terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7704: Notas de leitura (197): Ordem Para Matar, de Queba Sambu (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Janeiro de 2011:

Queridos amigos,
Não é fácil ler uma obra que está polvilhada de erros, gralhas e frases incompreensíveis, o livro deve ter sido feito à pressa e publicado sem revisão.
A ser tudo verdade o que aqui se diz, não restam dúvidas que o povo guineense é de um paciência ilimitada com os ditadores e os seus carrascos que não param de nos surpreender com toda a classe de barbaridades. Não se pode estudar a história da Guiné-Bissau desviando o olhar do tenebroso processo contra Paulo Correia, não é possível compreender Nino Vieira e os seus cortesãos sem inserir esta tentativa de actos bombistas em Lisboa, numa época em que o regime prometia alguma abertura.

Um abraço do
Mário


Episódios de terror e despotismo nos tempos de Luís Cabral e Nino Vieira*

Beja Santos

O tenente-coronel Queba Sambu, especialista em contra-informação, militante do PAIGC com provas dadas durante o período da luta, na região de Catió, responsável pelos serviços secretos nos tempos de Luís Cabral e sobretudo de Nino Vieira, deixa-nos um testemunho brutal sobre as arbitrariedades e os actos torcionários inenarráveis perpetrados ao tempo destes dois ditadores: “Dos Fuzilamentos ao caso das bombas da Embaixada da Guiné”, por Queba Sambu, Edições Referendo, 1989. No primeiro texto, referiu-se a participação do autor durante a guerra da libertação, a sua formação em segurança, na União Soviética, o clima político, económico e social na Guiné-Bissau entre a independência e o golpe de 14 de Novembro de 1980 e a sua actividade na chefia dos serviços de contra-informação das Forças Armadas. É nessa funções que ele se apercebe da existência de sucessivas maquinações, boatos orquestrados de sedições e intrigas de palácio contra os quadros políticos e militares da etnia balanta. O alvo principal era o coronel Paulo Correia, uma das principais figuras do vértice da pirâmide, do poder de então. Tem interesse acompanhar a desmontagem destes falsos golpes de Estado que será uma constante durante os anos 80: desde difamações baratas sobre um major que tinha em casa granadas de mão e que tencionava matar o Presidente; passando por uma pretensa rebelião da Brigada Mecanizada 14 de Novembro e a invenção da denúncia de que andava um civil com uma Kalachnikov perto desta Brigada Motorizada; até insurreições montadas por Paulo Correia e Viriato Pã, todas demonstradamente inexistentes. Paulo Correia era odiado pelos marxistas do PAIGC por ter discordado da instalação de uma base naval soviética em Bissau, a partir daí montou-se uma conspiração (com aspectos burlescos) de que na órbita destes políticos e de alguns apoiantes militares estava a ser preparada uma conjura para matar o Presidente. Mas outras invenções de rebelião existiram, vindo-se sempre apurar que eram acusações falsas embora, estranhamente, nunca houvesse consequências para os caluniadores. Em 1984 inventou-se um golpe de Estado atribuído ao primeiro-ministro Victor Saúde Maria, arquitectado pelo Ministro da Defesa; montou-se uma cabala incriminando oficiais balantas da Marinha. Segundo diz Queba Sambu, ele pediu reiteradamente para abandonar as suas funções, não tinha dúvidas de que se vivia o tribalismo e a ameaça de degeneração de lutas entre etnias.

Queba Sambu foi transferido das Forças Armadas para o Ministério do Interior e destes para os Negócios Estrangeiros. É aqui que irá ser nomeado secretário para a Embaixada da Guiné-Bissau em Lisboa. É nesta fase que é montada a farsa do processo contra Paulo Correia e outros quadros políticos e militares balantas, que ele descreve minuciosamente. Este processo culminou com uma vaga de fuzilamentos, sem que, antes, com todo o aparato do terror, os presos tenham sido sujeitos aos tratamentos mais bárbaros, foi sob a maior violência física que muitos deles confessaram o seu envolvimento em actos que inteiramente desconheciam.

Em Novembro de 1986, o autor passa a estar em missão de serviço em Lisboa. O Embaixador Leonel Vieira informa-o que tem uma encomenda que lhe é destinada, só falta a segunda parte. É-lhe apresentada uma rapariga guineense que tinha tirado um curso em Cuba sobre montagens de bombas. A encomenda que Queba Sambu recebe são 10 bombas-relógio. Segundo o embaixador Leonel Vieira, os Ministros da Defesa e do Interior tinham elaborado um plano bombista para a eliminação dos dirigentes da Resistência da Guiné-Bissau/Movimento Bafatá. A justificação para esta eliminação física é de que estes políticos praticavam a contra-revolução e eram potencialmente perigosos. De acordo com o embaixador, as bombas destinavam-se a ser utilizadas aos pares em cada operação terrorista, ou seja cada uma explodiria separadamente mas numa acção simultânea. A bombista treinada em Cuba iria ensinar-lhe o manejo de bombas-relógio e o comportamento do agente no terreno da acção. Queba Sambu mostra relutância, chama a atenção para as consequências que tais actos iriam trazer nas relações luso-guineenses e o sem número de vítimas inocentes. Procura impedir a execução do plano e pede para ir a Bissau. A bombista, de nome Maria do Rosário, explicou-lhe que seriam recrutados dois estudantes guineenses para dar apoio a esta missão. Em Janeiro de 1987, Sambu procura falar com os dirigentes políticos, para seu espanto estes confessam-lhe que o próprio presidente está indeciso quanto à necessidade desta operação. Regressado a Lisboa, Sambu toma uma decisão importante, pedir asilo político e escrever um livro a denunciar esta maquinação.

Consegue retirar as bombas de um cofre da Embaixada e entrega-as às autoridades portuguesas. Não se sabe como, os órgãos de comunicação social badalam o acontecimento, as autoridades de Bissau retaliam apresando barcos portugueses.

O acontecimento está hoje esquecido mas na verdade denota, em todas as suas peripécias, a fragilidade do poder de Nino Vieira, forçado, com a cumplicidade dos seus apaniguados, a permanentes espasmos de terror, artificialmente preparados para dissuadir a contestação em torno do afundamento económico e financeiro do país.

É um livro útil para se perceber a esquizofrenia do poder que fabricou intentonas atrás de intentonas, que se lançou numa demência de perseguições e suspeitas com amplo sabor estalinista. É um dever de memória procurar compreender este Nino Vieira que virá a ser reeleito depois de fugir do país e que acabou nas mãos de novos algozes, completamente abandonado pelos seus apaniguados.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7689: Notas de leitura (194): Ordem Para Matar, de Queba Sambu (1) (Mário Beja Santos)

Vd. poste de 31 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7699: Notas de leitura (196): Lobo... dos Mares, de Joaquim Cortes (Mário Beja Santos)

4 comentários:

Anónimo disse...

Há tão poucos africanos a escrever sobre eles próprios que os poucos que aparecem são uma preciosidade para compreender a história vista pelo lado africano.

Porque tanto em português como em francês a maioria que escreve sobre áfrica ou são brancos ou mestiços, que embora africanos, não é tão genuino como um africano oriundo diretamente de uma tribo.

Continua Mário

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Camarigo A.Rosinha
A minha alma está parva ao ler o teu comentário.
A VERDADEIRA HISTÓRIA É SÓ UMA ,INDEPENDENTEMENTE DE QUEM A ESCREVE.Fico a saber que a história é mais genuína se for escrita "por um africano oriundo directamente de uma tribo" !!!!
ou serão contos,histórias,romances..etc, e já agora "africano" não será negro, olha que não é ofensivo ..julgo eu.

C. Martins

Anónimo disse...

Caro Camarada C.Martins. Compreendo,(como bem escreves),que:"A verdadeira História é só uma, independentemente de quem a escrever". Pergunto-me:A verdadeira História terá algum dia sido escrita neste já bem longo caminhar da humanidade? Por muito que o "escriba" procure "o caminho";e mesmo que para tal efectue as mais variadas "triangulacöes",haverá sempre maiores ou menores subjectivismos(mesmo que inconscientes) que o acabam por levar ás fontes documentais "escolhidas" por ele,ou mais ou menos imbuídas por antecessores. Mas,infelizmente,creio que isto de "subjectivismos-documentais"(!) daria para longa conversa,nas suas contradicöes dialécticas,em volta da tal realidade existente em funcäo de quem a observa,e como a observa.(Ou,no caso presente....A História em funcäo dos Historiadores. Um grande abraco.

Torcato Mendonca disse...

Como se faz a História?

O que é a Verdade?

Adoro uma frase do Escritor Angolano Águalusa. -de quantas mentiras é feita a verdade....

Isto não quer dizer concordância, pelo contrário, com o escrito e os comentários.
Penso e, por isso mesmo tenho o direito a convergir, divergir ou ficar calado. Mas começo a estar farto.

Ab T