quarta-feira, 23 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15892: Inquérito 'on line' (49): Pifos não eram comigo, só por duas vezes! (Manuel Joaquim, ex-Fur Mil da CCAÇ 1419)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), com data de 15 de Março de 2016:


Pifos não eram comigo, só por duas vezes!

Noite feliz com copos

Não devo estar muito errado se disser que o vinho, a cerveja, o whisky e o gin foram minhas companhias diárias nos meus tempos de guerra na Guiné. Boas companhias, diga-se, já que só por duas vezes as nossas relações descambaram para a bebedeira. Uma na noite de Natal de 1966 e outra, uma semana depois, na passagem para 1967.

Daquela passagem de ano não me lembro de nada, directamente. Sei do tamanho da piela por uma frase que encontrei numa carta para a namorada: “Entrei [em 1967] com uma grandessíssima bebedeira. Não, não te atemorizes, meu amor, que não é para continuar. Não sou alcoólico, longe vá o agoiro”.
Se desta bebedeira não me ficou memória, da que apanhei na já referida noite de Natal ainda guardo lembranças, não muitas.

Tudo se passou na messe de sargentos, num edifício exterior ao quartel de Mansabá (a uns 100m). A coisa começou a “encher” durante o jantar do dia 24 e só parou a altas horas da madrugada.


Fotos 1 e 2 - Após o jantar, todos juntos ao fundo da sala para tirar a desejada foto, memória do último Natal passado na Guiné. Entretanto decidi testar a qualidade do meu equilíbrio apesar da “noite” ainda só estar no princípio. ©Manuel Joaquim

Finalizado o jantar, o tempo foi passando em clima de festa serena. Os camaradas confraternizavam, não só entre si mas também com as bebidas, sendo a cerveja a rainha da festa. A certa altura começou a debandada de uma boa parte deles para o quartel mas ainda ficaram os suficientes para encher o espaço do bar.



Fotos 3-4-5 - Ficaram bastantes para continuar a festa. ©Manuel Joaquim

A certa altura da noite, alguém começou a cantar uma canção de natal e surgiu logo a ideia de se fazer uma fogueira para continuar o convívio à volta dela. Não havendo madeiro de natal para queimar, serviram para o efeito as embalagens de madeira. A fogueira durou enquanto se não esgotou o repertório de canções natalícias (muitas!) ou então enquanto houve caixotes para queimar!


Fotos 6-7 -  Canções de Natal à volta da fogueira ©Manuel Joaquim

Esta “cerimónia natalícia” foi um dos poucos momentos felizes que passei na Guiné. Talvez os “copos” tivessem culpa de me sentir tão bem mas aquela nostalgia do Natal dos tempos de infância, a muita saudade dos nossos entes queridos, a beleza do momento dada pelas nossas vozes entoando aquelas canções numa bela comunhão colectiva à volta da fogueira, tudo isto até me fez esquecer o local onde estávamos e o perigo que corríamos todos os dias.
Mas a “magia” durou pouco tempo. Ao dar por isso, em vez de me ir deitar voltei para o bar da messe e entrei na função de bebedor. O cerimonial começou com a queima ritual de capas de palha que envolviam um certo tipo de garrafas, já não me lembro qual.

Foto 8 - Cerimónia ritual da queima da palha. Apelo à participação dos presentes no sacrifício de bebidas alcoólicas. ©Manuel Joaquim

Como mestre celebrante só podia ter um tipo de comportamento, o de dar exemplo activo de participação no cerimonial. Apesar de no início do acto já estar de “meia pipa” creio que cumpri bem e não durou muito tempo até eu encher o vasilhame. Fui de “caixão à cova”!

Foto 9 - “De caixão à cova”. ©Manuel Joaquim

A memória não me ajuda na descrição e por isso, para continuar, tenho de me servir do relato feito em carta, datada do dia seguinte e escrita no local dos acontecimentos, relato este merecedor de alguma confiança na verdade do seu teor. Eis o que diz o documento:
“A noite de Natal cá se passou. Uma barulheira infernal, bebedeiras a torto e a direito, noite em branco, choros, convulsões, maluqueiras, gritos histéricos, socos, cabeças partidas e mesas, copos, cadeiras a que aconteceu o mesmo. Bem, isto não foi Natal. Foi carnaval e do bom. Alegria falsa, no entanto. Se na noite de 24 para 25 ainda “alinhei” na coisa, ontem já não o consegui fazer. Era demais. A alma estava tão triste!... E continua.”

Mas que grande forrobodó! Tão grande como a “piela” que apanhei.
Pouco me lembro do acontecido e creio que se não tivesse as fotos não o conseguiria reconstituir minimamente, nem com o apoio deste relato sobre o qual não sei bem o que dizer.
Não me lembro da maior parte dos factos referidos na carta mas uma coisa sei; sei que não foi mentira porque nunca menti nas cartas que dirigi à minha namorada. Se por vezes não lhe queria dizer a verdade sobre alguma coisa, então não lhe falava sobre o assunto.

Mas a leitura deste relato trouxe-me a imagem do 1º sarg. da CCaç.1419, bem zangado, a queixar-se dos estragos provocados na messe de sargentos por uma “panelada” nocturna mas não sei se foi no Natal ou no fim do ano. Além de alguns pratos partidos e talheres tortos, havia panelas amolgadas por terem servido de instrumentos de percussão, tendo uma ou outra ficado inutilizada para a função devido a amolgadelas profundas, uma delas (a grande da sopa) com umas perfurações que a inutilizaram para todo o serviço. Quando aconteceu isto, foi na noite natalícia ou na passagem de ano? Em certas localidades ainda hoje há o costume de bater panelas e tachos velhos para saudar um novo ano. Se também foi o que sucedeu em Mansabá, não sei. Estava com a tal “grandessíssima bebedeira” e se calhar também fui um dos que andaram a bater com as panelas.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Março de 2016 Guiné 63/74 - P15887: Inquérito 'on line' (48): Bebedeira colectiva durante um assalto ao bar do Zé D'Amura (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546); O pifo monumental do "Jeová" no Domingo de Ramos de 1969 (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381)

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