Guiné > Mapa da província (1961) > Escala 1/ 500 mil > Pormenor: o percurso do Rio Corubal, assinalado a amarelo, desde a fronteira, na região do Gabu até ao Saltinho... Ninguém nos sabe dizer ao certo qual o comprimento do maior rio da Guiné, desde a nascente, no Futa Djalon, na Guiné Conacri até à foz, no estuário do Geba, a seguir ao Xime... Já lemos 560 km, já lemos 450 km... A olhómetro, dois terços do seu sinuoso percurso devem ser na Guiné-Bissau... Do Saltinho até à fronteira devem ser uns 220/250 km... No mapa estão sinalizados aquartelamentos e destacamentos, alguns entretanto desativados no tempo de Spínola (Beli, Madina do Boé, Cheche, Xadina Xaquili, Quirafo...)
Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)
Foto: © Arlindo Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
1. Na Guiné, que era(é) do tamanho do Alentejo, as distâncias não se mediam em quilómetros, mas em horas e dias... E se era penoso, andar de dia com temperaturas tórridas e 100% de humidade no ar!...
Pelas cartas, em linha reta, parece tudo uma maravilha: de Bambadinca até ao Xitole, por estrada, deviam ser uns 45 km, mais 25/30, até ao Saltinho, faziam 70/75... Madina do Boé parecia estar a 65/75 km de Madina do Boé... Até Canjadude, seriam uns 25/30 km, e daqui até ao Rio Corubal (, que era atravessado de jangada, na margem esquerda ficava Cheche) eram mais uns 15/20... Daqui até Madina, era um "saltinho"... Mais uns 20/25 km... O que é isso, hoje, para quem está habituado a andar em autoestrada, de cu tremido ?
Digam-nos lá quantos quilómetros terá feito, a pé, em fuga, ao longo de uma das margens do rio Corubal (presume-se que a margem esquerda), do sítio, algures na região do Boé, onde vivia em cativeiro, até ao seu porto de salvação, o Saltinho, o nosso valente soldado José António Almeida Rodrigues (1950-2016) ?(*)
Na hipótese de no máximo fazer 10 km por dia, de madrugada e ao fim da tarde, o tal campo de prisioneiros não andaria muito da antiga Madina do Boé... Não sabemos grandes pormenores da odisseia do nosso Rodrigues, a não ser que a fuga se dá na época seca, em março de 1974... Pode-se perguntar:
(i) em que altura do dia caminhava;
(ii) foi a corta-mato (o que nos parece improvável, não devendo ter nenhuma catana consigo para abrir caminho);
(iii) quantas horas descansava;
(iv) como se alimentava, etc. Mas, sendo natural da Régua, ele estava pelo menos familiarizado com um rio, o rio Douro...
(i) em que altura do dia caminhava;
(ii) foi a corta-mato (o que nos parece improvável, não devendo ter nenhuma catana consigo para abrir caminho);
(iii) quantas horas descansava;
(iv) como se alimentava, etc. Mas, sendo natural da Régua, ele estava pelo menos familiarizado com um rio, o rio Douro...
Sabe-se que caminhou, pelo mato, em contacto visual com o rio... No entanto, as margens do rio estão cheias de obstáculos, a começar pela vegetação densa, o terreno, os afluentes do Corubal, etc... É possível que tenha também seguido alguns trilhos, mais recentes ou mais velhos... Também não sabemos se os seus carcereiros foram atrás dele... Nem o seu estado de saúde, físico, psicológico e mental... Mas a jornada diária deve ter sido terrivelmente penosa...
Enfim, o que nos dizem os peritos da Tabanca Grande, e sobretudo quem andou por aquelas paragens, sabe as cartas ou foi "ranger"? Toca a fazer essas contas, com vários cenários... (**)
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Notas do editor:
(*) 24 de março 2016 > Guiné 63/74 - P15896: In Memoriam (248): Morreu também, ontem, o José António Almeida Rodrigues (1950-2016), natural da Régua... Foi companheiro de infortúnio, no cativeiro, em Conacri e no Boé, do nosso António da Silva Batista (1950-2016)... Fugiu dos seus captores, em março de 1974, andou 9 dias ao longo das margens do Rio Corubal até chegar ao Saltinho... Teve uma vida de miséria, mas também conheceu a compaixão humana, a solidariedade e a camaradagem... É aqui evocado pelo José Manuel Lopes.
(**) Último poste sa série > 18 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15875: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (35): antigo quartel de Jabadá Porto, setor de Tite, ou outros antigos quarteis das NT na região de Quínara: quem quer e pode ajudar a Inês Galvão, jovem doutoranda em antropologia que vai estar até junho na Guiné-Bissau ?
5 comentários:
Vd. poste de 26 DE MAIO DE 2008
Guiné 63/74 - P2885: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (9): António Batista, ex-prisioneiro de guerra
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2008/05/guin-6374-p2885-o-nosso-iii-encontro.html
(...) Em boa hora o Álvaro Basto tomou a iniciativa de trazer com ele o António Batista (...), o morto-vivo do Quirafo (...), cujo drama a todos nos sensibilizou e comoveu. Este nosso camarada e amigo, que vive hoje na Maia (depois de ter sido enterrado, em 1972, no cemitério da sua freguesia natal, Moreira), faz parte da nossa Tabanca Grande e aguarda, com legítima ansiedade e expectativa, o fim deste terrível pesadelo que tem já 36 anos: de facto, ainda não foi reconhecida, de jure, a sua situação de prisioneiro de guerra, com eventual direito à respectiva pensão, ao abrigo do Decreto-Lei nº 161/2001, de 22 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 170/2004, de 16 de Julho.
De acordo com o preâmbulo do ciatado diploma legal, a concessão da referida pensão está condicionada por dois requisitos: (i) a prova de que o interessado esteve efectivamente prisioneiro nas ex-colónias; (ii) a demonstração de que se encontra em situação de carência económica.
Não sei se o segundo requisito se aplica ao António Batista que trabalhou no aeroporto Sá Carneiro e presumo que já esteja reformado. Penso que o problema maior do nosso camarada é ainda vencer a burocracia militar e demonstrar que esteve efectivamente prisioneiro do PAIGC, primeiro em Conacri (desde a sua captura em 17 de Abril de 1972) e depois na região do Boé, presumivelmente já depois da declaração da independência (ou seja, a partir de 24 de Setembro de 1973).
No vídeo que agora se aprensenta ele contou-nos as condições em que viveu no cativeiro. Falou-nos também de um outro companheiro de infortúnio, pertencente ao mesmo batalhão (BCAÇ 3872, que estava sediado em Galomaro, 1972/74), mas de outras companhia (que estava em Cancolim). Ele acabou por se lembrar do nome do seu camarada de infortúno (o [José] António Manuel Rodrigues), que conseguiu fugir do cárcere em Março de 1974 e, seguindo ao longo do Rio Corubal, chegar ao Saltinho ou próximo do Saltinho, onde foi resgatado pelas NT.
Esse camarada é natural da Régua, é conhecido do nosso José Manuel Lopes, ex-Fur Mil Inf Op Esp, que estava na CART 6250, em Mampatá (1972/74) quando o resgate se deu... Esse ex-prisioneiro, que era maltrado pelos seus carcereiros devido alegadamente ao seu comportamento agressivo, foi levado do Saltinho para Aldeia Formosa e dali para Bissau, por via aérea.
O [José] António Manuel Rodrigues, o "Chega-me Isso", alcunha de família por que é conhecido na Régua, vive miseravelmente, tem todos os sintomas do stresse pós-traumático de guerra, não procura nem aceita ajuda dos seus antigos camaradasda Guiné, tem conflitos com as autoridades locais, em suma, é mais um caso chocante de uma camarada nosso que não morreu na Guiné mas a quem a Guiné destruiu a vida. O José Manuel prometeu-me dar a sua identificação completa. A nossa Tabanca Grande vai tentar ajudá-lo.
Aqui fica entretanto o depoimento do António Batista. Recorde-se que ele só libertado em 14 de Setembro de 1974. Fazia parte de um grupo de 7 prisioneiros em poder do PAIGC, no Boé, que foram trocados, no aquartelamento de Aldeia Formosa, por 35 prisioneiros em poder das NT. Pelo lado das novas autoridades da Guiné-Bissau, assistiram à cerimónia Manuel dos Santos (Sub-Secretário Informação e Turismo), Carmen Pereira (membro do Conselho de Estado) e Iafai Camará (Cmdt Aquartelamento de Aldeia Formosa). (...)
A prova que a retirada de Madina de Boé foi responsável pelo crescimento a actividade operacional do PAIGC na zona de Galomaro bem com o que se passou no Quirafo
Ficamos de frente e terreno livre para eles evoluírem à vontade
Obrigado, Zé Manel pela tua homenagem e pela tua proposta, que deve merecer, da nossa parte, dos membros da Tabanca Grande e dos editores e colaboradores permanentes do blogue, toda a atenção. Por mim, o José António pode sentar-se no lugar nº 713, à sombra do nosso mágico e fraterno poilão. De resto, já houve mais casos de entrada, a título póstumo.
Como estes podem, por outro lado, de ter visibilidade na Net. Penso que ainda não está tudo dito...
A versão que ouvi do António Batista também apontava para a "rebeldia" do Zé António: era dos poucos que apanhava porrada dos carcereiros pelo seu comportamento...E, ao que me lembro, terá tentado aliciar o Batista para fugir com ele... De resto, eram do mesmo batalhão. O vídeo que fiz na Ortigosa, em 2008, se não erro, com o Batista, tem que ser ouvido com atenção... No vídeo vê-se o Paulo Sabntiago e o Jorge Cabral que assistem à conversa. No final aparece o Álvaro Basto que leva o Batista, de regresso a casa na Maia. Foi o primeiro e único encontro da Tabanca Grande em que ele participou...
Importa agora valorizar a sua "odisseia", e aí também há versões diferentes: (i) como é que o Zé António se deslocava (de noite, no rio; de dia, descansando, na mata) ?; (ii) o que foi comendo ? (iii) tinha alguma arma para se defender, um punhal, uma catana, uma simples navalha (improvável) ?; (iv) quem o ajudou e onde para chegar até ao Saltinho ?; (v) em que sítio do Boé é que estava cativo, mais a sul ou mais a ,leste de Madina do Boé ?; enfim, qual a distância que ele terá percorrido, em nove noite e nove dias até ao Saltinho ?...
Vou ver se o José Martins consegue aceder ao processo dele...o que me parece difícil, se não impossível...
José Martins
25 mar 2016 15:39
Totalmente de acordo. Até porque não é caso virgem.
Boa Páscoa.
Zé Martins
PS - Quanto à consulta do processo, parece-me que é missão quase inpossivel. Os processos só são "libertos" 50 anos após a verificação da morte. Vou ver o que consigo.
Juvenal Amado
Quem olhar para este mapa facilmente vê porquê que Galomaro começou a ser fustigado com ataques minas etc. É que para a frente não havia mais nada. A Norte tínhamos Cancolim a Sul Dulombi, o resto até Madina de Boé era sempre a direito e em frente.
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