segunda-feira, 10 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17228: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (7): as más notícias de Amílcar Cabral (1924-1973): a mina accionada pela viatura de Pedro Pires, em 17 de março de 1972, na estrada Sansalé-Boké, em território da Guiné-Conacri



Infogravura: Jorghe Araújo (2017)



Colaborador permanente do nosso blogue, Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Especiais da CART 3494. Xime e Mansambo, 1971/74) é professor universitário, doutorado em ciências do desporto.  Este texto foi nos  enviado a 17 de março último, com a seguinte nota: "passam hoje 45 anos em que o Pedro Pires caiu numa mina em território da Guiné-Conacri, conforme é referido por Amílcar Cabral", pretexto para maia um poste para a série "(D)o outro ladoc do combate (*).


Sobre o comandante Pedro Pires. recorde-se aqui o seguinte:


(i) de seu nome completo Pedro Verona Rodrigues Pires, nasceu na ilha do Fogo, Cabo Verde, em 29 de abril de 1934:

(ii) em Lisboa, a partir de 1956. frequenta a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e é membro da Casa de Estudantes do Império;

(iii) chamado a cumprir o serviço militar obrigatório, foi alferes miliciano na FAP - Força Aérea Portuguesa.

(iv) com o início da luta armada em Angola em 1961, saiu clandestinamente  de Portugal em junho desase anop no meio de uma leva de 8 dezenas de estudantes africanos que foi a salto para França (entre eles, estavam os angolanos Iko Carreira, Gentil Viana e Daniel Chipenda e os moçambicanos Joaquim Chissano e Pascoal Mocumbi):

(v) de França seguiu para Marrocos, onde colaborou com o dirigente da Frelimo, o moçambicano Marcelino dos Santos, na Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas:

(vi) em 1963, já está em Dacar, Senegal, de onde transita depois para Conacri, antes de seguir para Cuba e para a URSS, onde frequentou cursos de guerrilha;

(vii) sabe-se pouco sobre a sua vida como combatente; na sequência do assassinato  de Amílcar Cabral em janeiro de 1973. torna-se  um dos protagonistas do II Congresso do PAIGC, que criou uma Comissão Nacional para Cabo Verde;

(viii) foi depois escolhido para comissário adjunto (secretário de Estado) das Forças Armadas, quando o PAIGC proclamou a independência da Guiné-Bissau, em 24 de Setembro de 1973; nessa altura, Pires aparecia como n.º 2 de Nino Vieira, que acumulava as funções de comissário (ministro) com as de presidente da Assembleia Nacional Popular.

(ix) chefiou a delegação do PAIGC que negociou com o Governo português, o reconhecimento da independência da Guiné: assinou o Acordo de Argel, em agosto de 1974: dirigiu a delegação que assistiu ao acto de reconhecimento da independência da Guiné-Bissau, em Lisboa, a 10 de setembro de 1974:

(ix) depois da Declaração de Independência de Cabo Verde em 5 de julho de 1975, foi designado ministro-presidente, cargo que ocupou até 1991, quando — como resultado de sua iniciativa junto com outros — o sistema multipartidário foi introduzido no país e o MpD - Movimento pela Democracia, de Carlos Veiga, conseguiu a maioria.

(x) com o advento da democracia e do multipartidarismo, em 1991, o comandante Pedro Pires substituiu Aristides na liderança do partido (já designado por PAICV após a cisão de 'Nino' Vieira):

(xi) eleito Presidente da República em 2001 e reeleito em 2006:

Outras fontes: vd. também, Expressp das Ilhas e o arquivo Pedro Verona Pires no portal Casa Comum / Fundação Mário Soares.


1. INTRODUÇÃO

Antes de mais, cumpre-me referir que tinha intenção de adicionar o meu modesto contributo a um dos temas mais sensíveis desta semana no blogue, apresentado no P17138 pelo nosso camarada António Martins de Matos (ten gen pilav ref), em particular sobre o seu ponto 3. «O Strela, a arma que revolucionou a guerra». )*)

Porém, por ter em mãos a divulgação de uma ocorrência (efeméride) verificada há, precisamente, quarenta e cinco anos, em 17 de março de 1972, igualmente uma sexta-feira como a deste ano, esta acabou por se sobrepor à anterior, por opção, prometendo no entanto recuperá-la oportunamente.
A presente narrativa nasce, uma vez mais, de uma nova visita aos arquivos da Casa Comum, Fundação Mário Soares, onde encontrei uma outra má notícia divulgada por Amílcar Cabral (1924-1973), esta relacionada com o accionamento de uma mina, colocada em território da Guiné-Conacri, no itinerário entre Sansalé e Boké, por uma viatura (pesada?) onde seguiam entre outros dirigentes do PAIGC, Pedro Pires e Bacar Cassamá, que saíram ilesos, mas onde se registaram algumas perdas humanas que não foram identificadas/referidas nem quantificadas na sua carta.

[Vd, acima o mapa da região sul da Guiné, assinalando-se o local do acidente, no itinerário Sansalé-Boké, em território da Guiné-Conacri.]


2. AS MÁS NOTÍCIAS DE AMÍLCAR CABRAL

2.1. O episódio da mina accionada pela viatura de Pedro Pires

Este episódio ocorreu em 17 de março de 1972, uma sexta-feira, faz quarenta e cinco anos. Partindo do pressuposto de que serão poucos, certamente, os que dele têm conhecimento, tomei a iniciativa de o partilhar convosco.

Nessa sua missiva enviada a Pedro Pires (n. 1934-04-29), lamentando o sucedido, Amílcar Cabral refere que ele é (era) “fruto da traição dos nossos próprios irmãos”, situação que haveria de repetir-se consigo próprio, dez meses depois, em 20 de janeiro de 1973, ao ser assassinado em Conacri por membros do seu próprio partido, facto histórico amplamente divulgado nos mídia, e já do domínio público.

Quanto ao conteúdo transmitido, aqui vos deixo a sua totalidade, transcrevendo-o, e adicionando-lhe pequenos detalhes, colocados entre parênteses rectos.

O original está colocado no final, bem como referida a sua fonte.


2.2. A carta de Amílcar Cabral para Pedro Pires escrita em 18 de março de 1972

[Papel timbrado do PAIGC]

Conacri, 18 de Março de 1972


Meu caro Pires,


Algumas palavras apenas para te dizer que foi para mim uma grande surpresa saber, pela tua carta de 17 de Março [ontem], que tu estavas no carro [provavelmente uma viatura pesada] que caiu na mina na estrada de Sansalé [região de Boké, República da Guiné]. Vi bem que na mensagem [provavelmente telegrama] dizias caímos, mas pensei que fosse apenas maneira de exprimir nossa.

Temos ainda mais razões, portanto – e grandes, meu Deus – para sentir profundamente o que se passou, fruto da traição dos nossos próprios irmãos, ao serviço dos criminosos colonialistas tugas. Compreendo perfeitamente a tua tristeza ou indignação perante o acontecimento, e só agradeço a todos os deuses e irans [irãs] o não termos tido mais perdas [não quantificadas], a tua vida e a do Bacar [Cassamá], e a de outros camaradas terem sido preservadas.



Cortesia da Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivos > Arquivo Amílcar Cabral

Citação:
Bruna Polimeni (Ago’1971), "Amílcar Cabral, Constantino Teixeira e Bacar Cassamá entre outros militares do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43310 (2017-3-16)

Dado a gravida do caso escrevi uma informação ao [Ahmed] Sekou Touré [1922-1984], da qual te envio uma cópia. Hoje, dentro de meia hora, vou falar com ele sobre este assunto, que é do nosso interesse comum e que devemos resolver com urgência.


Bem gostaria de estar contigo agora para falarmos sobre este assunto – e sobre esta condição própria às lutas como a nossa que é a traição daqueles por quem lutamos e sofremos. Espero no entanto ver-te o mais breve possível. Lamentando, é certo, os camaradas perdidos e feridos, cujos nomes espero me indiques, regozijo-me no entanto em saber-te bem, ileso e, como sempre, decidido a dar tudo pela vitória do nosso Partido, ao serviço do nosso povo.


Todos te cumprimentamos com saudade.

Fraternalmente, Amílcar Cabral.


Fonte: Portal: Casa Comum

Instituição: Fundação Mário Soares


Assunto: Manifesta a sua surpresa por Pedro Pires se encontrar no carro que caiu na mina na estrada de Sansalé, colocada pelos “irmãos ao serviço dos criminosos colonialistas”. Refere que escreveu uma informação ao Sekou Touré, dada a gravidade do caso.

Remetente: Amílcar Cabral.

Destinatário: Pedro Pires

Data: Sábado, 18 de Março de 1972

Fundo: Pedro Verona Pires

Tipo Documental: Correspondência
________________

Nota do editor:

Postes anteriores da série > 



8 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Jorge: Obrigado por mais este contributo para o conhecimento do que se passava "do outro lado do combate"... Sansalé ficava a escassos a 3 ou 4 km da fronteira da "nossa" Guiné com a Guiné-Conacri, entre Sangonhá a noroeste e Cacoca a sudoeste... Vd aqui o mapa de Cacoca:


http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial21_mapa_Cacoca_Gadamael.html

Esse troço de itinerário (a estrada até Boké) era utilizada por viaturas do PAIGC, com alguma impunidade e à vontade. Algum dia as NT devem ter tido, de numa incursão ao território vizinho, minar a estrada... Quem não sabemos, mas o Amílcar Cabral, na carta que transcreves, diz que foi "fruto da traição dos nossos próprios irmãos, ao serviço dos criminosos colonialistas tugas"...

O Amícal Cabral ficou mesmo assustado com a notícia, a ponto de invocar os deuses e os irãs, (!), coisa que não era habitual num dirigente como ele, que deveria ser ateu ou agnóstico:
"e só agradeço a todos os deuses e irans [irãs] o não termos tido mais perdas, a tua vida e a do Bacar [Cassamá], e a de outros camaradas terem sido preservadas."

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A ter sido uma mina A/C colocada pelas NT, e dado que Spínola proibia terminantemente (?) na época as "incursões" em território dos países vizinhos (Senegal e Guiné-Conacri), depois da invasão de Conacry (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), esta ação só poderia ser imputada, em princípio, ao grupo especial de Marcelino da Mata, o único que teria "carta branca" para este tipo de operações: entrava na Guiné-Conacri difarçado, ele e o seu grupo,d e guerrilherios do PAIGC... Seria a ele que Amílcar Cabral se queria referir quando invoca a "traição dos nossos próprios irmãos, ao serviço dos criminosos colonialistas tugas" (sic) ?...

Na guerra de guerrilha e contraguerrilha, unns e os outros, eles e nóa, usávamos os mesmos processos "sujos". A guerra, todas as guerras, não são feitas por "cavalheiros"... nem muito menos "meninos de coro"... Qual é a diferença, hoje, entre um bombista-suicida e uma mina, deixada ao acaso numa estrada, onde passa toda a gente, de civis a militares ?

Mas o que é que o Amílcar Cabral queria dizer quando, assustado (... aquela mina poderia ter sido para ele!), escreve:

(...) "Dado a gravidade do caso (sic) escrevi uma informação ao Sekou Touré, da qual te envio uma cópia. Hoje, dentro de meia hora, vou falar com ele sobre este assunto, que é do nosso interesse comum (sic) e que devemos resolver com urgência." (...)

Será que ele tinha suspeitas sobre a autoria da mina ? Poderia ter sido gente de dentro do seu próprio partido ? Ou até das forças do Sékou Touré ? Que soluções poderiam os dois encontrar em conjunto ? "Fechar" a fronrteira ? Pòr um exército a "emparedar" os tugas ?... É um bocado enigmático este parágrafo...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

É pena não se encontrar, nos arquivos da Casa Comum, a carta que o Amílcar Cabral terá mandado ao seu amigo Sékou Touré, com cópia ao Pedro Pires, sobre o problema da segurança na estrada Sansalé-Boké,vital para o PAIGC e as suas infiltrações no sul da Guiné portuguesa... Da fronteira até Boké ainda eram umas largas dezenas de quilómetros e essa distância só podia ser percorrida em viaturas...

Anónimo disse...

Luís, os teus lamentos por não se encontrar a carta enviada por A.C. a S.T. são também os meus.

Provavelmente o que aconteceu foi um simples pedido de agendamento de uma reunião de trabalho para abordar este tema... e outros que tinha em carteira.

Realizado o encontro, em data também desconhecida, certamente que A.C. não deixou de apelar ao reforço doa apoios do governo da Guiné-Bissau ao PAIGC.

Acaso tenha sido assim, então está justificada a realização de uma outra reunião de trabalho, esta descentralizada a nível de ministros, em que, para além de A.C. participaram Ismaël Touré [1926-1985] (ministro da economia e finanças) e Mamadi Keita [1933-1985] (ministro da cultura e educação).

Na sequência desta reunião, A.C. formulou um conjunto de propostas com 4 pontos:
1. - reforço da cooperação militar, nos planos logístico e acção armada;
2. - no domínio da segurança a nível das fronteiras;
3. - reforço das forças vivas da luta;
4. - no domínio financeiro.

Esta proposta foi apresentada em 14Set1972.

Vou tratar esta informação... com tradução do francês.

Ab. Jorge Araújo.

Anónimo disse...

Onde se lê «Guiné-Bissau» deve-se ler, naturalmente, «Guiné-Conacri».

As minhas desculpas.

J.A.

Manuel Luís Lomba disse...

O Pedro Pires foi vítima de uma partida dos irans ou do Destino. E vou ser mais preciso que o seu líder:a mina A/C que injustiçou os seus camaradas, mas não o levou desta para melhor, seguramente que era de fabrico russo, do arsenal do PAIGC que ele, como nr. 2 do Comando Superior de luta, mandara colocar para injustiçar guineenses. Como as viaturas militares transportavam mais civis que militares, a factura do seu rebentamento, mortos e feridos, era geralmente paga pela população. Sei do que falo, porque fui projectado pelo ar, pelo rebentamento de 6 minas A/C, na estrada Buruntuma-Piche, que custaram a morte a 3 crianças, 2 mulheres, 3 homens e 18 feridos, entre os populares circulantes.
Bebeu do cálice do seu próprio veneno.
Manuel Luís Lomba

Manuel Luís Lomba disse...

Rectifico: Nessa altura, Pedro Pires não era o nr. 2 do Conselho Superior de Luta - era o controleiro (Comissário político) do Nino Vieira, Chefe das Operações do PAIGC/FARP. Não será difícil supor supor por que não quis ficar na Guiné...
Manuel Luís Lomba

Unknown disse...

Boa noite. Alguém conheceu Luís Fernando Ribeiro campos?