domingo, 25 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9657: Meu pai, meu velho, meu camarada (26): Porfírio Dias (1919-1988), ex-sold aux enf, Cabo Verde, São Vicente, Mindelo (de 18 de julho de 1941 a 7 de maio de 1944) (Luís Dias)


1. Mensagem, com data de 24 do corrente, do nosso camarada Luís Dias  [ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872,´Dulombi e Galomaro, 1971/74, ],


Caro Luís Graça




Em conformidade com o solicitado junto te envio um texto contendo diversas fotos do meu pai (as que encontrei) e que foi publicado no blogue da minha companhia, por ocasião do dia do pai de 2009.


Dispõe delas para publicação, se o entenderes, relacionado com os pais que estiveram em África, por ocasião da 2ª Guerra Mundial.


Um abraço.


Luís Dias

2. AO PORFÍRIO DIAS, QUE TAMBÉM FOI SOLDADO EM ÁFRICA
por Luís Dias


Em memória de Porfírio António Dias, natural dos Anjos, Lisboa, nascido em 30 de Julho de 1919, Conferente Marítimo Reformado, falecido em Lisboa a 8 de Março de 1988. Era casado com Venina Antunes Fernandes Dias, nascida em 1927, natural de S. João da Praça, Lisboa. (Viria a falecer em 12 de Outubro de 2011, com 84 anos).


Recebeu em Fevereiro de 1943, no Mindelo, Cabo Verde,  do Comandante de Batalhão,  o louvor militar seguinte: "Louvo pelo muito zelo com que tem desempenhado as suas funções no Posto de Socorros na Enfermaria do Batalhão, muitas vezes com o prejuízo da sua própria saúde, dando com a sua actividade, excelente exemplo de dedicação pelo serviço e pela saúde dos seus camaradas e manifestando-se assim um óptimo auxiliar do Senhor Oficial Médico". Foto nº 6 > Foto tirada em Cabo Verde, depois do incidente que o obrigou a usar óculos para sempre.

Fotos:  © Luís Dias (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



Foto nº 1 > Caderneta Militar do Porfírio Dias



Foto nº 2 > Porfírio Dias - Especialidade: Enfermagem... Ainda na metrópole (1940)

Foto nº 3 > Porfírio Dias em Cabo Verde, com a braçadeira de enfermagem e com pistola à cintura.

Foto nº 4 >    À porta da enfermaria, no Mindelo, na Ilha de S.Vicente, com outros camaradas enfermeiros e com o Alferes médico (o que não tem bata branca).



Foto nº 5 > Em Mindelo, com outros camaradas do batalhão (O sold aux enf, Porfírio Dias, está de bata branca)
Foto nº 6 > Tirada em Cabo Verde, depois do acidente que o obrigou a usar óculos para sempre

Fotos: (e legendas):  © Luís Dias (2009). Todos os direitos reservados

2. O Porfírio Dias, que também foi soldado em África
por Luís Dias


Querido pai,

Hoje é dia 19 de Março [ de 2009], dia de S. José, dia do pai. O teu neto telefonou-me de manhã a combinar almoçar comigo. O Daniel não se esqueceu aqui do “velho”, do “cota” como agora eles dizem. Vamos estar juntos. Também gostaria que pudesses estar aqui connosco, a vida levou-te há já alguns anos, mas continuas bem presente no nosso coração.

Mas neste dia queria lembrar que também tu foste mobilizado e enviado para Cabo Verde, no tempo da 2ª Guerra Mundial, que cumpriste também um dever que te foi imposto pelo teu/nosso país. Sei que a tua comissão não teve os riscos de combate, de guerra, como eu tive na Guiné, embora se falasse da possibilidade de um ataque alemão ou mesmo inglês, conforme o governo de Salazar se fosse inclinando para um lado ou para o outro, mas houve outros perigos: muita fome, doenças e as desgraças que assististe por força da tua especialidade.


Foste também vítima da habitual falta de material para cumprir com o necessário cuidado as tarefas de que eras incumbido, como Soldado Auxiliar-Enfermagem. E foi por teres utilizado umas luvas já deterioradas numa intervenção cirúrgica, em que apoiavas o médico, que depois ao tocares com os dedos num dos teus olhos, arranjaste o problema que te obrigou a usar óculos desde então.

Aqueles tempos de 18/7/941 a 7/5/44 (2 anos e 10 meses!!!!), em terras de Cabo Verde, não terão sido pera doce e lembro-me da história que tu contaste do submarino alemão que atracou e que,  depois de instado a sair de águas portuguesas, os alemães mantiveram-se calmamente no local e só se foram embora quando lhes apeteceu. Mas também das mornas que tu ficaste a adorar, como adoravas o fado. E a porrada que apanhaste e que está na tua caderneta, por estares no refeitório a atirar bolinhas de pão aos teus camaradas. É mesmo para rir…!!! Não havia mais nada para os teus superiores se entreterem? E um dos louvores por teres agarrado o cavalo do comandante que tinha tomado o freio nos dentes…. e que tu dizias que só o agarraste porque não sabias que o cavalo estava enlouquecido...porque se soubesses deixava-lo fugir! Ah!AhAh!

Lembro-me da alegria que tiveste quando fui promovido a Aspirante a Oficial Miliciano e,  se a mãe chorava, quase diariamente, como tu me contaste, quando eu estava na Guiné, ela também me contou das tuas lágrimas quando aos fins-de-semana me ajudavas a levar a mala até às camionetas, que me levavam a Mafra e depois a Abrantes de regresso ao quartel.

Sempre te fizeste de forte, mas eu sei o quanto também sofreste, enquanto eu por África andava. Imaginavas os horrores que devíamos estar a enfrentar, pensando no que tu também passaras.


Foste tu que me encaminhaste para a minha profissão quando me trouxeste o anúncio do concurso para investigadores da Polícia Judiciária, em 1975,  e ficaste todo orgulhoso de eu ter entrado. Deus não te deu o tempo de assistires enquanto eu fui progredindo na carreira e nomeado Director do Departamento de Armamento e Segurança, pelo Ministro da Justiça, 25 anos mais tarde.

O Daniel teve a sorte da liberdade conquistada pelo 25 de Abril lhe proporcionar ser o que ele quer. Sabes que ele tocou durante alguns anos, como guitarrista, numa banda rock – os Aside, que era, como tu te lembras, um dos meus sonhos. A banda fez 2 CD e diversos Tours por Portugal, pela Europa e pelo Canadá. Tocou no Festival de Vilar de Mouros, em 2005.

O socialismo que tu, a mãe e eu tanto apoiámos, é que já não mora aqui. Tem estado a morrer às mãos de uns tantos governantes tecnocratas que enfadam e corroem este nosso país.

A tua mulher (a minha mãe) tem sido sempre um apoio presente na minha vida e na do neto e pese embora a sua doença, as diversas passagens pelo hospital, continua a ter força para viver e conviver connosco. Como escreveu um camarada do meu batalhão num texto muito bonito sobre a mãe – para todas as mães – reconheço que algumas das rugas que ela tem, possam ter sido causadas por mim, pelo tempo que estive na guerra, mas olha que outras devem-se a ti, por teres partido tão cedo e sabes que tiveste alguma culpa nisso (maldito tabaquinho).

A nossa Lisboa continua linda e o Tejo, com o qual tanto conviveste, em virtude da tua profissão (Conferente Marítimo), está hoje mais perto da cidade, numa aliança muito importante para os lisboetas.

Preocupação tem-nos dado o nosso Benfica, que está um pouco longe do que era no teu tempo, mas eu e o Daniel mantemo-nos fiéis ao clube que, aos Domingos, indo contigo ao antigo Estádio da Luz, aprendi a amar. Sabes que o teu neto é Mestre em artes marciais (Taekwondo Do) e dá aulas, especialmente a miúdos, tendo começado também no SLB e já conseguiu alcançar alguns títulos com eles.

Pai, estou a invocar-te aqui no blogue da minha companhia, porque tu também foste um mobilizado para África. Um, entre os muitos milhares que a Pátria foi lançando para as terras bravas e quentes daquele Continente. Foste um soldado português, como nós fomos. O país, como aos combatentes da 1ª Grande Guerra, onde o meu avô também esteve, aos do teu tempo, aos da Índia e a nós combatentes da guerra colonial, nunca nos agradeceu, porque é ingrato ou, se calhar, também não mereceu tanta brava gente.

Um abraço saudoso de teu filho. Um dia, quando Deus quiser, iremos voltar a abraçar-nos.
Luís Dias

3. Comentário de L.G.:


Como o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca é... Grande! Os nossos dois velhotes foram contemporâneos no Mindelo, Ilha de São Vicente, Cabo Verde... Não sei se foram no mesmo navio, não devem ter ido... Nem deviam pertencer ao mesmo batalhão... O meu velhote chegou ao Mindelo a 23 de julho de 1941 e o teu cinco dias antes: 18 de julho... Era 1º cabo inf, nº 188/41 (1º Pelotão, 3º Companhia, 1º Batalhão, RI 5 - Caldas da Rainha)... Passou os últimos quatro meses, hospitalizado, no Lazareto, e regressou à metrópole em setembro de 1943... O teu ainda lá penou mais 7 meses! Vê, entretanto, se descobres, na caderneta, a que batalhão é que ele pertenceu...


Luís, parabéns pelo texto que escreveste e que eu não conhecia! É de uma grande ternura e cumplicidade!... Infelizmente, o teu velho já partiu mas as tuas memórias dele não se perderão. Temos um dever de memória em relação a esta geração, a dos nossos pais,  que também defendeu a pátria até aos confins do império... Um grande Alfa Bravo. LG


PS - Há mais expedicionários em Cabo Verde, durante a II Guerra Mundial: além do teu pai e do meu, o pai do Nelson Herbert, o pai do Hélder Sousa e ainda o pai do Augusto S. Santos (poste a publicar em breve).
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Nota do editor:


Último poste da série > 19 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9628: Meu pai, meu velho, meu camarada (25): Bo vida ta na balança... (Luís Graça)

2 comentários:

Luís Dias disse...

Caro Luís Graça

Em primeiro lugar o meu obrigado pelas tuas palavras. De facto é importante lembrar-nos daqueles que nos antecederam na vida e também em África.
Da caderneta do meu pai consegui ler que ele pertencia ao 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5.

Um abraço.

Luís Dias

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Luís, às voltas com uma pequena fotobiografia do meu pai, Luís Henriques (1920-2012), acabo por confirmar que ambos pertenciam ao RI 5, Caldas da Rainha, e ao 1º batalhão, e que partiram juntos no T/T Mouzinho, em 18/7/1941, do Cais da Rocha Conde de Óbidos, a caminho de São Vicente...

Seguramente que se conheceram: o teu pai era enfermeiro, o meu esteve hospitalizado 4 meses, com problemas pulmonares... Acabou por vir mais cedo, em setembro de 1943, "com 26 meses a engolir pó"; o teu, regressará mais tarde, em maio de 1944, se não erro...

O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!