domingo, 18 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9225: (Ex)citações (166): Gostei dos que… gostaram e gostei, juro que não menos, dos que não gostaram (José Brás)

1. Mensagem do nosso camarada José Brás (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 17 de Dezembro de 2011:

Acabadinho de chegar do Espírito Santo, Hospital de Évora e não banco ou terceira pessoa da santíssima trindade, busquei no sítio do blogue as reacções que o meu último comentário transformado em poste* tinha conseguido reunir e gostei do que li.

Gostei dos que… gostaram e gostei, juro que não menos, dos que não gostaram.

Isto dito assim, pode parecer aquela história da nossa meninice “o Gustavo gostava da Gustava…”, mas acreditem camaradas que não o boto deste modo por brinquedo mas porque seriamente me preocupa muito mais a falta de ideias e de opiniões ou a descoragem (sic) de as colocar, do que o desacordo em si próprio como sinal humano das diferenças ou como prova de que a verdade não será nunca universal, não decorrendo daí mal ao mundo se todos soubermos dessa certeza e nos respeitarmos nas diferenças que aparentemente nos separam mas na verdade dão sentido, coesão e beleza ao mundo.

Sei que dirão alguns que passaram já tantos dias que não se justifica voltar eu à questão, correndo o risco de reabrir querelas e incómodos. Porque assim não creio e porque tenho o debate entre contrários mais por positivo do que por negativo, contrario tais opiniões e aqui estou.

Começo por assegurar que, a meu ver, do que disse então, não há razão para retirar nem uma vírgula, excepto se quisesse imitar estilo e forma de Saramago, coisa que não quero por não gostar de macaqueações e por claramente me sentir incapaz para tal exercício.

E que disse eu, então?

Primeiro, “que não entrava em comentários acerca de torturas e assassinatos praticados por gente do PAIGC a conterrâneos seus que lutaram do nosso lado, alguns mesmo, a quem nunca chamarei heróis porque o que os animava era mais uma sanha guerreira e algumas vezes mesmo ferozmente assassina, do que esse tal amor a uma bandeira que não poderiam sentir enquanto símbolo de centenas de anos de história de um povo que conheciam apenas nas relações coloniais”.

Disse em segundo que “Sempre achei que o seu engajamento nas nossas fileiras se deveu mais a acidentes na sequência das relações de origem tribal ou mesmo pessoal entre os protagonistas dos acontecimentos, do que a devoções nacionalistas, e que alguns ficaram do outro lado obrigados ou por acidente e outros do nosso lado por conveniências de momento".

Em terceiro lugar disse que “não eram melhores uns que os outros, como seres humanos, senão na diferença de carácter que nos distingue a todos, havendo gente boa e má dos dois lados, se quisermos reduzir o conceito de bom e de mau a esta nota simplificada".

Vejamos uma a uma estas três afirmações para tentarmos descobrir nelas a marca que o António Graça Abreu parece detectar que em sua opinião há-de ser na pele da alma como essas tatuagens mandadas colocar pelos nossos soldados na pele do corpo garantindo amor de mãe ou eterno amor à Maria que, em alguns casos casou com outro Manel.

Primeiro! É ou não verdade que esses heróis negros de caçadores especiais se transformaram em verdadeiras máquinas de matar, neste caso a gente da sua terra, gente que provavelmente teria sido de seu convívio, vizinho ou mesmo amigo?

Segundo! É ou não verdade que uma boa parte dos combatentes do PAIGC ficaram daquele lado por acidente como, por acidente poderiam ter ficado do nosso, e que do nosso lado ficaram outros que pelos mesmos acidentes poderiam ter ficado de lá? Obrigados também, muitos, forçados, “politizados” à força, como aliás a maioria dos brancos que daqui saíram contrariados e apenas porque não puderam escapar, igualmente doutrinados nesta ideia de Pátria multirracial e pluri-continental e na afirmação de que bandidos às ordens de potências estrangeiras nos que riam roubar parte da Pátria.

Terceiro! Bem, este terceiro nem me parece que careça de considerações de tão anti-polémico que é.
Sabemos das façanhas desses soldados negros de forças especiais e do jeito que deram aos nossos objectivos quando realizavam coisas que não éramos capazes de realizar, e frequentemente cantamos tais façanhas como exemplo de portuguesismo genuíno na senda dos nossos heróis antigos. Que entre eles havia gente muito boa, também, é uma verdade que conhecemos pessoalmente e que acolhemos com amizade, mas tais andorinhas não fazem a Primavera.

Sabemos dos outros de menor proeminência, soldados milícias integrado nas Companhias ou em grupos especiais, oficiais de segunda linha com autoridade sobre populações e que por isso haviam ganho galões e uns patacos.

Éramos amigos de tal gente que considerávamos companheiros nas andanças das matas e do combate de tal maneira que a um, Rei local, tenente de segunda linha, emprestei três contos que nunca mais vi.
Mas também sabemos que a nossa ocupação nunca foi pacífica e que nem as suas culturas passaram para a nossa nem a nossa passou para as deles.

A teoria que nos faz crer que aquela boa e sofrida gente era portuguesa como nós e que morria em defesa da sua Pátria, Portugal, não tem ponta por onde se pegue num quadro que temos da nação portuguesa, da sua fundação (também em revolta contra mandos indesejados), da sua evolução histórica, das suas lendas, da língua que se foi formando, dos costumes e da cultura, tudo forjado contra invasores frequentes, a poder de pulo e de ânimo, tornando consciência coesa e unida o que era diferente em cada região do território, dando espaço a um povo a que orgulhosamente pertencemos.
E sabemos que desse caldo civilizacional não fazem parte os costumes, as crenças, as línguas dos povos da Guiné, a esta hora ainda muito dificilmente capazes de chamar Pátria em todo o seu território a esse poder que sai de Bissau.

Disse ainda e volto a dizer que “Se há alguma coisa que diferencia portugueses dos restantes europeus é essa ausência de ódio e essa capacidade de dar as mãos sem grandes preconceitos, que atravessou o nosso processo colonial. Prova disso é que no fim, ao contrário do que aconteceu com outros, fomos capazes de manter respeito e amizade uns pelos outros e mesmo de deixar saudades.
No entanto, bom é que não exageremos ao ponto de concluir que somos santos e que não cometemos também algumas atrocidades.”

Mas falemos primeiro das que o Poder que se instalou em Bissau após Abril praticou sobre os seus próprios conterrâneos porque haviam ficado do nosso lado. Coisa hedionda, sem qualquer dúvida, impiedosa e assassina a um tempo, e absolutamente estúpida do ponto de vista político, na hora em que o novo País precisava mais de unidade, de concórdia, de lavar feridas e de criar condições para a construção de uma Pátria que abrigasse as diferenças no esforço colectivo para melhorar a vida das gentes, afinal, a única justificação para encetar e manter uma luta como aquela.

Mas mantenho o que disse no poste anterior “Não conheço maus tratos que o PAIGC tivesse infligido a militares portugueses embarcados em Lisboa para os combaterem, ao contrário, sem colocar em dúvida que tivesse havido algum caso fora do quadro dos prisioneiros em Conakri, o que tenho ouvido são relatos de respeito e de bom tratamento na situação precária em que eles próprios viviam.”

A referência ao triste caso dos oficiais chacinados numa alegada missão de paz, é uma excepção que pela sua causalidade e pela trama que os levou àquele lugar para um encontro com uma facção do PAIGC, já qualificada como caso especial de desconfiança pela Direcção Central da luta, dificilmente caberá como responsabilidade do próprio PAIGC, sendo mais própria de bando em rebeldia, descoberto e com necessidades de se “lavar” a fim de evitar julgamento que, como calculamos, haveria de ter consequências funestas.
De resto, é hoje muito claro que tal manobra não passou de mais uma louca aventura de Spínola, igual a tantas outras que acabaram por se voltar contra nós.

Portanto, meu caro António Graça Abreu, sabendo como sabes que gosto muito de ti, nessa figura humana que escreveu aquele Diário da Guiné; que traduz e nos dá a conhecer tantos poetas daquele País longínquo e ainda misterioso; que é capaz de escrever ele próprio uma poesia de rara sensibilidade e lirismo, plena de busca do mistério humano, irás desculpar-me a ingenuidade e a marca de que falas.

De facto, como gente, cresci na revolta contra poderosos e ladrões que agrilhoaram este nosso povo durante séculos ao atraso, à doença, à crença num destino de besta de carga espoliada da sua força criadora para alimentar poderes e luxos de uns poucos e o lado mais negro de uma igreja que haveria de ser de esperança. Nessa forma de pensar e de agir percorri os anos sem necessidades de máscaras, nem de fingimentos, aguentando as consequências e sempre no prejuízo próprio. Isso porém não obsta a que aceite diferenças e que as tente compreender, nem obsta a que alimente amizades fora deste meu quadro de pensar, às vezes mesmo maiores do que dentro desse quadro.
Já te ofereci a minha casa mais do que uma vez e repito-o aqui publicamente, sem medos nem preconceitos.

Em relação ao Cherno Baldé de quem gosto frequentemente no que escreve, creio que o que digo atrás lhe servirá e quanto ao resto lá saberá as linhas como que se coserá.

E tu, meu camarigo grande e maior de alma ao que sei e tenho visto. A ti, acho que nunca ofereci casa mas é como se o fizesse, amigo de Montemor, do fado, da forcadagem, do bem comer e beber, das gentes, e nisso tudo meu irmão.
A ti te direi que colocas o carro à frente dos bois. Quer dizer, achas que ganharíamos a guerra se não tivéssemos perdido a política, com isso subalternizando a política à guerra e esquecendo que primeiro vem a política e só depois a guerra; que a guerra, qualquer guerra, as que se ganham e as que se perdem, são sempre consequência de determinadas políticas.

Esta nossa, já a tínhamos perdido há muito, quando africanistas inteligentes perceberam o caminhar do mundo e a necessidade de alterar o rumo da nossa politica ultramarina. Nota que nem lhe chamo colonial porque acho que de colonialistas tínhamos muito pouco na autêntica noção de colonial.

Quando Salazar gritou “para África em força”, coisa com a qual concordo em absoluto em face do horror do Norte de Angola, era tarde para arrepiar e ganhar a guerra do diálogo, a única saída verdadeiramente vitoriosa para todos.

Nunca, em nenhum dos meus escritos eu disse que havíamos perdido a guerra na Guiné. Que era difícil, sabemos que era, como era também para o PAIGC. Mas aguentaríamos na capacidade de sofrimento que nos caracteriza e que nos deu força para cruzar os mares do mundo, até que o regime em Lisboa dissesse, como já dizia, não há mais meios.

Por outro lado, Joaquim, deixa que te faça um reparo àquela coisa dos livros editados contra o discurso directo. O discurso que aqui se faz, exactamente como nos livros (fora dos relatórios) nunca é o discurso directo e ainda menos o discurso directo de cada um no tempo e no espaço em que vivemos as dores do combate. Eu também lá andei e conheci-me a mim e aos meus camaradas do corredor de Guilege. Sei bem como eram e como reagiam e por isso prefiro calar-me quando nos almoços oiço bravatas. Grande respeito tenho por eles e não alimento preconceitos por quem teve medo.

Abraços
José Brás
____________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9149: (Ex)citações (161): Fomos capazes de manter respeito e amizade uns pelos outros e mesmo de deixar saudades (José Brás)

Vd. último poste da série de 11 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9178: (Ex)citações (165): Agora já não há contenda, embora às vezes me pareça que para alguns, ela, a contenda, ainda perdure (Francisco Godinho)

16 comentários:

Bernardo disse...

Bem haja por esta lufada de ar fresco!
Fico feliz, por tanto discernimento do que se passou na Guiné...

Anónimo disse...

Concordo e assino em baixo.
António Costa

Anónimo disse...

Caros Combatentes:
Tenho andado calado mas, neste caso, sinto uma irrefreável vontade de . O José Brás não parte de uma conclusão para a análise, ele discorre de forma que toda a gente percebe e sugere-nos que concluámos.Podemos não gostar da conclusão mas penso que o Brás não se importrá muito com isso...apenas pretende que meditemos no que vimos.
Eu não quero ofender nenhum combatente ao perguntar se algum ficou aborrecido com o fim da comissão ou se se ofereceu para continuar lá, para além da estrita obrigatoriedade? Pode haver uma ou outra exceção honrosa, que respeito, mas na sua maioria as exceções serão de uma minoria de gente para engordar enquanto outros definhavam no mato.
Quanto ao tristemente célebre caso dos majores, é para mim claro que alguém foi traiçoeiro e covarde. Quanto ao Senhor General Spínola, enquanto governador da Guiné,não devemos (na minha opinião)condená-lo por tentar aliciar membros do PAIGC.Já o condenaria se aliciasse os membros do PAIGC e depois os mandasse matar.
Um grande abraço
Carvalho de Mampatá

Joaquim Mexia Alves disse...

Meu caro José Brás

Agradeço a tua amizade a que te correspondo inteiramente.

A minha resposta vai ser telegráfica, porque este assunto já ultrapassou para mim os limites do "dizivel".

Procurei onde te teria comentado, e não encontrei, porque verdadeiramente não te comentei, mas sim a outrém.

Em sítio nenhum me vez afirmar que ganhámos ou ganhariamos a guerra, mas sim afirmar que não tinhamos a guerra perdida, militarmente, em 1974.

O discuso directo é fácil de perceber, pois o que eu queria dizer e julgo estava claro, é que os textos que os combatentes do nosso lado colocam, são eles mesmos que os escrevem e os enviam directamente e aqui estão diariamente para defender esses textos, ou admitirem que erraram nalguma coisa.

Os outros, do outro lado, são de livros, de gente que aqui não está a confirmar e defender essas afirmações, e trazidos para aqui por outros que não os próprios.

Apenas pela amizade e estima que te tenho respondi a este teu texto, porque não vou gastar nem mais uma linha com este assunto que já foi escalpelizado "até ao tutano".

Um abraço camarigo para ti e para todos.

antonio graça de abreu disse...

No meu Diário, escrevi em Pequim, a 25 de Outubro de 1977, mês e meio depois da minha chegada
à China:

Nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras, secção portuguesa, o camarada Fu Ligang trabalha na mesma sala que eu, é uma espécie de meu secretário. O Fu estudou português em Macau,fala bem a língua de Camões, é trabalhador e membro do Partido Comunista Chinês. Hoje de manhã perguntou-me:
“Então camarada António, está a gostar de viver em Pequim, está satisfeito com a China que veio encontrar”?
Assumindo os meus antecedentes meio comunistas, versão maoísta, ainda com alguma convicção política, respondi-lhe mais ou menos nos seguintes termos:
“Sim, vim encontrar um país a crescer, um povo simpático, tenho boas condições de vida e de trabalho aqui em Pequim. Depois, estou a dar o meu pequeno contributo para ajudar a construir o socialismo, para a criação do homem novo e de um mundo melhor”.
O Fu Ligang ouviu o meu discurso impassível, um levíssimo sorriso a aflorar nos lábios e, passados uns longos segundos, disse:
“O camarada é ingénuo.”
E não houve mais conversa, durante o resto da manhã debruçámo-nos sobre os textos a traduzir e a corrigir.
O Fu deve ter razão. Nestes meus quatro anos de Pequim, vou tentar entender e digerir a minha ingenuidade."

Eu acho que recuperei da minha ingenuidade.Melhor ou pior, cresci.
O Juvenal, o Zé Brás e tantos dos nossos veteranos da Guiné continuam a culpar o possível e ainda, disfarçada mas ingénua e militantemente,quase sem darem por isso, continuam a acreditar no impossível.

Um abraço,

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Hoje sou, provavelmente, um homem mais livre do que tu, António, capaz de entender erros e malandrices do sistema que comprei como maravilhoso e afinal, igual ao que eu havia combatido aqui.
Mas não sou livre de denunciar e de combater o poder do capital financeiro global que delapidou a África e está a matar a sua gente deixando aquele terra como reserva para as suas estratégias.
Nem sou livre de denunciar e de combater aqueles que sem darem um tiro mantém milhões de seres humanos nos novos campos de concentração que são as cidades da Europa onde residem 50 milhões de desempregados de longa duração que já perderam subsídios, lugar numa lista de beneficiários da Previdência Social e vegetam envergonhados da sua condição de margem, afastados do trabalho produtivo e do espaço social.
E para me manter assim não necessitei de ter escritório na Rússia ou na China mas apenas de manter os olhos abertos e perceber as manobras desse poder tentacular das famílias americanas, Morgan, Rotchilde, Ford..., e dos seus aliados ingleses Opennheimer.
Não ligas a coisas menores destas. Ainda bem para ti.
Contudo repito. Deixa-te dessa coisa de acusar de comunista que não sou senão por não encontrar outra palavra para dar nome ao meu sonho. Além disso, ainda que a extrema direita se julgue pronta para entrar em cena e se façam já planos e listas de gente como eu, uma pide qualquer ou está ainda um pouco longe, ou se está perto já me fichou.
Mais um abraço
José Brás

Anónimo disse...

Tendo surgido um arremesso de "Lista de Ingénuos" em comentário mais acima, eu sentir-me-ia muito honrado se o meu nome fosse acrescentado à mesma.José Aurélio Gouveia da Costa Belo

Anónimo disse...

...e para não embaraçar mais a coisa, fica aqui uma parte que faltou no meu poste:

"Depois de ter fechado e enviado a "peça" ao Carlos é que me lembrei que, afinal, tinha dito o que queria dizer sem tocar no tema que motivara o meu anterior poste e os comentários recebidos.
Não desesperei na certeza de que há sempre mais marés que marinheiros e que, assim sendo, oportunidade haveria de abordar a questão de ter ou não ter no convívio da Tabanca Grande, combatentes do outro lado a que chamámos IN, uns por costume apenas na assimilação da terminologia da guerra, outros por obrigações quase burucráticas e mesmo outros por convicção pura porque inimigo há-de ser quem contra nós dispara, indiferentemente de razões ou de razão.
Já disse antes e não é invenção minha que se diferente foi o nosso sistema colonial dos de outras potências, o foi, nao apenas porque éramos um País economicamente débil, sem meios nem vontade gananciosa de sacar mais valias e riquezas como essas outras potências coloniais, mas muiton também pela ídole mais benévoa deste povo de emigrantes que em qualquer Roma serão sempre romanos, capazes de se adaptarem, de se aconchegarem, neste caso a uma sociedade quase primitiva onde o comerciante do interior era apenas o primeiro degrau da estrutura da exploração, quase tão explorado como o negro do trabalho braçal, sendo capaz de se amancebar por ali e fazerol de filharada mulata, vivendode modoprecário como precário era já o seu modo de vida na terra de nascença.
O exército português, se o compararmos com outras forças de ocupação colonial, talvez que pelas mesmas razões dos colonos, ou por outrs mais complicadas de explicar, ficou longe da imagem que perturba o crédito desses outros exércitos estrangeiros pela prática da violência gratuita e do massacre.
Ao contrário, fora da dureza do combate, fomos sempre capazes de tratar bem a inimigos capturados e de lhes dar tratamento de socorro como se fossem soldados nossos.
Evidentemente, casos excepcionais terão acontecido fora do quadro da política traçada e da conduta geral.
Não repito o que já disse sobre o tratamento que o PAIGC dava aos nossos militares feitos prisioneiros porque os testemunhos existentes falam por si próprios, independentemente da possibilidade das tais excepções.
Nem falarei de nivo sobre a questão da tortura e do assassinio que proliferou brutal e estúpido num ajuste de contas que pesa demasiado nas relações entre os próprios guineenses porque o que disse é suficiente.
Direi sim que lamentaria conviver na Tabanca Grande com torcionários sejam de que cor e de que lado forem, como lamento ter de conviver co gente a quem nunca chamarei de camararada e menos ainda de amigo, contra todos os sinais e contra a realidade histórica, portadores de um visão imperial velha que tem Spínola e Marcelo Caetano como desgraçados traidores, talvez mesmo comunistas.
Bem sei que traumas e saudade do que não se foi nem se saberá nunca se haveria estaleca para se ser, é sonho (pesadelo) que atormenta muitas almas e isso talvez dê para compreender tal gente a que nunca darei resposta."

José Brás

Anónimo disse...

E voltando ao meu amigo Graça Abreu, a que prometi dar nomes e números dos verdadeiros colonialistas donos de quase tudo o que era economicamente importante nas nossas colónias de África, rectifico:

Vou realizar o trabalho que poderá ser aqui publicado apenas se os editores do blogue assim o entenderem, para que os antigos soldados portugueses entendam o logro da "defesa da Pátria" quando mataram e morreram.
Como resposta a qualquer desejo de AGA, acho agora que o trabalho não valerá a pena, senão no prazer que a mim próprio dará, e esse ficará comigo e com os amigos.

José Brás

Manuel Joaquim disse...

Meu caro José Brás:

Schopenhauer disse:
"Cada um de nós olha de forma diferente e ninguém está a ver a nuvem"

Não se aplica nesta discussão: É que tu estás a ver a "nuvem"!

Um abraço

Juvenal Amado disse...

As referências ao meu passado ideológico não me afectam pois nunca entrei em nada de forma cega mas sim devido ao conceito de classe, devido ao sítio onde ganhei esse mesmo conceito.
A minha forma de estar na vida devo-a à minha família e ao meu passado de operário, onde o único rendimento era o meu salário. A consciência ganhei-a no trabalho duro desde os onze anos e não nas universidades, onde jovens que eram uns beneficiados, entenderam ser vanguardas da classe operária. São esses que se sentem enganados e hoje passam os dias a desdizerem-se do que disseram e não são poucos que militam hoje nos partidos que eles apelidavam de burgueses. Querem apagar o passado.
Lembro-me bem desses «carnavais».
Não me arrependo de ter entrado e também não me arrependo de ter saído. Tanto um acto como outro, tem no espaço e no tempo a sua razão. Nunca me desenganei pois nunca me deixei enganar, não houve nada em que acreditasse, sem questionar. Aquilo que acreditei na altura está intacto, o que me desagradou foram os homens e não as razões da minha luta.

antónio graça de abreu disse...

Meu caro Zé Brás

Depois dos desentendimentos, a falar é que a gente se entende!
Cada um é como cada qual, e toda estas querelas que não tocam no fundo, na essência do que somos, camaradas de guerra na Guiné, servem para nos conhecermos melhor e creio, para enriquecer o blogue. Estas apaixonadas ou desapaixonadas opiniões dão uma maior dimensão a muitas das crenças e paixões da nossa vida.
Mas quem sou eu para julgar quem quer que seja?
No entanto, falo na ingenuidade de certos
veteranos de guerra que chegam quase aos setenta anos a acreditar no impossível. Isto não é um julgamento,
eu não julgo ninguém,
é a minha convicção. Posso tê-la, ou não?

Uma adenda apenas.

Tenho muitos defeitos, mas jamais denunciei quem quer que fosse. O verbo denunciar não faz parte do meu ADN. A PIDE sabe, todos os meus Amigos sabem.
A ingenuidade de certos veteranos de guerra é que faz com que se denunciem a si próprios, ao escreverem como escrevem, ao fazerem as análises que fazem, por exemplo de uma África quase toda independente do jugo colonial nos anos 60 e 70 do século XX, teoricamente dona do seu próprio destino, e que tem dado os exemplos que todos conhecemos, a começar, ou acabar na Guiné-Bissau.
Ah, pois, a culpa é toda dos trusts, do neo-colonialismo, do imperialismo norte-americano, etc!...
Acreditas mesmo?...

Outro exemplo apenas. A Libéria, não longe da nossa Guiné, foi de facto, inventada pelos norte-americanos que lhe deram a independência em 1847, repito em 1847. Para as terras da pequena Libéria,
os norte-americanos trouxeram de volta muitos dos escravos negros transportados para os Estados Unidos desde a
a costa africana. Para a Libéria foram desviados inúmeros navios negreiros que, com a complacência e ajuda dos poderes africanos tribais de então, arrebanhavam escravos e os levavam para o Novo Mundo.
Nas recentes guerras civis, (1980-2000) ainda tribais depois de cento e cinquenta anos de independência, a Libéria, com menos de 4 milhões de habitantes,
teve 300.000 mortos.
Por culpa do imperialismo, dos trusts, do neo-colonialismo, do "poder tentacular das famílias americanas, Morgan, Rotchilde, Ford..., e dos seus aliados ingleses Opennheimer."

Por amor de Deus, meu caro Zé Brás!...

Abraço forte.

António Graça de Abreu

P,S.Lá para a Primavera, se tiveres paciência para me aturar, apareço por Montemor. Dá-me guarida, teremos todas as conversas inteligentes do mundo.

Anónimo disse...

Bem, António

Afinal o ingénuo pareces ser tu.
Ou pelo menos prefiro pensar assim.

PS
Ok, Primavera

José Brás

Hélder Valério disse...

Caros camarigos

Tenho para mim que a vida é um constante percurso de aprendizagem.

Aqui, no Blogue, este meu entendimento não tem sido defraudado.
Tenho estado em permanente ganho de conhecimentos, seja pelos temas, seja pelos conteúdos, seja também, pelos comentários, seja ainda pela possibilidade de ser informado das 'tendências' dos vários intervenientes e ainda outras preciosidades.

Quanto a este texto, em concreto, só posso dizer que concordo com o que lhe está subjacente, mesmo correndo o risco de me julgarem ingénuo.

Abraços
Hélder S.

Anónimo disse...

Caros Camaradas:
Não acham que este estilo catequético nos afasta da essência ou do que deverá ser a essência do blog? Esta insistência teimosa em incursões pelos caminhos da política só pode conduzir-nos a divisionismos estéreis. Na minha opinião, aqui ninguém precisa de catecismo. Tenho igual respeito por pessoas, muito diferentes entre si, como o Mexia Alves, o Luís Graça, o Juvenal Amado, O José Belo, O José Brás,o Graça de Abreu, o Helder Valério e muitos outros, gente formada ou nas escolas académicas ou nas escolas fabris ou campestres. Mesmo assim todos diferentes podem todos ser pessoas igualmentes respeitáveis.
Mas factos são factos:o colonialismo foi a causa do nosso sofrimento e de quase 10.000 camaradas nossos terem perdido a sua vida com um terço da nossa idade atual.O colonialismo é uma enfermidade sob o ponto de vista político, social e moral e ninguém, mentalmente sadio, pode tolerá-lo no sec.XXI.Isto também é política? É, mas não é a apologia de um sistema ideológico.Antes é uma questão de grau civilizacional e todos os que camaradas que sofreram na Guiné sejam doutores ou jardineiros sabem hoje os motivos do seu sofrimento.

Um grande abraço.
Carvalho de Mampatá

Anónimo disse...

Carvalho

Meteste o dedo na ferida, camarada e subscrevo inteiramente o que dizes.
Da minha parte ninguém viu aqui senão a tentativa do anacronismo do sistema colonial em 1961 e muito maior ainda hoje, bem como, sendo política como dizes, por aí me fico, condenando as decisões dos que nos governavam então e decidiram por nós.
Exceptuo dessas decisões a que enviou forças a caminho do Norte de Angola para socorrer os portugueses vítimas daquela criminosa barbárie,de cuja origem e motivos ainda hoje pouco se fala.
Abraços
José Brás