de 22 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3662: As Nossas Mulheres (1): As que casaram com...a Guiné (Virgínio Briote)
PS - Dou conhecimento, directo, da nossa troca de mensagens aos meus co-editores, CV e VB. Esta é, de resto, a caixa de correio electrónico da nossa Tabanca Grande, administrada pelos três, tal como o blogue.
3. Comentário de L.G.:
A escassas horas da consoada de 2008, aqui na Madalena, Vila Nova de Gaia, ao pé das minhas mulheres (e dos meus homens), não posso deixar, a pretexto do texto da Cristina que me tocou - nos tocou, a todos nós, camaradas da Guiné - de fazer um simples referência a outro momento alto que aconteceu aqui, no nosso blogue, no dia 22 de Dezembro: refiro-me ao poste do Virgínio Brite, justamente sobre as "nossas mulheres" (***).
As palavras que ele põe na boca do seu alter ego, o Alf Mil Comando Gil Duarte, todos nós gostaríamos de as ter escrito... O VB sabe dar um toque muito especial, intimista, delicado, sedutor, à sua escrita quando fala das mulheres... É um homem, contido, mas de grande sensibilidade e inteligência emocional, que de vez em quando nos surpreende com belíssimos textos... Este não pode deixar de ser evocado no dia da apresentação, à nossa Tabanca Grande, da Cristina Allen, uma das "nossas mulheres" que também esteve casada com a Guiné (com a particularidade, seguramente rara, de se ter casado, em tempo de guerra, em Bissau, com um camarada nosso, com quem partilhou a breve lua de mel que as circunstâncias então permitiram).
Tomo a liberdade de transcrever aqui dois ou três páragrafos, em homenagem a ele, o nosso querido amigo e co-editor VB, e a elas, as nossas mulheres...
"As nossas Mulheres. As que nos acompanharam desde os bancos das escolas. Que viveram, com a Cruz na parede das salas, com o olhar severo e crítico dos Pais, sempre presentes ao jantar, e o olhar benevolente e compreensivo das Mães, presentes o dia todo.As nossas Mulheres. Amantes, de beijos roubados às portas das casas, de um sôfrego respiro de ânsias e desejos difíceis de esconder.As nossas Mulheres. Que nos acompanharam com linhas escritas com lágrimas, em aerogramas de saudade e esperança numa vida que diziam estar, mesmo aqui, ao lado da esquina, amanhã, o mais tardar. De tão jovens, algumas não aguentaram tanta separação. Quem lhes leva a mal, que a vida é curta e a Guiné estava tão longe.
"As nossas Mulheres. Que nos recolheram, exaustos de uma vida tão mal vivida, e nos ensinaram de novo a vivê-la.
"As nossas Mulheres. Que foram dando à luz e criando, quantas vezes sós, os filhos de uma geração desperdiçada, tantas vezes com os companheiros ausentes e desinteressados.Às nossas Mulheres, às que estiveram nos Terreiros do Paço a receberem medalhas e a todas as Mulheres da nossa geração, que de uma ou outra forma, compartilharam a nossa vida" (...).
_________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 8 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3422: O Tigre Vadio, o novo livro do Beja Santos (2): O exemplar nº 1, autografado, dedicado à malta do blogue
(...) "Penso que é chegada a altura de homenagear aqui a Cristina Allen, a ex-esposa do nosso camarada Beja Santos, e mãe das suas duas filhas. Foi graças à preservação e à posterior cedência das cerca de 500 cartas e areogramas que ele lhe mandou, que o nosso amigo e camarada Mário Beja Santos pôde escrever este e o anterior livro sobre a sua experiência humana e militar na Guiné (1968/70). Ao longo de dois anos, a Cristina esteve de tal maneira presente no nosso blogue, que vamos agora ter saudades dela, e sentir o vazio que será a sua ausência no futuro. Para compensar ou prevenir essa perda, tomo a liberdade de anunciar que é uma honra, para nós, tê-la como membro da nossa Tabanca Grande. Seja bem vinda, Cristina!" (...)
(**) Boa parte do livro do Beja Santos, Diário da Guiné: 1969-11970: O Tigre Vadio (Lisboa: Cícrculo de Leitores; Temas & Debates, 2008), gira à volta da Cristina Allen e as peripécias do seu casamento, em Bissau, com o Beja Santos...
Vd. postes de:
21 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2123: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (2): Não te esqueças de me avisar que já sou teu marido
29 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2595: Operação Macaréu à Vista - II PARTE (Beja Santos) (22): Meu amor, vai acabar entre nós este Oceano!
28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2693: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos (25): A festa do meu casamento, 7 de Fevereiro de 1970
4 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2720: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (26): Cartas de amor e de amizade
27 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2797: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (29): Lá estarei em Bissalanca à tua espera!
30 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2902: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (33): A correspondência epistolar na véspera do meu casamento
27 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2990: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (36): Um memorável batuque, em Bissau, na Mãe de Água, em honra da Cristina
6 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3027: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (37): Com baixa psiquiátrica, no Hospital Militar de Bissau
11 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3048: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (38): No HM241, em Bissau, voando sobre um ninho de jagudis
21 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3078: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (39): Adeus, até ao meu regresso
(***) Vd. poste de 22 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3662: As Nossas Mulheres (1): As que casaram com...a Guiné (Virgínio Briote)
4 comentários:
Li com muita atenção todos os textos que estão neste "post" e não consegui evitar que rolassem pela face algumas gotas quentes.
Mas sinto que fazem bem! Dão mais força, mais sentido à determinação que é necessário estar possuido para enfrentar o futuro próximo. É bom ir buscar essa força às raízes das nossas vidas pessoais mas também às "achegas" que nos veem dos testemunhos de outros.
Obrigado.
Hélder Sousa
Queria parar um pouco. Queria só ler o que neste Blogue é escrito Mas não consegui. Que maravilhoso começo de Dia de Natal.Fui lendo, deslizando, sentindo-me embalar nas palavras, as recordações a virem...a sentir, na maravilhosa discrição do texto, o estar lá. Os Comentários a darem ainda mais força- os do Luís ou do Vírginio- e a ultima frase; - Afinal,a nossa geração viu muitas coisas... Efectivamente, digo eu e, se me permitem, vive hoje aqui neste Grupo, ali noutro ou além... em Amizade, em troca de Afectos,ou só em palavras trocadas,mas,propiciadoras de tornarem o inicio ou o Dia de Natal em Hino de Amor. Amoleci em espírito ou a vida inflectiu ,um pouco, o sentido? Ofereceram-me uma Canção com um Poema lindo em ante véspera de Natal e hoje,que melhor começo de Natal? Por mim, certamente por tantos, que estas Vossas palavras todas vão ler - Obrigado á Cristina Allen, a sua Filha, aos meus queridos Editores deste espaço de encanto... a todas as Mulheres, a todos os Homens que por aqui vão passando um abraço e um beijo com todo o meu afecto. TM
Mensagem da Joana para o editor do blogue, com data de 25 de Dezembro:
Caro Luís Graça,
Muito obrigada pelos votos de Boas Festas, que retribuo.
Já tive ocasião de mostrar à minha Mãe os comentários ao seu texto, que muito a sensibilizaram.
Ela em breve escreverá e eu cá estarei para lhe fazer chegar outras memórias.
Cumprimentos a todos os que se dirigiram à minha Mãe.
Joana Beja Santos
Mensagem recebida na nossa caixa de correia, e de que já foi dado conhecimento à Cristina Allen:
Assunto - Quito Fogaça e Fernanda
Boa noite,
Estava eu a pesquisar alguma informação sobre a vida dos meus avós maternos na Guiné Bissau, nomeadamente a dedicação do meu avô ao hóquei em patins, quando no vosso blogue verifiquei uma mensagem de agradecimento para eles.
Gostaria de saber quem é o remetente, para que possa dizer aos meus avós quem é esta maravilhosa pessoa que não esquece antigos amigos.
Hoje em dia eles já não são casados, mas vivem felizes, cada um na sua casa, com as respectivas famílias. Quem escreveu a mensagem deve também ter conhecido a minha mãe, a Filomena, na altura certamente muito nova ou bebé, assim como os meus primos e tios.
O meu avô Quito continua atlético, cheio de vida e de força, mesmo depois de dois acidentes de mota, pois pensa que ainda é um jovem radical...Depois de sairem da Guiné, ele casou com uma senhora espanhola, a Isabel, e tem hoje duas lindas filhas, minhas tias, mais novas que eu.
Isto emociona-me muito, e se possível, gostaria de manter o contacto entre vocês.
Aqui deixo o meu os meus contactos. Embora eu tenha casado o ano passado e vindo para Leiria, eles vivem na zona de Sintra.
email: riokwanza@hotmail.com
telemóvel (...)
Um grande beijinho, e espero até breve.
Alexandra Vanessa R. Fogaça Cerqueira
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