1. Mensagem de António Tavares* (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72, com data de 8 de Abril de 2010:
Caro Vinhal,
Os artistas de fotografias dizem que num retrato o primeiro olhar é para a cara e depois para pequenos pormenores…
Nesta foto, que foi das primeiras tiradas em Galomaro, os pormenores era o bigode e o camuflado ainda novo em folha!
Não tinha ido à mão das nossas queridas lavadeiras… bajudas de preferência! Bem depressa estragavam a nossa roupa.
Camuflado comprado a prestações nas O.G.F.E., Sucursal do Porto, na Rua da Boavista 216.
A compra de roupas, gasolina e produtos dos ex-supermercados da MM - especialistas em massas, farinhas, bolachas -, a prestações era um privilégio dos Oficiais e Sargentos.
Comiam, bebiam, vestiam-se e ao fim do mês lá aparecia uma pequena importância a pagar aquilo que já tinha sido gasto no tempo. Enfim… regras em uso...
Enquanto tive esse privilégio também comprei alguns artigos militares a crédito… e a pronto pagamento vestuário civil… recordo um casaco de antílope!
Os artigos em pele eram muito cobiçados porque havia/há uma grande diferença de preços e qualidade em relação ao comércio tradicional.
As O.G.F.E. ou CASÃO MILITAR tinham/têm dos melhores artigos do mercado nacional!
Tinham um senão… eram muitos os Galões e Estrelas que por lá se viam!
Outra vantagem (?) - era deixar de pagar as prestações em divida em caso de morte do militar… como o meu destino era a Guiné aproveitei a regalia… comprei o equipamento necessário ao militar mobilizado… comecei a descontar a despesa em Junho de 1970.
Feitas as contas, à moda do Porto, o total foi descontado em 11 prestações.
Não recordo como aceitei a sugestão… o certo é que aprovei tal convite!
O macabro conselho tem a sua graça decorridos 40 Anos!
Felizmente tive alguém - (leia-se: um Deus) - que se interessou pela minha pessoa durante os 23 meses passados nas matas da Guiné… naquela brutal guerra!
Além das ditas prestações descontavam o valor da minha Pensão. O que recebia, na Guiné, era superior à média do Pré dos Praças e abaixo do Vencimento Base - 3.800$00 - dos Alferes Milicianos.
O pessoal do Quadro Permanente recebia quase o dobro dos Milicianos.
Os Praças recebiam o Pré, os Oficiais e Sargentos o Vencimento!
O meu Pai ia mensalmente ao Quartel do RI 6, na Senhora da Hora, Porto, levantar a minha Pensão.
Os Pais… sempre disponíveis para ajudar os seus filhos!
Era custosa aquela deslocação quer no aspecto psicológico quer a viagem propriamente dita porquanto ao tempo - 1970/72 - não havia muitos transportes para aquele quartel!
Quem conhece o RI6 facilmente imaginará as dificuldades no trajecto.
Dos 21 Boletins de Vencimentos, que guardo religiosamente, publico o do mês de Abril de 1971 porque confirma tudo o que acima escrevi e porquanto foram os últimos Valores dos Descontos dos Adiantamentos e das ditas Prestações.
Recordem os diversos Abonos: - Vencimento Base ou Pré e Read.; Vencim. Complementar; Subvenção Campanha; Gratificação Isolamento; Gratificação de Serviço; Alimentação; Subsídio Renda de Casa; Abono Família; Ajudas de Custo e Grat.: Rep .Acum. ou F. Esp.
Abonos não faltavam… para alguns!
Escrevo propositadamente os valores na antiga moeda: - Escudo em Portugal Continental; Pesos na Guiné.
Em 1970/72 o Escudo valia mais 10% do que o Peso, ou seja, trocávamos uma nota de 500$00 Escudos por 550$00 Pesos.
Lembremos que 200,482 Escudos equivalem a 1€.
Os manuais: - I e II Caderno do Soldado (Folheto da 1.ª Rep/EME) dizem:
A Pensão de Família era diferente da Subvenção de Família, esta destinada às famílias das Praças que obedecessem a umas certas condições, digo eu, de miséria….
A Pensão de Família podia ir até 2/3 do vencimento no Ultramar, incluindo abonos especiais que lhe possa vir a ser concedidos a título transitório.
Tinha início a partir do mês seguinte àquele em que o militar embarcava para o Ultramar.
Todo o militar nomeado para serviço no Ultramar e por conta do seu vencimento podia estabelecer a pensão.
A pensão é estabelecida mediante simples declaração do interessado, feita em papel de 35 linhas e à máquina e apenas em original.
O quantitativo e o beneficiário podem ser alterados por simples declaração, tudo se passando como se tratasse de uma nova pensão.
Esta é uma história real escrita por um dos muitos milhares de ex-combatentes… diferente nas pessoas, quantitativos e patentes… Histórias sempre associadas à guerra de guerrilha vivida e sofrida, de 1963 a 1974, na mártir Guiné.
Este escrito teve entre outras vantagens o recordar o valor total recebido durante a Comissão no Ultramar… a Guiné Portuguesa, como se dizia!
Clicar para ampliar a imagem
Um abraço do
António Tavares
Ex-Fur Mil SAM
Foz do Douro, 08 de Abril de 2010
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 31 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6082: Os nossos regressos (20): A impressionante chegada a Figo Maduro na noite de 22 de Março de 1972 (António Tavares)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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11 comentários:
Os meus parabens pela tua estória, especialmente pelo teu recibo, que eu vi nenhum, não se era papel de jornal, folha de palmeira ou de mangueiro era receber e gastar o necessário.
Um forte abraço
Fernando Chapouto
Ex Furr. Milic.O.P.
Caro Camarada
Bela recordação que nos trazes, pois o teu relato histórico é um pouco o de todos nós. Nesse tempo, só faltou debitarem-nos as munições e a G3. Em Lisboa era no velho Casarão Militar que iamos adquirir o fardamento, lá para os lados de S. Vicente onde se faz a famosa feira da ladra.
A tua descrição do vencimento é um hino á descreminação daquele tempo e a publicação do recibo de vencimento julgo ser um inédito que poucos o podem exebir.
Um abraço
Mário Pinto
Caro Amigo António Tavares
Pelo recibo presente o meu amigo ganhava só em subvenção de campanha
mais do que eu ganhava de pré durante todo o tempo que estive na Guiné como 1º cabo aux. enfermagem. Desse pré tinha obrigatóriamente de deixar metade na metrópole para sustentar 2 filhos que cá deixei. Quando a minha esposa foi solicitar auxílio ao Famigerado Movimento Nacional Feminino a resposta que levou é que fosse trabalhar (para pagar à ama que ficasse a tomar conta das crianças).Quanto a transportes para que morava na Foz, e não sei se o seu pai morava, ainda tinha o 88 que passava junto ao RI6. E quem morava no Bonfim? tinha que apanhar um eléctrico até ao Bolhão e depois apanhar o 6 até ao Monte dos Burgos e descer a Circunvalação até ao RI6 a pé. Isto em 66/68. Quanto à M.M os supermercados já fecharam à muitos
anos e quanto a Oficinas julgo que a do Porto encerrou.Pelo menos fizeram uma coisa boa. Ofereceram a mão de obra gratuita para fazerem as fardas dos Bombeiros Voluntários do Porto em 74/75.
Armandino Alves
Caro camarada Antonio Tavares
Essa de descontar o fardamento de facto não lembrava o Camões, mas o tempo vai passando e vamo-nos esqueçendo, somos feitos desta massa.
E ainda hoje os policias se queixam de ter de pagar alguns artigos de uso em serviço, nós sem querer tinhamos que pagar para ir para a guerra, como se fosse de nossa vontade, tinhamos de engolir, mas agora os tempos são outros e como é possivel os policiais irem nesta treta, façam barulho, abandonem os lugares de vigia aos politicos, para eles sentirem o c. apertado, então assim pode ser que haja volta, o que isto está a precisar é de barulho, nisto e noutras coisas.
Um abraço Rogerio
Caros camaradas
Como portuguesinhos que somos, gostamos de nos queixar de tudo e de todos.
Convém aqui referir o que o António Tavares não disse, que os sargentos e oficiais recebiam um adiantamento para comprar o fardamento. No caso dos sargentos, há época, era de cerca de 3.600$00.Essa importância era descontada posteriormente em 11 prestações mensais, nada que não se pudesse suportar. Quem comprou casacos de pele, botas de montar, blusão de cabedal e chapéu de pala, claro que teve de suportar as despesas. Para o fardamento normal o dinheiro dava.
Porque gosto de tudo direitinho, o meu primeiro ordenado da Guiné em Junho, com efeitos retroactivos a Abril foi o seguinte:
Abonos
Venc. base 3.900$00+Venc Compl 4.440$00+Subv campanha 1.628$00+Gratif de isolamento 858$00+Ajudas de custo 144$00 = 10.970$00
Descontos
Adiantamentos 630$00+Pensão 6.400$00.
Recebi limpinhos como água, 3.929$00, que convenhamos, para a época, era uma quantia simpática.
Nos meses normais, já com um aumento de vencimento base, os Abonos eram pela mesma ordem: 2.600$00+1.800$00+880$00 = 5.280$00
Descontos:
Adiantamento 300$00+OGFLisboa 104$00+Pensão 3950$00 = 4359$30
Ficavam para gastos 920$70.
Quando se acabaram as dívidas ficavam para gastos 1.324$70
Comparada a nossa situação económico-financeira com a dos Soldados e Cabos, por amor de Deus, se nos lamentamos, que hão-de dizer eles.
Abraços
Vinhal
Camaradas
Já agora um aditamento.
Eu descontava o máximo para a metrópole, os tais 3.950$00, chamados de Pensão. Claro que o dinheiro com que ficava não chegava para as encomendas, mas de vez em quando pedia para casa valores declarados, em escudos, que transformados em pesos davam mais 10% como o Tavares já referiu.
Ab
Vinhal
Agora estou um pouco baralhado. Pergunto eu, mesmo com o adiantamento não tinhamos de o pagar em 11 prestações? No meu caso como foi em 1963, ou seja á quase meio século, muito coisa me pode passar. Lembro-me que recebia no total 3.600.00, deixava como pensão para a minha mulher 2.600.00, isto foi em 64/65.Os praças era uma miséria, na altura tenho a impressão que os soldados recebiam á volta de mil e poucos escudos.
RC
Caros Camaradas
Eu não tenho bem a certeza, pois não sou da categoria dos Sargentos ou Oficiais, mas pelo que ouvia dizer, isto em 65/66 os Furriéis tinham que pagar a Farda nº 1 que era a farda das Paradas e saídas para fora do quartel. As fardas de trabalho eram fornecidas pelo exército.Mas esses ainda tinham recibos onde podiam consultar os descontos. E os Cabos e Praças ?
Esses nem sequer sabiam quanto era o ordenado nem para que descontavam.No dia do pré o Sargento sentava-se atrás de uma mesa com o caderno de pagamentos, chamava o nome do soldado que avançava batia a pala e ele estendia-lhe o dinheiro e punha um
visto à frente do nome.(Na recruta
no 1º mês recebi $30- Três Tostões e n0 2º $80-oito tostões e bico calado. Sabiam que quando um soldado vinha a casa a fim de semana descontava mais para o rancho do que se comesse lá. E quem é que se governava com isto. Os soldados não eram.
Quanto ao Camarada RC deve estar confundido pois nem em 66-67-68 os Cabos recebiam isso. O Ordenado de um Cabo na Guiné era de 810$00 e se fosse da Especialidade de Enfermagem. Transmissões e salvo erro Mecânico tinha a acrescentar um prémio de 150$00.Por isso a miséria ainda era maior
Armandino Alves
Caros camaradas
Eu era 1º cabo condutor e se não estou em erro recebia 960 pesos já com prémio de viatura.
Mas se me recordo nós éramos obrigados a deixar uma parte do pré cá.
Não sei qual a percentagem.
Só me lembro que comprava tabaco para o mês inteiro, bebia umas cervejas e quando ia a Bafatá acabava com o resto.
Em algumas companhias era permitido comprar a crédito na cantina dos praças até um certo valor, coisa que não acontecia em Galomaro por não ser permitido.
O restaurante do Libanês viu-me muitas vezes entrar direito e sair torto .
Um abraço
Juvenal Amado
Camaradas
Parece que não me fiz perceber.
Eu não disse que não se pagava o enxoval. Só quis dizer que não tínhamos de desembolsar na hora o nosso dinheiro, nem ficar a dever às OGF ou MM. Também quis dizer que o subsídio bem gerido dava para comprar o necessário.
Eu por exemplo fiquei (paguei o valor residual) de um par de botas de cabedal, duas camisas, gravata, blusão, divisas, fardas n.º 2 e 3, entre outras coisas. Comprei para levar dois pares de botas de lona, duas fardas camufladas, divisas de furriel, camisas de manga curta, pano para fazer umas calças e uns calções para a farda n.º 2, meias altas, sacos de lona para transporte de coisas pessoais e sei lá que mais. Fui ainda ao Costa Braga da Rua de Santo António e comprei uma boina à maneira. Depois disto tudo acho que ainda me sobrou dinheiro.
Quanto à farda n.º 1 era só obrigatória para o pessoal do Q.P. Nós, para tirarmos a foto para o BI íamos a um alfaiate e alugávamos o casaco e o boné. Nada mais fácil.
Um abraço
Vinhal
Camaradas
Por motivos vários só hoje cheguei aqui, mas mais vale tarde do que nunca.
Também eu andei pelos "Casões Militares, de Lisboa e Porto" a comprar o enxoval, desde Agosto de 1969, por causa da chamada para o CPC e depois a completá-lo nos finais de Janeiro de 1970, quando já tinha o Bilhete para as "férias" marcado.
Não sei se comprei a pronto se a prestações.
Agora aí vai um apontamento que resistiu ao tempo, referente ao mês de Junho:
"Total Abonos 13900$00
Total descontos 8967$00
A receber 4932$00
Nos abonos estão incluidos 4000$00relativos aos abonos de família (já tinha os 4 filhos) de Março Abril, Maio,Junho.
Vencimentos a receber em Agosto em virtude do aumento
Março-Julho 10500$00
Fev. 1326$00
-----------------------
11826$00
Desc. Cx G Apos -710$00
I. Selo -12$00
-----------------------
A receber 11104$00
Recordo-me que devo ter guardado "religiosamente" os recibos, porque se regressásse, como felizmente regressei, tinha depois de estar documentado para se algo de anormal acontecesse nos meus descontos para a Caixa Geral de Aposentações, como realmente aconteceu.
Quando esse problema ficou resolvido, então sim, destrui-os.
Abraços
Jorge Picado
ex-Cap Mil (Hoje faço este aditamento para calcularem os proventos dos 3 galões estreitos)
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