sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15259: Caderno de Poesias "Poilão" (Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, Bissau, Dezembro de 1973) (Albano de Matos) (12): Eunice Borges é a única voz feminina desta antologia

1. Elemento gráfico da capa da brochura Caderno de Poesias "Poilão", edição limitada a cerca de 700 exemplares, policopiados, distribuídos em fevereiro de 1974, em Bissau. 

A obra é editada em dezembro de 1973, por iniciativa do Grupo Desportivo e Cultural (GDC) dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino (A história do GDC dos Empregados do BNU remonta à I República: foi criado em 1924).

Considerada a primeira antologia da poesia guineense, esta edição deve muito à carolice, ao entusiasmo, à dedicação e à sensibilidade sococultural de dois homens:

(i) o Aguinaldo de Almeida, caboverdiano, funcionário do BNU, infelizmente já falecido; era o
coordenador da secção cultural do Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do BNU - Banco Nacional Ultramarino, Bissau;

e (ii) o nosso camarada Albano Mendes de Matos (hoje ten cor art ref; tenente art, GA 7 e QG/CTIG, Bissau, 1972/74; "último soldado do império", é natural de Castelo Branco, e vive no Fundão;é poeta, romancista e antropólogo) [, foto à direita, em Bissau, em 1972/73].



2. Eunice Reis Borges ou Eunice Borges é a única voz feminina presente  nesta antologia (*), com o poema "Saí sem rumo" (pp. 24-25). Caboverdiana de nascimento, era na altura funcionária do Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e da Indústria (SNECI), em Bissau.  Três poemas seus, "Mulher da minha terra" (**),  "O nosso soldado" e "Manta da minha mãe" figuram na Antologia poética da Guiné-Bissau / União Nacional dos Artistas e Escritores da Guiné-Bissau. - Lisboa : Editorial Inquérito, 1990,  pp. 259-261

EUNICE REIS BORGES
Natural de Cabo Verde
Funcionária do S.N.E.C.I.


SAÍ SEM RUMO

Saí sem rumo e nesse vaguear
Eu vi o mar e perguntei-lhe:
Que anseio guardas no peito
Que contra as rochas te atiras com furor?
Que mágoa te consome, que mansamente
Beijas a areía em noites de luar?
O mar respondeu-me:
-Amor !

Ó vento,  que sacodes as árvores com loucura
E na tua fúria pões tudo numa roda-viva
E às vezes és brisa meiga
Que afaga as flores com carinho,
Que mistério te faz assim?
- É o Amor!,
Disse-me o vento.

Ó Lua serena que no firmamento
Te escondes no meio das nuvens buliçosas
E o teu brilho se espalha em noites silenciosas,
Que indiscreta espreitas os beijos dos namorados,
A que deves tanta beleza?
E o Amor me diz:
- A Lua!

Então, sinto no meu peito
Um pulsar descompassado,
Um anseio,
Um tremor,
E todo o meu ser depois se acalma
E sinto que afinal
0 que em mim se estremece
É o Amor!
Porque, eu mesma, do Amor nasci!


In: Caderno de Poesias "Poilão". Bissau: Grupo Desportivo e Cultural (GDC) dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, 1974, pp. 24-25.
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 9 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13997: Caderno de Poesias "Poilão" (Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, Bissau, Dezembro de 1973) (Albano de Matos) (11): Ah! Como sinto / Uma nostalgia imensa, / Quando me lembro / Do velho cais do Pigiguiti... (Manuel Ribeiro, natural de Cabo Verde, funcionário bancário)

(**) Vd. poste de 8 de março de  2006 > Guiné 63/74 - P598: Dia Internacional da Mulher (3): Referências e experiências vividas com as mulheres (ou bajudas) da Guiné durante a guerra (Mário Dias) e Mulher da Minha Terra, poema de Eunice Borges (Conceição Salgado)

(...) MULHER DA MINHA TERRA [, por Eunice Borges] [,seleção de Conceição Salgado]

Mulher da minha terra,
Mulher sofredora,
Mulher escrava,
Que só conhece deveres,
Vem!
Vem que já brilha
Para ti uma nova luz!
Vem de fronte erguida
E grita bem alto
Que ser mulher não é desdouro!
Vem!
Ser mulher não é ser fraca,
Ser mulher não é
Obedecer sem perceber,
Seguir sem conhecer o caminho,
Dar, sem receber
Não! Mulher da minha terra!
Vem!
Vem conhecer o teu valor
De ser mulher,
Deixa a ignorância
E vem aprender a ser mulher!
Vem!
Não precisas de adornos fúteis
Para seres bela
Mesmo coberta de farrapos.
Vem dar o teu contributo,
A tua palavra,
Até mesmo o teu olhar
Tem o seu valor como mulher!
Vem!
Mulher-criança!
Mulher-jovem
Mulher-mãe
Mulher velhinha,
Todas hoje unidas
No mesmo amor,
Vem glorificar
A Natureza que te fez
Mulher.

Eunice Borges
(nascida em Cabo Verde, descende das mais antigas famílias do arquipélago dos Bijagós)

Fonte: Antologia Poética da Guiné-Bissau (Lisboa: Editorial Inquérito, 1990)

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