sábado, 26 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15905: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (18): "Prisioneiros de guerra": Duarte Dias Fortunato, António Teixeira, em 1971 (e depois mais seis, por ordem alfabética: António da Silva Batista, Jacinto Gomes, José António Almeida Rodrigues, Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho, Manuel Vidal e Virgílio Silva Vilar)


Quadro - Lista dos prisioneiros que se encontravam, nos últimos meses de 1971,  na prisão do PAIGC em Conacri, conhecida por "Montanha". Dados obtidos a partir de documento manuscrito, da autoria  de Amílcar Cabral.  Fonte:  Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral



1. No Arquivo Amílcar Cabral (*), não se encontra nenhuma referência ao José António de Almeida Rodrigues (1950-2016)  nem ao António da Silva Batista (1950-2016), por estranha coincidência, camaradas do mesmo batalhão (BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), embora de companhias diferentes (o Batista, da CCAÇ 3490, Saltinho; o Rodrigues, da CCAÇ 3489, Cancolim). e companheiros de cativeiro (Conacri, Boé,  Boké), que vão morrer, no mesmo dia, e ambos com 66 anos, um na Régua, outro em Matosinhos..
.

 Há, no entanto,  fotos e documentos a relativos outros "prisioneiros de guerra" que estiveram com eles, na "Montanha", entre 1972 d 1974, a prisão do PAIGC em Conacri, e depois no campo do Boé: é  do caso do António Teixeira, da Lixa, Felgueiras; e do Duarte Dias Fortunato, de Pombal...

Estes nossos dois camaradas, os dois primeiros a serem apanhados e levados para Conacri, depois da Op Mar Verde (22/11/1970), constam de uma lista, manuscrita (com a letra do Amílcar Cabral!) em que se discriminam os seis prisioneiros, do PAIGC, que estão na "Montanha", em 1971 (em data posterior a agosto de 1971),  por nome, data de entrada, proveniência, acusação, data de saída e observações...

Sendo a lista do 2º semestre de 1971, ainda não poderiam constar os nomes do António da Silva Batista e do José António Almeida Rodrigues, capturados em abril e junho de 1972, respetivamente... Mas o que é interessante é o tipo de "acusação"... Há portugueses (2) e guineenses (4)... Não sabemos se, uns e outros, estavam misturados ou separados...

Sabemos que, depois do assassinato do Amílcar Cabral, em 20/1/1973, os 8 prisioneiros portugueses detidos na "Montanha" foram levados para a região do Boé Ocidental,  num "campo" junto ao Rio Corubal... donde iria fugir, de canoa, em 7/3/1974, o José António de Almeida Rodrigues, sold at inf, CCAÇ 3489 (Cancolim, 1972/74). Ao fim de nove noites e nove dias, conseguiu chegar ao Saltinho, devendo ter percorrido não mais do que 50 quilómetros,  pelo rio, segundo as nossas estimativas.

Dos guineenses da lista de prisioneiros, guerrilheiros do PAIGCum é "desertor", outro acusado é de "homicídio", um terceiro de "furto", e o último de ter "contacto com o inimigo"...

Os portugueses, ambos "prisioneiros de guerra" (sic), são o António Teixeira (entrado em 21/1/71) e o Duarte Dias Fortunato (24/2/71)... O Fortunato tem a palavra "desertor" riscada; o Amílcar Cabral escreveu por cima "prisioneiro" (a azul) e acrescentou (a lapiseira preta) "de guerra"... O mesmo se passa com o Teixeira: primeiro era simples "prisioneiro" e depois passou a ser "prisioneiro de guerra"...

As proveniências são diversas, não se percebendo bem se PAIGC disporia de diversos "campos de detenção  temporária" (ou prisões, mesmo que precárias), antes de os prisioneiros chegaram à "Montanha", em Conacri.... Ou se o termo proveniência tem a ver com o local de detenção ou aprisionamento no caso dos portugueses. Há referências a Ziguinchor (no Senegal), Norte, Madina do Boé, Boé Oriental...

O Amílcar Cabral utilizava habilmente uns e outros, os prisioneiros de guerra e os desertores, para fins de propaganda diferentes e interlocutores diferentes: Igreja Católia / Vaticano, Cruz Vermelha Internacional, "países amigos", etc....

Recorde-se aqui, mais umas vez, os nomes dos últimos prisioneiros de guerra que foram entregues, em 14 de setembro de 1974 pelo PAIGC às NT (**):

(i) o nosso "morto-vivo" António da Silva Batista (1950-2016), da Maia;

(ii) Manuel Vidal, de Castelo de Neiva;

(iii) Duarte Dias Fortunato, de Pombal;  [ex-1º cabo at art, CART 3332, 1972/74; capturado no subsetor de Piche, em 22/2/1971, na sequência de emboscada no decurso da Acção Mabecos]; (**)

(iv) António Teixeira, da Lixa, Felgueiras;

(v) Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho, do Porto;

(vi) Virgílio Silva Vilar, de vila da Feira;

e (vii) Jacinto Gomes, de Viseu.

Como escreveu algures o Manuel Carvalho, o José António Almeida Rodrigues foi um homem de grande coragem física, ao arriscar, com sucesso, a fuga... Se ele fosse considerado "desertor", nunca teria ido parar à "Montanha" nem muito menos ao "campo do Boé"... E muito menos ainda teria necessidade de fugir aos seus captores... Noutro país, a sua história, a sua fuga, daria um filme...




Documento manuscrito, pelo punho de Amílcar Cabral, com a lista dos prisioneiros que se encontravam, nos últimos meses de 1971 na prisão do PAIGC em Conacri, conhecida por "Montanha". Cortesia da Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral


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Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 07062.034.017
Título: Registo dos prisioneiros na "Montanha"
Assunto: Registo dos prisioneiros na "Montanha" [prisão do PAIGC em Conakry].
Data: 1971
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos
Direitos:
A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

Arquivo Amílcar Cabral
05.Organização Militar
Justiça Militar

Citação:
(1971), "Registo dos prisioneiros na "Montanha"", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40241 (2016-3-26)



(Foto reproduzida por Beja Santos no seu poste P14454, de 10 de abril de 2015. A fonte provável é o artigo "Desaparecido em combate", de Duarte Dias Fortunato, publicado na revista da GNR, "Pela lei e pela grei", nº de abril de  2000 (*) [Na altura, o Fortunato era soldado de infantaria da GNR e prestava serviço no Posto Territorial de Quiaios, na Figueira de Foz]


... E o António da Silva Batista (1950-2016), nesta foto,  deve o primeiro da direita, de bigode e de patilhas. Falta aqui o José António Almeida Rodrigues (1950-2016), que conseguiu fugir do "campo de detenção" do Boé, do PAIGC, junto à margem esquerda do Rio Corubal, na parte ocidental da região do Boé, situado algures entre Gobige, Guileje e Madina do Boé, junto à fronteira, segundo as nossas estimativas.  

O "campo de detenção", pelas descrições do Batista e do Rodrigues, só podia ser na região de Tombali, junto ao rio Corubal e à fronteira (sul) com a Guiné-Conacri (por razões de segurança e logísticas), ou seja, em zona considerada "libertada", segundo a terminologia do PAIGC, mas sujeita aos bombardeamentos da aviação portuguesa.  

Depois da fuga do Rodrigues, em 7 de março de 1974, os prisioneiros foram levados para o outro lado da fronteira, já na República da Guiné, segundo o depoimento do Duarte Dias Fortunato, em 2000. Foi aí que  receberam a notícia do 25 de abril de 1974 (**). 

_______________

Notas do editor:


(**) Vd. postes de 


(...) Ao fim de dois anos, começaram a chegar mais prisioneiros [, à "Montanha", em Conacri]: uns capturados no posto de sentinela, outros que saíam do quartel para irem à caça e eram caçados. No final éramos oito. 

Um certo dia, mandaram-nos sair da prisão, fomos metidos num camião do PAIGC, ao fim de três dias chegámos a Madina de Boé [, ou à região ocidental do Boé]. Percebemos que estávamos a mudar para um prisão improvisada mas com muita segurança e ali permanecemos alguns meses. Aqui sofremos muito com a nossa aviação, que atacava frequentemente o local. Houve depois uma fuga [,em 7 de março de 1974, a do José António de Almeida Rodrigues,] e os prisioneiros foram deslocados para o lado da fronteira da Guiné Conacri. Quando chegámos a um local, junto de um grande rio, cujo nome nunca soube [, talvez rio Kogon, não longe da base de Kandiafara, província de Boké], ali acampámos. Construíram uma prisão de madeira onde ficámos instalados alguns meses.[até setembro de 1974...].


Certo dia pela manhã, apareceram alguns guardas com os rádios junto aos ouvidos e gritavam com júbilo “Tuga, tuga, Marcelo caiu. Independência, independência”. Através da rádio demos conta que em Portugal tinha havido um golpe de Estado.

No dia 11 de setembro, entregaram-nos vestuário dizendo-nos que no dia seguinte seguíamos em direção a Bafatá, a fim de sermos entregues por troca com outros prisioneiros. Ao fim de três dias chegámos a Bafatá. Embarcámos de seguida num avião militar, onde recebemos os primeiros cuidados médicos. (...) 

3 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Já noutro local me insurgi contra a memória que estamos a perder.
O que não sofreram estes nossos camaradas! Imaginem só as condições daquela "prisão de madeira" algures no Boé. Fora todo o resto. E as lesões físicas e psíquicas...
Reparem que, hoje, se quisermos fazer uma evocação do sucedido no local, ninguém sabe onde foram torturados de modo tão gratuito. E os psicólogos "cá do bairro" não têm nada a aprender aqui? E os jornalistas? Claro que há temas mais "interessantes"...
Enfim, o costume...
Um Ab e bom Domingo de Páscoa.
António J. P. Costa

Luís Graça disse...

Tó Zé, e já agora... é bom lembrar que o pobre do Batista recordava, com horror, o momento em que foi encostado à parede, na "Montanha", com um pelotão de fuzilamento a postos e tudo preparado... Isto passou-se logo a seguir ao assassinato do Amílcar Cabral... Se era ou não uma simulação só para causar terror, é uma situação-limite que eu não desejo a nenhum ser humano... Foi depois disso que os 8 prisioneiros portugueses foram levados para o Boé Ocidental, para um "campo" (improvisado), junto à margem esquerda do Rio Corubal, e perto da fronteira (nunca podia ser em Madina do Boé, muito menos em Cheche, ou, pior ainda, em Béli...). Com a fuga do valente soldado Rodrigues (!), eles foram "levados" para o "outro lado de lá", a caminho de Kandiafara... Era importante localizar com precisão estes "campos de detenção"... Estou a imaginar este nosso camarada a beber água do rio, e a alimentar-se de frutos e crustáceos durante nove dias e nove noites!... E acassado, como um animal, pelos seus captores!... Só agora sabemops certos pormenores...

Boa Páscoa, melhores amêndoas... LG

António J. P. Costa disse...

Pois é Camarada
Mas os "Filhos do Vento" e outras actividades "recreativas" é que deram direito a estudo dos jornalistas. Essas é que dão ronco e prémios.
Isto não é o politicamente correcto, não é?
Por isso fica para o etc....
Um ab. do
TZ