terça-feira, 22 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15889: Notas de leitura (821): Micropoemas do livro "Haikus do Japão e do Mundo" (Lisboa, Gradiva, 2016): seleção e oferta do autor, António Graça de Abreu, para os nossos grã-tabanqueiros

Antonio Graça de Abreu, escritor, poeta,
sinólogo, nosso camarada, com a sua esposa;
 foi alf mil, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa 
e Cufar, 1972/74]; é membro sénior  da nossa 
Tabanca  Grande, e ativo colaborador do 
nosso  blogue com mais de 170 referências.
1. Mensagem de Antonio Graça de Abreu

Data: 12 de março de 2016 às 15:35
Assunto: FEMINA
                      
Pela cópula entre homem e mulher, o yin e o yang obtêm o que necessitam, céu e terra conhecem paz e tranquilidade.

Anónimo, Clássico da Paz e Tranquilidade, dinastia Tang (619-907)

Se não trazem amantes para os quartos,
as vidas dos anjos não passam de um sonho.
                                                           
Li Shangyin (813-858)

Grave e leda no gesto, e tão fermosa
Que se amansava o mar de maravilha.

 Camões, Os Lusíadas, Canto VI, 21




Meus caros camaradas da Guiné:

Quando abríamos a vida em pleno para uma vida sexual activa e esfuziantemente bonita (tínhamos 21/23 anos),e em nós crepitava o fogo natural que os deuses nos concederam
para amar e entrar no feminino,
evanescente e mágico,
enviaram-nos para uma guerra, que não era nossa.

Vivemos durante dois anos, no calor e na metralha dos dias,
com a ausência da mulher amada,
a quase castração de amar,
o refugo do sexo.

Regressámos um dia.
E tínhamos, nem todos, à nossa espera a mulher,
companheira, tolerante e amiga,
que, pós Guiné, nos foi acompanhando,
ao longo de décadas e décadas de sinuosa vida,
que envelheceu connosco
e que, eleitos, entre os nossos combatentes e camaradas da Guiné,
continua a ser a almofada segura a que nos encostamos,
o corpo a que nos abraçamos,
ainda no desvairo final dos dias,
a mulher que nos sabe amar.
Essa será a companheira de sempre.
Em breve, partiremos para o aconchego dos deuses,
para o canto do Céu,  do vazio e do nada.
Com a certeza de termos amado,
de termos sido amados.
Ou então, de termos delapidado o amor na carícia sublime e falsa
em corpos de jade,
de mármore,
de carne serena ou exaltante,
perfumada, acariciante e breve.
Em corpos que jamais foram nossos,
e eram e são também os nossos corpos.
Muitas mulheres entraram, e saíram,
e voltaram a entrar nas nossas vidas.

Ex-combatente da Guiné, peço ao Luís Graça
que publique estes meus mini-poemas,
com imagens, sensibilidades, encantamentos,
sobre o erotismo suave, a lascividade perfumada.
Os poemas já têm seis anos de idade, mas são eternos.
E tenho para o meu novo livro, ainda este mês, com a Ed. Gradiva,
mais 200 poemas sobre as meninas/mulheres,
eternas companheiras,
a mais fantástica criação inteligente de Deus,
as figurações e fadas que povoam as nossas vidas.
Se valer a pena, dar-vos-ei notícias.

Abraço,
António Graça de Abreu


2. Comentário do editor:

Concordámos em não publicar o "power point" na medida em que o António não tinha a certeza sobre a autoria dos créditos fotográficos... As imagens foram recolhidas na Net por uma amiga. Não podem ser publicadas no nosso blogue, por causa da proteção da propriedade intelectual e do consequente risco de violação dos termos de utilização deste espaço que o Google nos concede.

A vida é feita de compromissos e de respeito pelos direitos dos outros...Os poemas e as fotos são belíssimos, os poemas são do António mas as fotos não. Em contrapartida o nosso camarada arranjou-nos uma alternativa... Os nossos leitores não ficam defraudados.  Obrigados pela compreensão de todos, e pela generosidade do autor. Os editores.

3. Mensagem de hojem do Antonio Graça de Abreu, com data de hoje

 Meu caro Luís:

Obrigado pelo teu cuidado. As imagens são de facto da Net, não sei de onde. Não fui eu que fiz o "power point", mas uma amiga. Por isso será melhor não colocar imagens, não vá o Google implicar.

Mas mando-te mais minipoemas da lascividade perfumada, cheios de erotismo suave.

Sem imagens, encaixam na bloguepoesia e já lá dizia o Camões, no canto IX de Os Lusíadas:

"Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
mas julgue-o quem não pode experimentá-lo."




Capa do livro. Cortesia da Gradiva  (vd. aqui página doFacebook):

"Recorrendo a uma forma poética de origem japonesa (haiku),
onde se valoriza a objectividade,
o autor apresenta um conjunto de poemas
que levam o leitor a viajar por locais distintos,
no Oriente e no Ocidente".


4. Figurações e fadas

E o vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.

Luís de Camões

“Não escrevas poemas de amor, são os mais difíceis.”

Rainer Maria Rilke (1875-1926)


267

Vim para ouvir
as palavras sagradas do monge budista,
mas penso na mulher de seda e rosmaninho.
Meu ser desliza na brisa
ao encontro da voluptuosidade faiscante
dos braços da minha amante.

278

Encontrar bom porto
nas mil enseadas
do teu corpo.

293

Chegamos à casa da aldeia.
Sob a cama, o criquilar de um grilo
saúda os amantes.

294

Mostrar-me-ás os caminhos do Tao,
yin e yang tatuados no teu ombro.
Depois, enlaçados, avançaremos para a noite.

295

Que sede!
O meu balde de prata
desce célere para o teu poço de jade.

296

As minhas mãos nos teus seios,
montículos de seda cor de rosa,
tépidos flocos de neve.

297

Perfeitíssimos
os teus seios.
E duas framboesas.

298

A seda dos teus seios
no molde dos meus dedos.
Hoje não vou lavar as mãos.

299

Entro no teu jardim.
Aberta para mim,
uma flor de marfim.

300

A tua roupa
esconde música celestial.
Dispo-te.

333

No duplo jade do teu corpo,
teus seios de fruta e avelã.
Meus lábios em viagem.

334

Para eu viajar em ti
entreabres a flor
adormecida no teu ventre.

335

Acaricio
o teu monte de jade,
fresco como musgo verdejante.

301

Beijos, carícias rendadas
dos meus lábios,
música sumptuosa no teu corpo.

302

Nua. Com os lábios teço,
na perfeição do teu corpo,
um vestido de ternura.

303

Partir-te ao meio,
embrulhando cada metade em mim.
Comer-te.

304

É sexo, é amor,
é poesia.
Todo o teu corpo é magia.

307

Que perfeição!
Limpa e pura, 
a água do teu banho.

308

Crisântemos na água do teu banho.
A tua nudez limpa
e perfumada.

310

Uma flor na névoa.
O teu pequeno pavilhão de cereja
abre-se para mim, como um livro.

311

Sou um hífen à solta
pousado
no mel do teu ventre.

312

Adormeces
no canto
silencioso dos meus braços.

325

Vasco Graça Moura fala
de “perfumes da penumbra da mulher.”
Quem sou eu para desejar
fragrâncias de um corpo jovem
para o grito dos dias 
e os silêncios da lua?

355

Meu desatino,
empilhar na volúpia da memória
os meus amores de outrora.

356

Sempre a mulher inexistente.
Beijo o vazio,
até sangrar a polpa dos meus lábios.





Poemas do meu novo livro Haikus do Japão e do Mundo, Lisboa, Gradiva Ed., 2016 [, coleção Cantares de Amigo, preço de capa , c. 15 €], saído da tipografia há três dias.

Com um abraço do António Graça de Abreu.

______________

Nota do editor:

2 comentários:

antonio graça de abreu disse...

É quase só tristeza neste blogue, a necrologia, a exaltação dos camaradas mortos (que tudo merecem, é verdade!) Quase nos esquecemos de estar vivos, até nos esquecemos de viver, de viver em alegria, contentamento, pasmo, espasmo, orgasmo,(ainda lhe conheces o gosto?) a abertura para o correr dos dias, e disponibilidade para amar o mundo, e a mulher, ou mulheres das nossas vidas, o sublime amor de amar, nestes últimos anos que nos restam. E a vida é, e foi tão breve!
Nem um comentário a este meu post.

Abraço,

António Graça de Abreu

Luís Graça disse...

Tens razão, António!... Estamos muito fúnebres!... E até o Google considerou o teu comentário como Spam!... Ab., este mês é, para ti, festivo, natalício, alegra-te!|... LG