sábado, 14 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20452: Os nossos seres, saberes e lazeres (368): Elogio do Penedo do Granada, do Zêzere e do Cabril (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Junho de 2019:

Queridos amigos,
Sim, por aqui há incêndios, de Ansião a Vila Velha de Ródão está o maior coberto florestal europeu, é uma fonte de riqueza para pequenos e médios proprietários que aqui vêm buscar receita em eucaliptos e pinheiros, sobretudo. Há muito absentismo, muita aldeia abandonada, matos em estado deplorável, são combustão em expetativa nos tempos da canícula. Mas beleza não falta, em penedias, praias fluviais, meandros do Zêzere, não muito longe de Piódão, as aldeias de xisto, e das especialidades gastronómicas nem é bom falar.
E do alto da barragem do Cabril vos saúdo e vos convido a dar uma saltada para apreciar esta dimensão da interioridade, aparentemente sem nenhuma saída à vista.

Um abraço do
Mário


Elogio do Penedo do Granada, do Zêzere e do Cabril (1)

Beja Santos

Quando acabou a II Guerra Mundial, Salazar confirmou que o país pobre tinha um Estado rico, havia o imperativo de gerar outras formas de bem-estar para as classes apoiantes, fomentar a industrialização, ter uma política energética nacional. É por isso que se diz que a década de 1950 foi a década de ouro da hidroeletricidade, deu-se um aproveitamento espantoso do Cávado e do Zêzere. Quanto a este último rio, que nasce lá para os lados da Serra da Estrela e desagua em Constância, fizeram-se três barragens, Bouçã, Cabril e Castelo de Bode. Para além dos grandes benefícios advindos da hidroeletricidade, nasceram bairros singulares na Bouçã, em Cabril e Castelo de Bode, todas as obras que investigam a arquitetura deste tempo consideram que estes empreendimentos de bairros quase com autossuficiência, com moradias para os engenheiros, moradias para os trabalhadores, posto médico, casa de convívio, corte de ténis, piscina, cooperativa, uma extrema articulação interna, com escadas para todos os sítios. Um dia, no princípio do século, o viandante aqui arribou, neste Cabril instalado em Pedrógão Pequeno, enamorou-se dos espaços desafogados, havia ali uma moradia com bom granito, criminosamente abandonada, com o miolo todo arruinado, comprou-se à EDP, refez-se a preceito, aqui está uma das vistas possíveis da casinha, e o que se avista mais próximo é Pedrógão Grande. Neste preciso instante faz-se silêncio, os sinos de cinco igrejas dão horas, desde a Matriz e a Igreja da Misericórdia em Pedrógão Grande, a Senhora dos Milagres, e desta banda a Igreja de Pedrógão Pequeno e a Senhora da Confiança.



Quem diz casa diz jardim e o que aqui se apresenta é uma pequena apoteose primaveril, o viandante está convicto que na altura em que se pôs este empreendimento de pé vieram umas toneladas de boa terra preta a cobrir estas mega toneladas de pedra, não havia condições mínimas para a jardinagem. Dentro da lógica da autossubsistência, havia galinheiro quando se adquiriu a casa em ruínas, removeu-se o ferro velho, deixou-se o chão cimentado, com ajuda de um profissional trataram-se árvores de fruto, uma tangerineira e três laranjeiras, tenta-se, com pouquíssimo êxito, pôr as vinhas a engavinharem-se em novas latadas, é uma lástima, e tentam-se as plantas que não sejam muito comilonas de água. Há surpresas gratificantes, vejam-se estes chorões, de cíclame, a lavanda dá-se bem, o osteospermo prolifera, também as margaridas. Às vezes perde-se a cabeça e plantam-se dálias, é um autêntico totobola, o verão é fornalha e o inverno acompanha-se de geada, coisa curiosa, a japónica dá-se bem e os catos admiravelmente.










Temos aqui outra vista, quando o viandante recebe visitas leva-as à berma da propriedade, impressiona-as com este tabuleiro sobre o Zêzere, ao fundo há a foz de uma ribeira e eleva-se o Penedo do Granada, segundo a lenda aqui meditou e preparou as suas obras Frei Luís de Granada, por ali calcorreou Luís Vaz de Camões antes de ir a Constância curtir amores. Do outro lado avista-se Pedrógão Pequeno, aldeia de xisto, com panoramas dramáticos que cativaram artistas de mérito, como Alfredo Keil e Luigi Magnini, este tirou daqui ideias para cenários de óperas exibidas no Teatro Nacional de São Carlos. Vamos de seguida até esse passeio com escarpas dramáticas, com o Zêzere ao fundo, a serpentear para a foz.


(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20424: Os nossos seres, saberes e lazeres (367): A quintessência do ultrarromantismo: Monserrate (Mário Beja Santos)

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