sábado, 1 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10747: Blogues da nossa blogosfera (60): Memórias de Outros Tempos - A Estadia no HM 241, no Blogue Coisas da Vida (Jorge Teixeira - Portojo)

1. O nosso camarada Jorge Teixeira (Portojo), (ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70), enviou-nos este seu trabalho publicado no Blogue Coisas da Vida de que é autor e administrador, onde recorda a sua estadia no HM 241 de Bissau:









Memórias de Outros Tempos - A Estadia no HM 241

Faz 43 anos que abandonei o Hospital Militar depois de uma estadia de cerca de 30 dias com guia de marcha para a minha zona de residência, Catió.
Tudo começou meses antes, talvez em Junho, quando os dentes começaram a chatear. Consegui a consulta externa e em finais de Agosto arranjaram-me lugar num DO e lá fui até à cidade do Faz de Conta, que era Bissau.


Dias após consegui a vaga para me serem arrancados dois dentes. Que me deram cabo do juízo antes, durante e após as extrações. Apanhei o jeitinho de trincar os dentes.
Como andava a sentir-me mal do estômago e aproveitando a estadia, pedi uma consulta médica. Não demorou muito tempo a ser atendido pelo Dr. Maximino Cunha (agradeço ao Albino Silva ter-me informado do nome do médico) que era do meu tempo, incorporado no Batalhão de Chaves. Não sei qual era, mas sei que era também o dos meus amigos Cancela e Mano Velho Carvalho. Só há pouco mais de quatro anos conheci estes bronqueiros.
Disse-me o médico para esquecer o estômago e irmos ver os pulmões. Mas isso só com internamento. Imaginem como fiquei.


O internamento demorou muito tempo e então matava-o de qualquer maneira. De manhã ia-me apresentar aos Adidos, passava no Hospital para ver se havia vagas; as refeições e as dormidas eram no Quartel General, numa grande caserna, com beliches duplos, suja que nem pocilga.

 

As tardes eram passadas entre a Piscina do Quartel General ou os cafés da Cidade. Ao domingo eram os jogos de futebol. Para experimentar também fiz um serviço de patrulhamento nocturno com dois soldados, dentro de um Unimog salta-pocinhas, entre os Adidos e o Aeroporto. Quer dizer, a certa altura o condutor estacionou a viatura num local qualquer e ferramos a "galhada" até às 5 da manhã, hora de recolher. Ele é que sabia como era.


Finalmente consegui uma vaga na primeira enfermaria do lado esquerdo, com varanda e tudo.
A próxima consulta foi ainda com o Doutor Maximino - que acabou por ser o meu médico até ao fim - para além dos RX, receitou-me comprimidos e uma injecção diária que era de ir aos arames. O líquido, mais ou menos da cor de jeropiga, quando entrava pareciam vidros. Ainda por cima o bruto do cabo enfermeiro, lá porque era pegador de touros, não fazia carinhos nenhuns. Fiquei com tanta raiva ao homem que só não veio da varanda abaixo porque não tinha cabedal para ele. Consegui ao fim de poucos dias que as injecções fossem substituídas por comprimidos. Passei a tomar 16 diários, aumentados às quintas-feiras com o quinino e as vitaminas.

Ora um internamento requer pijama e chinelos. Como não os tinha, alguém me arranjou, originários provavelmente do caixote do lixo mas lavados, um casaco só com um botão, quase branco. Umas calças quase azul-bebé, sem elástico na cinta, cuja braguilha fechava em parte com um alfinete dama, ou bebé, como cá em cima lhe chamamos. Os chinelos, um de cada cor, eram daqueles que tinham uma borrachinha mais ou menos a meio e o dedão ia para um lado e o resto dos dedos para o outro. Num dos chinelos, de tão coçado, a dita borrachinha só segurava de vez em quando, mas usava sempre um clip de prender papeis.
Li há dias que esses chinelos foram inventados por um brasileiro e se chamam havanezas ou haitianas ou coisa parecida. Para o caso não interessa nada.


Tinha conseguido no dormitório do Q.G. umas feridas na cara que demoraram muito tempo a cicatrizar. Portanto, não fazia a barba o que tornava o meu conjunto visual por demais ridículo, do qual a malta "tainava" forte e feio. Coisa que não me preocupava, diga-se de passagem. Já cá cantavam quase 18 meses.
Na enfermaria foram meus companheiros o Sargento Carvalho das Daimler, também de Catió, mas por pouco tempo; e dois rapazes já em adiantado tempo de comissão. Um tinha sido operado de urgência, não me lembro agora se por doença se por ferimentos. O outro, chegamos à conclusão que já nos conhecíamos telefonicamente por motivos profissionais. Ele trabalhava no Turismo da Nazaré e eu na gráfica que lhes fornecia o material de propaganda. Era fadista amador, mais tarde tornou-se profissional e cheguei a vê-lo actuar na RTP. Foi ele que em Abril do ano seguinte me levou, e às malas, ao barco, no jipe emprestado por um major, pai da sua namorada.

Chegou à enfermaria um novo inquilino, velho conhecido de Catió, o Fidalgo de Montalegre, da CCS do BART 2865. Para arrancar dentes. Era um contador de estórias muito interessante. Recordo uma "a da tentativa de abatimento de um avião planador pelos guardas espanhóis, quando atravessou a fronteira pilotando o dito cujo".
Certo dia fomos visitados pelo Brigadeiro creio que se chamava Nascimento e, se também não estou em erro, era o Cmdt. Militar da Guiné. Depois de uma conversa a saber do estado de saúde da rapaziada, olhou para o Fidalgo que de boca aberta dormia e disse:
- Este sim, está muito mal.

Na realidade o aspecto do Fidalgo era terrível. De manhã tinha tirado mais alguns dentes, estava com a boca desdentada e meio ensanguentada. Dormia, talvez, ainda por causa da anestesia. Mereceu o comentário.


A enfermaria estava localizada num ponto estratégico. Permitia-nos ver o heliporto e a chegada de evacuados. Certo dia lá chegou mais um heli e descarregou um barbudo. Dissemos para nós mais um fuza que se f..d...
Mais tarde viemos a saber que era um cubano mercenário, o Capitão Peralta.
O Hospital ficou cheio de comandos e o homem ficou num quarto com sentinelas à porta. Esta foto correu mundo e já foi identificada. Não me lembro agora se pelo Dinis Dias ou pelo Pinto, que se reconheceu no meio dos dois outros maqueiros.

Durante a estadia, fiz algumas visitas (rondas) nocturnas a enfermarias acompanhado pelo camarada Quintino da CART 2410, que entretanto tinha passado aos auxiliares e começou a peluda mais cedo nos serviços do Hospital. Vi coisas horríveis. Nos africanos a causa maior das doenças eram a blenorreia e impressionava aqueles tamanhões de pénis a desfazerem-se.


Não havia entretenimentos, mas aos domingos deixavam-nos sair. Também a um domingo o Duo Ouro Negro, apenas com as suas violas, foram-nos dar um belo espectáculo.

Voltando às minhas doenças, os pulmões estavam um pouco estragados por uma bronquite crónica e não só por causa do clima. O Dr. Maximino recomendou-me deixar de fumar, ou no pior dos casos fumar charuto. Não havia charutos mas as célebres Timparillos, que passei a fumar. Depois novamente no mato não me estava a ver a andar com a cigarrilha na boca à Fidel, embora as comprasse no Bar de Catió e abusei delas uns bons tempos ainda.
Estava por resolver o caso do meu estômago, que depois de tomar a horrível papa, foi-me diagnosticada uma gastrite aguda.

Quero com isto dizer que passei a dieta. Peixe era a comida e normalmente o Espada. Coisa horrorosa, que trocava com os sulistas amantes de peixe por uma comida decente, embora seja um aforismo dizer comida decente. Mas pouco comia, a não ser o pequeno almoço e o lanche, por causa do pão. No intervalo eram as bolachas que tinha na mesinha de cabeceira. Claro que havia os dias de excepção, quando o prato não-dieta era feijoada. A troca era certa e tanto quanto me lembro não era má e sempre iam umas garfadas com mais prazer.

Havia em frente ao Hospital, mais ou menos, não me lembro bem, um bairro com um restaurante lá no meio que servia bifes (um insulto aos ditos, mas enfim...) e frango de churrasco. Como nos eram proibidas saídas nocturnas e a segurança tinha sido reforçada por causa do Peralta, o Quintino arranjou-nos umas divisas ou galões (?) de alferes e capitão que usávamos para sair disfarçados. Eu, o fadista e o operado passamos a realizar operações nocturnas ao tal restaurante para matar a fome e esquecer os padecimentos. Com direito a continência com grande batimento de pés e arma em sentido do sentinela à porta do hospital.


Descobri que havia uma biblioteca no Hospital. Embora a minha figura continuasse com muito mau aspecto geral, conversava muito com a Bibliotecária, uma senhora ainda jovem esposa de um militar. Descobri a Gabriela, do Jorge Amado e a Selva de Ferreira de Castro. Os dois livros marcaram-me pelas particularidades, de um e outro, muito comuns à Guiné: clima, cultura, geografia, colonialismo. Não me cansei, nem canso, de publicitar estes dois livros. O (A) Gabriela que hoje possuo, deve ser o meu quarto volume, pois os outros sumiram depois de emprestados.
O primeiro que comprei foi em Catió após o meu regresso do Hospital, na Loja de um senhor sírio, cujo nome esqueci, (o querido camarada Condeço chegou a enviar-me fotos nossas em casa dele, mas perdi-as numa das lavagens do PC), e meu fornecedor habitual de livros, discos, gravadores, máquinas fotográficas, recordações. E por lá ficou.


Faria trinta dias de internamento em breve e o médico quis preparar a minha evacuação para a metrópole. Disse-lhe que não queria e me desse alta. No horizonte previa o regresso em Janeiro, no primeiro barco. O último do ano já chegara a Bissau e levaria os mais velhos. Portanto, ficavam como velhinhos os que tinham embarcado em 1 de Maio de 1968, nos quais me incluía. Em Janeiro teríamos 20 meses de comissão. Já há muito que andava com a medalha ao peito. A célebre Barreta, verde e vermelha.
Lembrava-me do meu pessoal de quem estava afastado há 3 meses. Como era o único sargento e responsável pelo pelotão (o Oliveira aos 16 meses foi fazer um curso de artilharia em troca comigo e só o voltei a ver próximo do dia do embarque em Abril) tinha a obrigação de tratar das burocracias. Sempre eram mais de 30 homens e tinha um mês para isso. Os meus palpites não bateram certo, mas isso são outras estórias.
O médico, contrariado, notei, deu-me alta e muitos conselhos. Não me chamou burro mas subentendi. Enfim, médicos...

Aguardei no hospital que houvesse transporte aéreo para Catió, o que aconteceu no dia 4 de Dezembro, dia de Santa Bárbara e da Artilharia. A minha rapaziada recebeu-me com carinho e à espera de matar a sede, que a água da bolanha andava muito salgada.
Mas vamos à vida que o próximo barco é o nosso.


Fui-me informar como andavam as coisas por Catió e cheguei à GMC, Berliet ou lá que era, a viatura que tinha ido meio pelo ar numa mina. Estava à mercê da ferrugem.

Um pequeno convívio com rapaziada da CCS do BART 2865. Furriéis Mecânico, Transmissões e Armamento. Gente muito boa.

Um novo posto de transmissões que o Eduardo Monteiro (Dadinho para os amigos de infância) mandou construir. Naquele quartel já não se capinava.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10735: Blogues da nossa blogosfera (59): Reabertura do Blogue Lapland to Key West da Tabanca da Lapónia (José Belo)

11 comentários:

Unknown disse...

Obrigado ao Carlos, por colocar aqui uma das minhas memórias. Quero apenas confirmar que o "meu" médico chamava-se (oxalá ainda se chame)MAXIMINO e não Maximiano. Não adianta corrigir os textos porque quando mais se olha menos se vê.

Correia Nunes disse...

Jorge o Bairro que referes era o Bairro da Ajuda cuja construção deu ums bronca das antigas quando se descobriu,que alguém andava a surrupiar o ferro dos pilares,e em vez de ferro metia uns cibes no meio do pilar,meteu Spinola e tudo.
José Correia Nunes
BENG 447
Brá,68/70

Carlos Silva disse...

Amigo

Dentro dos sacrifícios ... Rica guerra....
Um abraço
Carlos Silva

Manuel Dias disse...

Camarada Jorge Teixeira
Te saúda o ex primeiro cabo radiotelegrafista do stm que passei por Catió em agosto de 1970 a julho de 1971,sou primo do Antonio Rodrigues que era o Barbeiro da 2865.Pouco tempo estive com a 2865 visto que em Dezembro regressaram á Metropole.
tanho ido aos convivios desta companhia se vais um dia nos encontramos. Um abraço Manul Gomes

Anónimo disse...

Caro Jorge Teixeira

Pelos e-mails que trocamos, deves te lembrar que te agradeci pela foto do Heli no Hospital e te informei que dos três que se encontravam junto ao Heli o do meio sou eu.
Um abraço
António Paiva

Unknown disse...

Caro António Paiva. Desculpa-me quando referi o Dinis Dias ou o Pinto na imagem.Afinal eras tu e lembro perfeitamente de te referires que levavas a melancia debaixo do braço.
A minha cabeça já não é o que era. E então para nomes é mesmo uma desgraça.
Um abraço e obrigado por me relembrares.

Unknown disse...

Caro Manuel Dias Gomes. Obrigado pelo contacto. Devo ter conhecido o teu primo. Quando souberes do convívio põe-me em contacto com a organização. Se for por aqui próximo, será um prazer rever velhos camaradas.
Um abraço

Manuel Carvalho disse...

Amigo Jorge

Em Catió tinhas dor de dentes mas não tinhas nenhuma doença.Foste para junto dos médicos, eram só doenças.
O Dr. Maximino era do meu Batalhão o 2845 e muita boa pessoa, mas eu graças a Deus e que me lembre nunca o vi.Temos muita conversa mas quando elas mordem lá vamos ter com eles.
Estamos quase a chegar aos 67.
Um abraço.
Manuel Carvalho

Anónimo disse...


Caro amigo Jorge,

Deves ser caso único na história de uma comissão. Fostes furriel, alferes com direito a ombro arma de uma sentinela e 2nd. Sargento para acabar a dita cuja.

A nossa guerra tinha destas coisas, aproveitar o máximo de Bissau, quando as oportunidades surgiam.

Já agora, o teu pelotão CSR tinha um bom número de açorianos. Onde forem eles formados? Conheces outros pelotões CSR de origem açoriana?

Abraço amigo,
José Câmara

Manuel Dias disse...

Caro Jorge Teixeira
Nao sei o lugar aonde se vai realizar o convivio em 2013,cuando saiba o lugar que sera atraves do meu primo Antonio Rodrigues enviarei imformaçao.
Nao sei se recordas do Belinho creio que era furriel vive pelos lados da Bairrada há pouco tempo esteve em Lamego em casa do meu primo Rodrigues o tlf. é 254655442 um abraço Manuel Gomes

Manuel Carvalho disse...

Caro amigo Zé Câmara
Tal como tu também andei por Teixeira Pinto 68/69 concretamente Pelundo e Jolmete.A propósito de açorianos, na especialidade de armas pesadas no terceiro turno de 67 em Tavira e como éramos de longe e não dava para ir a casa formamos um grupo 4 do Norte e um Açoriano, que julgo se chamava Afonso mas não tenho a certeza porque nós tratava-mos por açoriano. Quando havia patacão a saída era para o tasco do Sr.Florival junto ao mercado e entre comidas e bebidas saía-mos de lá bem compostos. Nesses dias o Afonso ia direito a cama e não queria conversa.Então começava um «Ó Açoriaaaaaaaaaano» e o Afonso dava um ronco «Hummmmmm» momentos de silêncio e a coisa repetia-se várias vezes até que o Afonso em vez de roncar dizia F....risota geral e passados uns minutos voltava tudo ao princípio até o último adormecer.Como nós nos divertíamos naqueles tempos.Nunca mais vi o Afonso nem soube nada dele mas envio-lhe daqui um forte abraço esteja ele onde estiver.
Grande amigo e camarada este açoriano.
Manuel Carvalho