quarta-feira, 27 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8611: Parabéns a você (293): Agradecimento de António Dâmaso

1. Mensagem do nosso camarada António Dâmaso (Sargento-Mor Pára-quedista da FAP na situação de Reforma Extraordinária) com data de 27 de Julho de 2011:

Camaradas
Fiquei muito sensibilizado com as manifestações de amizade, porque as considerei de amizade e não como um mero formalismo. Agradeço a todos que se dignaram enviar-me uma palavra amiga no dia do meu aniversário, quer através do Blogue, quer directamente para o meu endereço. Assim até dá gosto fazer anos, fico à espera do próximo*.

Permitam-me que faça referência a alguns, para já ao camarada Miguel Pessoa que continua a surpreender-me pelo grafismo e não só, trouxe-me à memória tempos áureos da minha infância, dos aniversários nunca festejados nem prendados por falta de verba. Eu pertencia a uma geração desenrascada, comecei a ganhar para a bucha aos 6 anos de idade.

Depois da minha infância feliz, hoje em dia estou muito preocupado com alguns dos "infelizes" da geração de enrascados. São obrigados a viver na casa dos pais, sustentados e vestidos por estes, com direito a carro, mesada e outras mordomias, são obrigados a fazer licenciaturas e mestrados à conta dos papás e do erário público. Muitos deles dizem que estão preocupados porque não têm emprego, será que alguma vez se preocuparam em procurar trabalho?
Estamos numa sociedade de doutores, em detrimento de cursos técnico-práticos, de onde saíssem bons mecânicos, electricistas, carpinteiros, trolhas e outras profissões hoje julgadas menores.

Claro que existe muita gente que gostaria de ter trabalho, que foi o que eu tive aos seis anos de idade e não fui menos feliz por isso. Imaginem um puto de 6 anos atrás de uma charrua puxada por uma junta de bois, com um cestinho na volta do braço, com a sua pequena mão cheia de bagos de milho, preocupado em deixar cair um bago à frente do pé a cada passo, porque se fossem dois, tinha de se dobrar para apanhar um. Mas não era só isso, como pertencia à patuleia, tinha de ir atento às pedras pontiagudas, aos liconços e aos lacraus que iam surgindo no fundo do rego.

Considerei-me muito maior e talvez mais realizado do que aqueles da mesma idade que hoje em dia com os jogos de vídeo se entretêm a matar tudo e todos que se atravessam na frente.

A Sociedade de hoje exige mais atenção por parte dos pais e dos governantes.

Manuel Maia, sou leitor assíduo das tuas intervenções que considero de excelência.

Fernando Gouveia, na tenho nada Kontra, devorei os episódios do teu livro quando publicados no Blogue. Acerca das datas por ti mencionadas, fui para Bafatá a 8 ou 9 de Julho de 1960, o infeliz acidente da queda do Heli-canhão foi mesmo no dia 12 de Julho de 1969.  Acrescento que no mesmo dia eles tinham caçado um javali, não sei se alguém o chegou a comer. Por exemplo,  lembro-me que os melhores bifes de cebolada que comi, foi precisamente lá no Esquadrão Fox [, em Bafatá,] onde estava aquartelado, também não esqueci o belíssimo frango de churrasco que me deram em Galomaro, quando cheguei cansado e faminto de uma operação.

Luís Dias, tens tido um trabalho meritório, vê-se que és um homem de armas, vou pedir para usar algumas fotos tuas, fazendo referência à autoria das mesmas, também te digo que o primeiro ataque nocturno que sofri, foi precisamente em Dulombi, que se não estou em erro foi entre 24 e 30 de Julho de 19609. Estava também lá nessa noite um pelotão ou bigrupo de uma Companhia de Madeirenses, sofreram um morto no ataque, não sei se era a CCAÇ 2405 ou CCAÇ 2406.

Vasco Ferreira, estivemos em Cadique no início, eu era do 3.º Pelotão da CCP 121, adjunto do Alferes Ferreira que para miliciano era “teso”,  o que lhe valeu trazer de lá uma Cruz de Guerra pela actuação em Gadamael Porto. Se não estou em erro o teu pelotão saiu com o meu, havia na tua CCAÇ 4540 um cabo enfermeiro que era da minha terra Odemira, o nome é Augusto Correia Gonçalves.

Na Guiné apanhei do Bom, do Mau e do Pior, mais de uma vez tive de cavar o meu próprio abrigo, só não passei por Gandembel. Para mim não há Tropa Especial, mas sim militares com mais ou menos preparação e voluntariado, isso faz a diferença. Fiz quadrícula por isso sei dar o valor ao que todos por lá penaram e têm a minha solidariedade e admiração.

Tenho um familiar que fez anos a 14, a família reuniu neste fim-de-semana e festejamos 2 em 1. Parece que a história se repete, no meu tempo não havia prendas para ninguém e agora é só para as crianças. Nessa altura ergui a minha taça à vossa saúde e em memória daqueles que precocemente foram obrigados a nos deixar e aos que seguindo a lei da vida nos têm deixado.

Bem hajam, um abraço amigo
Dâmaso
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8543: Parabéns a você (289): António Dâmaso, Sargento-Mor Pára-quedista Reformado (Tertúlia / Editores)

Vd. último poste da série de 17 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8563: Parabéns a você (292): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CART 3492/BART 3873 e José Manuel Pechorro, ex-1º. Cabo Op Cripto da CCAÇ 19 (Tertúlia / Editores)

6 comentários:

Anónimo disse...

Dentre as conciderações,justas e verdadeiras,o Camarada António Dâmaso,esqueceu duas(pelo menos)o serviço militar obrigatório(nos moldes do dos nossos tempos e formação em COM ou CSM)para perde_
rem um pouco de arrogância e comun_
garem um pouco de leal camaradagem e disciplina,depois(lamento dizer)
uma ida até lá"fora",para terem uma
noção mais intrínseca da vida.
Perdoem a intromissão.
Carlos Nabeiro-Moçambique C.Caç2357
-1968/70.Sessenta e Seis anos de idade,pai,trabalhador no activo,a viver em Setúbal,"cliente" assiduo do serviço de Oncologia do hospital
de S.Bernardo.

M. Albergaria disse...

"...infelizes da geração de enrascados, coitados são obrigados a viver na casa dos pais, sustentados e vestidos por estes, com direito a carro e mesada e outras mordomias, são obrigados a fazer licenciaturas e mestrados à conta dos papás e do erário público, ainda têm o descaramento de vir para a rua com reivindicações, são mesmo um caso perdido, estão preocupados porque não têm emprego, será que alguma vez se preocuparam em trabalhar?"



Sempre a mesma conversa, sempre a mesma lengalenga contra a juventude. Como filho, sobrinho e neto de ex-combatentes e de gente que cresceu na dureza do campo, desde pequeno que me habituei a respeitar ambos os grupos e a aprender que a vida não são só facilidades, que há que trabalhar para se chegar a algum lado. Para mais que SEMPRE critiquei a postura do vigente regime político em relação aos veteranos do Ultramar, sejam europeus ou africanos; um nojo absoluto.
Porém, enoja-me igualmente toda esta arrogância dos mais velhos em relação a nós, estando constantemente a apelidar-nos de preguiçosos profissionais (passe-se o paradoxo), mimados, pseudo-intelectuais de pacotilha e inúteis que gastam o que não têm, ressalvando-se ainda as referências pejorativas à Universidade e às dificuldades de tirar um curso superior.
Se tivesse dinheiro suficiente ou um contrato estável para arrendar ou comprar uma casa, fá-lo-ia, caro Sr. SMor. Dâmaso. Também gostava de ter muitos dos luxos desta sociedade de consumo, mas não tendo capital para investir, não o posso fazer; roubar ou pedinchar, nem pensar. Se não conhece situações de autêntico proxenetismo em relação aos jovens trabalhadores, então aprenda com quem leva com a bronca.
Não tenho culpa de que não haja guerra para "saber o que a vida custa" e que as Forças Armadas estejam transformadas num coio de carreiristas que se esqueceu dos "antigos", apesar de andar constantemente a mandar avisos à população sobre a História do nosso Portugal. A hipocrisia é uma característica endémica nacional.
Lamento o tom da minha intervenção, mas quem não se sente não é filho de boa gente, e já FARTA levar com preconceitos só porque se imagina um futuro um pouco menos medíocre para todos nós (já nem digo melhor).
O "come e cala" tem limites. Salvo o devido respeito pelo seu serviço abnegado a Portugal e impecável folha de serviços, tenho a dizer que se o Sr. Sargento-Mor Dâmaso não os conhece, temos pena. É que os brandos costumes e a mesquinhez são bons para alimentar exploradores.

Desculpem a intromissão, Exmos. Senhores. Bem hajam deste leitor ocasional.


M. Albergaria

M. Albergaria disse...

Como adenda, e para que conste, que não quero ser conotado com muitos da minha faixa etária (18-35), fiz parte do meu curso a trabalhar, nunca recebi qualquer bolsa (nem fui pago para estudar, como os alunos das academias militares, que se assoberbam aos milicianos de agora, os militares contratados) e, quando desempregado, não procurei qualquer subsídio. Sim, a camaradagem e solidariedade da família foi determinante; nunca faria outra coisa a filho meu, só se fosse uma besta insensível. Só me falta mesmo ir apanhar beatas para ver o que custa a vida, de facto.



Mais uma vez, cumprimentos e respeito aos ex-combatentes da nossa Pátria por parte de

M. Albergaria, jovem mimado e proxeneta do erário público e de mordomias várias

Henrique Cerqueira disse...

Jovem M.Albergaria
Li com muita atenção o teu comentário de revolta em relação ás palavras quanto a mim infelizes escritas pelo António Dâmaso.
Entendo perfeitamente a tua posição ,até porque tenho um dos meus filhos que está exactamente nessa situação,pois que o máximo que consegue são contratos precários de "Mês" e até de "Horas " e tudo legal e consentido.
Tenho 61 anos e fui Ex.Militar em que tal como outros milhares o foram,com muitos sacrifícios á mistura,riscos de vida etc...No entanto não nos dá o direito de agora medirmos todos os jovens pela mesma "Bitola"até porque sempre houve malandros,oportunistas e outros que tais.Mas a verdade é que devido á emigração maciça e ás guerras coloniais,havia falta de mão de obra e embora mal paga havia sempre algum lugar onde trabalhar e ganhar uns escuditos.Só que os Jovens de hoje mesmo com mão de obra ainda mais barata não têm sequer possibilidade de ganhar curriculum.E vai daí até é fácil dizer que os jovens são uma data de malandros,esquecendo que os Governos da Treta andaram a criar Cursos Superiores que nem para trabalhos menos qualificados servem.
Bom para já isto fica por aqui e Força Albergaria não desanimes e continua na luta.Quanto aos pais e familiares que ajudam os seus filhos e desde que estes demonstrem força de lutar há é que ajudar na forma do possível.
Hás vezes a malta da nossa geração excede-se mas não é por mal.
Um abraço M.Albergaria
Henrique Cerqueira

Hélder Valério disse...

Caro camarigo António Dâmaso

Permite-me que te felicite hoje, aqui e agora, pelo teu aniversário, já que não tive oportunidade de o fazer no 'tempo e momento certos'. Os meus parabéns e que o futuro te possibilite mais e melhores anos de vida.

Permite-me também que dirija algumas palavras ao jovem comentador M. Albergaria.

E quero fazê-lo saudando a sua intervenção. Saúdo porque, embora o tenha feito como reacção a algo que o desagradou, e não vou discutir a justeza da sua indignação, fez uma intervenção no essencial correcta, não insultuosa.

É claro que podia referir aqui que 'cada caso é um caso' e que não é boa prática generalizar.
No entanto quero dizer que me esforço para contrariar e combater aquela perigosa tendência que as pessoas da minha geração têm de dizer que "no meu tempo é que era", esquecendo que esse tipo de 'argumentação' já foi usado por gerações antecedentes.

Prefiro pensar que cada época tem os seus problemas e que compete aos seus principais actores, a juventude, encontar as respostas e soluções para esses problemas.

É verdade muitas coisas que o MAlbergaria refere e rebate no seu comentário mas também deverá entender que uma boa parte dessa juventude tem comportamentos de desinteresse pelo que a rodeia, pela intervenção social, pela procura das tais soluções que atrás referi e que isso ajuda a formular os preconceitos que estão subjacentes a certos pontos de vista e afirmações que vão surgindo.

Se o MAlbergaria reagiu às frases/ideias chavões que não gostou foi porque as leu. Se as leu e reagiu aqui no Blogue, foi porque as leu aqui no Blogue. Se leu no Blogue foi porque o acompanha, pontualmente ou não, não interessa as caso. E, nesse caso, convido-o a continuar a acompanhar este esforço para a reposição da memória deste conjunto de homens, tão diverso na sua composição profissional, social, política, etc, e verá que poderá encontrar muitos mais pontos de acordo e de desacordo mas afinal é disso que é feita a vida.
E intervenha quando e como for entendido ser 'a propósito'. De preferência de forma contributiva positiva, mas também poderá servir para eventualmente se poder corrigir alguma ideia menos conseguida.

Abraço
Hélder S.

Luís Dias disse...

Caro António Dâmaso

Em primeiro lugar agradecer-te as palavras que me dirigiste sobre o meu modesto contributo neste blogue acerca do armamento utilizado na Guiné pelas nossas forças e pelos guerrilheiros do PAIGC, dizendo-te que não tenho qualquer inconveniente que utilizes as fotos aqui colocadas, até porque a maioria também estão disponíveis na net.
Em segundo lugar e dado que referes que estiveste no Dulombi onde sofreste o teu primeiro ataque nocturno, em Julho de 1969, tendo sido morto um elemento da CCAÇ 2405 ou CCAÇ2406, gostaria de saber, se ainda te lembras das circunstâncias desse ataque e da forma em que morreu esse militar.Isto porque estava interessado em reconstruir a história das forças militares que estiveram colocadas nessa tabanca/aquartelamento e apenas temos dados sobre a unidade que terá iniciado a construção do aquartelamento (CCAÇ2405), depois a CCAÇ2700, que consolidou e aumentou o quartel e depois a CCAÇ3491 (a minha)que manteve e estruturou em definitivo o quartel e por último a 1ª CCAÇ do BCAÇ4518/73, que terá sido a última a sair do local. Acontece que por ali passaram também alguns grupos de combate, embora por pouco tempo e desses há pouca história. Contava-se, entre a população e a milícia que efectivamente, logo no início da instalação de forças militares naquela tabanca e num ataque nocturno uma das sentinelas teria sido abatida por um tiro ao acender um cigarro. Cena que nos deu muito jeito para chamar a atenção dos nossos "homens" sobre esse incidente, que camaradas da CCAÇ2700, nos disseram não ser verdade. Se me puderes ajudar neste assunto ficava-te agradecido.
Um abraço
Luís Dias