Décimo primeiro episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).
Simplesmente, um ovo!
Já devia passar das oito horas da noite, era para lá do “Paralelo
48 Norte”, naquela altura do ano, continuava de dia, havia alguns
chuviscos, descíamos a montanha, por uma estrada de terra,
lama e pedra, depois de passar pelo topo, onde alguma neve
desaparecia lentamente, em direcção a algum ribeiro onde, entre
outros animais um urso procurava algo para comer. Já tínhamos
passado a fronteira, para os Estados Unidos, depois de viajar por
território do Canadá, a estrada já estava mais bem tratada, mas
todo o cuidado era pouco.
Próximo do fim da montanha, onde o terreno começava a ser
plano, surge-nos uma placa de sinalização com alguns nomes
de localidades, entre os quais estavam as palavras, “Chicken 43
milhas”. A primeira coisa que proferimos para a nossa esposa e
companheira, foi:
- Chicken!. Deve haver por lá galinhas e ovos!
Ovos que adoramos e que estivemos por um período de dois anos
sem poder comer, pois não se fabricavam, nem havia qualquer hipótese
de os obter em quantidade para fazer parte da dieta de qualquer
militar combatente que estivesse estacionado no aquartelamento
de Mansoa, na então nossa Guiné. Podemos estar a cometer um
erro, mas cremos mesmo que naquela altura, não era só em
Mansoa, devia-se passar o mesmo em qualquer aquartelamento
do interior da província, ovos, era um luxo quase impossível de
obter. Tão simples, um ovo, talvez os companheiros não se
recordem, mas não era fácil encontrá-los.
Voltando à tal localidade chamada “Chicken”, cuja tradução pode
ser mais ou menos Frango ou Galinha, depende da conversação,
mas para nós é Galinha, situa-se no estado do Alaska, a sudeste
da cidade de Fairbanks, é uma comunidade fundada pelos
pesquisadores de ouro e, é uma das poucas áreas, ainda
sobreviventes, da corrida do ouro no Alasca, onde ainda se pode
ver pessoas nos ribeiros, atolados na lama, procurando o
precioso metal. A população era de 7 pessoas, no Censo de
2010, no entanto, em diversas alturas do ano, existem mais ou
menos 17 habitantes, que ainda se dedicam à pesquisa.
“Chicken” faz parte da lista de nomes de lugares incomuns, mas
galinha e ovos são um fenómeno que às vezes fazem com que
brinquemos com as palavras, sem saber quem existiu primeiro, se a
galinha ou o ovo, que quase todos nós adoramos, pelo menos ao
pequeno almoço, e podem ser “mexidos”, onde aparece o
amarelo quase misturado com o branco, “ensolarados”, onde o
amarelo é levemente cozido e o branco não, “médios”, onde a
parte branca está cozida, mas o amarelo está meio cru, onde
todos gostamos de molhar o pão, ou o normal “estrelado” ou
cozido, que com um pouco de sal, é excelente para se beber um
bom “copo de tinto”.
Voltando à localidade “Chicken”, recebeu este nome porque os
primeiros habitantes, pesquisadores de ouro, que por aqui se
aventuraram por volta do fim do século dezoito, eram quase
como que atacados por umas aves que dão pelo nome
“ptarmigan”, muito parecidas com galinhas bravas, que fazia
parte da sua dieta 7 dias por semana e, quando resolveram
estabelecer-se nesta comunidade uma estação dos correios, o nome
só podia ser um, que era ”Chicken”. Hoje, ainda é um posto
avançado para um distrito de mineração de aproximadamente 40
milhas, que começou por ter alguma projecção a partir do início
de 1900, onde ainda existem minas de ouro activas, cujo ouro é
suficiente para que a sua exploração continue em actividade.
Então, já puxaram pela memória, qual dos companheiros
“agarrou” um ovo, lá na então nossa Guiné, que podia ser
comido, “mexido”, “estrelado” em fogo médio, até só “escaldado”,
“alinhavado”, ou simplesmente “cozido”?
Só agora me lembro, os ovos também servem para demonstrar
alguma manifestação de que não gostamos de qualquer
personagem, não só pública, onde se podem atirar, sem fazer um
mal físico, lá muito grande.
Tony Borie, Março de 2016
____________
Nota do editor
Último poste da série de 13 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15849: Atlanticando-me (Tony Borié) (10): Nós Combatentes e Elas Combatentes
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário